Sumário
I. Não é possível invocar na impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação, vícios inerentes ao ato de fixação do valor patrimonial do imóvel que lhe serviu de base tributável.
II. Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Paulo Ferreira Alves designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20-03-2023, decide o seguinte:
I. Relatório
A..., S.A, com o número de identificação fiscal português..., com sede em ..., n. º ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI” ) 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020... e 2020..., referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 2.636,57, bem como a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzida contra estes atos tributários.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 10 de Janeiro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora árbitro para formar o Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 20 de março de 2023.
Em 2 de maio de 2023, a Requerida apresentou Resposta defendendo-se por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 16 de maio 2023, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, bem como foi fixado o prazo para a prolação da decisão. As partes optaram por não apresentar alegações escritas no prazo concedido.
Posição da Requerente
A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:
(a) Não se conforma com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, tacitamente presumido e, por conseguinte, com os atos tributários de liquidação de IMI que lhes está subjacente, vem suscitar a apreciação da legalidade daquele indeferimento tácito e dos próprios atos de liquidação subjacentes aos mesmos, junto deste Tribunal, requerendo a respetiva anulação.
(b) Defende que o ato de indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa – que se tenha pronunciado sobre a legalidade do tributo que o consubstancia – é um ato passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral, de que foi também já colocada (e reiteradamente esclarecida, em sentido afirmativo) a questão de saber em que medida o indeferimento tácito daquele pedido pode também ser apreciado no âmbito de um processo arbitral.
(c) Defende que decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objeto os atos mencionados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
(d) E, em concreto, prevê a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT a possibilidade de apresentação de impugnação judicial no prazo de três meses contados a partir da “Formação da presunção de indeferimento tácito”.
(e) Sustenta que resulta inequívoco que a apreciação do indeferimento tácito se encontra compreendida no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, sendo este Tribunal concretamente competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito sub júdice e, bem assim, dos atos tributários de IMI subjacentes aos mesmos.
(f) Alega, que as liquidações de IMI sub júdice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, o valor patrimonial tributário de um terreno para construção detido pela Requerente, valor este que estava fixado segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI.
(g) Defende que face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.
(h) Nos anos sub júdice (2018 a 2020), relativamente ao terreno para construção em apreço, a AT liquidou um montante de IMI superior ao montante legalmente devido face ao valor patrimonial tributário que deveria ter sido considerado para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente a este ano.
(i) A AT não retificou o valor patrimonial tributário que serviu de base tributável da coleta de IMI deste mesmo terreno para anos de tributação anteriores (2018 a 2020) – i.e. para estes anos, a coleta de IMI deste terreno para construção continuou assente em valores patrimoniais tributários errónea e ilegalmente fixados.
(j) Para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário do terreno para construção da Requerente cuja coleta que aqui contesta parcialmente, a AT considerou, sobre o valor médio de construção legalmente definido, a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI – i.e. a AT aplicou indevidamente o valor base dos prédios edificados (Vc) ao terreno para construção em apreço – valor este correspondente, no ano 2018 a € 603,00; e no ano 2019 e 2020 a € 615,00).
(k) Deste modo, nos anos sub júdice (2018, 2019 e 2020), relativamente ao terreno para construção em apreço, a AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face ao valor patrimonial tributário que deveria ter sido considerado para efeitos de cálculo da coleta de IMI referente a estes anos.
(l) Consequentemente, entende estar perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma coleta ilegal de tributo.
(m) A Requerente conclui pela anulação dos atos, com as legais consequências, incluindo juros indemnizatórios.
(n) Concretamente peticiona que sejam parcialmente anulados os atos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito. Acrescida da condenação da AT no reembolso à Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 2.636,57, relativamente às liquidações sub júdice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
(o) A Requerente, peticiona ainda, a titulo subsidiário, seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal e a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do mesmo Código deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMI sub júdice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.
Posição da Requerida
Na perspetiva da Requerida, sustenta o seguinte:
(a) A presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
(b) Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento,
(c) O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.
(d) Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
(e) Nos presentes autos vem requerida a declaração de ilegalidade das liquidações de IMI referentes aos anos de 2019 a 2020, com fundamento na aplicação indevida, na avaliação dos terrenos para construção identificados nos autos, da majoração de 25% prevista no nº 1 do artigo 39º do CIMI
(f) Relativamente ao prédio com o artigo urbano da espécie terreno para construção identificado - Artigo Urbano - ..., da freguesia de ... (...) do Concelho de Loures, a avaliação relevante e que fixou o VPT, eficaz para as liquidações contestadas, foi efetuada com a declaração Modelo 1 nº ... de 01.08.2006 - Ficha Avaliação nº ... de 17.09.2010.
(g) Sustenta a Requerida, que, não assiste qualquer razão à Requerente porquanto o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade.
(h) E nos termos da mais recente jurisprudência consolidada do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
(i) Conclui a Requerida, que deve presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação parcial dos atos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzida contra os atos tributários impugnados, apresentado em 15 de Julho de 2022, e nos termos do .ºs 1 alínea d) e 2 do artigo 102.º, do CPPT formou-se a presunção de indeferimento tácito 15 de Outubro de 2022.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Fundamentação de Facto
1. Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam por provados:
A. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI (cf. Documento 2 da PPA):
i. Liquidações com os n.ºs 2018..., 2018... e 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 25.526,02;
ii. Liquidações com os n.ºs 2019..., 2019... e 2019..., referentes ao ano 2019, no montante total de € 27.725,25; e,
iii. Liquidações com os n.ºs 2020..., 2020... e 2020..., referentes ao ano 2020, no montante total de € 21.426,38.
B. A Requerente procedeu ao pagamento integral do imposto. (cf. Documento 2 da PPA.)
C. As liquidações de IMI tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, o valor patrimonial tributário de um terreno para construção detido pela Requerente, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI. cf. Documentos 4 da PPA.
D. A Requerente submeteu em 15 de julho de 2022, o pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação referidos. cf. Documento da PPA.
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir.
No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, que é consensual. A questão a decidir é, pois, unicamente de direito.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
IV. Do Mérito
O PPA tem por objeto imediato os atos de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentada pela Requerente em 15 de Julho de 2022, ao abrigo dos artigos.º 78.º e seguintes do LGT, e por objeto mediato as Liquidações Contestadas.
A Requerente, alega em suma que as liquidações de IMI, para efeitos de determinação do valor tributável, foi fixado segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI.
A Requerida, contra-alegou, no sentido de que a Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT), e que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
Assim, passando a apreciar as questões suscitadas.
Em primeiro lugar, atentemos, se deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT no momento da sua fixação, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de IMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações, e em segundo lugar, se podendo fazê-lo, existe um erro na avaliação do VPTs.
Neste contexto, foi recentemente, proferido o acórdão pelo STA, no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência, o qual se pronunciou sobre a questão de saber se se poder arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações.
No acórdão de 23.02.2023, proferido no processo 0102/22.2BALSB, o STA decidiu, no mesmo sentido em que já se tinha pronunciado anteriormente, de que não é possível invocar, na impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação, vícios inerentes ao ato de fixação do valor patrimonial do imóvel que lhe serviu de base tributável (cf. entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/07/2016, proferido no processo 0173/16, consultável em www.dgsi.pt).
Neste sentido, por ser de relevo para os autos, veja-se a decisão Arbitral proferida no processo 512/2022-T, designadamente o resumo da posição do STA, que subscrevemos e merece ser aqui transcrito:
“- vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária, segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento (cf. artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT).
- o princípio da impugnação unitária tem duas exceções, referentes a casos em que é admitida a impugnação imediata dos atos interlocutórios. Tal sucede (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório;
- a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação;
- no que respeita, em particular, aos atos de fixação de valores patrimoniais, rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7);
- o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigos 37.º a 46.º e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação: quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da primeira avaliação, pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como prevê o artigo 77.º do mesmo Código.
- o disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI deve ser interpretado em conjugação com o disposto no artigo 134.º do CPPT e no artigo 86.º, n.º 2, da LGT: a necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.
- prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
- o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
- o mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).”
Seguindo esta fundamentação, refira-se a conclusão proferida no Acórdão Uniformizado suprarreferido, bastante esclarecedor para a apreciação da questão submetida a este processo:
“Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.
Face à jurisprudência citada, entende o Tribunal Arbitral que a Requerente ao não ter arguido a ilegalidade do VPT no momento da sua fixação, não lhe é lícito posteriormente vir arguir a ilegalidade da liquidação com base em fundamentos que se relacionam com a avaliação e posterior fixação do VPT.
Pelo anteriormente exposto, para as liquidações in casu não se verifica qualquer erro no ato de liquidação, porquanto foram calculados com base no VPT constante na matriz predial.
Em consequência, improcede o pedido da Requerente.
Do reembolso do IMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios
Peticiona ainda a Requerente, o reembolso do IMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Ora, atendendo à improcedência do pedido principal, improcede igualmente o presente pedido.
Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada, de improcedência do pedido da Requerente, de arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável, fica assim prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral quanto aos vícios na avaliação e determinação dos VPTs dos terrenos para construção, concretamente, se a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores do VPT e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:
a) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido;
b) Condenar a Requente no pagamento integral das custas do processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 2.636,57 (dois mil seiscentos e trinta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de € 612.00 (seiscentos e doze euros), a suportar integralmente pela Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
Lisboa, 28 de junho de 2023
O árbitro,
Paulo Ferreira Alves