SUMÁRIO
Para se proceder à revisão da matéria tributável impõe o nº 4 do art.º 78.º da LGT que se esteja perante uma injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte e, cumulativamente, seja respeitado o prazo de três anos posteriores ao do acto tributário.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A. (adiante designada apenas por “A...” ou “Requerente”), com o número de identificação fiscal..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede na ..., n.º ... em Lisboa, apresentou, em 03.01.2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por AT ou Requerida).
2. A Requerente pretende a anulação decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) referente ao exercício de 2018, identificada na factualidade infra.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04.01.2023.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 22.02.2023 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 13.03.2023.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. A AT apresentou resposta em 02.05.2023, defendendo-se por impugnação.
3.6. Por despacho de 20.05.2023 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com a decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2018.
Sustenta, em suma, que:
- O que está em causa é o acto de autoliquidação de IRC, por si emitido, mediante o preenchimento e submissão da respectiva Declaração Modelo 22, referente ao exercício fiscal de 2018;
- o mesmo enferma de erro sobre os pressupostos de direito, no cálculo da tributação autónoma;
- pelo que, a manutenção da autoliquidação de IRC ora sindicada e, consequentemente, das tributações autónomas calculadas erroneamente, é ilegal por violação do disposto no artigo 88.º do Código do IRC;
- podendo consubstanciar, mutatis mutandis, uma situação de enriquecimento sem causa (e ilegítimo) do Estado.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu na sua resposta, por impugnação, nos seguintes termos e no essencial:
- que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não pode proceder por se considerar a conduta da Requerente negligente, o que obsta, sem mais, à peticionada revisão excepcional da matéria colectável.
II – SANEAMENTO
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) A A... é uma sociedade anónima, cujo objecto social consiste na instalação, exploração, comercialização e assistência técnica de sistemas de transmissão de imagens e sinal televisivo por cabo; no estabelecimento, na gestão e exploração de infra estruturas e sistemas de telecomunicações, na prestação de serviços de telecomunicações e/ou televisão, ou directa ou indirectamente com eles relacionados, seja qual for o sistema ou suporte físico de transmissão; na comercialização ou na prestação de serviços multimédia ou audiovisuais, independentemente da sua natureza, através de transmissão de TV por cabo ou outra;
b) É a sociedade dominante do Grupo B..., grupo este tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades;
c) A Requerente procedeu, em 24.06.2019, a submissão via electrónica da sua Declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
d) A Requerente procedeu ainda ao pagamento do IRC apurado, no montante global de €35.323.688,67 (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
e) A declaração Modelo 22 acima referida não validou centralmente, tendo a A... procedido à entrega de uma nova declaração, da qual resultou um montante adicional de imposto, no valor de €791.552,29 (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
f) Tendo procedido ao pagamento do montante, desta guia adicional, no dia 10.07.2019 (doc. 1 junto com o pedido arbitral);
g) Por não se conformar com o valor de tributação autónoma pago em excesso, no montante de €20.014,45, a A... apresentou, em 24.06.2022, um pedido de revisão do referido acto de autoliquidação de IRC(doc. 1 junto com o pedido arbitral);
h) Em 23.09.2022, a A... foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (doc. 3 junto com o pedido arbitral).
i) O presente pedido arbitral deu entrada em 03.01.2023.
B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.
- Matéria de Direito
Suscitam-se nos presentes autos 2 questões de conhecimento prioritário que serão conhecidas pela seguinte ordem:
- a legalidade do acto de indeferimento do referido pedido de revisão formulado ao abrigo do disposto no artigo 78º da LGT; e
- a questão do enriquecimento sem causa.
Quanto à primeira questão relembremos então, na parte com interesse, a decisão do pedido de revisão que vem impugnada:
«1. A..., S.A. (doravante requerente), titular do NIPC..., vem, na qualidade de sociedade dominante do Grupo que integra (doravante "Grupo B..." ou Grupo), ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a revisão oficiosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2018, corporizada na declaração periódica de rendimentos (modelo 22), submetida em 24/06/2019.
9. O artigo 88.º do CIRC estabelece quais as despesas abrangidas pela tributação autónoma e as respectivas taxas, prevendo um agravamento das mesmas no n.º 14, nos seguintes termos: "As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC".
10. Sendo que, relativamente à sua aplicação no âmbito do RETGS, o n.º 21 daquela norma (n.º 20 à data dos factos) vem referir que: "Para efeitos do disposto no n. º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º".
11. Temos, então, que o agravamento das taxas de tributação autónoma, no caso do RETGS, é aferido em função do resultado fiscal do Grupo, apurado na respectiva declaração modelo 22.
12. Ou seja, quando é aplicável o RETGS, os prejuízos fiscais relevantes para determinar o agravamento de taxas de tributação autónoma são os do Grupo e não os de cada uma das entidades individuais que o integram.
13. À luz do quadro legal acima descrito, e uma vez que o "Grupo B..." apurou um lucro tributável (cf. ponto 8.4), verifica-se que a requerente considerou, indevidamente, na sua esfera individual o agravamento das taxas de tributação autónoma, com repercussões ao nível do Grupo, na respectiva declaração modelo 22.
14. Segundo a requerente, as despesas sobre as quais aplicou taxas de tributação autónoma foram as seguintes:
- "[d]espesas não documentadas", no valor de € 414,53, sobre o qual aplicou a taxa de 60%, donde resultou o montante de € 248,72;
- "[i]ndemnizações, bónus, outras remunerações variáveis pagas a administradores, no valor de € 200.000,00, sobre o qual aplicou a taxa de 45% , donde resultou o montante de € 90.ooo;oo.
15, Somando os montantes decorrentes da aplicação das taxas de 60% e de 45% (€ 248,72 + € 90.000,00), atingimos o valor introduzido na declaração modelo 22 individual, a título de tributações autónomas: € 90.248,72€, incluído no valor mencionado na declaração do Grupo em matéria de tributações autónomas: €813.409,47.
16. Relevando, conforme explanado, o resultado fiscal do Grupo positivo e não o resultado da ora requerente a nível individual negativo, na declaração modelo 22:
- individual deveria ter sido considerado, a título de tributações autónomas, o valor de € 70.207,27 (€ 207,27€ [414,53 x 50%] + € 70.000,00 [€ 200.000,00 x 35%]) e não o valor de € 90.248,729;
- do Grupo deveria, em consequência, ter sido ter considerado, quanto ao mesmo item, o valor de € 793.368,02 (€ 813.409,47- € 20.041,45) e não o valor de€ 813.409,47.
17. Do exposto conclui-se que o valor total a pagar pelo Grupo (campo 367 do quadro 10 da declaração modelo 22) foi de valor superior ao devido, na medida em que incluiu valor de tributações autónomas incorrectamente calculado.
18. Aqui chegados, importa verificar se o que ora se apurou poderá ser reparado por via da revisão excepcional a que alude o n° 4 do artigo 78.º da LGT.
19. De acordo com este n° 4, a revisão da matéria tributável pode ser levada a cabo pela AT, até ao termo do terceiro ano seguinte ao do acto tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória aliado à ausência de comportamento negligente do contribuinte.
20. Resulta, assim, da aludida norma que a modalidade de revisão nela contida apenas é passível de ser accionada no caso de observância cumulativa dos requisitos ali expressos.
21. A revisão em causa tem, por isso, uma aplicação de cariz restritivo, justificada por necessidades de segurança jurídica.
22. Ora, desde já podemos afirmar que, pelo menos, o requisito que impõe a inexistência de negligência por parte do contribuinte não se encontra verificado.
23. Desde logo, porque o desconhecimento que a requerente alega, para o incorrecto apuramento do valor das tributações autónomas, não tem a justificação que lhe aponta: ser o sistema fiscal complexo, com sucessivas alterações legislativas aliado a ausência de instruções de preenchimento da declaração modelo 22 quanto à interpretação autêntica sustentada na Lei nº 7-A/2016, de 30/06, relativa ao artigo 88.º nº 14 do CIRC.
24. À data do preenchimento e submissão da declaração modelo 22 individual e do Grupo, referente a 2018, já se encontrava em vigor há mais de 3 anos a clarificação que veio a ser dada pela Lei nª 7-A/2016, de 30/03, segundo a qual, para efeitos do agravamento da taxa de tributação autónoma, nos casos em que os sujeitos passivos integram o RETGS, deve ser considerado o resultado fiscal apurado na declaração do Grupo referente ao período de tributação a que respeitam as despesas subjacentes (cf. artigo 88.º n.º 21 [20 à data dos factos] do CIRC).
25. A expressão, presente no artigo 88.º n.º 21 do CIRC, de que, para os termos e efeitos do n.º 14 do mesmo artigo, se considera o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º parece-nos não deixar dúvidas de que é ao nível do Grupo e do seu resultado, e não das sociedades que o compõem de per se, que se vai saber se, no caso em concreto, se irão ou não aplicar taxas de tributação autónomas agravadas.
26. A negligência deve ser aferida de acordo com o padrão de comportamento do bónus pater famílias, em face das circunstâncias do caso, ainda que se reconheça que o sistema fiscal português não é de simples apreensão a um cidadão comum.
27. No entanto, não é bem esse o caso dos autos, na medida em que a requerente teve e tem apoio técnico, efectuado por profissional(ais) qualificado(s) na área contabilístico-fiscal, desde logo no preenchimento das declarações periódicas de rendimento modelo 22.
28. Sendo, por isso, seguro concluir que, no caso concreto, e tendo em conta a diligência exigida a um homem médio, não foram observados os deveres de cuidado aquando do preenchimento da declaração.
29. Além de que, importa referir, o desconhecimento da lei ou o desconhecimento da sua correcta interpretação jurídica "não justifica a falta do seu cumprimento” (cf. artigo 6.º do Código Civil).
30. Em consequência do exposto, a conduta da requerente não pode deixar de se considerar negligente, o que obsta, sem mais, à peticionada revisão excepcional da matéria tributável.»
À data em que foi formulado o pedido de revisão -2022- dispunha o artigo 78º da LGT:
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março)
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
(…)
A AT indeferiu o pedido formulado pela Requerente pelo facto de ter concluído que não se verifica o requisito legalmente exigido de que o erro na matéria tributável apurada não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
Argumentou que não se pode considerar o sistema fiscal complexo, uma vez que as normas que regulam a matéria já há mais de três anos que se encontravam em vigor, essas mesmas normas não são de difícil interpretação, a Requerente encontra-se assessorada por diversos técnicos com conhecimentos profundos no âmbito do direito fiscal e o desconhecimento da lei ou a errada interpretação da mesma não justifica o seu incumprimento ou incumprimento incorrecto.
E na verdade pensamos que a AT tem razão.
Vejamos o que se deve entender por negligência.
O conceito de negligência reconduz-se à mera culpa a que se referem os artigos 483º e ss. do Código Civil, por contraposição ao dolo.
O comportamento ou actuação negligentes têm sido considerados pela jurisprudência e pela doutrina como aqueles comportamentos em que o autor actua com falta de cuidado ou desleixo relativamente a determinada situação, originando um resultado não desejado.
Ou seja, actua com negligência quem pratica determinado acto de forma indolente, sem se preocupar em fazer bem, como pode e sabe de acordo com os padrões do homem médio, da diligência do bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso –artigo 487º, n.º 2 do Código Civil-, e, por via disso, atinge um resultado não pretendido nem desejado.
Vejamos o que a Requerente alega no seu requerimento a este propósito:
«14º Ora, uma vez que na sua esfera individual a A... apurou, no exercício de 2018, prejuízo fiscal, aquando do apuramento do valor das tributações autónomas, considerou esse agravamento das taxas em dez pontos percentuais, na sua Declaração Modelo 22, declarando tributações autónomas no valor de € 90.248,72.
15º Este cálculo na esfera individual foi efectuado de acordo com as instruções de preenchimento da declaração Modelo 22.
16º O qual determina que as sociedades pertencentes ao RETGS deverão preencher a sua declaração individual como se o RETGS não existisse.
17º Sendo que esta Declaração Modelo 22 individual não é objecto de liquidação pelo sistema informático da Autoridade Tributária (“AT”).
18º Não obstante o cálculo assim efectuado, e uma vez que o RETGS apurou lucro tributável em 2018, este agravamento deveria ter sido revertido na declaração do grupo.
19º O que por lapso não sucedeu, tendo sido considerado, na Declaração Modelo 22 do grupo, um valor em excesso de tributação autónoma, no montante de € 20.041,45…
78º Importa salientar que nos exercícios de 2015, 2016 e 2017 o RETGS apresentou prejuízo fiscal, pelo que a questão da correcta interpretação da norma em análise nunca se colocou.
79º Diga-se, em abono da verdade, e para melhor esclarecimento deste tribunal que a Requerente sempre agravou as taxas de tributação autónoma de todas as empresas que integram o RETGS, nos exercícios em que este apurou prejuízo fiscal.
80º A questão que deu origem ao pagamento excessivo de montantes de tributação autónoma é exactamente a situação contrária aquela que resulta da letra da lei.
81º Ou seja, o agravamento ou não das taxas de tributação autónoma quando a empresa apura prejuízo fiscal na sua esfera individual, mas o RETGS apresenta lucro tributável.
91º A verdade é que, apenas em 2021, o RETGS veio a apresentar novamente lucro tributável.
92º Pelo que apenas em 2022 – aquando da submissão da Declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2021 – esta questão surgiu novamente.
93º E assim que se apercebeu da ilegalidade que pendia sobre a autoliquidação de IRC efectuada relativamente ao exercício de 2018, por ter legitimidade e por estar em tempo, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa.»
Perante esta alegação da Requerente, facilmente se conclui que a mesma não adoptou a sua actuação no momento do preenchimento das declarações de rendimentos em função da concreta situação que tinha perante si, ou seja, pelo que alega, adoptou o mesmo comportamento, quer o Grupo tivesse lucro ou não, aplicou sempre da mesma forma as normas legais sem se preocupar em verificar se a existência de resultados positivos influenciava a sua declaração e se tinha um diferente enquadramento legal.
Aliás, como a própria Requerente também alega, apenas em 2022 se apercebeu do lapso havido na declaração do período de 2018, apesar de estarem em vigor normas, há mais de 3 anos, que exigiam um comportamento diferente.
Não há dúvida, por isso, que a Requerente actuou de forma negligente, desinteressada em proteger os seus próprios interesses e aplicando uma fórmula tabelar e errada no preenchimento da sua declaração, cfr. no mesmo sentido os acórdãos do STA, datados de 17/02/2021 e de 10/11/2021, nos recursos 0578/18 e 0209/13.7BECTB.
Podemos, assim, concluir que não assiste razão à Requerente quanto a esta questão.
Quanto à segunda questão do enriquecimento sem causa:
Pretende a Requerente que, a manutenção da autoliquidação de IRC com o valor de tributação autónoma calculada em excesso seria ainda ilegal por consubstanciar uma situação de enriquecimento sem causa (e ilegítimo) do Estado.
Como se sabe o instituto do enriquecimento sem causa, próprio do direito civil -artigo 473º do Código Civil-, e com carácter residual, não é invocável no caso dos autos, desde logo porque por si só não gera a ilegalidade dos actos da administração tributária e, portanto, não é possível com esse fundamento eliminar da ordem jurídica um acto da administração ou até uma autoliquidação.
Por outro lado, porque a previsão do artigo 78º, n.º 4 da LGT expressamente obsta à repetição do indevido por parte da administração caso não se mostrem preenchidos os requisitos aí previstos, e isto, porque, o legislador pretendeu dar maior valor ao princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos actos de liquidação de tributos.
Assim, nesta medida, também não assiste razão à Requerente.
Pelo exposto, tem de improceder o peticionado pela Requerente.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €20.041,45, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 20.06.2023
O Árbitro,
(Cristina Aragão Seia)