Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 414/2022-T
Data da decisão: 2023-06-21  Selo  
Valor do pedido: € 1.285.352,00
Tema: Imposto do Selo nas transmissões onerosas de imóveis – Artigos 9º-2, do CIS e 12º, do CIMT
Versão em PDF

 

CAAD: Arbitragem Tributária CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 139/2020-T

Tema: IVA – Liquidações julho a março de 2019  - Artigo 18.º do Código do IVA 
Verba 1.11 da Lista I e verba 3.1 da Lista II, ambas as listas anexas ao 

 

 

 

Sumário: I – A base do tributável do imposto do selo previsto nos artigos 9º-4, do CIS e 12º-1, do CIMT e Verba 1.1, da TGIS, é o VPT dos imóveis, fixado pela Administração Fiscal na data dos atos ou contratos que tenham esses imóveis por objeto, salvo se os valores desses atos e/ou contratos fixarem valores superiores àqueles VPT´s que, nesse caso, serão a base tributável. II – Estes valores, em sede de imposto do selo,  não constituem presunções legais e, consequentemente, não lhes é aplicável o regime previsto no artigo 73º, da LGT. III – Os procedimentos de prova do preço efetivo não são admissíveis em sede de imposto do selo mas tão somente em sede de IRC (artigos 64º e 139º, do CIRC). IV - O Tribunal Arbitral Tributário é materialmente competente para apreciar, por erro nos seus pressupostos de facto e/ou de direito,  o ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidação de imposto do selo (ato de primeiro grau) e das consequentes liquidações de imposto (atos de segundo grau), no prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 78º-1, da LGT. 

 

*

Acórdão

 

Acordam os árbitros que integram este Tribunal Coletivo, José Poças Falcão (Presidente), Sérgio Vasques e Jorge Carita (Adjuntos):

 

I – RELATÓRIO

 

1         A…- Sociedade Imobiliária, Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …, B… – Sociedade Imobiliária, Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …, C… – Sociedade Imobiliária, Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …, D… – Sociedade Imobiliária, Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva … e E… – Sociedade Imobiliária, Lda, sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva … (doravante, “Requerentes” ou “Demandantes”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a); artigo 6.º, n.º 2, alínea b), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral formulando contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também denominada “AT” ou “Requerida”) pedido de  “(...) anulação do indeferimento tácito / liquidações, por (i) ilegalidade face a erro nos pressupostos de facto e/ou (ii) violação dos artigos 5º e 73.º da LGT, e 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP, procedendo-se consequentemente à restituição do imposto indevidamente pago no montante de EUR 1.285.352,00, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT (...)”.

2         À luz do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros deste tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3         Ulterior e oportunamente, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 15-11-2022

4       Para o efeito notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, contestando-o, por exceção e por impugnação, concluindo pela sua total improcedência.

5       As demandantes responderam, por escrito,  à matéria da exceção, na sequência e em consequência da notificação para esse efeito por força do despacho de 10-1-2023

6       A reunião do Tribunal com as partes prevista no artº 18º, do RJAT, foi dispensada sem oposição das partes, por ser reconhecida a sua inutilidade no caso.

7         As partes apresentaram alegações escritas finais em que concluíram fundamentalmente pela forma que o haviam feito nos articulados.

 

Posição das Requerentes

 

8          No essencial, alegam as Requerentes a fundamentar o pedido:

 

11.1                São  sociedades comerciais que se dedicam à compra e venda de imóveis, sua exploração e arrendamento;

11.2                Entre 2018 e 2021, as Requerentes adquiriram vários imóveis, por contrapartida do preço de compra e venda [nos termos melhor descritos na (extensa) tabela junta com o pedido de pronúncia arbitral (PPA)(Documento n.º 1)  e nas escrituras públicas (Documentos n.ºs 2 a 114)][1]  

11.3                Os preços de compra e venda dos sobreditos imóveis foram integralmente pagos;

11.4                Ao tempo das referidas aquisições, o VPT (valor patrimonial tributário)  dos mencionados imóveis[2]excedia os preços fixados nos respetivos contratos de compra e venda;

11.5                As Requerentes procederam ao pagamento de Imposto do Selo por conta da transmissão dos sobreditos imóveis, à taxa de 0,8%, tendo as respetivas liquidações (cujos números das respetivas guias se encontram discriminados no citado Documento n.º 1), tomado como valor tributável os respetivos VPT’s, despoletando o pagamento de um montante total de EUR 2.476.063,00 por parte das Requerentes;

11.6                Se as citadas liquidações tivessem sido emitidas ou processadas considerando o preço de compra e venda como base tributável, o Imposto do Selo devido teria sido de EUR 1.190.712,00 (representando assim uma diferença face ao valor efetivamente liquidado e pago de um total de EUR 1.285.352,00) (cf. Documentos n.º 1 a n.º 114);

11.7                As Requerentes apresentaram, em 13 de janeiro de 2021,  pedido de Revisão Oficiosa (Documento n.º 121) tendo em vista anular as Liquidações relativas à transmissão dos imóveis, com base na ilegalidade das mesmas decorrente de (alegado) erro nos pressupostos de facto, manifestado por via da (alegada) ilisão da presunção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT dos imóveis e não ao preço de compra e venda, demonstrando o valor efetivamente pago pela aquisição dos imóveis e manifestando-se disponíveis para providenciar a demais prova que razoavelmente se entendesse necessária, bem como de violação de preceitos legais e constitucionais (v.g. artigo 73.º da LGT e artigos 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP), decorrente de eventual entendimento tendente à impossibilidade da ilisão da sobredita presunção;

11.8                 Tal  pedido não tinha sido objeto de despacho pela AT à data de 8-7-2022 (data de apresentação do presente PPA)[3], considerando-se, por isso,  tacitamente indeferido.

 

Posição da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

9          Na resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem alegar, no essencial e em síntese:

 

Por exceção: incompetência material do Tribunal Arbitral

 

9.1     O Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o ato indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT; 

9.2     Quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação,preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato deliquidação ( tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°);

9.3     Por outro lado, a decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do acto de liquidação.

9.4      Conforme se deliberou no Ac. do STA, de 06/11/08 (Proc. nº 0357/08), “(...) a forma processual de reacção contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a acção administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do acto de liquidação (...)”

9.5     “(...) É  inquestionável que o Tribunal Arbitral vai ter que analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que a AT defende que não existe qualquer erro, de facto ou de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação (...)”

9.6      A  situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT, sendo constitucionalmente vedada, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime (de arbitragem), renunciando nessa medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigos 25.º e 27.º da RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].

9.7     O PPA não é interposto para a apreciação directa de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa.

9.8     Tudo isto remete para o procedimento da prova do preço efetivo na transmissão de imóveis – previsto nos artigos 139.º e art.º 64.º do CIRC – que, diga-se desde já, antecipando o que se irá dizer em sede de impugnação, só tem consequências no âmbito do IRC, não produzindo quaisquer efeitos em sede de IMI ou IMT.

9.9     Ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 139.º do CIRC, só aplicável em sede de IRC,  visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT e  implica discutir o preço real praticado na aquisição do imóvel através do procedimento de prova regulado nos arts. 91º e 92º da LGT que designadamente, depende da promoção de uma reunião de peritos com a finalidade de se obter um acordo sobre o preço efectivamente pago pelo adquirente do imóvel, bem como, o acesso a informação bancária do sujeito passivo e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período anterior.

9.10   Ora, a demonstração do preço efetivo ou real da transmissão de direitos reais, nas circunstâncias concretas do presente processo não pode, nem deve ser feita em sede arbitral, designadamente, quando as requerentes não accionaram o procedimento existente para esse efeito e com esse intuito, previsto no artigo 139.º do Código do IRC

9.11    É evidente que o Tribunal vai ter que decidir de uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT.

9.12   O legislador consagrou, pois, um mecanismo administrativo próprio para que os contribuintes pudessem ilidiruma presunção legal relativa à ilisão do VPT, considerando-a condição prévia da impugnabilidade do ato a liquidar que daí resultasse.

9.13   Não tendo as Requerentes dado início, administrativamente, ao procedimento previsto no artigo 139.º doCódigo do IRC, mas apenas efectuado um pedido de revisão oficiosa que não tem essa virtualidade, mediante o qual poderiam fazer a prova do preço efetivamente pago na transmissão dos bens imóveis em causa nospresentes autos, não podem agora pretender fazer tal prova nem poderão impugnar a legalidade do ato de liquidação de imposto de selo.

9.14  Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT.

 

Por impugnação 

 

9.15  O IS incidiu sobre o VPT dos imóveis ao invés do respetivo preço de compra e venda, este último substancialmente mais baixo do que aquele, resultando no incremento do imposto pago em €1.285.352,00.

9.16  Em 2022-01-14, apresentaram pedido de revisão oficiosa tendo em vista anular as liquidações de IS relativas à transmissão dos imóveis com base (i) na ilegalidade das mesmas decorrente de erro nos pressupostos de facto, manifestado por via da ilisão da presunção /ficção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT dos imóveis e não ao preço de compra e venda, demonstrando o valor efetivamente pago pela aquisição dos imóveis e manifestando-se disponíveis para providenciar a demais prova que razoavelmente se entendesse necessária, bem como, (ii) em eventual entendimento tendente à impossibilidade da ilisão da presunção, resultando na violação de disposições legais e constitucionais.

9.17  O que originou a instauração dos seguintes processos de revisão oficiosa:

•       Processo n.º … em nome de A… - Sociedade Imobiliária, Lda. - NIPC …;

•       Processo n.º … em nome de B… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIPC …;

•       Processo n.º … em nome de C… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIPC …;

•       Processo n.º … em nome de D… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIF …;

•       Processo n.º … em nome de E… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIF:…

       9.18 Não lograram as requerentes obter (até 8-7-2022, data da apresentação deste pedido de pronúncia arbitral) qualquer resposta a esse esse pedido de revisão oficiosa.

 

Resposta à(s) exceç(ão)ões

 

10         Respondendo autonomamente e por escrito à matéria das exceções concluíram as Requerentes, depois de assinalarem dificuldade na sua identificação, que surpreendem, alegadas, as seguintes: (i) exceções dilatórias de incompetência material do Tribunal Arbitral,   (ii)  de inidoneidade do meio processual, (iii) “(...) sem prejuízo de ser ainda indicada a alegada intempestividade do Pedido de Revisão Oficiosa (...)”.

11         Assim é que, segundo a AT, (a )inexiste erro imputável aos serviços para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, daLGT, pelo que o Pedido de Revisão Oficiosa é extemporâneo (cf. p. 8 e p. 33 da Resposta);  (b) inexiste injustiça grave ou notória para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, pelo que o Pedido de Revisão Oficiosa é extemporâneo (cf. p. 35 da Resposta); (c) O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a (i)legalidade/requisitos do indeferimento tácito pois tal decisão não comporta a análise da legalidade de um ato deliquidação (cf. p. 13 e p.18 da Resposta); (d) O pedido de revisão oficiosa e o presente processo são meios inidóneos para comprovar o preço real da transação (i.e. o preço de compra e venda dos imóveis tal como definido no PPA) na medida em que inexiste um meio administrativo próprio para tal, não se aplicando, em particular, o artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“Código do IRC”) (cf. p. 21, p. 26, p. 28 e p. 36 da Resposta).

12         As Requerentes, desenvolvendo abundante argumentação, impugnam todas as exceções para, a final, concluírem pela sua total improcedência.

 

Alegações finais 

 

13         Nas  alegações finais, apresentadas por escrito, as partes mantiveram, no essencial, as posições assumidas anteriormente, nos respetivos articulados.

 

Saneamento 

 

Competência material do Tribunal

14         Suscita a Requerida, como exceção, a questão da (in)competência material do Tribunal Arbitral porquanto, não tendo havido erro imputável aos serviços (da AT), na liquidação, “(...)preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação (...)”, além de que “(...)o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º, da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT (...)”. 

 

Vejamos

15         Sufragando ou acompanhando, no essencial, a posição impugnatória das Requerentes relativamente à exceção, dir-se-á, tal como se afirmou na decisão proferida em 6-5-2018, no processo CAAD nº  661/2017-T, publicada no respetivo site que “(...)as presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem (...). No presente casoa Requerente não utilizouaquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral, na sequência de indeferimento (tácito) de pedido de revisão oficiosa, é meio próprio para ilidir a presunção de incidência (...) que suporta as liquidaçõestributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT)” (realce das Requerentes)

16         Todavia, a questão ou questões objeto dos autos, reconduzem-se a saber ou apurar se o ato de indeferimento, tácito, de pedido de revisão oficiosa pode ou não ser mantido na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nas liquidações sob impugnação.

17         Por outro lado, sendo exato que não pode o Tribunal substituir-se à AT na fixação do VPT,[4] a questão que se coloca não é a de apurar qual foi o valor real das vendas dos imóveis em causa:  parece claro e indiscutível que os preços fixados foram realmente os que constam dos títulos de venda ou contratos (escrituras públicas).

18         Verdadeira e substancialmente o contestado  grosso modo, é a base de tributação do imposto do selo, entendendo as Requerentes que essa base é o valor real dos imóveis de que o VPT será meramente o valor presumido, presunção que os contribuintes poderão, alegadamente, ilidir (presunção juris tantum) através da demonstração de venda dos imóveis por preço inferior ao VPT fixado nessa data.

19         A este propósito trazem ainda as Requerentes à colação os  “(...) princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2º e 111º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigo 3º, nº 2 e 266º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30º, nº 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT (...)”.

20         Pois bem, com vista a apreciar e decidir as questões/exceções de  competência material do Tribunal e (in)idoneidade do meio processual utilizado, importa desde já apurar ou saber, para efeitos de tributação em imposto do selo por força do artigo 12º/1, do CIMT, conjugado com o artigo  9º/4, do CIS - disposições das quais resulta, com clareza, que a tributação neste imposto tem como base “(...) o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior (...)” – se se  surpreende a existência de presunção, e ilidível, traduzida na possibilidade de ser demonstrado que, apurada a realidade do preço da venda, deverá ser este e não o valor patrimonial tributário, superior ao valor do ato ou contrato, que deve prevalecer como base de tributação.

 

Apreciando a questão mais em detalhe:

21         As presunções legais têm necessariamente de resultar da Lei, podendo ser – e na esmagadora maioria dos casos são -  ilidíveis, isto é, admitem prova em contrário do interessado e dispensando de prova quem tenha a seu favor essa presunção  – Cfr artigos 349º, 350º e ss., do Código Civil

22         As presunções legais são, deste modo, normas criadas pelo legislador que estabelecem uma relação entre um facto conhecido (provado) e um facto desconhecido ou incerto, inferindo este último a partir daquele.

23         Em matéria de incidência tributária, muito especialmente, podem as presunções ser explícitas, reveladas pelo uso de expressões como “presume-se”“considera-se que” ou equivalentes [serão as situações mais óbvias e que não suscitarão especiais dúvidas] ou quando estão ainda dalgum modo implícitas (as presunções)  em normas de incidência, em especial de incidência objetiva, designadamente quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real[5]mas também, admite-se, podem surpreender-se presunções em resultado da análise do enunciado linguístico da norma.

24         As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre a prova em contrário, ou seja, são sempre ilidíveis – artigo 73º, da LGT. 

25         Para ilidir a presunção nessas normas de incidência tributária, deve o contribuinte ou interessado “(...)caso não queira utilizar as vias da reclamação graciosa ou impugnação judicial de ato tributário que nela (presunção) se baseie,  solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio (...)”, instaurando-o no órgão periférico local competente – Cfr artigo 64º, do CPPT.

26         Nos citados artigos 9º-4, do CIS e 12º, do CIMT, em causa nos autos, questiona-se a existência, implícita ou explícita, de presunção na definição da base tributável para os valores declarados pelas partes se forem correspondentes aos valores reais ou de transação dos imóveis, privilegiando esses valores relativamente aos VPT’s à data dos respetivos negócios jurídicos, como base de incidência do respetivo imposto do selo.

27         Pois bem, entendemos que não existe essa presunção ou que a mesma não resulta da exegese do bloco normativo citado.

28         Na verdade, quisesse o legislador consagrar a presunção e fácil e claramente teria conseguido traduzir essa vontade inserindo expressões como “presume-se”“considera-se” ou outras de sentido equivalente, na norma do artigo 12º, do CIMT que para maior facilidade expositiva se transcreve no essencial: “(...) 1. O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior (...)”.

29         E é esta igualmente a base tributável para efeitos do disposto na Tabela Geral do Imposto do Selo (Verba 1.1 – 0,8%), por força do disposto no citado artigo 9º-1 [“ (...) o valor tributável é o que resulta da Tabela Geral (...)] e 4 [(“...) a tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis prevista na Tabela Geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) (...)”].

30         O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 2 de maio de 2017 (Processo n.º 285/15), julgou inconstitucional a norma (à data) contida no artigo 44.º do Código do IRS quando interpretada no sentido de conter uma presunção inilidível, decretando depois que [quer se entenda] a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso comonoutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido  

31         Todavia, neste aresto do Tribunal Constitucional não se analisava, como parece óbvio, situação idêntica à dos presentes autos.

32         Na verdade, a norma do citado artigo 44º, do CIRS, permitia um juízo interpretativo claro sobre a natureza presuntiva da norma em resultado do seu texto quando referia, no seu preâmbulo, “(...) Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização (...) [grifado nosso].

33         Ora a expressão utilizada – “considera-se” – não é usada na redação do artigo 12º, do CIMT, nem se antolha o uso de qualquer outra equivalente e que induza a uma interpretação no sentido da verificação de presunção ou presunções quanto ao valor e regime da base tributável.

34         Pelo contrário, surpreende-se na redação do artigo 12º, do CIMT ora em causa (aplicável em sede de imposto do selo) uma natureza claramente imperativa ou  perentória, sem lugar à admissão de juízo interpretativo válido que inclua a admissibilidade de  presunção, ainda que implícita: a base tributável é o valor constante do ato ou o VPT, se este for superior [ “(...)O IMT  incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior (...)” (grifado nosso)] – art 12º-1, do CIMT.

35         Assinale-se, en passant, que na interpretação de norma legal não pode admitir-se, em caso algum, um sentido que não se apoie, dalgum modo, no seu texto – Cfr artigo 9º-2, do Código Civil: [“(...) Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (...)”]

36         Pois bem, insiste-se, a norma do artigo 12º, do CIMT, não permite um juízo interpretativo em que caiba, à luz do citado artigo 9º-2, do CC, admitir qualquer presunção, ilidível ou não ilidível.

37         Quer dizer: a regra da tributação será assim inapelavelmente a que tem por base o VPT do imóvel, ou seja, o valor fixado pela Administração Fiscal e que expressa o valor real de um imóvel num dado ano e que o contribuinte poderá ou poderia contestar, em procedimento próprio para esse efeito, ressalvada a situação de ser superior àquele o valor do ato ou do contrato, caso em que a base tributável será este valor e não o VPT.

38         Em conclusão nesta parte: não havendo a alegada presunção, desaparece, ipso facto ou fica prejudicada a apreciação das questões/exceções da competência do Tribunal e da (in)idoneidade do meio processual suscitadas pela AT.

39         Este Tribunal arbitral é assim materialmente competente, o processo é o próprio e as partes legitimas e capazes.

 

Apreciando o mérito do pedido

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

De facto

 

Factos provados

40         Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos,relevantes para a decisão:

40.1   São as Requerentes   sociedades comerciais que se dedicam à compra e venda de imóveis, respetiva exploração e arrendamento;

40.2   Entre 2018 e 2021, as Requerentes adquiriram os imóveis identificados na tabela anexa ao Doc 1[6], por contrapartida do preço de compra e venda [nos termos melhor descritos na tabela anexa como Documento n.º 1 e nas escrituras públicas que se juntam como Documentos n.º 2 a 114 (as “Escrituras”, respeitando os Documentos n.ºs 2 a 19 a escrituras onde a C… foi adquirente, os Documentos n.ºs 20 a 39 a escrituras onde a adquirente foi a A…, os Documentos n.º 40 a 53 a escrituras onde a D… foi adquirente, os Documentos n.ºs 54 a 84 a escrituras onde a B… foi adquirente, e os Documentos n.ºs 85 a 114 a escrituras onde a adquirente foi a E…];

40.3   O preço de compra e venda foi integralmente pago [como decorre (i) das Escrituras - Documentos n.os 2 a 114, onde os respetivos vendedores declaram ter recebido a totalidade do preço de compra e venda, entre o montante pago a título de sinal antes da celebração das Escrituras (cfr. comprovativos juntos como Documento n.º 115) e o remanescente do preço de compra e venda pago na data das Escrituras, e, bem assim, (ii) dos comprovativos do pagamento, que se juntam como Documentos n.o 116 a 120 (os “comprovativos do pagamento”];

40.4   Ao tempo das referidas aquisições, o VPT dos identificados  imóveis excedia o valor correspondente aos  preços de compra e venda (cf. Documento nº1, cujo teor aqui é dado por reproduzido);

40.5   As Requerentes procederam ao pagamento de Imposto do Selo por conta da transmissão dos imóveis, à taxa de 0,8%, tendo as respetivas liquidações, cujos números das respetivas guias se encontram discriminados no citado Documento n.º 1, considerado como valor tributável o respetivo VPT, despoletando o pagamento de um montante total de EUR 2.476.063,00 por parte das Requerentes;

40.6   Feito o respetivo cálculo, tivessem as sobreditas liquidações sido emitidas considerando os preços de compra e venda (e não o VPT)  como base tributável, e o Imposto do Selo devido teria sido então de EUR 1.190.712,00...

40.7  ... representando uma diferença face ao valor efetivamente liquidado e pago de um total de EUR 1.285.352,00 (cf. Documentos n.º 1 a n.º 114).

40.8  As Requerentes apresentaram, em 13 de janeiro de 2021, pedidos de Revisão Oficiosa (Documento n.º 121)...

40.9   ...que originaram a instauração dos seguintes processos pela AT:

•       Processo n.º … em nome de A… - Sociedade Imobiliária, Lda. - NIPC …;

•       Processo n.º … em nome de B… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIPC …;

•       Processo n.º … em nome de C… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIPC …;

•       Processo n.º … em nome de D… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIF …;

•       Processo n.º … em nome de E… – Sociedade Imobiliária, Lda. - NIF:…

40.10              ...visando anular as liquidações relativas à transmissão dos respetivos imóveis, com base na ilegalidade das mesmas decorrente de pretenso erro nos pressupostos de facto, manifestado, segundo as Requerentes, por via da ilisão da presunção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT dos imóveis e não ao preço de compra e venda;

40.11             Manifestaram-se as Requerentes então  disponíveis para providenciar junto da AT, os meios de prova que razoavelmente se entendessem ainda necessários para demonstrar o preço real e efetivo de venda dos mencionados imóveis constante das respetivas escrituras de compra e venda.

40.12              Em 8-7-2022, a AT não se tinha ainda pronunciado sobre os pedidos de revisão oficiosa mencionados supra.

40.13             Em consequência do que consideraram as Requerentes o indeferimento tácito dos sobreditos pedidos de revisão oficiosa (artigo 57º, da LGT) e apresentaram, em 8-7-2022, o presente pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

41         Não se surpreendem quaisquer outros factos de entre os alegados que se revelem relevantes para o objeto do litígio, provados e/ou não provados.

 

 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

42         Relembra-se preliminarmente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

43         Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi  artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. 

44         À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito.

45         Para o estabelecer, ponderou o Tribunal as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o enorme acervo documental incorporado no processo, não tendo sido junto processo administrativo, apesar de notificada a AT para efetuar essa junção, sendo certo que está em causa o indeferimento tácito de requerimento para revisão oficiosa apresentado pelas contribuintes requerentes.

46         Ponderou ainda o Tribunal que no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjetiva doutros ramos do direito, mas sim objetiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançada, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

47         Ponderou final e  igualmente o Tribunal que, pese embora não estar legalmente estabelecido o efeito cominatório decorrente da não impugnação específica de factos alegados, a verdade é que, não contestados,  os factos alegados estes consideram-se provados, especialmente se não estiverem em contradição com a defesa como um todo, como acontece no caso sub juditio.

48         É  a esta luz que, em conjugação com a prova documental, o Tribunal considerou provados os factos supra elencados, alegados pelas Requerentes e não contestados, impugnados ou postos de algum modo em causa pela Requerida. 

49         Ou, dito doutro modo:  tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes e a prova documental apresentada e não reciprocamente impugnada,  consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, sendo que as questões controvertidas são essencialmente jurídicas ou de direito adentro dum quadro factual apresentado como pacífico.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

 

O Direito

 

O objeto do pedido

 

50         Assinale-se preliminarmente que, conforme tem sido assinalado pela jurisprudência desde há muito, [cf, v. g.,  Acórdão do STA de 14-3-2018, no Proc nº 0716/13/2ª Secção],  é entendimento pacífico e corrente que o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados. 

51         O objeto destes autos reconduz-se a sindicar a invocada (i)legalidade das  liquidações de Imposto do Selo (IS) relativas às transmissões dos imóveis (identificados nos autos), efetuadas (as liquidações) com alegado erro nos pressupostos de facto, erro esse pretensamente manifestado, por um lado,  (i) por via da  (alegada) ilisão da presunção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT (valor patrimonial tributário) dos imóveis e não ao preço de compra e venda (inferior àquele), demonstrando-se o valor efetivamente pago pela aquisição, por compra, dos imóveis e, por outro, (ii) pela alegada impossibilidade da ilisão dessa presunção, pese embora o disposto no artigo 73º, da LGT [“(...) as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre a prova em contrário (...)”].

52         Concretizando ou especificando melhor: as Requerentes adquiriram um conjunto extenso de imóveis e liquidaram e pagaram o respetivo imposto do selo pelas transmissões nos termos do artigo 1º, do CIS e Verba 1.1, da TGIS mas, discordando da base tributária das liquidações [o VPT dos imóveis, porque inferior ao preço dos contratos de compra e venda (artigo 12º, do CIMT)], vieram pedir a revisão oficiosa das liquidações alegando erro nos pressupostos de facto “(...) manifestado por via da ilisão da presunção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT dos imóveis e não o preço de compra e venda (a presunção), demonstrando o valor efetivamente pago pela aquisição dos imóveis e manifestando-se disponíveis para providenciar a demais prova que razoavelmente se entenda necessária (...)” .

53         Alegam ainda a fundamentar o pedido de revisão oficiosa que, se bem se entende esse pedido, que é o preço pago (e não o VPT, superior, fixado então para os imóveis) que deve ser considerado a base tributária porque doutro modo manter-se-iam as liquidações com violação do princípio da igualdade, na dimensão da capacidade contributiva – artigos 5º, da LGT e 13º, 103º e 104º, da Constituição.

 

Vejamos o concreto pedido e seus fundamentos

 

54         Pretendem as Requerentes, reafirma-se,  ver sindicado por este Tribunal Arbitral o ato de  indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa (Doc 121, com o PPA) que tinha como objeto a anulação das liquidações de imposto do selo relativas à transmissão onerosa de imóveis [ato de primeiro grau] e, em consequência, os atos de liquidação de imposto do selo efetuadas por efeito do disposto nos artigos 9º-1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e da Verba 1.1, da Tabela Geral do Imposto do selo (TGIS), em conjugação com o artigo 12º, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) [ato de segundo grau]

55         Invocam as Requerentes a ilegalidade desses atos por erro nos pressupostos de facto e/ou violação dos artigos 5º e 73º, da LGT e 13º, 103º, 104º e 266º, da Constituição.

56         Cumpre recordar preliminarmente que o contencioso arbitral tributário é de anulação ou de legalidade e não de mera jurisdição e que, transcrevendo-o, o pedido formulado pelas Requerentes é, concretamente, de “(...) anulação do indeferimento tácito / Liquidações, por (i) ilegalidade face a erro nos pressupostos de facto e/ou (ii) violação dos artigos 5º e 73.º da LGT, e 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP, procedendo-se consequentemente à restituição do imposto indevidamente pago no montante de EUR 1.285.352,00, acrescido de juros indemnizatórios (...)”.

 

As questões a decidir

 

57         Sem prejuízo do princípio de que a apreciação e decisão de alguma ou algumas questões poder prejudicar a apreciação e decisão de outra ou outras,  são as seguintes, telegraficamente, as que importa apreciar e decidir, algumas já abordadas, pelo menos parcialmente:

A – (In)competência material do Tribunal Arbitral

B – Erro nos pressupostos de facto por alegada e não reconhecida ilisão, pelas Requerentes, da presunção prevista no artigos 12º, do CIMT (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), ex vi artigo 9º-4, do CIS (Código do Imposto do Selo);

C – (Alegada) violação dos artigos 5º e 73º, da LGT e 13º, 103º, 104º e 266º, da Constituição; 

 

Vejamos então.

 

58         Entende a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral não visa a apreciação direta de uma liquidação, mas apenas a apreciação de um ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa, ou seja, “(...) vai ter o Tribunal Arbitral de, forçosamente, decidir uma questão relativa ao controlo dos pressupostos de aplicação do artigo 78º, da LGT, decisão para a qual não lhe é facultada competência material à luz do artigo 2º/a), da Portaria nº 112/2011 (...)” (donde emerge a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no âmbito do CAAD) que, no seu nº 1 exceciona dessa vinculação as “(...) pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º, do CPPT (...)”  e que, não tendo havido, no caso, erro imputável aos Serviços da AT, precludiu, com o decurso do prazo da reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação.

59         Ou seja, segundo a AT: o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento, tácito, do pedido de revisão oficiosa violou ou não o citado artigo 78º da LGT e/ou se “(...) os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram ou não bem aplicados (...)” 

60         Por outro lado, segundo interpreta a AT o pedido de revisão oficiosa, pretendiam as Requerentes ilidir a presunção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT dos imóveis em causa, manifestando disponibilidade para o demonstrar através da apresentação dos meios probatórios que razoavelmente lhe fossem exigidos pela AT.

61          Ora – continua a AT -, estes procedimentos (de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis) de âmbito exclusivamente administrativo (e não judicial ou arbitral), não foram, no caso, acionados, sendo que  apenas se verificam no âmbito do IRC, nos termos dos artigos 139º e 64º, do CIRC, sem produção de quaisquer efeitos em sede de IMI ou IMT, ficando deste modo vedada a pretendida produção de prova e a impugnação da legalidade do ato liquidação de imposto do selo.

62         Conclui depois a AT que é constitucionalmente  “(...)vedada, por força dos princípios do Estado de direito e da separação de poderes (arts 2º e 111º, da CRP), do acesso à justiça (artigo 20º, da CRP) e da legalidade (artigos 3º-2, 202º, 203º e 266º-2,da CRP) e do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (artigo 30º-2, da LGT), a interpretação, ainda que extensiva, no sentido da ampliação da vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submente a tal regime, renunciando ao recurso jurisdicional pleno (cfr artigos 25º e 27º, do RJAT”.

Vejamos:

63         En passant  e apesar de não se incluir no o objeto do pedido,   resulta do n.º 1 e 5 do artigo 139.º do Código do IRC que, para efeitos de ilisão da presunção estabelecida no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, tem de ser instaurado o procedimento de prova do preço efetivo, que se rege pelos artigos 91.º e 92.º da LGT.

64         Deste modo, não obstante o consagrado direito à reclamação e impugnação de qualquer ato de liquidação, a ilisão da presunção do preço efetivo de imóveis transmitidos  - e, portanto, a prova do valor real da transmissão de imóveis -  só pode ser efetuada através do procedimento identificado (sublinhado nosso). 

65         Sendo obrigatória a apresentação daquele procedimento de prova, é dispensada a apresentação de reclamação graciosa.

66         Ou seja: entende-se que sendo a desconformidade apontada relativa ao preço dos imóveis transmitidos, o ónus da prova das Requerentes só poderia ser cumprido, no âmbito do procedimento de demonstração do preço previsto no artigo 139.º do Código do IRC, especialmente concebido para a avaliação do preço dos imóveis. 

67         Atendendo à especificidade da matéria – preço de imóveis – e à necessidade de recurso a peritos ou outros técnicos da área, fixou-se que o recurso a este procedimento constitui condição do direito à sua posterior impugnação judicial.

68         Daqui se conclui que, que não tendo sido feita prova de ter sido requerida pelas ora Requerentes da instauração do procedimento para ilidir a presunção do valor patrimonial tributário, não estavam as Requerentes impedidas de reclamar e de deduzir a presente petição arbitral, mas a legalidade do ato de liquidação em crise com fundamento no erro na fixação do preço de venda dos imóveis não é passível de ser sindicada pelo Tribunal Arbitral, considerando que não foi previamente instaurado o citado procedimento de prova do preço.

69         Ou seja: seria ónus das Requerentes iniciar o impulso procedimental ou processual estabelecido no artigo 64º, do CPPT, com vista à ilisão da presunção que entendem constar  da norma do artigo 12º do CIMT. 

70         O que não foi alegado nem demonstrado.

71         E seria nessa perspetiva que se revelaria – mas não revela - a eventual incompetência material deste Tribunal.

72         De todo o modo a verdade é que não se mostra controvertido no RIT nem nestes autos que o preço real e efetivo das transmissões correspondeu ao declarado nos contratos de compra e venda dos respetivos imóveis.

 

B – Erro nos pressupostos de facto por alegada e não reconhecida ilisão, pelas Requerentes, da presunção prevista no artigos 12º, do CIMT (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), ex vi artigo 9º-4, do CIS (Código do Imposto do Selo);

 

73         Diferente é, todavia, a questão de saber qual a relevância da prova do preço real e efetivo dos imóveis em sede de liquidação do imposto do selo, designadamente se se pode considerar ser esse (preço) o correspondente à base tributável apesar de inferior ao VPT fixado.

74         Pois bem, em primeiro lugar e ao contrário do que as Requerentes parecem entender, a AT não tem de facultar ao contribuinte a possibilidade de apresentação de prova do preço efetivo; pelo contrário, a AT é parte passiva da sujeição correspondente ao referido direito potestativo do contribuinte, estando obrigada à realização, nos termos legais, do referido procedimento assim que instada para tal e em prazo, pelo contribuinte.

75         Deste modo e adentro do quadro legal aplicável, nenhuma notificação ou interpelação da AT é legalmente necessária ou exigível, no sentido de o contribuinte realizar a prova do preço efetivo. 

76         Antes é àquele (contribuinte ou sujeito passivo) que, face à presunção do art.º 64.º/2 do CIRC – que deve conhecer (cfr. artigo 6.º do Código Civil) – que incumbe, como se viu, o ónus de interpelar a AT para a realização do referido procedimento, mediante a apresentação do correspondente pedido.

77         Tendo em conta o sumária mas suficientemente exposto, as possibilidades de a AT impedir os contribuintes de fazerem prova da verdade do preço declarado, prevista no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, restringem-se a situações em que a referida entidade rejeite, injustificadamente, a instauração do procedimento previsto para o efeito, o que desde logo (i) pressupõe a apresentação tempestiva do correspondente pedido pelo contribuinte, ou em que, (ii) instaurando-o, não cumpra as normas legais que o disciplinam.

78         No  caso, nem uma nem outra das referidas situações se alega,  demonstra ou está em causa.

79         Assim, no que diz respeito à inobservância pela AT dos normativos que regulam o procedimento para prova do preço efetivo, e passando por cima da questão da competência do Tribunal arbitral para conhecer das correspondentes ilegalidades, trata-se de uma questão que não se coloca, uma vez que, reconhecidamente, o referido procedimento não foi instaurado.

80         Deste modo, apenas poderia estar em causa nos presentes autos a eventual censura da AT por, confrontada por um pedido para instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC [admitindo que tal fosse aplicável, mas não acontece], apresentado pelo contribuinte nos termos legais e em tempo, não ter instaurado tal procedimento, impedindo, consequentemente - e agora  sim -, o contribuinte de fazer a referida prova e infirmar a presunção consagrada no art.º 64.º/2 do CIRC,  disposição, insiste-se,  não aplicável no caso dos autos.

81         In casu, nem a sociedade nem os Requerentes demonstraram, como se viu, a apresentação, nos termos referidos, de um pedido para instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC.

82         E também no pedido de revisão oficiosa objeto do ato, tácito, de indeferimento, ora sub juditio, não se mostra formulado o sobredito impulso procedimental ou processual estabelecido no artigo 64º, do CPPT, com vista à ilisão da presunção que alegam constar do artigo 12º, do CIMT.

83         Daqui resulta, como consequência ou conclusão óbvia, que não poderia a invocada ilegalidade resultante da não aplicação do artigo 78º-4, da LGT, ser imputável ao indeferimento tácito ora impugnado na medida em que o âmbito e causas desse indeferimento não extravasam nem podem extravasar o âmbito  do pedido de revisão e sua  respetiva causa de pedir.

84         Ou seja: não se mostra infringido o disposto no artigo 73.º da LGT – de harmonia com o qual “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.” – nem o disposto no artigo 54.º do CPPT (“princípio da impugnação unitária”).

85          Todavia e como já se assinalou anteriormente, a questão  da presunção e da sua ilisão está prejudicada porquanto este Tribunal não reconhece a existência da alegada presunção e, consequente e necessariamente, a possibilidade da ilisão à luz do disposto no artigo 73º, da LGT.

86         Também o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, não pode aqui ser invocado uma vez que a sociedade ou os Requerentes podiam, legitimamente, ter oportunamente requerido a instauração do procedimento previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC e discutido judicialmente as consequências daquele, caso assim o entendessem. 

87         Assim é que, ao contrário do que vem alegado e pedido pelas Requerentes, não se surpreende no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, qualquer violação dos fins da tributação previstos no artigo 5º da LGT, nem tão pouco qualquer fundamento válido para a invocação de tal normativo.

88         De todo o modo – volta a reafirmar-se -, não estaria nunca em causa in casu apurar o preço ou preços das vendas dos imóveis porquanto tal matéria nem sequer é agora ou foi controvertida: o preço real das vendas é ou foi  o fixado nos respetivos contratos.

89         A razão e fundamento essencial do litígio encontra-se na divergência das partes quanto à base de tributação em imposto do selo: o VPT, segundo a AT, porquanto é superior ao preço das vendas; o valor destas segundo as Requerentes,  porque o VPT representa uma presunção ilidível (e, no caso, alegadamente ilidida) do valor-base de tributação em IS (imposto de selo), nos termos dos artigos 9º, do CIS e 12º, do CIMT.

90         Pois bem: a razão como se viu está do lado da AT porquanto destas disposições e do sobredito regime legal das presunções, não resulta admissível que o legislador tenha consagrado qualquer presunção quando dispõe que o imposto do selo “(...) incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior (...)” (Cfr artigo 12º, do CIMT, aplicável ex vi artigo 9º-4, do CIS e Tabela Geral do Imposto do Selo, 1/1.1).

Ou seja: na tributação dos negócios jurídicos sobre imóveis com vista à liquidação de imposto do selo conforme estabelecido no CIS e na TGIS, a base tributável só poderá ser uma de duas: ou o VPT à data para efeitos de tributação em IMT ou, se for maior que esse VPT, o  do ato ou contrato (preço da venda, por exemplo).

91         Concluindo, nesta parte, não é passível trazer à colação o disposto no artigo 73º, da LGT pela simples e cristalina razão que não se surpreende a invocada presunção

 

Sobre a alegação de violação de normas e princípios constitucionais.

 

92         Consideram as Requerentes que o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa objeto do litígio, violou os artigos 13º (Princípio da igualdade), 103º (sistema fiscal), 104º (impostos) e 266º (princípios fundamentais da Administração Pública), da Constituição (CRP).

Vejamos:

93         Pelo artigo 55º, da LGT, estabelece-se que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”

94         Concretamente, o princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13º, da CRP, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.

95         Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo “a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical) ” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pág.. 151 -152).

96         Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva “afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (ob. cit., pág. 154).

97         “Só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Cfr, v. g.,  o Acórdão do Trib Constitucional nº 47/2010).

98         Assinale-se, designadamente, que as razões determinantes para que a tributação se faça ou deva fazer pelo maior dos dois valores (o do VPT, da matriz ou do valor do ato de alienação), resultarão exatamente da circunstância de ser visada a igualdade de tratamento de todos os cidadãos (cfr artigo 104º, da Constituição).

99         Por outro lado, o VPT resulta da avaliação dos imóveis feita nos termos do CIMI para assegurar a correspondência o mais próxima possível entre os VPT’s e os valores de mercado dos respetivos imóveis, sem que para esse objetivo contribuam circunstâncias próprias e específicas de cada contribuinte e que, designadamente, sejam de molde a determinar valores inferiores ou superiores aos objetivamente fixados.

100         E, nesta linha, será obviamente irrelevante para alterar o VPT como base tributária para efeitos de tributação em imposto do selo e CIMT, que seja demonstrado que  a alienação do imóvel ocorreu realmente por valor inferior ao VPT.

101         Naturalmente que, se por qualquer circunstância, o VPT deixar de corresponder ao que foi fixado, designadamente por se alterarem os pressupostos da avaliação que estiveram na base ou fundamentaram a fixação desse valor, terá o interessado  mecanismos legais e processuais para conseguir uma reavaliação de molde a estabelecer ou a reestabelecer a correspondência o mais aproximada possível entre o VPT e o valor de mercado do imóvel, que é sempre o desiderato da fixação do VPT dos imóveis.

102         A este propósito não pode deixar de ser assinalado que as Requerentes não apresentam, ainda que incidentalmente, qualquer razão ou fundamento para a discrepâncias entre os preços das compras e vendas e os VPT’s dos imóveis de molde a terem sido privilegiados estes valores por serem superiores aos primeiros.

103         E também não vem alegada a correção dos VPT’s ou a impossibilidade de tal poder, por qualquer circunstância, acontecer. E tal, embora de relevância jurídica longe de ser essencial, não deixaria de ser interessante.

104         Não se confundam, por outro lado, presunções com motivações do legislador.

105         No caso da norma do nº 4, do CIS, com remissão para o artigo 12º, do CIMT, o legislador não quis fixar qualquer presunção de valor mas antes tomou em conta que a base tributária não deveria ser, v. g.,  o preço fixado na alienação do imóvel, mas antes o VPT fixado (mera opção política ou legislativa),  com a ressalva de que o valor atribuído pelas partes no ato de alienação no caso de ser superior ao VPT teria de relevar como sendo o valor de mercado do imóvel nesse momento e logo seria essa a base tributária.

106         Assim é que também não se vislumbra qualquer base ou fundamento para a invocação da  violação do princípio da capacidade contributiva porquanto, como se deixou exposto, circunstâncias que possam ocorrer e que sejam objetivamente relevantes ou idóneas para provocar um decréscimo do VPT de um imóvel, não deixarão de ser tomadas em linha de conta pela AT, em procedimento próprio visando essa alteração/diminuição de VPT.

107         O que manifestamente não pode ser admitida por falta de cobertura legal é a possibilidade de, em sede de revisão oficiosa de liquidação de imposto do selo, ser ensaiada a demonstração de valor tributário de imóveis na consideração de que a Lei consagra, nos artigos 9º-4, do CIS, em conjugação com o artigo 12º, do CIMT, uma presunção legal, como é pretendido pelas Requerentes.

108         No caso – insiste-se -  tão pouco se compreendem, se demonstram ou estão alegadas as razões ou fundamentos para as diferenças entre os VPT’s  de largas dezenas de imóveis e os preços, todos inferiores àqueles,  fixados nas escrituras públicas e/ou contratos de compra e venda dos mesmos.

109         À luz do assim sumária mas julga-se que suficientemente exposto, não se antolha qualquer fundamento para surpreender no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa sob escrutínio, qualquer violação das normas e princípios invocados pelas Requerentes, designadamente dos princípios fundamentais estabelecidos no artigo 266º e nos artigos 103º e 104º, da CRP.

110         Assim é que o pedido de anulação ou eliminação da ordem jurídica do ato de indeferimento tácito com fundamento na violação dos artigos 5º (fins da tributação) e 73º (presunções), da LGT e dos citados e invocados princípios e normas constitucionais, não tem fundamento e a impugnação improcede.

 

Injustiça grave e notória com fundamento para o pedido de revisão

111         Decorre do disposto no artigo 78º-4, da LGT, que o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável ao comportamento negligente do contribuinte.

112         Admitindo que a revisão do ato tributário possa ser oficiosamente suscitada a pedido ou por impulso do contribuinte, a verdade é que, no caso, não se revela demonstrada ou indiciada, muito menos de forma grave ou notória, qualquer injustiça na tributação na medida em que as liquidações foram efetuadas no estrito cumprimento da Lei e no respeito pela base tributável aplicável: as liquidações ora impugnadas assentaram nas declarações das Requerentes tendo a Requerida se limitado a lançar mão do artigo 12.º, do CIMT aplicável por força do artigo 9º-4, do CIS, face à informação fornecida.

113         De todo o modo, sempre teria tal fundamento de ser invocado no pedido de revisão objeto do indeferimento tácito sub juditio. O que manifestamente não aconteceu e, por isso, não poderia sê-lo, ex novo, na impugnação judicial desse indeferimento.

 

Jurisprudência e Doutrina

114         Ponderou-se ainda nesta decisão:  na  Jurisprudência  entre outros, além dos já anteriormente  citados,  os acórdãos do  STA de 10-3-2011(Rec 386/10; do TCAS de 19-3-2013 (Proc 5472/12) de 27-2-2014 (Proc 7276/14), de 28-4-2016 (Proc 9438/16); do Acórdão Arbitral do CAAD proferido no Proc nº 776/2021-T  e na Doutrina, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos Sobre o Património e Selo, Almedina, 2016. 3ªEd. pgs 233 e ss.; António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás,  Tributação do Património, 2ª Ed Almedina 2018, pgs 433 e ss..

 

Juros indemnizatórios e outras questões prejudicadas

115         A inevitável improcedência total do pedido que irá ser decretada, deixa prejudicadas as demais questões objeto dos autos, designada e naturalmente a questão do pedido de juros indemnizatórios.

 

III – DECISÃO

 

Em razão do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em: 

 

a)    Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado em em consequência,

b)    Manter, na ordem jurídica os supra identificados atos de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa bem como todos os atos de liquidação de imposto do selo ora impugnados e

c)    Julgar prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

*

Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.285.352,00

 

Custas

Não tendo o Tribunal sido constituído nos termos previstos no nº 1 e na alínea a) do nº 2, do artigo 6º, do RJAT, não tem lugar a fixação do montante das custas e sua repartição pelas partes (Cfr artigo 22º-4, do RJAT). 

 

·      Notifique-se, incluindo o Ministério Público.

 

                Lisboa e CAAD, 21-6-2023

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Sérgio Vasques

(Árbitro Adjunto)

Vencido nos termos da declaração infra)

 

 

 

 

Jorge Carita

(Árbitro Adjunto)

 

 

Com a vénia que o colectivo merece, não posso acompanhar o sentido de voto que fez vencimento no presente acórdão e pelas razões que registo em seguida.

 

O Código do Imposto do Selo, por remissão para o Código do IMT, faz prevalecer o VPT sobre o valor real da transacção sempre que aquele se mostre superior. As questões essenciais suscitadas no processo estão em saber (1) se se está perante presunção (2) se tal presunção será ilidível e (3) se, sendo presunção inilidível ou não sendo presunção sequer, uma norma com estes efeitos será conforme à Constituição. 

Estas não são questões novas entre a doutrina e jurisprudência, como se compreende olhando às fontes vertidas no processo. Sintetizo a leitura que tenho dessas questões.

 

1. Na construção das normas de incidência, o legislador tributário pode usar presunções explícitas – como sucede prototipicamente quando emprega a expressão “presume-se” ou outra equivalente — “presumindo” que o sujeito passivo é X, “presumindo” que o facto gerador ocorre no momento Y, “presumindo” que o valor tributável é Z. Nestes casos, facto conhecido e facto desconhecido são trazidos à própria estrutura da norma de incidência, tornando-se visível a relação que o legislador estabelece entre um e outro. Noutros casos, o legislador tributário limita-se a escolher X como sujeito passivo, Y como facto gerador, Z como valor tributável, porque a experiência lhe diz ser essa a escolha que melhor espelha a realidade, sem trazer porém facto conhecido e facto desconhecido à estrutura da norma de incidência. Esta assenta então num juízo presuntivo mas a presunção fica implícita no espírito da lei, não se tornando visível através da sua letra.

A norma do art.9º, nº4, do CIS, na remissão que faz para o art.12, do CIMT, dá corpo a presunção relativa ao valor tributável da transacção, elemento essencial da incidência objectiva. É porque não confia no valor declarado pelos contribuintes que o legislador presume, de acordo com as regras da experiência, que a transacção será feita ao menos pelo VPT. 

A compreensão desta norma como verdadeira presunção tem fundamento na sua evolução histórica. Esta é norma que surge num período — o século dezanove — em que a administração dispunha de meios limitados, não tinha acesso a informação relativa à vida financeira dos contribuintes e em que a tributação do património era crítica para os cofres do estado. Na verdade, a presunção que hoje figura no CIMT é herdeira de uma época em que a administração tributária não se mostrava capaz de administrar impostos assentes em valores reais, defendendo-se o estado através do recurso a presunções de ordem variada. A evolução da nossa fiscalidade é conhecida.

A compreensão desta norma como presunção tem fundamento também no seu contexto sistemático, seguramente se quisermos olhar à leitura que o Tribunal Constitucional faz das coisas. Não julgamos, com efeito, que se possa compreender como presunção e censurar no plano constitucional uma norma semelhante em sede de IRS — o artigo 44º, nº2, CIRS — negando a mesma natureza e censura a norma idêntica em sede de Selo. A função que uma e outra norma desempenham é idêntica.

Para que uma norma seja reconhecida como presunção não é necessário que o legislador a designe expressamente como tal ou que empregue verbo determinado.

 

2. Nem o CIS, nem o CIMT, permitem o afastamento da norma do art.9º, nº4, do CIS, ao contrário do que sucede com normas idênticas no quadro do IRS e do IRS. Assim, reconhecida a norma em jogo como presunção, a susceptibilidade da sua elisão há-de resultar do artigo 73º da LGT. Porque é gradativa apenas a distinção entre presunções implícitas e explícitas, o artigo 73º deve ser manuseado de forma cuidada, de forma a não o levar demasiado longe, problema que a nossa doutrina intuiu bem — João Sérgio Ribeiro (Coimbra, 2010) Tributação Presuntiva do Rendimento, 42-44; e Ana Paula Dourado (Coimbra, 2007) O Princípio da Legalidade Fiscal: Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, 631-632. 

Da minha parte, querendo-se garantir um mínimo de segurança e reconhecer efeito útil ao artigo 73º da LGT, julgo que ele deve ser circunscrito a um conjunto muito preciso de normas. Primeiro, às normas que consagrem presunções explícitas, empregando a expressão “presume-se” ou outra que no contexto se mostre equivalente e estabelecendo desse modo uma relação de probabilidade entre um facto conhecido e outro que se desconhece. Nestes casos, a presunção que usa o legislador estrutura a própria norma de incidência e fica espelhada na sua letra, estando aqui o objecto principal do artigo 73º da LGT. Segundo, às normas que assentem em juízo presuntivo relativo à própria existência do rendimento, do consumo ou do património, sem que se explicite na letra da lei a presunção. Estes são casos em que a presunção de que se serve o legislador não se encontra vertida na norma de incidência e fica apenas no seu fundamento, impondo-se a maior cautela. A degradação destas normas em presunções ilidíveis, que possam afastar-se mediante prova em contrário, só se poderá admitir nos casos mais grosseiros em que se presuma a angariação do rendimento, a realização do consumo ou a titularidade do património, porque estes são os casos em que se dá uma lesão radical do princípio da capacidade contributiva que dificilmente se justificará por apelo a outros valores constitucionais. Esta é a leitura das coisas que verti já no texto “IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias: a Jurisprudência do CAAD IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias: a Jurisprudência do CAAD”, Cadernos IVA 2017, Almedina. 

 

3. O exame de uma norma de incidência à luz do princípio da capacidade contributiva não depende, porém, da sua qualificação como presunção, depende simplesmente dos efeitos a que a norma conduz. Queiramos ver nele presunção, queiramos vê-lo como norma comum, o que releva no plano constitucional é que o art.9º, nº4, do CIS, tem como efeito impor a tributação pelo VPT em circunstâncias em que o contribuinte realizou transacção por valor mais baixo, não lhe permitindo afastar tal resultado. 

O saber se está ou não em causa “verdadeira” presunção é irrelevante neste plano. 

Esteja em causa presunção inilidível, esteja em causa comum norma de incidência, parece-me dever ver-se com reserva uma norma que conduza a este resultado. O princípio da capacidade contributiva não exclui sem reserva as presunções tributárias ou normas assentes em juízos de experiência mas este é princípio que se mostra especialmente exigente quando estejam em causa elementos essenciais do imposto, como é a incidência objectiva e, sobretudo, o valor tributável. Diz-se “sobretudo” porque o valor de um rendimento, transacção ou elemento patrimonial é precisamente aquilo que mais de perto espelha a força económica do contribuinte. De todos os elementos essenciais de um imposto é este que mais repugna ao uso de normas com os resultados que o art.9, nº4, CIS, produz, afastando a tributação dos valores reais para a amarrar a valores objectivos que hoje não se justificam de forma incondicional pelo combate à fraude, menos ainda quando o contribuinte se mostre cooperante.

Acredito por isso que a norma do art.9, nº4, CIS, na sua remissão para o art.12 CIMT, seja ou não tomada como presunção, deveria ter sido desaplicada por este tribunal arbitral, por violação do princípio da capacidade contributiva resultante do artigo 13º da Constituição da República. E entendo, com a vénia devida, que a leitura que o tribunal arbitral faz desta norma, chocando com a leitura que a nossa jurisprudência constitucional faz de norma semelhante do CIRS, gera um tratamento distinto de situações idênticas que não pode ele mesmo conviver com o princípio da igualdade.

 

Sérgio Vasques

 

 

 



[1] As referências a documentos sem outras especificações são de considerar como feitas aos documentos juntos pelas Requerentes com o pedido de pronúncia arbitral (PPA) e que não se transcrevem ou reproduzem porquanto constituem matéria de facto pacífica entre as partes.

 

 

[3] Considerando-se assim tacitamente indeferido nos termos do disposto no artigo 57.º da LGT (o indeferimento tácito, tal como anteriormente definido). 

 

[4] Há processos e/ou meios próprios para alterar o VPT fixado ou alterar o respetivo valor.

[5] Cfr Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4ª Edição, Encontro de Escrita, pg. 651 e ss.. Os exemplos dados por estes autores de presunções explícitas são as situações previstas nos artigo 6º, nºs 1 a 5, 10º-3/a), 19º e 40º-1, do CIRS (redação de 2012) e de presunções implícitas, entre outros, os casos do artigo 7º-2, do CIRS [embora não se veja aqui qualquer relação com a situação em análise],46º-2 (“Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se (sublinhado nosso) o valor que lhe serviria de base caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto”).

[6] Neste elenco de factos provados, não se elencam os imóveis (uma extensa lista, não impugnada, que consta do doc. 1, junto pela Requerente) porquanto nenhuma controvérsia existe sobre essa matéria, quer quanto à sua identificação, quer aos VPT’s e preços porque foram vendidos, inferiores aos VPT’s, tudo a constar dos contratos de compra e venda e tabela anexa ao Doc. 1, junto com o PPA. Por outro lado, há que salientar que a identificação dos documentos por um número, reportam-se todos aos documentos juntos com o PPA, se nenhuma outra menção expressa for feita.