Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 111/2023-T
Data da decisão: 2023-06-27  IRC  
Valor do pedido: € 3.060,07
Tema: IRC – Suprimentos – Tributação de dividendos
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Sumário:

 

I - Em face da inexistência de qualquer meio de prova do fluxo financeiro subjacente às Notas da Contabilidade e da falta de previsão dos suprimentos na IES da Requerente, entende-se que a AT beneficia da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, cabendo à Requerente demonstrar que o seu crédito não constitui  lucro ou adiantamento de lucros, conforme resulta do n.º 5 do artigo 6.º do Código do IRS.

 

II - A fim de ilidir a presunção que decorre do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, a Requerente deveria provar que os lançamentos constantes das contas correntes dos sócios, escrituradas, não foram feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, sendo outra a sua origem.

 

III – Não se verifica ilidida aquela presunção quando tais lançamentos assentam unicamente em Notas da Contabilidade internas da Requerente.

 

 

Decisão Arbitral

 

 

I.              RELATÓRIO

 

 

A..., Unipessoal Lda., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ...- Loja..., ...-..., ... em Viseu apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a anulação da liquidação de IRS – Retenção na Fonte, relativo ao exercício de 2019, no montante total de €3.060,07 (três mil e sessenta euros e sete cêntimos).

 

A 6 de Junho de 2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

Foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas. 

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

II.            MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

a.     A Requerente, A..., Unipessoal Lda., NIF..., é uma sociedade comercial, por quotas, que tem como objecto, entre outros, as actividades de importação, exportação e comercialização por grosso e a retalho de produtos alimentares e outros, Indústria de panificação, pastelaria e serviços de restauração e hotelaria, intermediação de negócios nacionais e internacionais.

 

b.    No dia 16 de Dezembro de 2019, em assembleia geral, a  Requerente deliberou a regularização de prejuízos anteriores por incorporação de €17.988,71, provenientes de suprimentos já efectuados à empresa pela sócia única;

 

 

c.     A Requerente foi objecto de procedimento de inspecção realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2022..., emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, na sequência das conclusões da análise efectuada no âmbito do Despacho DI2021... e teve por objecto a verificação da situação tributária global do sujeito passivo com incidência temporal ao ano de 2019, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), relativa ao ano de 2019;

 

d.    Do Balancete e dos movimentos da contabilidade, verifica-se que a Requerente movimenta, em 2019, a conta “258121 – B...”;

 

e.     Em 31.12.2019, foi registada na contabilidade da Requerente uma  Transação Débito Crédito, no valor €9.814,53;

 

f.      Os movimentos a favor da Sócia foram registados tendo por contrapartida a conta 2312- Remunerações a pagar;

 

g.      Não consta da contabilidade da Requerente, em 2019, a identificação dos meios de pagamento que consubstanciam os lançamentos contabilísticos acima identificados.

 

h.    Os lançamentos  identificados em e) e f)  não  estão suportados em comprovativo de pagamento.

 

i.      Os lançamentos acima identificados estão suportados por Notas de Contabilidade.

 

j.      A Requerente não declarou suprimentos no quadro 063 do Anexo A, da IES, em 2019.

 

k.    Em resultado da acção de inspecção realizada foram detectadas irregularidades, tendo sido apurado imposto em falta por não retenção e entrega de imposto, por infracção ao disposto no artigo 101.º do Código do IRS, que se traduziu na liquidação adicional de RFIRS, relativamente ao ano de 2019;

 

l.      Com data de pagamento, até 30.01.2023, foi emitido o acto de liquidação Imposto Retenção na Fonte n.º 2022..., no valor de €3.060,07.

 

m.   A 27.02.2023 foi apresentada a petição arbitral.

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto 

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo.

 

 

III.          MATÉRIA DE DIREITO

 

 

Nos presentes autos está essencialmente em causa determinar  se o lançamento registado a favor da sócia em conta corrente, no montante de €9.814,53 se presume feito a titulo de lucros ou adiantamento por conta de lucros conforme estipulado no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS e sujeito a retenção na fonte à taxa liberatória de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do mesmo diploma legal, como defende a AT ou se, como defende a Requerente tal crédito resulta de suprimentos efectuados pela sócia única à empresa para pagamento de salários a trabalhadores, que foi convertido para cobertura de prejuízos fiscais, não se encontrando tal rendimento sujeito a imposto, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 a) do Código do IRC.

 

Vejamos:

 

 

A definição de contrato de suprimento consta do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais, sendo doutrinalmente sintetizada como “o contrato entre o sócio e a sociedade, pelo qual: a) ou o primeiro empresta à segunda dinheiro ou outra coisa fungível, ficando esta obrigada à restituição de outro tanto do mesmo tipo; b) ou o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do pagamento de créditos seus sobre ela”.


Defende a Requerente que a sócia única prestou suprimentos à sociedade, através do pagamento, em dinheiro, dos recibos de vencimento em atraso, em Dezembro de 2019, suportando o registo de tais suprimentos, em Notas da Contabilidade.

 

Por sua vez, a AT alega que não existe qualquer prova de tais suprimentos em dinheiro terem sido entregues à empresa, nem tão pouco existe qualquer prova quanto à origem dos suprimentos alegadamente prestados pela sócia. 

 

Sendo certo que o reembolso de suprimentos não constitui um rendimento tributável, em sede de IRS, na medida em que se configura como um simples reembolso, do ponto de vista do direito fiscal, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. h) do Código do IRS devem ser qualificados como rendimentos de capitais, de entre outros, os rendimentos derivados de lucros distribuídos por sociedades e os adiantamentos por conta desses lucros a favor dos respectivos sócios que sejam pessoas singulares.

 

Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS estabelece uma presunção, no sentido de que as quantias lançadas a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes de sócios de sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial e que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício do cargo social, correspondem a lucros ou a adiantamento por conta de lucros, devendo, por isso, ser sujeitas a tributação, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do Código do IRS. 

 

Considerando que, de acordo com a contabilidade da Requerente, encontra-se lançado um crédito a favor da sócia, no valor de €9.814,53, a presunção legal referida seria inaplicável caso se demonstrasse  que tal crédito resultaria de mútuo.

 

Sucede que não existe qualquer documento externo à Requerente que suporte o registo de tal movimento financeiro constante da contabilidade. Tal como alega a AT não é possível confirmar que a própria sócia “Emprestou” os valores registados à sociedade. Também a IES da Requerente não reflecte os alegados suprimentos prestados, não se encontrando ali qualquer registo quanto aos mesmos.

 

Em face da inexistência de qualquer meio de prova do fluxo financeiro subjacente às Notas de Crédito e da falta de previsão dos suprimentos na IES, entende-se que a AT beneficia da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, cabendo à Requerente demonstrar que o seu crédito não constitui  lucro ou adiantamento de lucros, conforme resulta do n.º 5 do artigo 6.º do Código do IRS.

 

Sucede que, para ilidir tal presunção, a Requerente juntou apenas aos autos as Notas Contabilísticas internas respeitantes ao crédito de suprimentos, em discussão. Não existe qualquer outro documento de suporte, que permita comprovar que tal crédito resulta da entrada de suprimentos pela sócia.

 

Também, não é possível, concluir, pelos recibos de vencimento dos trabalhadores, que aquele pagamento foi feito pela sócia, dada a falta de qualquer documento que ateste a transferência dos suprimentos em dinheiro pela sócia para a sociedade ou para os trabalhadores.

 

Mesmo que tal crédito tenha sido utilizado para cobrir prejuízos da sociedade, conforme alegado pela Requerente, tal operação não tem por efeito transformar tal crédito, qualificado como lucros ou adiantamento por conta de lucros, em rendimento não sujeito a tributação, em sede de IRS.

 

Tem sido entendido que a requalificação dos suprimentos como dividendos só padece de suporte legal  “Se a atuação do Recorrido se encontrou, desde logo, em inteira conformidade com os ditames da contabilidade, tendo os suprimentos sido contabilizados enquanto tal, se os lançamentos se encontram suportados nos talões de depósitos dos bancos, efetuados em cheques ou em numerário, e bem assim nos cheques emitidos pelos sócios, e se a prova testemunhal, como aludiu o Tribunal a quo, foi concludente no sentido da prova da realização dos suprimentos, padece de ilegalidade a atuação da Administração Tributária que requalifica o reembolso dos suprimentos como adiantamento por conta de lucros.” – Cfr. Acórdão do TCA Sul, Proc. 6933/13-7BCLSB., de 22.10.2020.

 

No fundo, no caso dos autos, a  fim de ilidir a presunção que decorre do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, a Requerente tinha de provar que os lançamentos constantes das contas correntes dos sócios, escrituradas, não foram feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, sendo outra a sua origem, o que não se pode ter por verificado com base unicamente em Notas da Contabilidade interna da Requerente.

 

De facto, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respectivos factos materiais(Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e NoraManual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 523, nota 3). ( Cfr 955/13.4TVLSB.L1.S1. DE 14.05.2019).


Nesta conformidade, da prova produzida, contrariamente ao entendimento da Requerente, não resultou prova segura e inequívoca que os alegados empréstimos foram reais e efectivos, não tendo sido demonstrado que a transferências de dinheiros teve em vista a mobilização desses fundos com vista aos referidos empréstimos.

 

Entende-se, assim, que a Requerente não afastou a presunção do n.º 4 do art.º 6 do Código do IRS, pelo que a liquidação efectuada terá de manter-se na ordem jurídica, uma vez que se verificam os pressupostos previstos, na norma de incidência, do artigo 5.º, nº 1 e 2, alínea h), do CIRS.

 

Conclui-se, por isso, pela improcedência do pedido arbitral.

 

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação identificado nos autos, no valor de €3.060,07 (três mil e sessenta euros e sete cêntimos).

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €3.060,07 (três mil e sessenta euros e sete cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 27 de Junho de 2023

 

A Árbitro,

Magda Feliciano

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)