SUMÁRIO:
1. O tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
2. Segundo o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, que aprova um novo enquadramento jurídico em matéria de depreciações e amortizações, concretizando o que a esse propósito dispõe o Código do IRC, para a determinação do período mínimo de vida útil de um elemento do activo, ter-se-á em conta, no caso de bens adquiridos em segunda mão, o correspondente período de utilidade esperado, e que este não pode ser inferior à diferença entre o período mínimo de vida útil do mesmo elemento em estado de novo e o número de anos de utilização já decorrido.
3. As depreciações e amortizações que não sejam consideradas como gastos fiscais no período de tributação em que foram contabilizadas, por excederem as importâncias máximas admitidas, são aceites como gastos fiscais nos períodos seguintes, na medida em que não se excedam as quotas máximas de depreciação ou amortização fixadas naquele Decreto Regulamentar.
DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
A…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, … …, veio, aos 11/10/2022, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os signatários, Prof. Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dra. Maria Antónia Torres e Prof. Doutora Eva Dias Costa (Relatora), para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, disso notificando as partes.
O Tribunal foi constituído a 23/12/2022.
O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto imediato o (in)deferimento parcial do Pedido de Revisão Oficiosa com o processo n. º …2018…, e por objecto mediato a liquidação de IRC n.º 2017 …, de 23/03/2017, do qual resultou um valor de imposto a pagar de € 396.066,96.
A Requerida apresentou, a 02/02/2023, a sua Resposta.
O Tribunal proferiu, a 08/02/2023, despacho arbitral notificando a Requerida para vir juntar o Processo Administrativo, dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando que as partes não arrolaram testemunhas nem requereram a produção, notificando as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas no prazo de 15 dias, designando a data para a prolação da decisão arbitral e convidando a Requerente a proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
A Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente a 17/02/2023 e não apresentou alegações.
A Requerida, aos 27/02/2023, veio juntar aos autos o processo administrativo e, a 28/02/2023, as suas alegações escritas, nas quais, grosso modo, reproduziu a peça já anteriormente apresentada,
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
Fixa-se o valor do processo em € 396.066,96€ (trezentos e noventa e seis mil e sessenta e seis euros e noventa a seis cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima, de direito português, que era, a 31/12/2012, e é a esta data, a sociedade dominante de um perímetro de entidades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto no artigo 69.º do Código do IRC.
2. Desse perímetro faz parte uma outra sociedade comercial, de direito português, que gira sob a firma B... - Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. ("B..."), sociedade com o NIPC 508 820 030.
3. A B... foi constituída em 2009, tendo como objecto social a gestão de estabelecimentos hospitalares em regime de parceria público-privada, que, nos termos do Contrato de Gestão celebrado com o Estado Português, incluía o, à data, denominado Hospital de C... (actualmente, Hospital de D).
4. Em Setembro de 2009, dá-se o início ao novo modelo de gestão daquele Hospital, resultante da parceria entre os Ministérios da Saúde e das Finanças com a B..., que vigoraria até ao final de agosto de 2019.
5. Tal implicou a aquisição dos bens que integravam, até setembro de 2009, o Hospital em apreço por parte da B... à entidade que, em momento anterior à respectiva entrada, era responsável pela exploração do Hospital de C....
6. Todos os bens que constam no Modelo 32 da B... cuja data de aquisição é 01/09/2009 correspondem a activos que já se encontravam em funcionamento no Hospital, e que foram adquiridos por parte da B... no momento do início do Contrato de Gestão, pelo respectivo valor líquido contabilístico (“VLC”), valor pelo qual a B... os registou na sua Contabilidade.
7. Tendo em consideração que já estavam em funcionamento/ utilização, a B... manteve os procedimentos ao nível da depreciação/amortização que vinham a ser seguidos até então por respeito àqueles bens, depreciando/ amortizando os mesmos pelo remanescente da vida útil inicialmente definida (na esfera da anterior entidade responsável pela exploração do Hospital), até à concorrência do valor pelo qual a B... os havia adquirido (i.e., VLC).
8. Os bens posteriormente adquiridos pela B... foram contabilizados pelo respectivo custo de aquisição, sendo, regra geral, depreciados/amortizados de acordo com a vida útil que se deduz das taxas de depreciação/amortização (máximas) previstas no Anexo ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
9. Com excepção dos bens posteriormente adquiridos pela B... cuja vida útil expectável ultrapassasse o período do Contrato de Gestão, relativamente aos quais se definiu a vida útil em função do prazo remanescente daquele Contrato, uma vez que seriam apenas objecto de utilização até então.
10. Nos períodos de tributação de 2010 e 2011, tinham sido tributados rendimentos relativos, no valor de € 176.131,72, referente ao item "Doenças Lisossomais".
11. O saldo da rubrica de acréscimos da B... relativa a Doenças Lisossomais está associada à contabilização de acertos (rendimentos operacionais) que a B... estimava poder efectivamente vir a facturar no âmbito do Contrato de Gestão estabelecido com o SNS, em virtude da interpretação que fez das cláusulas de remuneração previstas no aludido Contrato.
12. Os rendimentos subjacentes àqueles acertos foram sujeitos a tributação por parte da B..., nomeadamente, nos exercícios de 2010 e 2011.
13. Em 2012, no âmbito dos procedimentos e negociação de fecho da produção referente a 2009, 2010 e 2011, que implicou uma apreciação prévia da reconciliação àqueles exercícios por parte do SNS, houve lugar a um diferendo entre a B... e a ARS relativamente às cláusulas de remuneração previstas no Contrato de Gestão, tendo, ainda em 2012, sido vedada à B... a possibilidade de facturar o saldo decorrente daquele acerto.
14. Em consequência, a B..., que esta contabilizou, como uma variação patrimonial negativa daquele exercício no valor de € 176.131,72, referente ao item “Doenças Lisossomais”.
15. A B... foi objeto de um procedimento de inspecção tributária externa de âmbito parcial (com incidência sobre o IRC), levado a cabo pelos competentes serviços de inspecção tributária, e foi notificada do Relatório Final de Inspecção referente ao exercício de 2012, produzido ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 2015 …, com despacho de 27/05/2016.
16. Nessa inspecção, o resultado fiscal individual da B..., foram levantadas as seguintes questões:
a) Não-aceitação das variações patrimoniais negativas reflectidas no resultado fiscal apurado pela B... no exercício de 2012, por respeito a: i) produção e indicadores de desempenho (€ 12.619.405,61); e ii) acréscimo relativo ao item Doenças Lisossomais (€ 176.131,72);
b) Correção (acréscimo) referente a depreciações e amortizações alegadamente excessivas (€ 174.153,35), decorrente do total de depreciações/ amortizações não aceites como gastos fiscais declarados no mapa Modelo 32 relativo ao exercício de 2012; e,
c) Não-aceitação da dedução referente a depreciações tributadas em exercícios anteriores (€ 45.781,89).
17. As correcções ocorridas na B... tiveram impacto na esfera fiscal da aqui Requerente, que foi, assim, sujeita ela própria a um procedimento de inspecção externa, parcial, com incidência em IRC, que veio a dar origem ao Relatório Final de Inspecção, produzido ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 2016 …, com despacho do Director de Finanças de 16/03/2017.
18. A Requerente não se conformou e apresentou um pedido de revisão do ato tributário ao abrigo do artigo 78.º da LGT, reagindo contra a mencionada liquidação na parte que refletiu no resultado do Grupo, correções no valor global de € 12.993.856,85, efetuadas pelos serviços da inspeção tributária de ... na esfera individual da sociedade B..., que viu os seus prejuízos fiscais alterados de € 31.001.563,79 para € 18.007.706,94 (€ 31.001.563,79 - € 12.993.856,85).
19. No referido pedido de revisão oficiosa estavam em causa as seguintes correcções:
- A não aceitação de parte das variações patrimoniais negativas referentes ao acerto de contas e pagamento de reconciliação à respectiva entidade credora, a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS);
- A correcção do montante registado a título de depreciações e amortizações excessivas, e;
- A não aceitação de depreciações e amortizações tributadas em períodos anteriores.
20. A Requerida deferiu parcialmente o aludido pedido de revisão, tendo-se pronunciado em sentido favorável à Requerente quanto às variações patrimoniais negativas reflectidas no resultado fiscal apurado pela B... no exercício de 2012 decorrentes da produção e indicadores de desempenho (€ 12.619.405,61).
21. Tendo sido mantidas as seguintes correcções, as quais são objeto do presente pedido de pronúncia arbitral:
- Acréscimo da variação patrimonial negativa referente a acerto de “Doenças Lisossomais” no valor de € 176.132,00, por não se encontrar suportada em acta;
- Acréscimo de depreciações e amortizações excessivas no valor de € 174.153,35 por divergências entre os mapas Modelo 32 e a declaração Modelo 22.
- Não aceitação da dedutibilidade do montante de € 45.781,89 € referente a depreciações e amortizações, que a Requerente alega terem sido tributadas em períodos anteriores, nos termos do artigo 30.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados e não provados, relevaram os documentos juntos aos autos, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos.
Há que salientar que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do actual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados (pedido de constituição arbitral, Resposta da Requerida e alegações de mabas as partes), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os factos com relevo para a decisão supramencionados.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.
De resto, estão documentalmente comprovados e não foram objecto de controvérsia entre a Requerente e a Requerida.
4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
São estas, sumariamente, as posições das partes relativamente a cada um dos pontos controvertidos:
a) Acréscimo relativo ao item Doenças Lisossomais
Posição da Requerente:
A B..., sociedade que integra o Grupo dominado pela Requerente, na respectiva Declaração de Rendimentos Modelo (“DM22”) do IRC referente ao exercício 2012, introduziu uma parcela título de variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício (campo 704), no valor de € 176.131,72, que compunha aquele ajustamento e que respeitava a acréscimos relativos à rubrica de "Doenças Lisossomais”.
Explicou a Requerente ainda que, com regularidade, em Contratos de Parceria Público-Privada e de Gestão, existem divergências quanto à respectiva interpretação pelas partes, sendo o caso em apreço uma dessas situações, cujas divergências justificam a disputa / desacordo entre a B... e a ARS, e que nas actas de fecho de contas firmadas em 2012, cujo propósito se subsumia ao encerramento dos montantes a reconciliar por respeito aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, não poderia ainda ter havido lugar, por uma questão de coerência temporal, a qualquer menção relativa ao reconhecimento de qualquer direito de crédito da B... sobre a rubrica de Doenças Lisossomais, já que o diferendo só depois ficou concluído.
Posição da Requerida:
Em sede de inspecção tributária
A Requerida, apesar de não contestar os factos, colocou em causa essa variação, alegando que, se houvesse efetivamente dúvidas acerca da faturação relacionada com a rubrica em apreço, o assunto deveria ter sido vertido na acta de fecho de contas disponibilizada pela B.... Não o tenho sido, a Requerida parte do princípio de que não terão existido variações merecedoras de relevo.
Já em sede de Revisão Oficiosa
A AT vem defender que o facto de só no exercício de 2012 ter sido possível conhecer os valores aceites pela ARS, variáveis que não dependiam exclusivamente da Requerente, “não invalida a existência de regularizações a efectuar, como decorre de qualquer outra actividade e em qualquer outro contexto, pois a anulação de rendimentos em períodos anteriores àquele em que ocorreram, por regra, não consubstancia uma variação patrimonial negativa dedutível e que, não fazendo parte da acta assinada entre as partes qualquer referência a divergências nos valores referentes à rúbrica ''Doenças Lisossomais", nem constando na tabela qualquer valor pendente de acerto entre as partes, consideramos que a posição da inspecção se encontra fundamentada, sendo de manter a correcção no valor de Euro 176.131,72”.
Já na Resposta apresentada
A Requerida limita-se a aduzir como defesa que: “Os serviços da inspecção de ... consideraram que esta regularização não é fiscalmente aceite, pois, não existe qualquer menção a acertos para esta rúbrica na acta de fecho de contas assinada em 02.08.2012, bem como, apesar de a tabela anexa à acta de fecho de contas incluir uma linha para “Lisossomais”, esta não mencionar nenhum acerto para ambas as partes”.
Cumpre, pois, tomar posição:
A Requerida não coloca em causa o sucedido entre a B... e a ARS relativamente às referidas doenças Lisossomais e fundamenta a não aceitação do valor aposto na rúbrica variações patrimoniais negativas na inexistência de uma menção a tal variação na acta de fecho de contas de 2012.
Menção que a lei, obviamente, não exige, e que a Requerente já demonstrou que, atenta a sucessão de eventos no tempo, não poderia existir.
Por outro lado, a própria obrigação de inquisitório que a Requerida tem e os meios que tem ao seu dispor lhe permitiriam – e a obrigariam – na dúvida, a corroborar se o que a Requerida afirmava correspondia à verdade.[1]
O princípio do inquisitório encontra-se consagrado no artigo 58.º da LGT e consubstancia-se no dever da AT de realização oficiosa de todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
O inquisitório é um princípio conformador da actividade da AT, na formação do acto lesivo dos interesses legalmente protegidos dos administrados e é, por isso, uma garantia não impugnatória do sujeito passivo. Está, aliás, aquém do ónus da prova: a verdade material aqui consubstancia-se numa verdade extraprocessual, que não é aquela que se afere pela prova ou não prova de factos
Finalmente, toda os argumentos vertidos à decisão do pedido de revisão que não constassem já do relatório da inspecção tributária constituem motivação a posteriori, proibida por lei, já que não satisfaz os requisitos essenciais da exigência de fundamentação do acto quando se opera a formação da vontade e a esta se exprime em toda a sua plenitude, requisitos respeitantes à entidade administrativa e ao administrado.
Face a isto, tendo em conta que ficou demonstrado que os aludidos acertos não são admissíveis como serviços ao abrigo do Contrato de Gestão, também não poderão os mesmos qualificar, para efeitos fiscais, como créditos relativos a prestações de serviços que se considerem realizados, uma vez que aqueles acertos (de rendimentos) foram anulados, nunca chegando a consubstanciar prestações de serviços, impõe-se dar razão à Requerente, por aplicação do disposto no artigo 18.º e no artigo 24.º do Código do IRC, que a liquidação objecto de pronúncia arbitral, nesta parte, violou, fundamento da respectiva anulação.
De outra forma, o princípio da especialização dos exercícios levaria à obtenção de uma tributação injusta violadora dos princípios da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.
b) Diferença entre as depreciações que resultam do Mapa de Depreciações e Amortizações Modelo 32 (“Modelo 32”) e o acréscimo efectuado pela B... na respectiva DM22 do IRC referente ao exercício de 2012
Posição da Requerente:
Em sede de inspeção tributária, a AT solicitou a identificação dos períodos de tributação em que as depreciações/amortizações recuperadas pela B... na DM22 do IRC referente ao exercício de 2012, mediante dedução efectuada no campo 763, haviam sido acrescidas no Quadro 07 (“Q07”), bem como cópia do Modelo 32 aplicável, com a identificação do excedente depreciado naqueles exercícios.
No período temporal em que decorreu a inspeção tributária, a Requerente sustenta que não teve capacidade para justificar a referida divergência.
Mas que, não obstante, foi ainda capaz de oferecer:
Breakdown dos bens relativamente aos quais a B... apurou, no exercício de 2012, a aludida dedução (€ 45.781,89-total do valor inscrito no campo 763 da respectiva DM22 do IRC), bem como valor das depreciações excessivas contabilizadas e tributadas (i.e., gasto não aceite para efeitos fiscais), no exercício de 2011, por respeito àqueles mesmos bens;
Breakdown do cálculo das depreciações contabilizadas, no exercício de 2011, por respeito àqueles bens, bem como das respectivas depreciações excessivas apuradas naquele exercício, no montante de € 73.402,52 (parte do montante total inscrito no campo 719 da DM22 do IRC da B... referente ao exercício de 2011 - € 179.357,69); e,
O Modelo 32 referente ao exercício de 2011, no qual com facilidade se identificam as depreciações excessivas apuradas pela B... por respeito a cada um daqueles bens.
Já em sede de Pedido de Revisão Oficiosa, a Requerente alegou que se havia verificado um preenchimento involuntariamente defeituoso do Modelo 32 por referência ao exercício de 2012, que comportaria taxas incorrectas de depreciação/ amortização.
De facto, sustentou, os mapas em questão apresentavam taxas efectivas de depreciação/amortização que, em alguns casos, não correspondiam à taxa subjacente ao código fiscal de cada activo, em conformidade com o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009.
Esclareceu que a metodologia utilizada pelo Modelo 32 para efeito do cálculo das depreciações/amortizações segundo o regime de duodécimos originou divergências face ao método de apuramento das mesmas, caso não houvesse a opção pelo aludido regime e que o acréscimo registado na DM22 do IRC referente ao exercício de 2012 foi apurado manualmente pela B..., assumindo as taxas correctas de depreciação/amortização.
Posição da Requerida:
Em sede de Inspecção Tributária
A AT destacou três elementos do activo, referindo antes, e cita a Requerente a AT: “as diferenças são significativas, e representam, em valor, o universo dos elementos em que existiram diferenças”.
Item 1: data de aquisição: setembro de 2009; valor de aquisição: € 191.491,89; taxa do DR 25/2009: 12,50%; depreciação contabilística: € 44.195,38; depreciação excessiva na perspectiva da AT: € 20.258,64; e depreciação excessiva acrescida pela B...: € 18,66;
Item 2: data de aquisição: setembro de 2009; valor de aquisição: € 54.502,06; taxa do DR 25/2009: 12,50%; depreciação contabilística: € 16.401,76; depreciação excessiva na perspectiva da AT: € 9.588,94; e depreciação excessiva acrescida pela B...: € 516,26;
Item 3: data de aquisição: junho de 2011; valor de aquisição: € 1.581.240,18; taxa do DR 25/2009: 10%; depreciação contabilística: € 197.655,02: depreciação excessiva na perspectiva da AT: € 39.53; e depreciação excessiva acrescida pela B...: € 4.033,77.
A Requerida entende que não assiste qualquer razão à Requerente quando defende que o valor a acrescer é diferente daquele por si apurado no mapa Modelo 32, sendo, na opinião da AT, esse o montante que deveria ter sido acrescido no campo 719 da DM22 do IRC da B... referente ao exercício de 2012, '”pois a depreciarão do exercício aceite fiscalmente não pode ser superior à que resultaria da aplicarão das taxas fixadas” no DR 25/2009, “'sendo claro da observação do mapa apresentado pela Requerente que tal aconteceu, não se tratando de erro de preenchimento”.
Em sede de Projecto de Decisão
Já em sede de pedido de revisão, a Requerida refere ainda que, no Modelo 32, as depreciações e amortizações contabilizadas no exercício ascendem a € 4.320.780,03 e € 1.500.678,56, “valor que coincide com o total de Euro 5.821.458,59 declarado na Demonstrarão de Resultados por Natureza (. .. ) da B...”, para concluir que “existe evidência de que as depreciações e amortizações calculadas pela B... (. . .) foram contabilizadas e concorreram para a formarão do resultado líquido do exercido, como tal o montante excessivo apurado na (. . .) Modelo 32 tinha que ser acrescido (. .. )”.
Pelo que conclui que “os elementos juntos pela Requerente não são susceptíveis de demonstrar o que pretende, pois não existe evidência de que o montante das depreciações que a B... pretende deduzir no período de 2012 tenha sido tributado em 2011”.
Na resposta apresentada nestes autos
A Requerida limita-se a afirmar que “da consulta à declaração de rendimentos Modelo 22 do mesmo período, verificou-se que a “B...” apenas acresceu no campo destinado ao acréscimo das depreciações e amortizações não aceites fiscalmente, campo 719 do quadro 07 o montante de 77.070,02 €” e que “Descrevem os serviços da inspecção que, notificada a B... para apresentar justificação para tal discrepância de valores, a mesma não forneceu qualquer elemento ou explicação, em face do que foi acrescida a diferença de 174.153,35 € para efeitos de determinação do resultado tributável.”
O que, face à matéria trazida aos autos, não corresponde à verdade.
Cumpre decidir:
Está aqui em causa a aplicação do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, que aprova um novo enquadramento jurídico em matéria de depreciações e amortizações, concretizando o que a esse propósito dispõe o Código do IRC.
Como sustenta a Requerente, o artigo 3.º, n.º 2, do referido Decreto Regulamentar prevê que “qualquer que seja o método de depreciação ou amortização aplicado, considera-se: a) período mínimo de vida útil de um elemento do activo, o que se deduz da quota de depreciação ou amortização que seja fiscalmente aceite nos termos dos n. º' 1 e 2 do artigo 5. º; b) período máximo de vida útil de um elemento, o que se deduz de quota igual a metade da referida na alínea anterior”.
Mais sustenta que o artigo 5.º, n.º 1, do mesmo regulamento prevê que “(..)a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação é determinada aplicando-se ( . .) as taxas de depreciarão ou amortizarão especificas fixadas na Tabela I anexa”, excetuando-se, como decorre do n.º 2 daquele artigo, designadamente, os bens adquiridos em estado de uso (como são o Item 1 e o Item 2 in casu), em que “as taxas de depreciarão e amortização são calculadas com base no correspondente período de utilidade esperado”.
Mais dispõe o n.º 4 do artigo em apreço que quando para aqueles bens (adquiridos em estado de uso) “for conhecido o ano em que pela primeira vez tiverem entrado em funcionamento ou utilização, o período de utilidade esperada não pode ser inferior à diferença entre o período mínimo de vida útil do mesmo elemento em estado de novo e o número de anos de utilizarão já decorrido”.
Assim, nos casos em que, para os bens adquiridos em estado de uso, seja conhecido o ano em que aqueles mesmos bens tenham entrado em utilização, como é o caso do Item 1 (2006) e do Item 2 (2005), impõe o decreto regulamentar que a vida útil daqueles bens (i.e., na esfera da B..., a partir de 2009) não pode ser inferior à diferença entre o período mínimo de vida útil de elementos daquela natureza em estado de novo (neste caso, 8 anos) e o número de anos de utilização já decorrido (neste caso, cerca de 6 e 7 anos, respectivamente), situação que originaria o apuramento de depreciações/amortizações não dedutíveis.
Com efeito, estamos, na prática, perante uma norma anti-abuso, que visa dissuadir situações de abuso ao nível da antecipação, para efeitos fiscais, do gasto associado a depreciações/ amortizações dos bens adquiridos em estado de uso. Tendo em consideração que a B... manteve os procedimentos ao nível da depreciação/amortização que vinham sendo seguidos até à data por respeito aos bens adquiridos à anterior entidade gestora do Hospital, aquela situação não se coloca.
O mesmo, mutatis mutandis, se aplica aos demais elementos que constam com data de aquisição de Setembro de 2009.
Quanto às as situações dos bens adquiridos após setembro de 2009 cuja vida útil expectável ultrapassaria o período do Contrato (a B... adquiriu bens essencialmente até 2011, os quais têm, por regra, um período de vida útil curto, a que acresce o facto de o Contrato de Gestão terminar apenas em agosto de 2019), em particular, o Item 3, que motiva uma divergência referente a depreciações não dedutíveis de € 35.497,23 entre a AT e a Requerente, determina ainda o aludido Decreto Regulamentar que podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil e que a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se dividindo o custo de aquisição ou de produção dos elementos pelo número de anos que decorrer desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à data estabelecida para a reversão.
Ora, como bem alega a Requerente, apesar de o contrato celebrado entre a B... e a ARS não se enquadrar totalmente num contrato de concessão, há características desse contrato, designadamente quanto à substância do negócio, que permitem subsumi-lo àquele citado regime. A B... foi nomeada para efectuar a gestão do Hospital por um período de apenas 10 anos (setembro de 2009 a agosto de 2019), podendo, para esse efeito, adquirir bens, por sua iniciativa e ónus, dos quais passaria a ser titular.
Contudo, e na medida em que a B... havia sido constituída para o preciso propósito do cumprimento do aludido Contrato de Gestão, esvaziar-se-ia, desde logo, a utilidade daqueles bens em momento subsequente ao término do contrato, o que, por maioria da razão, suporta, quando aplicável, o alinhamento do período de vida útil daqueles bens ao período do Contrato de Gestão (se e quando, apenas, a vida útil daqueles bens excedesse o período daquele Contrato).
A Requerida optou por ignorar todas as justificações apresentadas pela Requerente e não foi capaz de, com argumentos claros e lógicos, defender a sua posição.
Decidindo, está assim demonstrada a ilegalidade das liquidações de imposto sub judice também quanto a este ponto, por violação do disposto no citado Decreto Regulamentar.
Finalmente,
C) Dedução de depreciações e amortizações tributadas em períodos de tributação anteriores
Posição da Requerida:
Segundo a Requerida, a justificação das correcções efectuadas prendeu-se com o facto de o total de depreciações excessivas constantes do Modelo 32 da B... referente ao exercício de 2011 não corresponder ao valor inscrito no campo 719 da DM22 do IRC da sociedade referente ao mesmo exercício. Concluiu, com base nisso, que “os elementos juntos pela Requerente não são susceptíveis de demonstrar o que pretende, pois não existe evidência de que o montante das depreciações que a B... pretende deduzir no período de 2012 tenha sido tributado em 2011”.
Na Resposta apresentada nestes autos, a Requerida manteve que foi a B... notificada para identificar o(s) ano(s) em que foi(ram) acrescido(s) ao quadro 07 os montantes que pretende deduzir no período de 2012, enviando cópia da respectiva folha do mapa de amortizações de modelo oficial com a identificação do excedente depreciado em anos anteriores e que, mesmo depois de ter solicitado alargamento do prazo, não apresentou tais elementos, pelo que, dada a ausência de qualquer resposta, os serviços da inspeção procederam à correção, considerando que o valor de € 45.781,89 não era dedutível nos termos do artigo 20.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
Posição da Requerente:
A Requerente entende que, conforme decorre do artigo 20.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 (sob a epígrafe “depreciações e amortizações tributadas2), “as depreciações e amortizações que não sejam consideradas como gastos fiscais no período de tributação em que foram contabilizadas, por excederem as importâncias máximas admitidas, são aceites como gastos fiscais nos períodos seguintes, na medida em que não se excedam as quotas máximas de depreciação ou amortização fixadas no presente decreto regulamentar”.
A Requerente apresentou nestes autos duas tabelas pelas quais visou demonstrar, por comparação, que aquele limite foi sempre devidamente respeitado por parte da B... e que, em face dos demais elementos e evidência prestados pela Requerente, não deverá subsistir qualquer impedimento a que a B... possa beneficiar da referida dedução, no montante de € 45.781,89, ao respectivo lucro tributável apurado por respeito ao exercício de 2012, o que, desde logo, implicará a reversão da correcção efectuada pela AT no âmbito do presente assunto.
A Requerida não emitiu qualquer consideração sobre aquelas tabelas, limitando-se, como se disse supra, a manter que a Requerida, em sede de inspecção, não tinha apresentado as explicações atempadamente.
Face a isto, soçobra aqui também a posição da Requerida, sendo a liquidação ilegal, por violação daquelas citadas normas.
5. DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos supra, decide-se:
- Anular, por ilegal, a liquidação de imposto em crise;
- Fixar a taxa de justiça do presente processo em € 6.426,00 (seis mil, quatrocentos e vinte e seis euros), de harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 4 do RCPAT;
- Condenar a Requerida no respectivo pagamento, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Lisboa e CAAD, aos vinte e três dias do mês de junho de dois mil e vinte e três.
Notifique-se.
Os Árbitros,
Prof. Doutora Rita Correia da Cunha
Dra. Maria Antónia Torres
Prof. Doutora Eva Dias Costa
[1] Veja-se, a esse propósito e, aliás, sobre tema idêntico, o decidido pelo CAAD no processo n.º 587/2022-T: “Havendo dúvidas sobre a realização de despesas por impossibilidade de apresentação dos documentos de suporte e admitindo a Administração Tributária, no âmbito de um procedimento inspectivo, que a prova pudesse ser efectuada por outros meios que não os meramente documentais, incumbia à Autoridade Tributária, em ordem ao princípio da verdade material, realizar as diligências complementares que se mostrassem ser necessárias.”