Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 656/2022-T
Data da decisão: 2023-06-19  IRS  
Valor do pedido: € 7.247,35
Tema: IRS – residência fiscal; art.º 16.º do Código do IRS
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SUMÁRIO:

 

1.   A qualificação como residente para efeitos fiscais em Portugal é determinada pela correta subsunção nos critérios constantes do art.º 16.º do Código do IRS, sendo que, se a qualidade de residente, nos termos da respetiva al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. 

2.   As noções de “residência fiscal” e de “domicílio fiscal” são diferentes, pois que, enquanto o conceito de residência releva para efeitos de aplicação de normas tributárias materiais e substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais. 

3.   Não existe qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 9 de janeiro de 2022, decide no seguinte: 

 

I.       RELATÓRIO

A.        Identificação das Partes 

Requerente: A..., com o número de identificação fiscal..., residente em..., ..., Alemanha, divorciada, doravante designada por “Requerente”.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.

A Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 02.11.2022, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a Autoridade Tributária (AT).

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos. 

Em 22.12.2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

 

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 9.01.2023, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 24.02.2023, e ouvida a Requerente, foi dado provimento ao requerimento apresentado pela Requerida (09.02.2023) para suspensão da instância

Por despacho de 08.05.2023, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada para o dia 30.05.2023, determinando-se a inquirição das testemunhas indicadas. 

As partes compareceram no dia agendado, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas. As partes ficaram ainda notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, as quais foram regularmente apresentadas. 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria 
n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

B.  Pedido

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), peticionando a anulação do ato de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que apresentou contra o ato de liquidação oficiosa do IRS, referente ao ano de 2017, e, nessa sequência, da declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2021..., no valor global a pagar de 7.247,35 € (que inclui a liquidação de juros compensatórios na importância de 877,47 €), com referência ao ano de 2017.

 

 

 

C. Causa de Pedir

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de anulação do ato de liquidação, o seguinte:

Em 23.08.2021, a AT notificou a Requerente para que a mesma procedesse à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, no prazo de 30 dias, sob pena de, não o fazendo, proceder à liquidação, salvo se provasse a sua entrega ou de que não se encontrava obrigada à sua apresentação, invocando para o efeito o disposto nos artigos 57.º e 76.º, n.º 3 do Código do IRS. 

A Requerente alegou que era residente fiscal no Reino Unido no ano de 2017, pelo que, alega que obteve o entendimento junto de uma trabalhadora da AT, segundo o qual, por esse facto, não estava obrigada à entrega da declaração de IRS em Portugal. 

Acrescenta que, em 16.10.2021, através da sua área privada no site da AT, alegou não estar sujeita ao cumprimento da obrigação declarativa de rendimentos, referente a 2017, dado não ter residência fiscal em Portugal. Refere ainda que juntou os documentos comprovativos dos factos alegados, designadamente, contrato de trabalho, contrato de arrendamento, contrato de telecomunicações e Council Tax notice. 

Salienta ainda a Requerente que a AT a notificou da nota de demonstração de liquidação, com data de 22.11.2021, no valor de € 7.247,35, na qual se incluíam juros compensatórios no valor de € 877,47. Contudo, a Requerente alega não ter sido notificada para exercer o seu direito de audição prévia, negando-lhe, o direito de participar na formação da decisão que lhe veio a ser desfavorável, o que, naturalmente, determina, também, a ilegalidade da liquidação.

Refere ainda que a AT não comunicou a forma como apurou o rendimento coletável, nem indicou os elementos de que dispunha e que serviram de base a liquidação, tendo a Requerente apurado que os referidos rendimentos correspondiam aos que auferiu no Reino Unido, em 2017, conforme informação obtida pela AT através de “troca de informação internacional”.

A Requerente complementa a este respeito que, com dificuldade, conseguiu concluir que a nota de liquidação foi emitida porque não comunicou à AT a alteração do domicílio fiscal para o Reino Unido, em 2015.

A Requerente foi notificada da nota de cobrança com o número 2021..., no valor de 
€ 7.247,35, com limite de pagamento até 29.12.2021, o que fez no dia 21.12.2021.

A Requerente deduziu reclamação graciosa a 27.04.2022 solicitando a anulação da liquidação de IRS, tendo sido posteriormente juntos documentos relevantes para a análise do processo, indicando aqui a Carta de Confirmação de Residência, emitida pelos serviços britânicos em 08.06.2022, nos quais estes declaravam, expressamente, que a Requerente foi residente nos Reino Unido, para efeitos fiscais, no período compreendido entre 15.06.2015 e 15.03.2018.

Sobre a referida reclamação graciosa não houve pronúncia por parte da AT, tendo presumido a formação do ato de indeferimento tácito em 29.08.2022. 

A Requerente descreve que, em 15 de junho de 2015, passou a residir no Reino Unido, para desenvolvimento da sua atividade profissional ao abrigo de contrato de trabalho, de 01.06.2016 a 31/05/2017, prorrogado para o período de 01.06.2017 a 31.05.2018. O trabalho era prestado de segunda-feira a sexta-feira, das 09:00 às 17:30, nas instalações da entidade patronal sitas em ..., Reino Unido. 

Neste contexto, refere ainda que celebrou contrato de arrendamento em 24.06.2015, tendo passado a residir permanentemente na 14..., Reino Unido, suportando uma renda mensal de £ 1,300.00 e, posteriormente, alterado a residência para 43 ..., Reino Unido.

Em 2018 a Requerente transferiu a sua residência fiscal do Reino Unido para a Alemanha, passando a trabalhar neste país, até ao momento presente. Alega assim, que desde meados de 2015 que não desenvolve, em Portugal, qualquer atividade profissional, ou outra, geradora de rendimentos ou lucros, não tendo aqui a sua residência fiscal. Afirma ainda que não residiu em Portugal por qualquer período, inferior ou superior a 183 dias.

 

 

Desta forma, entende a Requerente que, auferindo rendimentos no Reino Unido, enquanto trabalhadora dependente, a tempo inteiro, estava sujeita ao pagamento de impostos neste País, sendo aí considerada residente fiscal. Pelo que, no ano fiscal de 2018 a Requerente apresentou, no local da residência efetiva, no Reino Unido, a sua declaração de rendimentos, referente ao ano de 2017. 

Esclarece ainda que foi emitido o certificado fiscal correspondente (modelo P60), tendo sido pela Requerente o imposto apurado pelas autoridades fiscais do Reino Unido, no montante de 8060.04 £.

Refere a Requerente que a sua relação fiscal cessou com efeitos a partir de 15.03.2018, data em que foi pago o vencimento do trabalho que executou no mês de janeiro de 2018. 

Não sendo residente fiscal em Portugal, entende assim a Requerente que não estava sujeita ao cumprimento de obrigação declarativa, a título de IRS. Por essa mesma razão, alega ainda que não deduziu as despesas legais que aqui suporta, designadamente, a prestação mensal para amortização do mútuo bancário, contraído para aquisição da casa de que é proprietária, em Lisboa, nem as despesas de educação com a filha, nem as demais, legalmente permitidas.

Entende a Requerente que alegou, e provou, que, no decorrer do ano de 2017 viveu, trabalhou e auferiu rendimentos, de forma exclusiva, no Reino Unido, tendo aí a sua residência fiscal e sendo aí sujeito passivo de imposto.

Deste modo, a AT não poderia ter tributado a Requerente com base em presunções decorrentes da lei, designadamente, pelo facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal, mas, sim, com base em factos, cabendo-lhe provar que aquela passou em Portugal mais de 183 dias e que aqui auferiu rendimentos. Ainda assim, conclui que a AT optou por se fundamentar numa mera presunção legal, para proceder a uma liquidação oficiosa ilegal. 

Termina o pedido arbitral, requerendo a produção de prova testemunhal e declaração de parte, e a condenação da AT na restituição da quantia indevidamente paga e o pagamento dos juros indemnizatórios e de mora.

 

D. Em 9.02.2023 a AT veio requer a suspensão da instância, ao abrigo do disposto do art. 276.º CPC, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 29.º do RJAT aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, dado os elementos solicitados às autoridades fiscais inglesas serem imprescindíveis para a análise do ato ora impugnado e para a descoberta da verdade material.

 

E.  Por despacho de 10.02.2023 proferido pela Árbitra aqui signatária, determinou-se que: Considerando os princípios da cooperação e boa-fé processual que regem o regime da arbitragem, notifique-se a Requerente para, querendo, no prazo de dez dias, pronunciar-se sobre o que entender por conveniente face ao exposto no requerimento apresentado pela Requerida no dia 9 de fevereiro de 2023.

 

F.  Em resposta ao despacho de 10.02.2023, a Requerente veio pronunciar-se no prazo concedido para o efeito (20.02.2023), no qual reitera o entendimento constante do PPA e salienta que:

Apesar de, em 2017, o domicílio fiscal da Requerente contemplar uma morada em Portugal, tal não consubstancia qualquer presunção inilidível, quanto à residência fiscal, no plano internacional. 

Para além dos documentos indicados, refere que juntou faturas de consumo e declaração de rendimentos e liquidação e pagamento de imposto apresentado perante as autoridades britânicas. Entende que tais documentos comprovam, de forma inequívoca que, em 2017, trabalhou e viveu exclusivamente no Reino Unido, ali auferindo rendimentos e ali sendo tributada pelos mesmos, tendo dessa forma ilidido a presunção decorrente do seu domicílio fiscal.

 

 

Em resposta ao alegado pela AT, entende que a mera propriedade de um imóvel não permite concluir pelo preenchimento do critério de residência fiscal em Portugal, porquanto o mesmo tem que se destinar a habitação atual e habitual, conforme preceituado no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS. Ao que acresce o facto da AT não ter demonstrado, por qualquer forma, que, nos termos do artigo 16.º, n.ºs 1, alínea a) e b), 2 e 3, do Código do IRS, a Requerente permaneceu, fisicamente, por mais de 183 dias num período de 12 meses em Portugal, e com o animus de aqui permanecer, aferido com base em critérios objetivos.

Em conclusão, a circunstância de a Requerente não ter comunicado a mudança do seu domicílio fiscal, com referência ao ano de 2017, não pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. 

Nestes termos, requereu o indeferimento do pedido de suspensão da instância, por carecer totalmente de fundamentação legal, devendo o processo seguir a sua tramitação normal.

 

G. Por despacho de 24.02.2023 proferido pela Árbitra aqui signatária, determinou-se: 
Defere-se a pretensão da Requerida para efeitos de suspensão da instância, ficando o respetivo levantamento pendente da junção aos autos pela Requerida, dos elementos solicitados às autoridades fiscais inglesas no âmbito do procedimento de troca de informações.

 

H. Por requerimento apresentado a 15.03.2023, a AT informou a receção dos elementos solicitados, requerendo a junção ao processo dos documentos que foram remetidos pelas autoridades fiscais do Reino Unido, referentes à Requerente, juntando a respetiva Resposta pela qual se pronuncia pela manutenção do ato impugnado. 

 

I.   Da Resposta da Requerida 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

Começa por sintetizar os principais aspetos em que assenta o pedido da Requerente, referindo, em suma, que de acordo quer com os documentos juntos pela Requerente, quer com os documentos que constituem o processo administrativo, constatou-se que os mesmos não atestavam a residência fiscal da Requerente no Reino Unido, nem a sua sujeição plena a imposto naquela jurisdição, para o efeito deveria ter sido exibido um certificado de residência fiscal emitido nos termos do artigo 4.º da CDT Portugal-Reino Unido.

Contudo, dado que os elementos exibidos pela Requerente demonstravam que exerceu o seu emprego no Reino Unido e lá teve habitação permanente ao seu dispor, suscitou-se a dúvida se a mesma lá teria sido residente fiscal, e, por consequência, sujeita a imposto pela universalidade dos seus rendimentos (full tax liability), pelo que foi desencadeado procedimento de troca de informação com a autoridade fiscal competente.

A AT refere que em 19.01.2023, foi rececionada resposta da autoridade fiscal britânica, transcrevendo o seguinte: “1. Ms A… did not include a declaration of non-residency in her self-assessment tax return covering the period 6th April 2016 to 5th April 2017. Therefore, by default, self-assessed herself as resident in the UK.

For the period 6th April 2017 to 5th April 2018 Ms A… has claimed split year treatment under Case 3, ceasing to have a home in the UK from 15th March 2018. This has not been challenged by HMRC.

A letter of confirmation of residence is issued as below Customers will occasionally ask HMRC for confirmation that we regard them as a resident of the UK for purposes other than claiming relief from foreign taxes under the, terms of a Double Taxation Agreement (DTA). For example some countries require confirmation that that person is regarded by HMRC as a resident of the UK before they can start trading in that country.

Customers may also want HMRC to confirm that we regard them as UK resident so that they can claim relief from foreign taxes which they might be entitled to under the domestic law of the foreign state or EU law (such as under the EU Interest & Royalties Directive) rather than under the terms of the UK’s DTA with that other state.

If a customer requests confirmation that HMRC regards them as being a resident of the UK for any purpose other than claiming benefits under a DTA, a ‘letter of confirmation’ should be issued instead of a Certificate of Residence (CoR).

The difference between a CoR and a ‘letter of confirmation’ is that a CoR is issued solely for the purpose of claiming benefits under a particular DTA. If a customer requires a CoR, they will be asked to provide the information listed at INTM162020 and HMRC will consider whether the customer is entitled to treaty benefits in accordance with the guidance at INTM162030-90 before issuing the CoR.

If a customer requires a letter of confirmation, the Officer will not need to check whether the customer fulfils the conditions of any DTA. They will only need to check that they can verify the statements which they are being asked to make.

2. We are unable to provide any comment on Ms A…’s tax residency in respect of the Double Taxation Agreement. If further assistance is required in resolving Ms A…’s tax residency and she feels she has been subject to double taxation, this should be done through the Mutual Agreement Procedure under Article 24 of the DTA.”

Sobre a informação prestada pela autoridade fiscal britânica, a AT conclui foi a Requerente que declarou ser residente fiscal no Reino Unido nas declarações de rendimentos submetidas àquela autoridade com referência ao ano civil de 2017, que abrange os anos fiscais britânicos terminados em 05/04/2017 (2017) e 05/04/2018 (2018).

Refere ainda que a Carta de Confirmação de Residência não se destina a solicitar benefícios nos termos de Convenção para Evitar a Dupla Tributação.

A autoridade fiscal britânica não é capaz de se pronunciar quanto à residência fiscal da Requerente nos termos da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, e, caso seja necessária mais assistência quanto à residência fiscal, tal pedido deverá ser efetuado com recurso ao Procedimento Amigável previsto no artigo 24.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.

Pelo que, entende ser inconclusiva a informação prestada pela autoridade fiscal britânica quanto à residência fiscal da Requerente no Reino Unido durante o ano de 2017.

Nesta senda, a AT vem recordar o disposto no artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS no que respeita à determinação de residência fiscal em Portugal, concretizando quanto ao critério de permanência estabelecido na respetiva alínea a) que a AT não dispõe de qualquer informação quanto à permanência da Requerente em território nacional, não tendo sido apresentado pela Requerente qualquer elemento de prova quanto a este facto.

Motivo pelo qual se desconhece o seu período de permanência em Portugal.

No que se refere à existência de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual em território nacional, a AT refere que foi consultada a informação disponível no respetivo sistema informático, verificando-se que, no ano de 2017, e até à presente data, a Requerente é proprietária do prédio urbano identificado pelo artigo matricial n.º..., fração “H”, da freguesia de ..., sito na Rua ..., S. Domingos de Benfica, no qual tinha o seu domicílio fiscal. Considera assim verificado o cumprimento do pressuposto da existência de habitação ao dispor no território nacional nos termos previstos na al. b) do artigo 16.º do Código do IRS, entendendo assim que a Requerente é considerada residente em Portugal. Pelo que, ao abrigo do disposto no do artigo 15.º, n.º 1 do Código do IRS, “(…) o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”

 

J.   Por despacho de 17.03.2023 proferido pela Árbitra aqui signatária, declarou-se cessada a suspensão da instância, com junção ao processo da respetiva documentação, tendo a Requerente sido notificada para, querendo, no prazo de dez dias, pronunciar-se sobre o que entender por conveniente considerando a informação recebida.

 

K. Em resposta ao despacho de 17.03.2023, a Requerente veio pronunciar-se no prazo concedido para o efeito (28.03.2023), reiterando o entendimento constante do PPA e salientando que: 

 

 

Resulta da informação que o documento que serve para determinar se um determinado sujeito é considerado residente fiscal, no Reino Unido, para efeitos de tributação, é uma “Letter of Confirmation”, sendo que o “Certificate of Residence” é o documento adequado a reclamar benefícios decorrentes de uma convenção sobre dupla tributação. 

Clarifica a Requerente que, o que solicitou às autoridades fiscais britânicas foi uma Letter of confirmation, que foi junta ao processo, e da qual resulta expressamente:” que a Requerente “… de 15 de Junho de 2015 a 15 de Março de 2018 foi residente no Reino Unido para efeitos fiscais”. 

Sublinha que nunca pediu um certificado de residência ao abrigo da Convenção sobre Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e Reino Unido, porque não se enquadrava nesta situação. Por seu turno, afirma que a autoridade fiscal britânica não se pronunciou quanto à residência fiscal da Requerente nos termos da Convenção para Evitar a Dupla Tributação. As autoridades britânicas são bem claras quando declaram, expressamente, que a Requerente foi por si considerada residente no Reino Unido, para efeitos fiscais, durante esse período. Ora, esclarece que o caso em análise não se enquadra numa situação de dupla tributação internacional, para a qual teria que ser emitido um certificado de residência, pelo Reino Unido. 

Apesar de, em 2017, o domicílio fiscal da Requerente, contemplar uma morada em Portugal, tal não consubstancia qualquer presunção inilidível, quanto à residência fiscal, no plano internacional. 

A Requerente sustenta o seu entendimento na argumentação de facto e de direito apresentada e para a qual se remete. Em conclusão, salienta que o único argumento invocado pela Requerida para fundamentar a tributação em Portugal é o facto de a Requerente ser proprietária de uma casa em Portugal. Sendo que, a mera propriedade de um imóvel não permite concluir pelo preenchimento do critério de residência fiscal em Portugal porquanto a lei prevê que o sujeito passivo tem que a destinar à sua habitação atual e habitual, conforme preceituado no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS. A Requerida não demonstrou, por qualquer forma, e com base em critérios objetivos, que, nos termos do artigo 16.º, n.ºs 1, alínea a) e b), 2 e 3, do Código do IRS, a Requerente tenha permanecido, fisicamente, em Portugal, por mais de 183 dias num período de 12 meses em Portugal, e com o animus de aqui permanecer.

 

Em resposta à notificação arbitral proferida no âmbito da reunião realizada para inquirição de testemunhas, para apresentação, de modo simultâneo, das respetivas alegações escritas, as partes mantêm e reiteram a argumentação de facto e de direito alegada.

 

II.       SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Não foi suscitada matéria de exceção. 

O processo não enferma de nulidades. 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.       FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto 

A. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos ao presente processo e, por via de prova testemunhal, no que respeita aos pontos c) e d).

a)  A Requerente foi notificada para apresentar a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS com referência ao ano de 2017.

b)  A Requerente logrou provar a sua residência para efeitos fiscais no período entre 15 de junho de 2015 e 15 de março de 2018, mediante apresentação de uma “Letter of Confirmation” emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido, relativamente à qual junta o respetivo certificado de tradução em língua portuguesa:

c)  A Requerente logrou provar o desenvolvimento da sua atividade profissional no Reino Unido, conforme cópia dos contratos com a B... para os períodos entre 1 de junho de 1016 a 31 de maio de 2017 e 1 de junho de 2017 e 31 de maio de 2018.

 

d)  O Requerente logrou fazer prova da respetiva residência no Reino Unido, juntando para o feito cópia do contrato de arrendamento referente a um imóvel sito em 14 ... 2FD, com a duração de 12 meses entre 24 de junho de 2016 e 23 de junho de 2017.

 

e)  A Requerente logrou provar a sujeição a imposto sobre o rendimento no Reino Unido no ano de 2017 (considerando o ano fiscal no Reino Unido entre 6 de abril de um ano a 5 de abril do ano seguinte), através da apresentação do respetivo formulário (P60), com a referência do PAYE (“Pay As You Earn”) 120/UB227859.

 

f)   Alteração de residência fiscal da Requerente para a Alemanha, com efeitos a 29 de janeiro de 2018, mediante apresentação de cópia do certificado de residência emitido pelas autoridades alemãs (com cópia com tradução certificada) e solicitação do pedido de retroação de efeitos da situação de não residência em Portugal e respetivo deferimento pela AT. 

 

 

g)  Pagamento da liquidação de IRS n.º 2021... no valor de no valor de € 7.247,35.

h)  Apresentação de reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2017.

 

B.  Factos não provados

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT. 

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental e testemunhal junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

III. Questões decidendas 

Atenta as posições assumidas pelas Partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir: 

a.   Da declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor de 
€ 7.247,35, o qual inclui € 877,47 de juros compensatórios;

b.   Do direito a pagamento de juros indemnizatórios e moratórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

IV. 2. Matéria de Direito 

a.   Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS

A questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade do ato de liquidação em sede de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017, assente na controvérsia sobre a qualificação da Requerente como residente para efeitos fiscais em Portugal, no período em questão. 

A análise da matéria em discussão compreende assim o respetivo enquadramento do conceito de residência fiscal, o qual já foi várias vezes objeto de pronúncia por este Tribunal. 

Nestes termos, reportamo-nos ao quadro legal relevante no que respeita à determinação da residência fiscal das pessoas singulares. 

O art.º 19.º, n.º 1 da LGT estabelece as regras de determinação do domicílio fiscal, definindo que “1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual; (…)”.O artigo não desenvolve a noção de residência habitual, concretizando as regras associadas ao domicílio fiscal. Neste sentido, estabelece que “O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica”. (n.º 2). 

Por razões atendíveis de organização administrativa necessárias ao exercício de direitos processuais, prevê-se ainda que “3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (…)”sendo “(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”

Deste modo, “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional”. (n.º 6).

A distinção fundamental entre os dois conceitos reside no facto de, enquanto o conceito de residência fiscal integra as normas fiscais materiais ou substantivas, as quais determinam a existência e a extensão do poder de tributar, o domicílio fiscal determina, como regra geral, a competência com fins processuais (em razão do território dos órgãos da administração fiscal e dos tribunais tributários). É nesse local que o sujeito passivo pode ser contactável pela administração fiscal.

A este respeito, acompanhamos o entendimento de Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa[1], quando refere a respeito da falta de designação de um representante, que “(…) nada impedirá que o contribuinte, diretamente ou por representante, exerça os direitos tributários, nomeadamente os de reclamação, recurso ou impugnação. Trata-se de garantias constitucionais que não podem ser afastadas por uma mera disposição da lei.”

O conceito de residência fiscal para as pessoas singulares encontra a sua previsão no art.º 16.º do Código do IRS, estabelecendo-se no seu n.º 1 que “São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: 

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”

Socorremo-nos do entendimento constante da decisão arbitral sobre o Processo 
n.º 846/2021-T do CAAD, no qual se salienta que “O conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento, uma particular importância. Desde logo, (a) agora restringindo a análise ao CIRS, a residência é o critério adoptado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cf. art. 15.º do CIRS). Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.”

É este o normativo aplicável, à luz do qual a questão há de ser apreciada. Verificar se a Requerente preencheu os pressupostos e condições previstos no artigo 16.º do Código do IRS, suscetível de determinar a sua residência fiscal em território português no ano de 2017. 

Considerando o disposto na alínea a) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], a Requerente argumenta que não permaneceu em território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em 2017, fundamentando a sua posição com diferentes elementos de prova documental e testemunhal para atestar a sua permanência no Reino Unido. Quanto ao critério de permanência estabelecido na respetiva alínea a) a AT refere expressamente que não dispõe de qualquer informação quanto à permanência da Requerente em território nacional, referindo a existência de um imóvel sua propriedade.

Neste âmbito, a Requerente logrou fazer prova de que no período temporal em questão residia e trabalhava no Reino Unido, deslocando-se a Portugal apenas em períodos de férias sem que tal suscitasse o preenchimento do período temporal exigido pela norma legal em referência. Junta para o efeito: a) cópia dos contratos com a B... para os períodos entre 1 de junho de 1016 a 31 de maio de 2017 e 1 de junho de 2017 e 31 de maio de 2018, para efeitos de prova do desenvolvimento da sua atividade profissional no Reino Unido; b) cópia do contrato de arrendamento referente a um imóvel sito em 14 ... 2FD, com a duração de 12 meses entre 24 de junho de 2016 e 23 de junho de 2017. O desenvolvimento da atividade profissional implicou sempre a presença física da Requerente no Reino Unido. Facto que não seria contestado pela Requerida e seria confirmado através de prova testemunhal, assente no desenvolvimento da própria tipologia de atividade profissional da Requerente (atividade bancária). 

Junta ainda cópia de uma “Letter of Confirmation” emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido pela qual se atesta a residência para efeitos fiscais no período entre 15 de junho de 2015 e 15 de março de 2018 não sendo suscitada a aplicação da Convenção entre Portugal e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para evitar a dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento. 

A aplicação do disposto na alínea b) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], no qual se estabelece como residente quem “(…) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; (…)” depende da verificação cumulativa de três requisitos, no ano a que respeitam os rendimentos (no caso, 2017): (i) a permanência em Portugal por um período inferior a 183 dias, com referência ao disposto na alínea a) acima referida; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual. 

A presente alínea exige assim uma ligação física menos qualificada, impondo uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados. 

Conforme bem se explica na decisão arbitral sobre o Processo n.º 457/202-T do CAAD “Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

Sobre o entendimento do preceito legal, acompanhamos a doutrina oportunamente citada na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 332/2022-T do CAAD: “Importa, então, analisar a verificação do terceiro requisito, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual. A este respeito verificamos, contudo, que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.

Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo. Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).

O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.

Como sustenta MANUEL FAUSTINO, o referido critério legal “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…” op. cit., pp. 124-125 e, no /mesmo entido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10). Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).”[2][3]

Ora, no que respeita à permanência da Requerente em Portugal, no período em referência, a Requerida expressa que não dispõe de qualquer informação, não tendo sido apresentado pela Requerente qualquer elemento de prova quanto a este facto. Motivo pelo qual se desconhece o seu período de permanência em Portugal.

No que se refere à existência de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual em território nacional, a AT refere que foi consultada a informação disponível no respetivo sistema informático, verificando-se que, no ano de 2017, e até à presente data, a Requerente é proprietária do prédio urbano identificado pelo artigo matricial n.º ..., fração “H”, da freguesia de ..., sito na Rua ... nº4 ...S. Domingos de Benfica, no qual tinha o seu domicílio fiscal.

Ora, se para efeitos da referida alínea a) [art. 16.º, n.º 1 do Código do IRS] nada se especifica, caberia atender ao disposto na respetiva alínea b), sendo que apenas se refere a existência de um imóvel, no qual habitava a filha da Requerente. 

Quanto à suficiência do referido elemento probatório para aferir da respetiva residência em Portugal, citamos novamente o entendimento já acolhido pelo Tribunal, clarificando que: “Repare-se que a intenção que se pretende aferir, na al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS, não é uma intenção de, no futuro, ocupar, ou não, a habitação como residência atual, mas sim, como refere MANUEL FAUSTINO uma intenção atual (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…op. cit.” p. 125), que deve ser aferida mediante manifestações externas dessa vontade.” Não haverá qualquer outra forma mais clara ou direta de aferir a intenção de um sujeito passivo do que a vontade manifestada por este (ou em representação deste, por quem tinha poderes bastantes para esta representação), o que não poderá deixar de ser igualmente relevado.

Neste mesmo sentido, Rui Duarte Morais[4] recorda a posição do STA, no Acórdão de 24.02.2011, prolatado no processo n.º 0876/10, relatado por Isabel Marques da Silva, o qual cita e acompanha o referido entendimento de Manuel Faustino. 

No caso em concreto, a Requerente mantinha, no ano em referência, um contrato de trabalho com a B... para os períodos entre 1 de junho de 1016 a 31 de maio de 2017 e 1 de junho de 2017 e 31 de maio de 2018, conforme documentação apresentada, cuja execução implicou sempre uma presença física no Reino Unido. Facto que seria igualmente confirmado através de prova testemunhal.

É convicção deste Tribunal de que a residência habitual da Requerente, durante o período temporal visado, se manteve no Reino Unido, para cumprimento da própria atividade profissional em causa, prejudicando desta forma o preenchimento cumulativo dos requisitos exigidos para a sua qualificação como residente em Portugal. 

Para a análise que aqui se efetua, ficaria provado que, no período em questão, a Requerente viveu fisicamente separada da sua filha, existindo apenas visitas ocasionais ou por motivos de férias, atenta a circunstância de viver e trabalhar no Reino Unido. 

No que concerne à não comunicação do domicílio à administração tributária, nos termos do art.º 19.º, n.º 3 da LGT, acompanhamos o entendimento exposto na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 36/2022-T do CAAD, na qual se entende que: “(…) a circunstância de o Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência – no ano de 2017, o Requerente estava registado no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portimão, Portugal (cf. facto provado f))–, não pode fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; (…).” O que se mostra aplicável na análise do presente caso. 

E continua aquele Tribunal concluindo que “Não tem assim razão a Requerida quando afirma que a prova da residência fiscal do Requerente, no ano de 2017, teria de ser feita através de um “certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido nos termos do art. 4.º da CDT celebrada entre Portugal e aquele país”, sendo que, ainda na perspetiva da Requerida, o “documento denominado Letter of confirmation of residence (…) não pode ser qualificado como um certificado de residência fiscal para efeitos do artigo 4.º da Convenção”; trata-se de um argumento absolutamente formalista e carecido de respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.

Relativamente à informação que proveio da aplicação do mecanismo de troca de informações em matéria fiscal, acompanha este Tribunal o entendimento legal igualmente exposto na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 36/2022-T do CAAD. “Acresce, ainda, referir que também o facto de terem sido as autoridades fiscais do Reino Unido a comunicar à Requerida que, no ano de 2017, o Requerente tinha auferido rendimentos naquele país – o que aconteceu no âmbito de uma troca automática de informações realizada ao abrigo da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011 (DAC 1), relativa à cooperação no domínio da fiscalidade e que foi transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de maio –, não tem qualquer influência quanto ao estatuto de residência fiscal que deve ser reconhecido ao Requerente, no ano de 2017, pois a “definição de residente é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado” e, no caso português, os respetivos critérios são os constantes do artigo 16.º do Código do IRS. 

Escreve Rui Duarte Morais que a “A definição de residente é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado. As convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência (reenviam para a lei interna dos Estados contratantes a definição de residente), limitando-se a estabelecer regras de “desempate” que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal[5]. Situação que se afasta do caso concreto, pelo que não cabe aqui desenvolver. 

Com base na factualidade apresentada e à luz dos critérios de residência estatuídos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, a Requerente não pode ser considerado fiscalmente residente em Portugal, no ano de 2017, o que obsta a que aqui seja tributado relativamente aos rendimentos auferidos no período controvertido.

 

b.  Do direito a juros indemnizatórios e moratórios

A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e moratórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

Estabelece o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Desta forma, remete-se para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

No que diz respeito aos juros indemnizatórios, estabelece o artigo 43º, n.º 1, da LGT que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido"

Em linha com o entendimento já propugnado (veja-se a Decisão prolatada no Processo 
nº 63/2022-T do CAAD), será de considerar o que refere o acórdão do STA de 8 de março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal: “Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”

Entende-se igualmente, e com o qual se concorda, que “De qualquer forma, é indiscutível que a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. (…) Esta situação da Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido, pelo que a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia, deve ser equiparada à ação”. No caso em apreço, a reclamação graciosa foi tacitamente indeferida. 

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 43, nº1, da LGT. Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, desde a data do pagamento até à data da emissão da correspondente nota de crédito.

 

 

No que respeita aos juros moratórios a favor do sujeito passivo, refere-se que a sua previsão se encontra no artigo 43.º, n.º 5, da LGT: “No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

Socorremo-nos aqui do entendimento constante da Decisão prolatada no Processo 
n.º 3/2016-T do CAAD quando refere que “Esta norma tem natureza sancionatória e compulsória, sendo aplicável quando a Administração Tributária não dê cumprimento atempado à decisão proferida pelo tribunal, transitada em julgado, que impunha a obrigação de restituir imposto pago. É manifesto, pois, que a omissão ilícita pressuposto de aplicação da norma não ocorreu, nem poderia ter ainda ocorrido.

Em todo o caso, e previamente, há que notar que, como escreve Jorge Lopes de Sousa “(…) o cumprimento do dever de executar e as consequências do seu incumprimento situam-se a jusante do processo arbitral, pois os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competências executivas, como resulta do art. 2º, nº 1, do RJAT. 

Por isso, caso a Administração não dê cumprimento ao dever de executar ou cumpra esse dever em termos diferentes daqueles que o sujeito passivo entende serem adequados, este terá de utilizar o processo de execução de julgados, previsto nos artigos 173º e seguintes do CPTA, aplicáveis por força do disposto no 29º, nº 1, alíneas a) e c) do RJAT, e nos artigos 102º da LGT, e 146º, nº 1, do CPPT.”

Nestes termos, declara-se a incompetência material do Tribunal Arbitral no que respeita a esta pretensão e, em consequência, absolve-se a Requerida da instância relativamente a este pedido.

DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)  Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2021.... relativo ao ano de 2017, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor de 
€ 7.247,35 (que inclui a liquidação de juros compensatórios), com as legais consequências; 

b)  Condenar a Requerida a restituir à Requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento pela Requerente até à do processamento da nota de crédito;

c)  Absolver a Requerida da instância no que respeita ao pedido de condenação em juros moratórios;

d)  Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

IV.       VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 7.247,35 (sete mil, duzentos e quarenta e sete mil e trinta e cinco cêntimos). 

 

CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 19 de junho de 2023

A Árbitra do Tribunal Arbitral

Ana Rita Chacim 

 



[1]   Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª edição, 2012, pág. 199. 

[2]   Processo n.º 332/202-T do CAAD. 

[3]   Neste sentido, entende o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 3/2020 (Série I), de 4 de março de 2020, Processo n.º 1679/13.9BALSB do Contencioso Tributário - Pleno da Secção. 

[4]   Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 3ª edição, 2014, pág. 5.

[5]   Rui Duarte Morais, Sobre o IRSob. cit.  págs. 7-8.