Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 646/2022-T
Data da decisão: 2023-06-29  IRS  
Valor do pedido: € 68.331,11
Tema: IRS – mais-valias imobiliárias / conceito de habitação própria e permanente
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Sumário:

I.               O conceito de ‘habitação própria e permanente’, relevante para a aplicação do regime de exclusão de tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, implica a prova de uma ligação do sujeito passivo com determinado imóvel em termos que permitam dizer que o mesmo consubstancia nesse imóvel o centro da sua vida pessoal, o que pode provar-se, nomeadamente, através de contratos de fornecimento de bens e serviços que, habitualmente, são necessários a uma habitação permanente.

II.             As ‘despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação’, na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, são aquelas que conjuguem essas três caraterísticas de forma cumulativa, sendo a qualidade de ‘inerentes’ o resultado de uma relação de dependência entre a despesa e o ato de aquisição e alienação, ao ponto de não se poder conceber os segundos sem a realização da primeira.

DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

 

1. A…, NIF …, residente na Rua …, nº …, … …, notificada da Liquidação de IRS do ano de 2018, nos termos da qual é devida a quantia de € 68 331,11 (sessenta e oito mil trezentos e trinta e um euros e onze cêntimos), a título de imposto e de juros compensatórios, vem requerer, nos termos do Artigo 10.º do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária, a declaração de ilegalidade da mesma, pedido que fundamenta nos termos que de seguida se indicam:

 

A Requerente apresentou a declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2018, integrada com o anexo G, por ter procedido à alienação onerosa, em 26 de junho daquele ano, pelo valor de € 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil euros) da fração autónoma designada pela letra J, que corresponde ao 4.º andar esquerdo, do prédio em propriedade horizontal, sito na Rua ..., 12 em Lisboa. 

 

A mencionada fração autónoma foi adquirida em finais de dezembro de 2016, tendo como destino a habitação própria e permanente da Requerente, conforme menção expressa na escritura. 

 

Após algumas obras de melhoria, a Requerente fixou ali a sua residência, assim como a das suas filhas, desde meados de 2017, tendo também naquela morada o seu domicílio fiscal. Apresenta, como documentos destinados à prova desse facto, faturas de consumos de água, energia e telecomunicações.

 

No dia 26 de junho de 2018, conforme referido supra, a Requerente alienou o referido imóvel, tendo a sua representante na escritura feito constar nesta que “a fração autónoma não constitui a casa de morada de família da sua representada” com o fim, assim interpretado pela Requerente, de dispensar a outorga da escritura pelo então cônjuge da Requerente, com quem era casada no regime da separação de bens, mas que com ele não vivia e por entender que, se tal declaração não ocorresse, se exigiria a intervenção do cônjuge que se recusava a fazê-lo, dadas as tensas relações existentes com a Requerente.

 

Com o produto da venda, a Requerente amortizou o empréstimo bancário que havia contratado para a respetiva aquisição, tendo reinvestido o valor remanescente (€ 400.000,00) na compra, ocorrida no dia 28 de junho de 2018, da fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., n.º 58, em Lisboa, pelo valor de € 435 000,00, e que destinou à sua habitação própria e permanente, conforme menção expressa na escritura. 

 

 

 

Todos estes elementos foram fornecidos aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira em 30.04.2019 - cópias das escrituras de compra (2016) e da venda do imóvel alienado (2018) e cópia da escritura da compra do imóvel onde foi reinvestido o produto líquido da alienação, bem como cópia dos recibos com as despesas. 


A AT questionou os referidos elementos probatórios, desconsiderando a residência própria e permanente da requerente no imóvel alienado, e tendo emitido a liquidação impugnada, que a Requerente considera enfermar de diversos vícios, nomeadamente por violar direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e por desconsiderar uma despesa efetivamente realizada e paga pela requerente com os serviços de advogada nos atos preparatórios do negócio e em sua representação na outorga da escritura de venda.

 

2. A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustentou que a residência habitual da requerente era, “conforme apurado em sede de procedimento de gestão e análise de divergências”, noutro local que não o imóvel da Rua ..., 12, 4.º Esquerdo, em Lisboa.

Em concreto, a AT afirma que:

- Aquando da escritura de compra do imóvel, em 2016, a Requerente declarou residir na Praça ..., 8 – 1.º D, Lisboa e no momento da venda do mesmo bem (em 26/06/2018), a representante da requerente declarou que a mesma residia na Praça ..., 8 – 1º D, Lisboa e que o imóvel da Rua ... não era a sua casa de morada de família. Da conjugação dos dois factos retira a AT a conclusão de que “o imóvel alienado não era a habitação própria e permanente da Requerente”.

- As faturas de consumos de água, energia e telecomunicações não comprovam a residência no local por parte da Requerente, mas apenas que houve consumos no local (não necessariamente por parte da Requerente e respetivo agregado). Menciona, ainda, que a Requerente, entre 2017AGO01 e 2018MAR30 exerceu a atividade de “alojamento mobilado para turistas”, com o CAE 55201.

 

 

- Adicionalmente, após consulta do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, a AT verificou que uma das filhas da Requerente (com o NIF ...) nunca teve o domicílio fiscal no imóvel alienado e que só alterou o domicílio fiscal para o novo imóvel (na Rua ...) em março de 2022. Relativamente à outra filha (com o NIF ...), alterou o domicílio fiscal para o imóvel alienado com efeitos a 24/07/2017, mas ainda mantém essa morada como sendo o domicílio fiscal, apesar de o imóvel ter sido alienado em 2018;

- Não estão, como tal, reunidos os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, não podendo os ganhos obtidos com a transmissão estar excluídos de tributação (não pode considerar-se ter existido reinvestimento na compra do segundo imóvel);

- Não estando cumprido esse requisito, também não pode ser amortizado o empréstimo solicitado para compra do imóvel;

- Por fim, a AT considera que as despesas indicadas pela Requerente com o pagamento de honorários de advocacia, que relaciona com a preparação e representação na escritura de venda do imóvel em causa, não são despesas “necessárias e inerentes à alienação”, pois estas são apenas aquelas que “são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.” “Na verdade, embora tal despesa esteja conexionada com a venda não é inerente a esta, é-lhe exterior.” “As despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação são as relativas a registos e escrituras-públicas, a comissão paga ao agente imobiliário que intermediou a venda e o certificado energético.” A AT fez, em consequência, correções ao valor das despesas declaradas no quadro 4 do anexo G da declaração de IRS Mod 3 do ano de 2018, considerando apenas o valor de € 6.512,81.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 

 

 

31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03 de janeiro de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II - Fundamentação 

 

II.1 Matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, bem como nas alegações das Partes que não se mostram em conflito. Deste modo,

 

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

 

A.   Em 24.04.2019, a requerente apresentou a declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2018, dela fazendo constar o anexo G, por ter alienado onerosamente, em 26 de junho daquele ano, a fração autónoma designada pela letra J, que corresponde ao 4.º andar esquerdo (recuado) do prédio em propriedade horizontal, sito na Rua ..., 12, em Lisboa.

B.    A referida declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 2019…, datada de 24.04.2019.

C.   A aludida fração autónoma havia sido adquirida em dezembro de 2016 por € 200. 000,00, constando da escritura que “… a fracção autónoma ora adquirida se destina a sua habitação própria e permanente”.

D.   A 29.12.2016, a Requerente havia contratado, junto da B…, um empréstimo à habitação, no valor de € 80.000, para aquisição daquela fração autónoma.

E.    Após algumas obras de melhoria, a Requerente fixou ali a sua residência desde meados de 2017, tendo também naquela morada o seu domicílio fiscal. 

F.    A Requerente apresentou diversas faturas de consumos de água, energia e telecomunicações referentes ao período compreendido entre janeiro de 2017 e junho de 2018:

Água: 

a.     - 06.01.2017 a 15.03.2017

b.     - 16.03.2017 a 15.05.2017

c.     - 16.05.2017 a 15.07.2017

d.     - 16.07.2017 a 15.09.2017

e.     - 16.09.2017 a 15.11.2017

f.      - 16.11.2017 a 15.01.2018

g.     - 16.01.2018 a 15.03.2018

h.     - 16.05.2018 a 05.07.2018

Eletricidade:

- 28.07.2017 a 27.08.2017

- 28.08.2017 a 27.09.2017

- 28.09.2017 a 27.10.2017

- 28.10.2017 a 27.11.2017

- 28.11.2017 a 19.01.2018

Comunicações:

- junho 2017

- julho 2017

- setembro 2017

- novembro 2017

- dezembro 2017

- janeiro 2018

- fevereiro 2018

- março 2018

- maio 2018

- junho 2018.

G.   A fração correspondente ao 4.º andar direito do n.º 12 da Rua ... foi vendida, pela Requerente, em 26.06.2018, por € 480.000,00.

H.   A 26.06.2018, a Requerente liquidou antecipadamente o empréstimo que havia contratado junto da B…, pelo valor de € 78.003,42, por motivo de venda do referido imóvel.

I.     Em 28.06.2018, a Requerente comprou, a pronto pagamento, a fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., n.º 58, em Lisboa, pelo valor de € 435.000,00, tendo declarado na respetiva escritura que a mesma se destinava à sua habitação própria e permanente.

J.     Para efeitos de IRS, a Requerente declarou ter reinvestido a quantia de € 400 000,00 na aquisição da nova habitação, sita no imóvel correspondente ao 1.º esquerdo do n.º 58 da Rua ..., em Lisboa.

K.   A requerente foi notificada, imediatamente a seguir à entrega da declaração de IRS referente ao exercício de 2018, para comprovação dos quadros 4 e 5 do anexo G, referentes aos valores e datas da aquisição e da alienação do imóvel da Rua ..., 12 – 4.º esquerdo, Lisboa, e, bem assim, do valor, data de aquisição e identificação matricial do imóvel objeto do reinvestimento (Rua ..., nº 58 – 1º esquerdo, Lisboa). 

 

 

L.    Em 30.04.2019, a Requerente remeteu para os serviços da Autoridade Tributária cópias das escrituras de compra (2016) e da venda do imóvel alienado (2018) e cópia da escritura da compra do imóvel onde foi reinvestido o produto líquido da alienação, bem como cópia dos recibos com as despesas realizadas.

M.  A requerente foi alvo de um Processo de Divergências desencadeado pelo Serviço de Finanças de Lisboa … relativamente à declaração modelo 3 de IRS referente ao ano fiscal de 2018.

N.   A divergência suscitada pelos Serviços da Autoridade Tributária refere-se ao Anexo G, mais propriamente, (a) às despesas associadas à alienação do imóvel com o artigo matricial n.º U- …, fração J, freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, cuja morada é na Rua ..., nº 12, 4º Esquerdo, Lisboa (a AT aceitou os gastos com o IMT e com o IS, no total de € 6.512,81, não aceitando o restante referente às despesas com Advogado) e (b) à intenção de reinvestimento de parte do valor da venda no montante de € 400.000,00.

O.   A Requerente foi notificada, através do ofício datado de 11/05/2022, para proceder às correções no Quadro 4 e no Quadro 5 A, campos 5005, 5006 e 5008, do Anexo G, tendo, ainda, sido informada de que poderia exercer o correspondente direito de audição nos termos do artigo 60.º da LGT.

P.    A 31.05.2022 foi efetuada uma 2.ª notificação, registada com A/R, n.º RF … PT.

Q.   Através do ofício de 21.06.2022, registado com A/R, n.º RF … PT, rececionado a 23.06.2022, foi novamente dado conhecimento à ora Requerente das correções efetuadas.

R.   E assim procederam os Serviços, tendo elaborado uma declaração oficiosa e corrigido os valores em causa no Anexo G, campo 4001 – Quadro 4 – Despesas e encargos e campos 5005, 5006 e 5008 do Quadro 5.

S.    Desta declaração oficiosa resultou a liquidação n.º 2022 ..., com um valor a pagar de € 68.331,11.

 

 

 

Factos não provados

 

Não existem factos que tenham sido considerados não provados com relevo para a decisão da causa.

 

II.2 Matéria de direito

 

A questão que vem colocada a este Tribunal é a de saber se existem fundamentos para não considerar verdadeira a declaração da Requerente de que o imóvel correspondente ao 4.º andar direito da Rua de ..., n.º 12, em Lisboa, correspondeu, entre meados de 2017 e junho de 2018, à sua habitação própria e permanente.

A Requerente qualificou dessa forma aquele imóvel para efeitos de aplicação do regime especial de não sujeição a tributação, em sede de IRS, das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de imóveis, previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS. 

Qualificou-o dessa forma quando entregou a declaração modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2018, ao preencher o respetivo anexo G, no campo 4 e no campo 5 “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente”, inserindo, no primeiro, os dados relativos àquele imóvel e, no segundo, os dados relativos à “intenção de reinvestimento” e ao “reinvestimento após realização”. 

Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária (LGT), “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.” O mesmo decorre da norma constante do n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRS. 

A LGT enuncia ainda, no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, as situações em que a referida presunção não se verifica e que são as seguintes:

 

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.

De acordo com a AT, os motivos que sustentariam a desconsideração da declaração da Requerente quanto à sua habitação própria e permanente, seriam os seguintes:

(i) Aquando da escritura de compra do imóvel, em 2016, a Requerente declarou residir na Praça ..., 8 – 1.º D, Lisboa e no momento da venda do mesmo bem (em 26/06/2018), a representante da requerente declarou que a mesma residia na Praça ..., 8 – 1º D, Lisboa e que o imóvel da Rua ... não era a sua casa de morada de família. 

(ii) As faturas de consumos de água, energia e telecomunicações não comprovam a residência no local por parte da Requerente, mas apenas que houve consumos no local (não necessariamente por parte da Requerente e respetivo agregado). Menciona, ainda, que a Requerente, entre 2017AGO01 e 2018MAR30 exerceu a atividade de “alojamento mobilado para turistas”, com o CAE 55201.

 

 

 

 

(iii) Uma das filhas da Requerente (com o NIF ...) nunca teve o domicílio fiscal no imóvel alienado e só alterou o domicílio fiscal para o novo imóvel (na Rua ...) em março de 2022. Relativamente à outra filha (com o NIF ...), alterou o domicílio fiscal para o imóvel alienado com efeitos a 24/07/2017, mas ainda mantém essa morada como sendo o domicílio fiscal, apesar de o imóvel ter sido alienado em 2018.

Quanto ao argumento invocado em (i), veio a Requerente dizer que, por não ter disponibilidade para estar presente na escritura de 26.06.2018, se fez representar por advogado, que também interveio na preparação do documento, tendo nele feito constar a indicação de que o mesmo não correspondia à habitação própria e permanente da Requerente com o intuito de evitar a necessidade de a escritura ser também outorgada pelo então cônjuge da Requerente, com quem estava casada no regime de separação de bens, e que se teria recusado a participar na escritura. 

Não tendo este Tribunal motivos para duvidar de tal esclarecimento, importa também atribuir o devido valor à declaração em causa, constante da referida escritura. Para tanto, importa considerar que o conceito de habitação própria e permanente a que alude o n.º 5 do artigo 10.º da LGT tem sido objeto de tratamento jurisprudencial muito vasto, do qual se assinalam as seguintes principais conclusões:

- Acórdão de 14.11.2018, proferido no processo n.º 1077/11.9BESNT (01448/17): «No nº 5 deste art. 10º do CIRS prevê-se, pois, uma exclusão tributária que encontra razão de ser na protecção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente [é claro o objectivo da lei: «eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» (Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2ª edição, p. 142.)], 

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.07.2020, proferido no processo n.º 0114/15.2BELLE: o conceito de «habitação própria e permanente» previsto no artigo 10.º n.º 5 do CIRS « (…) assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos» ().

 

 

Face ao que antecede, o sujeito passivo pode demonstrar que sua habitação própria e permanente é, ou foi, em determinado lugar, através de factos justificativos de que fixou nesse imóvel o centro da sua vida pessoal, o que pode provar-se, nomeadamente, através de contratos de fornecimento de bens e serviços que, habitualmente, são fornecidos a uma habitação permanente – o caso da energia, da água e das comunicações. Foi o caso da Requerente, que juntou aos autos cópias de faturas que comprovam o fornecimento destes bens e serviços até junho de 2018, mês em que o imóvel foi alienado. Não nos parece, a esse propósito, que a prova que essas mesmas faturas visam fazer possa ser colocada em causa pela simples alegação, por parte da AT, de que a Requerente, entre 2017AGO01 e 2018MAR30, exerceu a atividade de “alojamento mobilado para turistas”, com o CAE 55201. Não só não existe qualquer prova de que tal atividade tenha sido exercida naquele imóvel (o que se poderia obter, nomeadamente, pela demonstração de que as faturas dos fornecimentos tinham sido deduzidas para efeitos fiscais), como a data de fim da atividade – 30.03.2018, é anterior à data em que o referido imóvel foi vendido, sendo nessa data que é relevante aferir se o imóvel se encontrava afeto à habitação própria e permanente do sujeito passivo.

Por fim, quanto à alegação, pela AT, de que uma das filhas da Requerente (com o NIF ...) nunca teve o domicílio fiscal no imóvel alienado e só alterou o domicílio fiscal para o novo imóvel (na Rua ...) em março de 2022 e que a outra filha (com o NIF ...), alterou o domicílio fiscal para o imóvel alienado com efeitos a 24/07/2017, mas ainda mantém essa morada como sendo o domicílio fiscal, apesar de o imóvel ter sido alienado em 2018, em nada contribui para o esclarecimento do que releva para o caso concreto, isto é, ser o referido imóvel a habitação própria e permanente da Requerente no momento da sua alienação, em junho de 2018. Por um lado, porque, conforme já foi sobejamente esclarecido pelo STA, os conceitos de ‘habitação própria e permanente’ e de ‘domicílio fiscal’ não são sobreponíveis – pelo que não fica posta em

 

 

causa a afirmação, pela Requerente, de que teve a sua habitação própria e permanente naquele imóvel entre meados de 2017 e junho de 2018. Aliás, a AT não pode, sob risco de contradição, desconsiderar o facto de a própria Requerente ter o seu domicílio fiscal na mesma morada que declara ter sido a sua habitação própria e permanente naquele período e considerar relevante o facto de as suas filhas não o terem no mesmo período de tempo. Ou o domicílio fiscal releva nos dois casos – e então o facto de a Requerente ter o seu domicílio fiscal naquela que declarou ser a sua habitação própria e permanente é relevante para a AT considerar verdadeira a declaração da Requerente quanto à sua habitação própria e permanente – ou então não é relevante em nenhum dos casos, pelo que o argumento deixa de fazer sentido.

Tudo visto e considerado, não parece a este Tribunal que a AT tenha invocado factos ou situações suscetíveis de pôr em causa a veracidade do declarado pela Requerente no anexo G da sua declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2018. Assim sendo, consideram-se preenchidos os pressupostos de que depende a exclusão de tributação das mais-valias em causa, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

Quanto ao empréstimo contraído junto da B…, e respetiva amortização na data da venda do imóvel sito no 4.º direito do n.º 12 da Rua ..., considera-se o mesmo provado pela declaração do Banco junta pela Requerente como documento 5 anexo ao pedido de pronúncia arbitral, pelo que deverá o respetivo valor ser tido em conta para efeitos da contabilização do valor do reinvestimento, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

Por fim, quanto às despesas com honorários de advogado, a Requerente alega, em defesa da respetiva relevância para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS, que não pôde estar presente na escritura de venda do imóvel por motivos profissionais e que, por essa razão, se fez representar por um advogado, que também interveio na preparação do contrato. A AT entende que a despesa não cumpre os critérios fixados na norma prevista naquele dispositivo legal, pelo que a eliminou do total de despesas apresentadas pela Requerente no anexo G da declaração de IRS. 

 

 

A lei prevê que sejam tidas em conta, para efeitos de cálculo das mais-valias, “as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”. A AT defende a tese da inseparabilidade, isto é, que não basta que as despesas apresentem uma ligação com a aquisição ou com a alienação, sendo necessária uma relação intrínseca com esses atos. Cita um acórdão do TCA Sul (processo 05834/12, acórdão proferido em 10/07/2017) em que o tribunal sustenta que “No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. De outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação.”

Concordamos com esta posição: o legislador não qualificou as despesas apenas como ‘necessárias’ e ‘efetivamente praticadas’, mas também como ‘inerentes à aquisição e alienação’. O termo ‘inerentes’ tem que ter uma relevância autónoma do termo ‘necessárias’, sendo um adjetivo habitualmente utilizado para qualificar o que está intimamente ligado, ao ponto de ser um atributo ou propriedade de algo, de fazer parte, desse alguém ou desse algo. Por exemplo, o imposto que é ‘inerente’ à aquisição ou alienação é aquele que dela é inseparável, ao ponto de aqueles atos não terem lugar se o imposto não for pago. 

Não é isso que ocorre com a despesa, apresentada pela Requerente, referente aos honorários de advogado. Efetivamente os serviços jurídicos foram necessários à prática do ato de alienação (em representação da requerente) – o mesmo não se podendo dizer dos honorários relativos à preparação do contrato – assim como não se duvida que tenham efetivamente sido praticadas. Contudo, os serviços jurídicos de advocacia não são inerentes à venda, não se podendo dizer que são ‘parte da venda’. Essa relação de inerência não existe, pelo que este tribunal entende que a AT fez uma correta 

 

 

interpretação e aplicação do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, corrigindo o valor das despesas declaradas no quadro 4 do anexo G da declaração de IRS Modelo 3 do ano de 2018, passando o valor a € 6.512,81 por eliminação de € 1.245,00 constantes das faturas nºs 231 e 232, ambas de 25.07.2018, cujas cópias foram juntas como documento 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

(i) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais, no que respeita à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional n.º 2022 ..., na parte em que este (i) considerou não aplicável ao caso o regime previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS e (ii) na parte em que este desconsiderou o valor da amortização do empréstimo junto da B… para efeitos de cálculo do valor do reinvestimento;

(ii) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito à correção efetuada pela AT relativamente às despesas com honorários de advogado, no montante de € 1.245,00, constantes das faturas nºs 231 e 232, ambas de 25.07.2018, cujas cópias foram juntas como documento 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 68.331,11, que não foi contestado pela Requerida, e que corresponde ao valor da liquidação cuja anulação se pretende, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, que fica a cargo da Requerida e da Requerente, na proporção do decaimento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 de junho de 2023   

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Vítor Calvete

 

A Árbitro relatora

 

 

 

Raquel Franco

 

A Árbitro vogal

 

 

Maria Torres