SUMÁRIO:
1) São conformes à lei as correcções que - verificando haver relações especiais cfr art.º 63.º/1 e 4 do CIRC, e identificando com base nos registos contabilísticos do contribuinte operações entre as empresas relacionadas nas quais não são praticados termos/condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis - acrescem ao lucro tributável do SP o valor dos rendimentos que, em operações comparáveis entre empresas independentes, este teria auferido; 2) Isto quando aí se procede dando cumprimento aos demais requisitos previstos pelo legislador no regime de PTs; 3) Neste contexto, são legais as correcções em que se elegeu, para efeitos da respectiva quantificação, um dos métodos previstos no art.º 63.º/3 do CIRC com cumprimento do mais densificado a respeito na Portaria para que o n.º 13 remete; 4) Em matéria de PTs, tendo ficado provado ser devido o ajustamento, e cumpridas as demais regras - dever específico de fundamentação cfr art.º 77.º/3 da LGT incluído -, caberá ao SP, em discordando, demonstrar que a quantificação feita pela AT não é correcta; 5) O conceito fiscal de VRL para efeitos de imparidades em inventários é mais específico do que o contabilístico e o SP tem que o provar nos termos dos art.ºs 28.º/2 e 26.º do CIRC, sob pena de a perda não ser fiscalmente dedutível; 6) O Princípio da irrepetibilidade do procedimento de IT cfr art. 63.º/4 da LGT não impede a realização de vários procedimentos externos ao mesmo SP reportados a exercícios distintos.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Borges de Araújo (Árbitro-presidente), Sofia Ricardo Borges (Árbitro-vogal relatora) e Fernando Cardão Pito (Árbitro-vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 29 de Junho de 2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., SGPS, S.A., NIPC..., doravante também “A...” ou “Sociedade dominante”, “Sujeito Passivo”, ou “SP”, B..., S.A., NIPC..., e C..., S.A., NIPC..., estas duas doravante também, respectivamente, “B...” ou “B...”, e “C...”, e todas em conjunto doravante também “Requerentes” ou “Req.tes”, todas com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Guimarães, vêm, ao abrigo dos art.º s 2.º, n.º 1 al. b) e 10.º, n.º 1 al. b) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticionam, assim, a declaração de ilegalidade de acto de liquidação adicional, em IRC, reportado ao exercício de 2017, e respectivos juros compensatórios.
As correcções na origem do acto em crise e com que não se conformam, explicam, resultaram de acções inspectivas da Administração Tributária e Aduaneira - credenciadas pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2021..., OI2019..., e OI2019..., relativas respectivamente à A..., à B..., e à C..., e incidentes sobre o exercício de 2017. Das mesmas resultaram, referem, correcções à matéria tributável e ao imposto apurado.
A Sociedade dominante é uma SGPS, e as B... e C... integravam em 2017 o Grupo dominado por aquela, tendo sido tributadas no RETGS “pelo que a Demonstração da Liquidação ocorre na mãe (A...)”.
Da inspecção realizada à B... vieram a resultar correcções em sede de (i) Preços de Transferência, no montante de € 118.076,89, e (ii) Imparidades em Inventários, no montante de € 494.367,34.
Por sua vez, da Inspecção realizada à C... vieram a resultar correcções em Preços de Transferência, no montante de € 44.707,10.
Por fim, com referência à A..., sociedade dominante, refere-se no RIT, segundo expõem, (i) quanto a Preços de Transferência, que a AT procedeu a correcção do lucro tributável do Grupo decorrente de correcções à matéria colectável efectuadas à B... e à C..., e, (ii) quanto a Ajustamento aos prejuízos deduzidos, que “a AT procedeu ainda à desconsideração dos prejuízos reportados pelos SP”.
Mais referem que os Projectos de RIT, e RIT[1], foram notificados às Requerentes, no caso da B..., respectivamente, a 20.09.2021 e a 13.10.2021, da C..., a 21.09.2021 e 14.10.2021, e da A... a 27.10.2021 e a 17.11.2021.
Expondo a sua posição, começam por referir ter havido nulidade da acção inspectiva. Por falta de cumprimento de formalidades legais, e, ainda, por violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de fiscalização.
Depois, referem verificar-se autoridade de caso julgado, e, em conexão, má-fé da Requerida AT ao manter nos presentes autos a posição sufragada no procedimento.
Avançando na sua exposição, invocam depois “Demérito das conclusões da Inspecção Tributária” e “Ilegalidade das Liquidações”. Primeiro com referência à B... e à C... e respeitante a Preços de Transferência. E, em seguida, com referência à B..., quanto a “Imparidades Inventários”.
Após, abordam, com referência à A..., os “Ajustamentos aos prejuízos fiscais deduzidos – Exercício de 2017”, alegando que a Requerida faz “letra morta do decidido pelo CAAD no âmbito do processo n.º 325/2019-T”, faz ajustamentos considerando as correcções aos exercícios de 2015 e 2016 cuja legalidade é entretanto objecto desse processo.
Mais adiante reportam-se à liquidação de juros compensatórios, que defendem dever ser anulada por se suportar na liquidação de imposto em crise (doravante em conjunto “a Liquidação”) e uma vez que esta, segundo entendem, é ilegal.
Finalizam com o Pedido, de declaração de “ilegalidade e anulação das liquidações impugnadas”, de devolução das quantias “que sejam pagas à AT por conta das liquidações”, “acrescidas dos competentes juros”, e, ainda, de condenação da Requerida “enquanto litigante de má-fé e numa indemnização a favor das Requerentes em valor não inferior a 50.000,00 €”.
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Requerentes e Requerida têm entendimentos divergentes seja a nível do que resultou provado, seja sobre os alegados vícios de forma dos procedimentos inspectivos (alegados pelas Requerentes e que a Requerida defende inexistirem), sobre a invocada ocorrência de autoridade de caso julgado (invocada pelas Requerentes e que a Requerida defende não se verificar) e bem assim invocada má-fé, e sobre, por fim, a questão de mérito. A saber, sobre a legalidade das correcções operadas pelos SIT[2] - e que se mantêm na Ordem Jurídica - e, consequentemente, da Liquidação.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 20.04.2022 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Colectivo os ora signatários, que atempadamente aceitaram o encargo.
A 09.06.2022 as Partes foram notificadas da designação dos árbitros e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29.06.2022.
Notificada que foi a Requerida, por despacho do Tribunal de 30.06.2022, para apresentar Resposta, vieram as Requerentes, ainda no decurso do prazo para aquela Resposta e por requerimento de 22.07.2022, informar os autos terem sido notificadas da revogação parcial da Liquidação. Mais informaram manter o interesse no prosseguimento dos autos quanto às correcções mantidas pela Requerida. Juntaram o ofício da mesma, de 14.07.2022, pelo qual foram notificadas do teor do despacho de revogação parcial.
A Requerida, na sua Resposta, entrada nos autos a 19.09.2022, pugna pela improcedência do PPA e pela consequente manutenção dos actos em crise – rectius, pela manutenção destes na medida da não revogação (a expressão é nossa) - na Ordem Jurídica.
Quanto aos factos, dando por reproduzido o constante dos RITs, ressalta alguns. Mais nota que, por via da apreciação do PPA e nos termos do art.º 13.º do RJAT, foi determinada a revogação parcial do acto em crise, por despacho seu de 13.07.2022. Identifica concretamente quais as correcções anuladas e quais as mantidas. E passa a apresentar a sua defesa por referência a estas últimas.
Começa então por contrapor, à das Requerentes, a sua posição quanto aos invocados vícios de forma dos procedimentos inspectivos, expondo os motivos pelos quais entende os mesmos não se verificarem.
O mesmo fazendo, após, quanto à invocada autoridade de caso julgado, começando por notar a decisão arbitral que vem invocada não ter transitado em julgado. Mais expõe as razões pelas quais, em seu entender e contrariamente ao invocado pelas Requerentes, a sua actuação não retrata má-fé, mas, antes, a correcta aplicação do princípio da legalidade a que se encontra obrigada.
Quanto ao mérito, remete para a factualidade e fundamentação no RIT, dá por reproduzido tudo o daí constante, e salienta os pontos tidos por mais relevantes para a boa decisão da causa.
Reporta-se, primeiro, à correcção em matéria de preços de transferência (“PTs”). A saber, a correcção ao lucro tributável da B..., no valor total de € 20.674,74, em resultado de empréstimos concedidos pela mesma a outras sociedades do Grupo.
Refere estar-se perante operações financeiras. Como tal, enquadráveis no n.º 1 do art.º 63.º do CIRC. O que ocorre, defende, independentemente de se atribuir, ou não, aos financiamentos em questão a natureza de investimentos. Operações de empréstimos entre empresas relacionadas, expõe, são operações financeiras. Operações financeiras estas que se enquadram no art.º 63.º do CIRC. Como no caso. A B... devia, assim, ter apresentado estas operações no seu Dossier Fiscal de PTs.
Cumpriu, ela Requerida, com o seu dever de fundamentação. Mais, não procedeu à alteração da qualificação e da natureza da operação – contrariamente ao que referem as Requerentes no artigo 151.º do PPA. Identificou uma operação como sendo um empréstimo concedido entre duas sociedades relacionadas.
Nota, entre o mais, que a contabilidade da sociedade mantém tais créditos numa rubrica de empréstimos concedidos.
A sociedade não cumpriu cabalmente com as suas obrigações em matéria de PTs, contrariamente ao que sucedeu com os SIT. Tudo como melhor desenvolve. As correcções foram efectuadas nos termos do art.º 63.º do CIRC e da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e, entende, devem manter-se.
Trata depois da correcção em perdas por imparidades - ajustamentos em inventários, expondo que as que vêm registadas na contabilidade da B... correspondem, segundo a Requerente, a stock de tecidos só vendáveis por atacado a valores de €1,00/€2,00 ao metro.
Refere que o CIRC estabelece, entre o mais, que para efeitos de determinação do lucro tributável, os gastos dos inventários são “os que resultem da aplicação dos critérios de mensuração previstos na normalização contabilística em vigor”. E o conceito fiscal de valor realizável líquido (“VRL”) é mais específico e objectivo que o respectivo conceito contabilístico. Como melhor desenvolve.
Conclui o ajustamento na origem da contabilização da perda por imparidade em questão não poder ser fiscalmente considerado. Por não se basear no VRL cfr. CIRC (art.º 26.º, n.º 4). Devendo, defende, manter-se a correcção.
Reporta-se, por fim, aos ajustamentos aos prejuízos fiscais (“PFs”) deduzidos na esfera da A... . A decisão arbitral a que as Requerentes se referem como fazendo autoridade de caso julgado não transitou ainda em julgado e só quando houver uma decisão definitiva ela Requerida procederá às operações de apuramento que se revelem necessárias (nos períodos de 2015, 2016 e - PFs reportáveis - em 2017).
Termina concluindo pela legalidade das correcções controvertidas e pela manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.
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Por requerimento de 22.09.2022 as Requerentes vieram defender deverem dar-se por não escritos factos constantes da Resposta - que traduziriam, segundo entendem, inadmissível invocação superveniente de fundamentos -, e dever a conduta da Requerida - ao aí se opor ao aproveitamento da prova produzida no processo arbitral em relação ao qual invocam autoridade de caso julgado - ser considerada para efeitos de litigância de má-fé.
Por despacho de 22.09.2022 a Requerida foi convidada a exercer o contraditório, o que fez por requerimento de 07.10.2022.
O Tribunal proferiu o seguinte Despacho em 17.10.2022:
“As Requerentes requereram, em 22 de Setembro de 2022, a restrição da fundamentação processual ao que consta do RIT, e ainda o aproveitamento da prova testemunhal produzida no Processo nº 325/2019-T.
No exercício do contraditório, a Requerida, em 7 de Outubro de 2022, opôs-se a ambas as pretensões, à primeira por não especificada e por incompatível com os direitos das partes, nomeadamente ao contraditório e à igualdade, e à segunda pela circunstância de a factualidade dos presentes autos não ser a mesma sobre que incidiu o Processo nº 325/2019-T.
Cumpre decidir.
1) quanto à primeira pretensão das Requerentes, além de não-especificada, ela é, na sua literalidade, contrária à lei, porque, além de atentar contra os princípios consagrados no art. 16º do RJAT, apela à violação dos arts. 572º a 574º do CPC, aplicáveis ex vi art. 29, 1, e) do RJAT.
2) quanto à segunda pretensão das Requerentes, o Tribunal não pode aceitar, como prova de factos ocorridos em 2017, depoimentos expressamente referentes aos anos de 2015 e 2016; nem pode sequer aproveitá-los como princípio de prova, para efeitos do art. 421º do CPC, aplicável ex vi art. 29, 1, e) do RJAT.
Com efeito, dada a essencialidade do enquadramento temporal dos factos tributários que são objecto do processo, as acções reportadas a exercícios diferentes devem ser tidas como tendo diferentes causas de pedir, com exigências de prova separadas e estanques - sob pena de, em alternativa, e no limite, a decisão reportada a um exercício anual poder, com o mesmo fundamento de a factualidade não se alterar, ser considerada como caso julgado para as acções reportadas a todos os exercícios anuais subsequentes, indefinidamente.
Improcede, portanto, o requerimento das Requerentes de 22 de Setembro de 2022.
Nestes termos,
a) solicita-se às Requerentes que confirmem, no prazo de 10 dias, se mantêm o interesse no depoimento das três testemunhas que arrolaram; e, em caso afirmativo, que especifiquem os pontos de facto constantes do PPA sobre os quais recairá a inquirição de cada uma delas;
b) solicita-se à Requerida que, no mesmo prazo, indique se tem interesse em oferecer prova testemunhal, correspondendo à solicitação formulada pelas Requerentes no PPA.”
Em requerimento de 21.10.2022 as Requerentes vieram declarar manter interesse na audição das testemunhas por si arroladas, e por despachos do Tribunal de 07.11.2022 e de 18.11.2022 foi agendada a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT
A reunião teve lugar nas instalações do CAAD em Lisboa a 06.12.2022, tendo as Partes ficado então notificadas para apresentar alegações escritas facultativas de forma sucessiva.
Requerentes e Requerida apresentaram alegações, no essencial reiterando as posições anteriormente assumidas e pronunciando-se sobre a prova testemunhal produzida.
Por requerimento de 28.02.2023 vieram as Requerentes reiterar o seu interesse no prosseguimento da acção quanto às correcções mantidas, informar da notificação de correspectiva liquidação de IRC e juros compensatórios, e requerer a alteração do valor da causa em conformidade. Após concedido o contraditório à Requerida, o Tribunal proferiu despacho em que remeteu esta última matéria para Decisão Final.
Por despachos de 13.12.2022, 27.02.2023 e 20.04.2023 o Tribunal prorrogou o prazo para prolação da decisão ao abrigo do art.º 21.º, n.º 2 do RJAT.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cfr. art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Processo não enferma de nulidades e o Pedido é tempestivo (cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT e art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT; e v. al.s gg) e ii), factos provados).
Foi invocada autoridade de caso julgado, o que após tratamento da matéria de facto se apreciará.
Antes do conhecimento da matéria de facto conheçam-se, desde já, as seguintes
1.1. Questões prévias
1.1.1. Legitimidade
Relativamente à legitimidade, de conhecimento oficioso, cfr. arts. 577.º e 578.º do CPC, refira-se desde já que se verifica uma situação de litisconsórcio voluntário activo – cfr. art.º 32.º do CPC, e v., também, art.º 12.º do CPTA, aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT. E não – como vem invocado no PPA – uma situação de coligação de autores. Com efeito, há um pedido, que é uno. Como também se retira do que ali se lê a este propósito: “As Requerentes vêm, em coligação de autores, colocar em causa o ato de liquidação (na esfera da sociedade mãe – A...), que teve origem nas correcções ...”. Visa-se, como logo de seguida ali se lê também, “obter a declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de IRC e dos respetivos juros compensatórios (...):A...– SGPS, S.A., 2017, Liquidações N.º (...)”. Não estamos, pois, perante vários pedidos, como é próprio da coligação. Requer-se a anulação da liquidação emitida à A... (IRC mais juros) reportada ao exercício de 2017.
Sendo, em qualquer caso, as “sociedades filhas” (B... e C...) solidariamente responsáveis pelo pagamento da liquidação em crise (cfr. art.º 115.º do CIRC), sempre será admissível, mesmo que não necessária, a sua intervenção como Requerentes – em situação litisconsorcial.
1.1.2. Inutilidade superveniente da lide
Vem invocada pelas Requerentes, em sede de Alegações, inutilidade superveniente da lide quanto às correcções anuladas. A Requerida, de seu lado, na sua Resposta identifica as correcções anuladas e as mantidas, e apresenta a sua defesa reportada a estas últimas.
Com efeito, vem junto aos autos (cfr. supra) Ofício da Requerida, N.º ..., de 14.07.2022, pelo qual a mesma notifica a Requerente A... de que, por Despacho da Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária IR, foi parcialmente revogado o acto tributário objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral na origem destes autos, e aí se dá conta dos termos do dito Despacho. Entre o mais daí constante, se lendo, a revogação parcial ter sido feita como segue:
“Na B...
a) Anulação das correcções fiscais de € 97.406,15 referentes aos Preços de Transferência;
b) Manutenção das correcções de € 20.670,74 referentes a Preços de Transferência;
c) Manutenção da correcção fiscal referente a perdas por imparidade em inventários (€ 494.367,34);
Na C...
d) Anulação das correcções fiscais de € 44.707,10 referentes aos Preços de Transferência;
No Resultado Fiscal do Grupo
e) Reflexo das anulações supra mencionadas no resultado fiscal do Grupo.
f) Anulação dos juros compensatórios referentes à parte anulada.”
É assim manifesto que resta apenas como objecto da lide a parte da Liquidação que se mantém na Ordem Jurídica, e que é a resultante das correcções que no acto de revogação parcial não foram anuladas - cfr. al.s b) e c), e e), acabadas de referir.
Sendo certo que a Liquidação podia ser alvo de anulação, na pendência da lide, pois que ainda não estava encerrada a fase da discussão (cfr. art.º 168.º, n.º 3 do CPA[3]). O que a ocorrer, como no caso, determina inutilidade superveniente da lide (rectius impossibilidade) e – na respectiva medida – extinção da instância (cfr. art.º 277.º, al. e) do CPC).
Verifica-se, pois, quanto à parte administrativamente anulada da Liquidação - a saber, a correspondente às correcções identificadas nas al.s a) e d) supra (Ofício da Requerida, N.º...) - inutilidade superveniente da lide. Por esta ter ficado carecida de objecto (tão só) nessa medida. Assim, inutilidade superveniente meramente parcial. Que é causa de extinção da instância nessa mesma medida (cfr. art.º 277.º, al. e) do CPC), como, a final, se decidirá.
No mais - i.e., em tudo o respeitante à parte da Liquidação que não foi anulada pela Requerida - cabe apreciar e decidir.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com potencial relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os factos que seguem:
a) A Requerente A... é uma sociedade anónima Gestora de Participações Sociais (SGPS) e é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC, desde 2015-01-01;
b) A Requerente B... é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste na “Produção e comercialização de tecidos têxteis”, a que corresponde a atividade do CAE principal 13201 - Tecelagem de fio do tipo algodão e o CAE da actividade secundária 14140 - Confeção de vestuário interior, encontrando-se inserida no grupo D... tributado pelo RETGS;
c) A Requerente C... é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste na “indústria de acabamentos, indústria e comércio de têxteis”, que exerce a actividade de Acabamento de Fios, Tecidos e Artigos Têxteis NE, a que corresponde o CAE 13303, encontrando-se inserida no grupo D... tributado pelo RETGS;
d) No exercício de 2017 a B... e a C... integravam o perímetro do Grupo D... e eram tributadas no âmbito da aplicação do RETGS;
e) No exercício de 2017, a A... submeteu a declaração periódica de rendimento individual (Dec. Mod. 22), identificada sob o n.º ...2018..., tendo na mesma declarado um prejuízo fiscal de € 845.889,97;
f) No exercício de 2017, a Requerente B... submeteu a declaração periódica de rendimento (Dec. Mod. 22) identificada sob o n.º ...2018..., tendo declarado um lucro tributável no montante de € 1.591.985,15;
g) No exercício de 2017, a C... apresentou a declaração periódica de rendimento (Dec. Mod. 22) identificada sob o n.º ...2018..., apurando na mesma um prejuízo fiscal de € 166.920,75;
h) Com referência ao exercício de 2017, a Requerente A..., na qualidade de sociedade dominante do grupo tributado pelo RETGS, submeteu, a 22.06.2018, a declaração do grupo identificada sob o n.º ...2018..., tendo na mesma declarado o seguinte resultado fiscal do grupo:
i) A Requerente B... foi objecto de uma acção inspectiva externa ao exercício de 2017, ao abrigo da ordem de serviço OI2019..., a qual deu origem às seguintes correcções fiscais positivas ao lucro tributável, no montante total de € 612.444,23:
a) Preços de transferência, € 118.076,89;
b) Perdas por imparidade em Inventários, € 494.367,34;
j) Do RIT respectivo (cfr. al. anterior) consta, no que aos autos releva, e entre o mais (tudo se dando por integralmente reproduzido):
“II. Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção
(...)
Lugar do procedimento de inspeção (art.º 13.º do RCPITA) – Externo
(...)
II – 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo – Procedimento inspetivo, promovido pela (...), para efeitos de comprovação e verificação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo.
Âmbito e incidência temporal – A Ordem de Serviço supra referida tem o código de atividade 1212110228 – Controlo declarativo (...) (IRC), com referência ao exercício de 2017.
No decurso da ação de inspeção, foi alargado o âmbito da Ordem de Serviço para o Imposto de Selo (IS), da qual o sujeito passivo tomou conhecimento conjuntamente com o Despacho Fundamentado, através de ofício, desta Direção de Finanças, de 2021-08-03, registo n.º (...).
(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III. – 1. Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas
III. – 1.1. Preços de transferência
(...)
Empréstimos concedidos, (...)
No ano de 2017, a B... apresenta os seguintes movimentos nas subcontas de empréstimos concedidos: “4113214974 E..., INC”; “41426207059 F...”, (...), conforme quadros seguintes:
Quadro XV – Investimentos em subsidiárias, Empréstimos concedidos, subconta “4113214974 E..., INC”, ano de 2017
Conta – Descrição – Data Mov – Movimento – Diário – Lote – N.º Lançamento – N.º Documento – Débito – Crédito – Saldo Acumulado
(...)
Quadro XVI – Investimentos noutras empresas, Empréstimos concedidos, subconta “41426207059 F...”, ano de 2017
Conta – Descrição – Data Mov – Movimento – Diário – Lote – N.º Lançamento – N.º Documento – Débito – Crédito – Saldo Acumulado
(...)
Os empréstimos concedidos (...) pela B... às sociedades E..., Inc, F... HK (...) não são remunerados, não vencem qualquer juro.
Análise das operações do ponto de vista fiscal
O Princípio da Plena Concorrência, consagrado no ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do art.º 63.º do (...) (CIRC) define que “nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Para determinar quais os termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, refere o n.º 2 do mesmo artigo que “o sujeito passivo deve adotar (...) o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e (...).” (...)
Para tal, deverá o sujeito passivo eleger um dos métodos referidos no n.º 3 do art.º 63.º do CIRC, que se encontram mais detalhados na Portaria 1446-C/2001, (...).
Deverá ainda o sujeito passivo, de acordo com o n.º 6 do art.º 63.º do CIRC, “manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o art.º 130.º, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.”
Para aplicação das regras de preços de transferência, é necessário que o sujeito passivo realize operações com uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devendo então, certificar-se de que estão a ser contratados e praticados os termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis.
Importa assim saber qual a definição legal de relações especiais e se esta se aplica aos casos em análise, isto é, quer:
(...)
- Aos empréstimos não remunerados, concedidos pela B..., às sociedades relacionadas E..., Inc. e F... HK;
(...)
Define o n.º 4 do art.º 63.º do CIRC que “existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que (...).”
A B... elaborou o Dossier fiscal de preços de transferência, referente ao exercício de 2017, em cumprimento da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, em que vem classificar as seguintes entidades com as quais se encontra em situação de relação especial nos termos do n.º 4 do art.º 63.º do CIRC: A... SGPS S.A., C... S.A. e E... Inc.
Da análise ao relatório de preços de transferência apresentado pelo sujeito passivo, referente ao exercício de 2017, verifica-se que esta não faz qualquer referência a operações vinculadas relativas a juros obtidos, decorrentes de operações financeiras, designadamente (...), empréstimos não remunerados (...).
Analisemos de seguida, se as relações especiais se aplicam aos casos em análise.
(...)
F... HK
De acordo com a IES, identificada com o n.º (...), entregue em 2018-12-07, pela G... SGPS S.A., (...) podemos concluir que esta entidade participava de forma direta em 96,00% no capital social da F... HK, (...), conforme Quadro XXII.
Da análise realizada podemos concluir que os acionistas (...) detinham direta ou indiretamente participações não inferiores a 20% nas sociedades B... S.A., G..., SGPS S.A., (...) e F...HK, pelo que tinham o poder de exercer, direta ou indiretamente uma influência significativa nas decisões de gestão umas das outras, considerando-se que existem assim relações especiais entre essas entidades enquadráveis na alínea b) do n.º 4 do art.º 63.º do CIRC.
E..., Inc (...)
Em 2017, a B... detinha uma participação no capital social da E..., Inc de 100% (...) pelo que se encontrava numa situação de relação especial prevista (...), de acordo com o Anexo ao balanço e à demonstração de resultados do sujeito passivo.
Quadro XXIII – Investimentos financeiros. Fonte: Anexo ao balanço e à demonstração de resultados
(...)
Pelo referido (...) os empréstimos concedidos (...), são operações vinculadas nos termos do n.º 4 do art.º 63.º do CIRC e da alínea b) do n.º 1 da Portaria (...), estando por esse facto sujeitas à observância do princípio da plena concorrência.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 63.º do CIRC: “(...)”.
O n.º 1 do art.º 4.º da Portaria (...) dispõe que: “(...)”.
Segundo o n.º 2 do art.º 4.º da referida Portaria, “(...)”.
Os métodos a utilizar na determinação dos preços de transferência, de acordo com o princípio de plena concorrência CIRC, são identificados no n.º 3 do art.º 63.º do CIRC e no art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001:
(...)
Os métodos baseados na operação são vistos como os métodos mais diretos de estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são de plena concorrência.
E desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o método do preço comparável de mercado constitui o método mais direto e mais fiável na aplicação do princípio de plena concorrência, devendo a este ser dada preferência quer em termos nacionais quer internacionais.
O método do preço comparável de mercado pode ser utilizado, de acordo com o n.º 2 do art.º 6.º da Portaria referida, designadamente nas seguintes condições:
“a) (...); b) (...).”
Considerando que: (...)
- Foram ainda realizadas pela B... operações financeiras ativas: empréstimos não remunerados, às sociedades: E..., Inc e F... HK, (...);
- Existem relações especiais entre as entidades intervenientes nas operações referidas, enquadráveis nos termos do n.º 4 do art.º 63.º do CIRC;
(...)
- O sujeito passivo na elaboração do relatório de preços de transferência, não considerou para efeitos das operações vinculadas quaisquer operações de natureza financeira entre entidades sujeitas a relações especiais;
Assim, é necessário proceder ao cálculo do rendimento das operações vinculadas como se tivessem sido realizadas entre entidades independentes, ao preço de mercado.
A aplicação do método do preço comparável de mercado concretiza-se na comparação dos termos e condições ocorridas nestas operações vinculadas, juros (...) de empréstimos concedidos, com os que seriam definidos, contratados e praticados por entidades independentes em operações comparáveis.
No que respeita a operações financeiras, as bases de dados disponibilizadas pelo Banco de Portugal são reconhecidamente das mais representativas, atendendo à grande abrangência dos dados, fiabilidade e independência, sendo por isso usualmente utilizadas na análise de comparáveis externos.
Tendo em conta as condições e características das operações em análise e os dados disponibilizados pelo Banco de Portugal, como operação não vinculada com maior grau de comparabilidade com as operações financeiras vinculadas realizadas pela B..., propõe-se a utilização das seguintes séries estatísticas (...), através do sítio: https://bpstat.bportugal.pt/(...)
Quadro XXIV – Descrição Taxas de juro: (...)
Quadro XXV – Descrição Taxas de juro: (...)
Os juros serão contados dia a dia sobre capital em dívida e ainda não reembolsado, tomando por base um ano de 365 dias e o n.º de dias decorridos.
De seguida é elaborado um quadro resumo com o cálculo dos juros que seriam obtidos com um financiamento entre entidades independentes, à semelhança (...) dos empréstimos realizados pelo sujeito passivo.
Quadro XXVI – Cálculo dos juros obtidos entre entidades independentes (Valores em EUR)
(...)
Conta [Jan, Fev, ...] Total Geral
(...)
4113214974 E... INC (...) 4.149,00
(...)
41426207059 F... HK (...) 16.521,74
Total Geral (...) 118.076,89
O cálculo dos juros das subcontas descritas no quadro supra constitui o anexo I ao presente Relatório.
Da análise do quadro anterior, conclui-se que os termos e condições praticados naquelas operações vinculadas não são substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, pondo em causa o princípio de plena concorrência.
Pelo exposto, verifica-se que a B... não considerou no apuramento dos resultados fiscais do exercício de 2017 quaisquer rendimentos com juros das referidas operações financeiras, e os rendimentos que deveriam ter sido considerados, caso se tivesse aplicado o princípio da plena concorrência e aceites condições idênticas às praticadas entre entidades independentes, seriam de 118.076,89 EUR.
Consequentemente o impacto da violação do princípio de plena concorrência na determinação do lucro tributável no período de 2017, ascendeu a (...).
Assim, propõe-se uma correção positiva ao lucro tributável do exercício de 2017, ao abrigo do art.º 63.º do CIRC e do n.º 3 do art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), no montante de (...).
III. – 1.2. Perdas por imparidade em inventários
No exercício em análise, a B... considerou gastos associados a perdas por imparidade em inventários, subconta “6524 PRODUTOS ACAB. INTERMEDIOS”, no valor de 494.367,34 EUR, relacionados com produtos acabados intermédios.
O sujeito passivo não acresceu qualquer montante no quadro 07 da Modelo 22, a título perdas por imparidade em inventários para além dos limites legais, art.º 28.º do CIRC, para efeitos de apuramento do lucro tributável, pelo que, foram requeridos ao sujeito passivo os documentos corroborativos da constituição ou reforço de imparidades em inventários, designadamente do valor realizável líquido considerado para efeitos dos ajustamentos em inventários deduzidos para efeitos fiscais em conformidade com os art.ºs 26.º e 28.º do CIRC.
Dos elementos apresentados pela B... constam: (...)
(...) imparidades em inventários (...) encontrando-se o seu tratamento previsto na NCRF 18 – Inventários.
Relativamente às imparidades em inventários, a referida norma prevê que deve proceder-se ao ajustamento da mensuração dos inventários para o valor realizável líquido quando se verifique que o seu custo não pode ser recuperado, pela venda ou uso, nas seguintes situações (NCRF 18 §28): (...)
A diminuição do valor dos inventários para o valor realizável líquido deverá estar assente em provas fiáveis do valor realizável líquido, nomeadamente preços ou custos relacionados com acontecimentos que ocorram após o final do período, mas na medida em que confirmem as condições existentes no fim do período (NCRF 18, §30) e, deve ter em consideração a finalidade para a qual o inventário é detido (NCRF 18 §31).
Relativamente às imparidades, o CIRC, vem no seu preâmbulo referir que: (...).
No seguimento da aprovação do SNC, o legislador publicou também o Decreto-Lei 159/2009 (...).
E, no preâmbulo do referido Decreto-Lei, (...).
O Direito Fiscal, com o propósito de prevenir uma utilização abusiva dos ajustamentos em inventários (...) determinando quer limitações qualitativas previstas no art.º 23.º, n.º 1 do CIRC quer limitações quantitativas previstas no art.º 28.º do CIRC.
O art.º 26.º do CIRC vem estabelecer relativamente a inventários, o seguinte: (...)
Quanto às perdas por imparidade em inventários, o art.º 28.º do CIRC dispõe o seguinte: (...)
Em conformidade com o previsto no art.º 74.º n.º 1 da LGT, (...)
Assim sendo, (...)
(...)
Posto isto, ficou por demonstrar se o valor realizável líquido utilizado para calcular o valor da imparidade, correspondia ao preço de venda (...), como exige o art.º 26.º n.º 4 do CIRC, considerando que estão em causa imparidades em inventários, relativas a produtos acabados.
Por outro lado, o princípio da especialização dos exercícios (...).
(...)
Atendendo ao exposto, propõe-se uma correcção positiva ao lucro tributável do exercício de 2017, nos termos dos art.ºs 18.º, 23.º, 26.º e 28.º, do CIRC, no montante de 494.367,34 EUR.
(...)”
k) No âmbito do respectivo procedimento de inspecção, o resultado fiscal da sociedade dominada B..., no exercício de 2017, foi alterado para € 2.204.429,38 [resultado declarado (€1.591.985,15) + correções fiscais (€612.444,23)].
(cfr. RIT supra)
l) Notificada do Projecto de RIT e para exercício do direito de audição, a B... não o exerceu; (cfr. PA3)
m) A Requerente C... foi objecto de uma acção inspectiva interna, ao período de tributação de 2017, ao abrigo da ordem de serviço OI2019..., a qual deu origem à correção fiscal de € 44.707,10, com fundamento no art.º 63.º do CIRC;
n) Notificada do Projecto de RIT e para exercício do direito de audição, a C... não o exerceu; (cfr. PA2)
o) No âmbito do respectivo procedimento de inspecção, o resultado fiscal da sociedade dominada C... foi alterado para um prejuízo fiscal de € 122.213,65 [prejuízo declarado (€ 166.920,75) + correção fiscal € 44.707,10];
p) As correções efectuadas na esfera individual das sociedades dominadas tiveram como consequência a correcção do lucro tributável do Grupo, calculado na sociedade dominante A..., em cumprimento das normas aplicáveis no âmbito do RETGS, sendo, para o efeito, realizada uma acção inspectiva interna de âmbito parcial ao exercício de 2017, ao abrigo da ordem de serviço OI2021...;
(cfr. RIT à A..., que se dá por integralmente reproduzido)
q) A correcção ao resultado fiscal do Grupo (v. al. anterior), no total de € 657.151,33, corresponde ao somatório das correcções efectuadas à B... (€ 612.444,23) e à C... (€ 44.707,10);
r) No âmbito da inspecção à A... e na sequência das correções efetuadas ao resultado fiscal do Grupo, foi determinado um ajustamento aos prejuízos fiscais deduzidos pela mesma no exercício de 2017, ao abrigo do art.º 52.º e n.º 1 do art.º 71.º do CIRC, no montante de 405.422,10 EUR;
s) Notificada do Projecto de RIT e para exercício do direito de audição, a A... não o exerceu; (cfr. PA)
t) De tudo resultou a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., do exercício de 2017, e a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2021... (“a Liquidação”):
u) A B... estava a vender pouco e a um número reduzido de Clientes na América pelo que constituiu a E... Inc. em 2014, e reforçou o investimento em 2015 e 2016 para esta empresa poder afirmar-se no Mercado Americano; (cfr. depoimento de H...)
v) Nos anos iniciais de existência da E... Inc. a B... fez transferências financeiras a favor daquela, tendo estes movimentos sido na ordem dos 200 mil dólares, e não foram cobrados juros; (cfr. depoimento de I...; PA3)
w) Foi necessário enviar dinheiro para a América na fase de arranque da E... Inc. para lá investirem e desenvolverem o negócio, esse fluxo financeiro deu-se na fase inicial complicada das empresas; (cfr. depoimento de J...)
x) A B... constituiu a E... Inc. subscrevendo o respectivo capital integralmente e no exercício de 2017 continuava a detê-la a 100%;
y) A B... decidiu fazer um investimento nos Mercados da China e Hong Kong e foram criadas as condições, colocado o dinheiro necessário, para que a empresa F... HK, que é uma plataforma comercial, pudesse operar naquela área e promover os produtos da B..., e não foram cobrados juros; (cfr. depoimento de H...; PA3)
z) No exercício de 2017 eram titulares do Capital Social da F... HK accionistas que detinham, directa ou indirectamente, participações não inferiores a 20% nas sociedades B..., K..., G... SGPS e F... HK;
aa) O Grupo L... em 2013 subdividiu-se em dois, o grupo D... e o grupo L..., e B... é uma das empresas líderes no mercado mundial de tecido para camisas, e vende, em grande parte, as suas próprias colecções; (cfr. depoimentos de H... e J...)
bb) Num tipo de negócio como o da B... há parte da produção que perde valor, passa de moda, durante muito tempo ainda há possibilidade de vender esses produtos, tecidos, a um preço superior ao custo do stock, mas a certa altura a empresa decide que tem que os colocar no mercado a um preço inferior, forçar a venda, passando-os para stock criando uma imparidade por valores de € 1,00 ou € 2,00; (cfr. depoimento de H...)
cc) Criam-se aquelas imparidades (cfr. al. anterior) quando se avizinham períodos de crise ou também quando os comerciais informam a Administração que àqueles preços, valores de tabela, já não conseguem vender os produtos; (cfr. depoimentos de H... e J...)
dd) É a Administração que comunica à contabilidade se há imparidades (cfr. al.s anteriores) e qual o valor a atribuir aos produtos, e nunca foi pedida autorização à Administração Tributária para alterar os critérios de mensuração; (cfr. depoimento de I...);
ee) Com referência às imparidades registadas, a Requerente B... juntou, no procedimento inspectivo, o que denominou aí de “pequeno resumo dos movimentos realizados em 2017” e enviou aos SIT por email de 06.08.2021, e desse anexo constam os seguintes campos: “artigo, qualidade, quantidade, custo unitário, valor, custo unitário ajustado, Valor realizável líquido, Ajustamento”, sendo que nada consta quanto a critérios de mensuração ou a bases de apuramento do valor ali identificado como VRL, estando as colunas apenas preenchidas ou com a ref.ª do artigo e qualidade ou, nas demais, com números; (cfr. RIT e PPA)
ff) A B... utiliza o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) como referencial contabilístico na preparação das suas demonstrações financeiras;
gg) A liquidação de IRC com o n.º 2021..., de 25.11.2021, emitida na sequência das acções de inspecção à A..., no valor de € 284.493,44, tem prazo de pagamento até 17.01.2022; (cfr. doc. 3 junto pelo SP)
hh) A 17.01.2020 foi proferido Acórdão Arbitral (CAAD), no Proc. n.º 325/2019-T, com as mesmas Requerentes, em que se decidiu sobre a legalidade de liquidações correctivas aos exercícios de 2015 e 2016, e dessa decisão foi interposta impugnação;
ii) A 18.04.2022 as Requerentes apresentaram no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo;
jj) Por Despacho de 13.07.2022 da Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária IR, a Requerida revogou parcialmente a Liquidação, com a seguinte extensão:
“Na B...
a) Anulação das correcções fiscais de € 97.406,15 referentes aos Preços de Transferência;
b) Manutenção das correcções de € 20.670,74 referentes a Preços de Transferência;
c) Manutenção da correcção fiscal referente a perdas por imparidade em inventários (€ 494.367,34);
Na C...
d) Anulação das correcções fiscais de € 44.707,10 referentes aos Preços de transferência;
No Resultado Fiscal do Grupo
e) Reflexo das anulações supra mencionadas no resultado fiscal do Grupo.
f) Anulação dos juros compensatórios referentes à parte anulada.”
(cfr. Ofício N.º..., de 14.07.2022 junto pelo SP com o requerimento de 22.07.2022)
kk) Após a anulação de parte das correcções referida na al. anterior, o valor total da correcção ao resultado fiscal do Grupo – v. al.s p) e q) supra - passou a ser de € 515.038,08 e corresponde ao somatório das correcções efectuadas à B... (€ 20.670,74 + € 494.367,34);
ll) Com data de 13.02.2023 foi emitida Demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2023..., reflectindo os valores das correcções de acordo com a revogação parcial da Liquidação (cfr. al.s anteriores), com o valor a pagar (IRC e juros compensatórios) de € 245.652,77;
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Liquidação tenha sido paga, nem se provou que tenha sido prestada (cfr. alegações das Requerentes) garantia bancária e/ou caução.
Não se provou que a decisão arbitral no Proc. n.º 325/2019-T tenha transitado em julgado.
Com relevo para a decisão da causa não existem outros factos não provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados, e bem assim os dados como não provados, foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelas Requerentes, e no Processo Administrativo (“PA”), junto pela Requerida, todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, factos não questionados, e depoimentos das testemunhas, tudo devidamente concatenado e criticamente apreciado.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[4]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC[5]).
Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.
Com relação à prova testemunhal produzida, oferecida pelas Requerentes nos autos, prestaram depoimento três testemunhas. A primeira, H..., reformado e economista de formação, foi Administrador das empresas do Grupo L... durante mais de 40 anos, e ainda o era ao tempo dos factos, conforme depoimento do próprio. Não obstante a relação profissional de Administração que manteve com as empresas, aparentou prestar o seu depoimento ao Tribunal com o possível distanciamento e com isenção sobre os factos de que tinha conhecimento directo, em especial expondo clara e detalhadamente o funcionamento do negócio desenvolvido pelas empresas do Grupo.
A segunda testemunha, I..., trabalha na empresa do Grupo L... responsável pela contabilidade do mesmo, M..., o que já sucedia ao tempo dos factos. Como assim também a terceira testemunha, J... . Ambas as testemunhas, apesar das funções que exercem no Grupo, aparentaram ao Tribunal procurar responder com verdade às perguntas que lhes foram colocadas sobre os factos de que tinham conhecimento. De salientar, no depoimento da segunda testemunha, relativamente aos valores para efeitos de ajustamentos em inventários, ter declarado nunca ter sido feito no exercício de 2017, ou noutros, pedido de autorização à AT para alterar os critérios de mensuração.
Todos os depoimentos foram consensuais no sentido da confirmação de as transferências de fundos se terem destinado a permitir às empresas destinatárias das mesmas se afirmarem, desenvolverem o seu negócio nos respectivos mercados no arranque da sua actividade e durante algum tempo e que esses montantes não foram devolvidos. Bem assim, no sentido de que neste tipo de negócio há sempre uma parte da produção que perde valor.
3. Matéria de Direito
3.1. Questão prévia – Autoridade de caso julgado
As Requerentes defendem verificar-se, no caso, autoridade de caso julgado. Invocam Acórdão Arbitral (CAAD), de 17.01.2020, proferido no Processo n.º 325/2019-T e, referem, não transitado em julgado. Acórdão no qual se julgou parcialmente procedente o PPA que haviam deduzido contra actos de liquidação adicional em IRC reportados aos exercícios de 2015 e 2016.
Segundo defendem, não obstante não ter ocorrido ainda trânsito em julgado da decisão, “quanto aos factos dados por provados a decisão mostra-se consolidada na ordem jurídica”.
Por força da autoridade de caso julgado, expõem, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que “o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas”.
Pois bem.
Desde logo, são as Requerentes que nos seus articulados afirmam o Acórdão Arbitral que invocam não ter transitado em julgado – conforme em nota aos artigos 104.º e 302.º do PPA ou, ainda, no artigo 323.º do PPA, e, depois, em sede de Alegações escritas, em notas nas páginas 16 e 46.
A Requerida, de seu lado, a este respeito - além de expôr as correcções em questão naquele Processo Arbitral (Proc. n.º 325/2019-T) não terem fundamentação semelhante às que vêm colocadas em crise nestes autos, seja de facto seja de direito - começa desde logo por notar a decisão arbitral não ter transitado em julgado. Por ter, ela AT, deduzido impugnação da mesma, com efeito suspensivo conforme art.º 26.º do RJAT. Impugnação que, a proceder, refere, conduzirá à respectiva anulação e reformulação in totum da decisão.
Vejamos.
Dispõe o art.º 619.º, n.º 1 do CPC[6], sob a epígrafe “Valor da sentença transitada em julgado", assim: “Transitada em julgado a sentença (...) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º (...).”
A norma diz respeito - delimitando-os - aos contornos do caso julgado que se forma relativamente à decisão que, conhecendo do mérito, define a relação ou situação jurídica deduzida em juízo (a relação material controvertida). Assim, aos contornos do caso julgado material. Conferindo-se (dentro dos limites dali também constantes) força obrigatória à decisão naqueles termos (“dentro do processo e fora dele”) impede-se que a mesma relação material[7] venha a ser definida em moldes diferentes pelo Tribunal.
Nos termos do art.º 628.º do CPC, por sua vez, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
A questão aqui invocada pelas Requerentes – aflore-se numa súmula - é, pois, pertinente a efeitos de caso julgado. De facto, os efeitos do caso julgado material têm potencialidade para se projectar numa posterior relação processual por duas diferentes vias: (i) através da invocação de uma excepção dilatória, que impede que o Tribunal se pronuncie noutro processo sobre a questão de mérito já antes decidida – e que conduzirá à absolvição da instância, é o que se designa também de efeito negativo do caso julgado, ou (ii) através da invocação da força de caso julgado, “autoridade de caso julgado”, que vincula o tribunal a aplicar a definição do direito já transitada em julgado relativamente a uma mesma questão que de novo se suscite numa posterior acção – que é o que se designa também por efeito positivo do caso julgado. V., respectivamente, art.ºs 577.º, al. i) e art.º 619.º, n.º 1, do CPC.
Posto isto. Não tendo as Req.tes junto aos autos Certidão com menção de trânsito em julgado (e ambas as Partes referem que a decisão não transitou em julgado) obstam ao Tribunal conhecer da invocada autoridade. Mais quando referiram (como também assim a Requerida) que houve impugnação. Tudo apontando no sentido de que não houve trânsito em julgado.
Invocando autoridade de caso julgado neste contexto, cabia-lhes, a ser o caso, juntar a Decisão Arbitral com menção de trânsito em julgado. Ademais, sendo este um Tribunal Arbitral, constituído especificamente para o caso e não inserido numa estrutura funcional com acesso a todos os demais processos. Não o tendo as Req.tes feito, não poderia em qualquer caso o Tribunal julgar procedente a invocada autoridade, tanto mais na circunstância em que as próprias reconhecem existir recurso/impugnação pendente, e independentemente do objecto deste (que, aliás, também não vem provado nos autos[8]).
Acresce, tomando por base a Decisão Arbitral junta pelas Req.tes (e que não é Certidão e nem contém nota de trânsito em julgado) e o invocado pelas mesmas no seu PPA a este respeito (“C) - Da autoridade do caso julgado e da má-fé da AT”[9]) que, em qualquer caso, a relação material controvertida objecto dessa Decisão é distinta da que se discute nos presentes autos, não constituindo o objecto processual ali decidido condição para a apreciação do objecto nestes autos. É manifesto que inexiste uma relação de dependência entre o objecto destes autos e o objecto definido naqueles outros. A vertente positiva pela qual o caso julgado se poderia impor não ocorre. Ali apreciava-se da legalidade de actos de liquidação adicionais que tinham fundamentos de facto e de direito distintos dos aqui em crise. Cuidava-se de actos de liquidação cujas correcções assentavam em operações ocorridas em anos idos, e que teriam originado custos para as Req.tes, os quais não foram fiscalmente aceites pela Requerida AT nos exercícios de 2015 e 2016, com fundamento em terem sido incorridos para fins de financiar gratuitamente empresas do Grupo. Nos presentes autos, diferentemente, a liquidação em crise (desde logo a parte da Liquidação que a Requerida não revogou) tem origem em correcções levadas a efeito pela Requerida com referência a operações de financiamento realizadas a empresas do Grupo pela Requerente B... e por esta relevadas contabilisticamente no exercício de 2017, e que a Requerida considerou praticadas em termos violadores do Princípio da plena concorrência, pelo que procedeu, nos termos que teve por adequados, ao apuramento dos rendimentos que em condições de plena concorrência a Requerente teria obtido pela prática das mesmas operações e, assim, às correcções nessa base.
Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, e em consequência do que antecede, necessariamente o fundamento da Decisão invocada pelas Req.tes não teria, em qualquer caso, a virtualidade de condicionar a apreciação do objecto destes autos. Não se verificando identidade de relação material controvertida.
Nem igualmente se concebe, como vem também invocado pelas Requerentes, neste contexto haver, como projecção do efeito do caso julgado material (não ocorrido, vimos), “autoridade de caso julgado” dos factos “provados judicialmente e que serviram de fundamento à decisão”[10]. Desde logo pelas mesmas razões que antecedem.
Em conclusão, não procede a invocada autoridade de caso julgado.
Nem também assiste razão às Req.tes quando invocam, neste mesmo contexto, a Requerida AT fazer nestes autos um uso reprovável do processo. Como mais adiante também veremos.
Posto isto, avancemos.
3.2. Questões a decidir
As principais questões a decidir nos autos, de facto e de direito, podem sumariar-se assim (ora pela ordem que vem invocada pelas Requerentes no seu PPA):
I. Encontram-se os procedimentos inspectivos de que as Requerentes foram alvo com referência ao exercício de 2017 inquinados de vícios procedimentais:
a. Por não cumprimento de formalidades legais?
b. Por violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento inspectivo?
II. É censurável e merecedora de condenação em multa por litigância de má-fé a actuação da Requerida AT nos autos?
III. A Liquidação encontra-se ferida de vício de violação de lei:
a. Por errónea aplicação do art.º 63.º do CIRC?
b. Por errónea aplicação do regime legal das perdas por imparidades em inventários?
c. Por indevido ajustamento aos prejuízos fiscais deduzidos ao lucro tributável do Grupo?
Em função do que vier a responder-se às questões acima, assim se deverá responder quanto à peticionada anulação da Liquidação.
Por fim, sempre se apreciará, mesmo que numa súmula, do mais recentemente peticionado pelas Req.tes a título de alteração do valor da causa.
Como segue.
Em conformidade com o disposto no art.º 124.º do CPPT, que rege quanto à ordem de conhecimento dos vícios em processo de impugnação, procederemos prioritariamente à apreciação dos vícios de violação de lei enunciados nas questões a decidir em III., supra, por, dos invocados, serem aqueles cuja procedência determina “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (cfr. al. n.º 2, al. a) do art.º 124.º, reportado aos vícios geradores de anulabilidade – e aos quais se deverão reconduzir também os que as Req.tes invocam a respeito dos procedimentos inspectivos como sendo de nulidade[11]). E uma vez que as Requerentes não indicam qualquer relação de subsidiariedade entre vícios.
Quanto, assim, às questões decidendas que enunciámos supra em 3.2. III.
Enquadrando e recapitulando brevemente.
Coloca-se nos autos essencialmente a questão de saber – é a questão 3.2. III. a. -, num quadro de relações intra-grupos de empresas, se as transferências de fundos realizadas pela Requerente B... para duas outras sociedades, a saber a E... Inc, e a F... HK, ao terem sido realizadas que não contra o pagamento de quaisquer juros violam, ou não, o Princípio da plena concorrência plasmado pelo nosso legislador, entre o mais, no art.º 63.º do CIRC. Se, no caso, estão reunidas as condições para a Requerida AT proceder a correcções ao abrigo do regime em questão, de Preços de Transferência. E, em caso afirmativo, se as correcções que a mesma efectuou cumprem o disposto nesse normativo (e normativos conexos convocáveis).
Desde logo, saber se as transferências de fundos, que a Requerente assim contabilizou a título de empréstimos concedidos (cfr., entre o mais, RIT, al. j) factos provados), configuram, ou não, operações subsumíveis na previsão da norma – art.º 63.º do CIRC (cfr. n.ºs 1 e 4).
Por outro lado - 3.2. III. b. –, coloca-se a questão de saber se, tendo a Requerente B... registado perdas por imparidades em inventários, no valor de € 494.367,34, relacionadas com produtos acabados intermédios, nas condições em que o fez no exercício em questão cabia, ou não, nos termos legais aplicáveis, a correcção que foi operada a respeito pela Requerida. Que as não aceitou como gastos fiscalmente dedutíveis.
Por fim, - 3.2. III c. – ainda a de saber se ao ter a Requerida procedido, nas correcções que operou, ao ajustamento que entendeu correcto aos prejuízos fiscais (“PFs”) que a Requerente A..., na sua qualidade de sociedade dominante e na Declaração de rendimentos do Grupo, havia deduzido ao lucro tributável do Grupo, o fez, ou não, em cumprimento da lei.
E assim saber se é ou não de anular, e em que termos - com fundamento em algum destes invocados vícios de violação de lei - a Liquidação na parte que se mantém na Ordem Jurídica.
Vejamos então, começando pela primeira - 3.2. III. a.
Correcção operada pela Requerida ao abrigo dos art.ºs 63.º do CIRC e 77.º, n.º 3 da LGT, que as Requerentes entendem violados.
Em breve súmula,
As Req.tes invocam:
Que a AT violou o dever de fundamentação e o ónus de optar pelo método mais apropriado; confundiu o regime de PTs com as normas anti-abuso e alterou a qualificação das operações, atribuindo-lhes natureza de financiamentos; imputou às Req.tes o incumprimento das obrigações acessórias, mormente as relativas à organização e apresentação do Dossier de PTs, o que é falso; as operações vinculadas objecto das correcções não foram realizadas em 2017 e os empréstimos concedidos (itálico das Req.tes) respeitam a investimento, não tinham que vir mencionadas no Dossier Fiscal; mesmo que tivessem não seria no Dossier 2017 pois não foram realizadas nesse exercício, o saldo de abertura em 2017 já vinha transitado; a conta 4 é uma conta de investimentos, pelo que a B... . não realizou empréstimos mas sim investimentos em sociedades suas subsidiárias e em outras “nas quais pretendia assegurar uma parceria comercial e projectava vir a participar no seu capital”; tais investimentos nessas sociedades (E... e F... HK) não se destinaram a financiá-las ou a beneficiá-las em nenhum sentido.
Com referência mais especificamente à (i) E... Inc., era integralmente detida, tratou-se de entradas de capital em dinheiro, investimento em que se aumenta o activo financeiro; realizado apenas no exercício de 2015 e relacionado intrinsecamente com a sua actividade comercial, e com referência à (ii) F... HK, sediada em Hong Kong, é, também, investimento intrinsecamente relacionado com a sua actividade comercial, a sociedade “decidiu realizar vários investimentos na actividade da F... HK”, pretendia-se no futuro converter crédito em capital.
Assim, defendem, as conclusões da AT são ilegais: não se trata de operações realizadas em 2017; a AT não pode aplicar as regras só à parte relativa ao não vencimento dos juros e “cabia-lhe proceder à requalificação da operação”; violou o ónus da fundamentação não indicando as obrigações incumpridas - art.º 77.º/3 da LGT - e quanto aos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias - art.º 125.º do CPA, 268.º da CRP, 63.º do CIRC; são investimentos e não empréstimos e assim não há juros, prestações de capital não vencem juros; na adopção do método do preço comparável de mercado violou os art.ºs 63.º, n.º 3, al. a) do CIRC, e os art.s 4.º, al. a) e 6.º, n.º 1 da Portaria.
A Requerida, de seu lado:
Considera tratar-se de operações financeiras, enquadráveis no art.º 63.º/1 do CIRC, independentemente de serem ou não investimentos; operações de empréstimos entre empresas relacionadas. A B... devia tê-las apresentado no seu Dossier Fiscal PTs. Ela Requerida cumpriu com o seu dever de fundamentação e não alterou a qualificação/natureza da operação, identificou uma operação de empréstimo entre duas sociedades relacionadas. E a contabilidade da sociedade mantém os créditos em questão numa rubrica de empréstimos concedidos. A sociedade não cumpriu com as suas obrigações em sede de PTs cabalmente, os SIT pelo contrário cumpriram. As correcções foram feitas nos termos do art.º 63.º do CIRC e da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro e devem manter-se.
***
Preços de Transferência
Abrindo aqui um parêntesis, para dar uma sumaríssima nota do contexto em que nos movemos, a saber, Preços de Transferência. Matéria não só do âmbito do nosso Direito interno como, desde logo, de Direito Internacional Fiscal. Por razões sobejamente conhecidas, e sendo assim que a norma raíz do nosso Direito interno em matéria de Preços de Transferência a encontramos na CMOCDE – Artigo 9.º.
O regime legal em questão, de Preços de Transferência, no nosso Direito interno, tem tradução desde logo no art.º 63.º do CIRC, a que adiante em maior detalhe nos referiremos, e, depois, em Portaria para a qual o legislador ali desde logo remeteu (v. n.º 13 do art.º 63.º), e a que adiante também melhor nos referiremos (Portaria n.º 1446-C/2001, até muito recentemente em vigor, e que é a aplicável nos autos; doravante, “a Portaria”).
Regime que encontra razão de ser, precisamente, na existência de relações “especiais” entre partes. Grupos de empresas, pois, aqui desde logo em foco.
Na Portaria se lendo, no Preâmbulo, entre o mais, assim: “Através da presente portaria completa-se uma primeira fase de regulamentação sobre os preços de transferência, para cuja aplicação, nos casos de maior complexidade técnica, é aconselhável a consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria (...)”.
Os ditos “relatórios da OCDE” fornecem orientações (“guidelines”) para a aplicação do Princípio da plena concorrência que o Art.º 9.º da CMOCDE consagra.
Por sua vez, o nosso art.º 63.º (CIRC) consagra entre nós o regime dos Preços de Transferência, pelo qual se visa fazer aplicar o Princípio da plena concorrência, nessa tarefa sendo auxiliado pela Portaria que extensamente o vem densificar.
Visa-se, pelo regime em apreço, obstar a que, por via das relações privilegiadas entre entidades, se consiga uma manipulação de preços de operações contendo em si objectivos de transferências de lucros, entre empresas, com os potenciais contornos que se conhecem.
Impõe-se assim, com o objectivo de obstar à ocorrência de tais situações, que entre as tais entidades especialmente relacionadas se pratiquem preços normais de mercado.
Verificada que esteja a ocorrência dessas relações especiais, e sendo praticadas operações (conceito que é amplo, como também se sabe, e como se colhe, desde logo, seja do disposto no n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, seja do disposto no art.º 1.º da Portaria, seja das próprias Guidelines da OCDE) entre as entidades em questão, o regime será de convocar.
Sendo dado às Autoridades Tributárias dos diferentes Estados - no caso de os sujeitos passivos não darem cumprimento às obrigações que sobre si recaem na matéria - intervir, de forma muito própria deste contexto, para efeitos de determinação da matéria colectável, procedendo quando devido a correcções e ajustamentos sempre com o mesmo fim, de dar cumprimento ao Princípio da plena concorrência.
Fechado o parêntesis.
***
Voltando ao que vínhamos de percorrer.
Assiste, adiante-se desde já, razão à Requerida.
Com efeito, tudo visto e ponderado, concatenados os elementos de prova carreados nos autos, e fazendo apelo aos normativos legais aplicáveis, o Tribunal não vê como não reconhecer as correcções em crise fazerem uma correcta aplicação ao caso das normas que regem o regime dos Preços de Transferência em aplicação do Princípio da plena concorrência.
Vejamos.
Desde logo resultou provado - v. x) e z), e j) factos provados -, e nem vem controvertido entre as Partes, que no exercício em questão (2017) existiam entre as empresas de cujas operações aqui se cuida (B..., E... Inc. e F... HK) relações por força das quais as operações em causa se enquadram no n.º 1 do art.º 63.º do CIRC. Como constante desde logo do RIT à B... . (v. supra al. j) factos provados), e cfr. respectiva fundamentação de facto e de direito aí exteriorizada, preenchem-se as al.s a) e b) do n.º 4 do art.º 63.º do CIRC e, assim, o n.º 1 do mesmo artigo.
Rege o referido artigo do CIRC assim, na parte ora mais relevante[12]:
Correcções para efeitos da determinação da matéria colectável
Artigo 63.º- Preços de transferência
1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
(...)
4 — Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;
b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;
(...)
Existem, pois, no caso dos autos, seja entre a B... e a E... Inc, seja entre aquela e a F... HK, relações especiais tal como exigido pelo legislador no art.º 63.º do CIRC (cfr. supra).
Por seu turno, provado ficou também que as operações financeiras tiveram lugar, realizadas pela primeira a favor de uma e de outra destas sociedades consigo relacionadas cfr. art.º 63.º/1, e que, não obstante os fundos em questão terem sido assim transferidos pela B..., à mesma não foram pagos, por qualquer das duas sociedades destinatárias, quaisquer juros - cfr. supra, al.s j), u), v) w) e y) factos provados, mantendo-se o capital em dívida (como também não controvertido; e v. RIT).
Mais ficou provado que, no exercício em questão (2017), a sociedade (B...) mantinha registados na sua contabilidade os respectivos montantes em Contas de Investimentos – Empréstimos concedidos. Subconta 4113214974 quanto às operações com a E... Inc, e Subconta 41426207059 quanto às operações com a F... HK - cfr. supra factos provados, RIT - al. j). No que, aliás, os depoimentos das testemunhas também não foram senão consonantes, e como nos próprios articulados das Requerentes.
Ora, como é bom de ver, não será por alegadamente as transferências financeiras em questão serem tidas pelas Req.tes, segundo argumentam, como um investimento, que o que vem de se constatar falece. Como também bem observa a Requerida. E como, aliás, a Conta onde na contabilidade da B... as mesmas operações foram levadas também bem o demonstra. E como as Req.tes, insista-se, reconhecem afinal também nos seus articulados (v., entre o mais, artigo 243. do PPA, em que se transcreve parte da subdivisão da Conta 4 – Subcontas “4113 Empréstimos concedidos” e “4142 Empréstimos concedidos" incluídas) após se referir que os empréstimos concedidos (itálico das Req.tes) foram lançados na conta 41.
E como também se conhece, a concessão de financiamento é, efectivamente, também um investimento, desde logo porque dá, em condições normais de mercado, lugar a um ganho. E não é certamente nada cobrar (custo zero para as destinatárias) por tais operações - como no caso sucedeu - aquilo que normalmente seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes nesse tipo de operações/operações comparáveis. Cfr. art.º 63.º, n.º 1 do CIRC.
Mesmo porque, além de tudo o mais, como é bom de ver (e traduz racionalidade económica) as empresas destinatárias dos fundos em questão são, afinal, aquelas que vão poder investir esses mesmos fundos, no desenvolver das suas actividades. Como também resulta dos depoimentos das testemunhas (e v., entre o mais, al.s u), v) w) e y) factos provados), e nem de outra forma se poderia entender.
É efectivamente - como nos resulta evidente, e em contrário do que alegam as Req.tes - em benefício das sociedades destinatárias que a transferência dos fluxos financeiros, antes de mais, se faz.
Sem que isto que acaba de dizer-se, aliás, invalide o que as Req.tes vêm alegar em defesa da sua tese (de que se está perante investimentos e não empréstimos). Afirmam as Req.tes assim: “a B... não realizou quaisquer empréstimos, desinteressados ou dissociados da sua actividade”[13]. O certo é, porém, que realizou empréstimos. Diga-se.
Como refere a Requerida, entre sociedades independentes não relacionadas, o custo/valor de tal operação (operação financeira, empréstimos a sociedades) nunca poderia cifrar-se em zero – nenhuma sociedade estaria disposta a tal prática, sem retirar qualquer retorno -, como veio a acontecer com a B... .
Donde, a operação de financiamento àquelas sociedades relacionadas efetuada pela B... a custo zero, para efeitos fiscais, nos termos do art.º 63.º do CIRC, teria que resultar num apuramento de um custo/valor da operação (um rendimento para a B... – e um custo para a sociedade beneficiária) – aquele que seria praticado entre sociedades independentes não relacionadas.
Mais sendo que, nem dúvidas se nos colocam quanto a se estar perante operações financeiras. Estamos perante operações de empréstimos entre empresas relacionadas, operações que envolvem a aplicação de capitais, destinada a investimento, envolvidos que estão os factores capital, tempo e - em circunstâncias normais - juros. Estamos, também por aqui, em sede de n.º 1 do art.º 63.º do CIRC; como, bem assim, do art.º 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro (“a Portaria”; e v. n.º 13 do art.º 63.º do CIRC que para aí remete)[14] - v., entre o mais, n.º 3, al. a) (“Artigo 1.º - Regras gerais sobre o princípio de plena concorrência, (...) 3- Para efeitos da presente portaria (...) considera-se que: a) O termo “operações” abrange as operações financeiras e, bem assim, (...)”). Nem as Req.tes tal questionam, limitando-se a procurar argumentar no sentido de que as operações não seriam empréstimos. Para, assim, procurar afastá-las, precisamente, da previsão do n.º 1 do art.º 63.º.
Reunidas, assim, as condições para se aplicar o regime dos Preços de Transferência.
Dito isto, dê-se a seguinte nota. Numa óptica mais contabilístico-societária, em súmula muito simples e com o detalhe dos números:
A informalidade (gratuitidade incluída) com que são tratados os empréstimos entre empresas do grupo em que as Requerentes se integram - entre a B... e E... Inc., e entre aquela e a F... HK - apenas ocorrerá por as operações se darem, precisamente, no seio de relações especiais. Não obstante se tratar de distintas entidades, sociedades. E assim sendo, também - distintas entidades -, mesmo se se tratando de sociedades integrantes do perímetro de um Grupo de empresas em regime de RETGS.[15]
A 01.01.2017, a B... contabilizava o valor de € 190.549,21 de empréstimos à E... numa conta divisionária da conta 4113 — Empréstimos concedidos[16] - cfr. RIT à B... .
Esse valor não foi alterado ao longo do ano de 2017, e só a 31 de Dezembro seria reduzido, duas vezes, com dois lançamentos, de descritivo “DIFCB”, transitando para 2018 o valor de € 167.480,82.
A Requerida entendeu, vimos, que as operações entre a B... e a E... estão sujeitas à disciplina do n.º 1 do art.º 63.º do CIRC (e, assim, “devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”).[17]
Quanto à F... HK, a 01.01.2017 a B... contabilizava o valor de € 1.014.995,00 numa conta divisionária da conta 4142 - Empréstimos concedidos[18] a empresas que não são subsidiárias nem associadas. Ao longo do ano de 2017 essa conta foi mensalmente debitada por € 21.000,00, e ainda, em Junho, debitada por € 15.000,00, pelo que no final de Dezembro (2017) o seu saldo devedor era de € 1.296.995,00 - cfr. RIT à B... .
Entendeu a Requerida que se o empréstimo tivesse sido concedido à E...Inc. por uma entidade desta independente venceria juros. Procedeu, assim, ao cálculo do valor provável que em tal caso a E... Inc. pagaria de juros. E apurou o valor de € 4.149,00[19], que fez acrescer ao lucro tributável da B... .
Com igual fundamento procedeu ao cálculo dos juros que da mesma forma a F... HK teria que pagar a uma empresa dela independente que lhe emprestasse os valores de que foi devedora à B... ao longo de 2017. E apurou o valor de € 16.521,74. Que fez acrescer ao lucro tributável da B... .
A soma dos dois valores, no total de € 20.670,74, entende a Requerida, é o valor que deve ser adicionado ao LT declarado pela B... em 2017, em aplicação do art.º 63.º do CIRC.
Segundo as Req.tes estas correcções não são devidas.
Referem, em defesa deste seu entendimento, que quando a E... foi criada, a nova empresa foi dotada com um valor muito reduzido de capital uma vez que na América não há uma obrigatoriedade de um valor de Capital Social mínimo.[20]
Valor aquele que se mostraria insuficiente. Como seria expectável, diríamos. A criação de uma empresa requer recursos suficientes para financiar seja o seu activo imobilizado seja o activo afecto à exploração. No caso da E... poderia ser necessária a aquisição ou arrendamento edifícios para a sede, para serviços e para armazéns, equipamentos administrativos, de transporte...; ademais, uma sociedade necessita de financiar a sua exploração, dispor de recursos financeiros suficientes para o seu Activo da Exploração que, na sua maioria, é constituído pelos inventários e pelos créditos concedidos aos Clientes; que, não sendo o sector de actividade de ciclos de exploração muito curtos, serão insuficientemente financiados pelos créditos dos seus fornecedores; os recursos financeiros da nova empresa terão também que custear as despesas de funcionamento (pessoal, rendas, electricidade, etc…) de, pelo menos, um ciclo de exploração[21] médio.
A constituição daquela empresa ter-se-á dado, assim, e com base no que expõem as Req.tes, com capital insuficiente. Não obstante previsível a necessidade de garantir-lhe, depois, recursos financeiros complementares. Não se tratando formalmente de capital, os recursos financeiros adicionais revestiriam na E... Inc. a forma de Capital Alheio com vencimento a médio/longo prazo, e, neste contexto, a B... viria a emprestar à E... Inc. os meios financeiros necessários ao seu bom funcionamento, sem prazo de vencimento nem pagamento de juros. Assim se enquadrando a alegação das Req.tes no sentido de que “foram realizadas pela B... entradas de capital (additional payments of capital) que foram afectas ao pagamento de custos iniciais de arranque da actividade da empresa” e que se tratou de “um investimento (...) com carácter de capital”[22].
Concluída a nota.
Avancemos.
A. As correcções foram feitas pela Requerida em suma com os seguintes fundamentos:
O SP apresenta no exercício 2017 certos movimentos nas subcontas de empréstimos concedidos “4113214974 E..., INC” e “41426207059 F... HK”. Estes empréstimos não venceram juros. O Princípio da Plena Concorrência (PPC) determina que nas operações financeiras entre um sujeito passivo (SP) e outra entidade com a qual esteja em situação de relações especiais devem ser contratados, aceites e praticados termos/condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis. Para determiná-los o SP deve adotar o método que permita assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efetua, eleger um dos métodos cfr. art.º 63.º e Portaria, e manter organizada a documentação ref. à política de PTs adotada.
Para aplicação das regras de PTs o SP deve realizar operações com alguma dessas entidades, havendo então que certificar-se se estão a ser contratados/praticados os ditos termos/condições.
A B... elaborou o Dossier fiscal de PTs referente a 2017 e classificou como tais entidades a A... SGPS S.A., a C... S.A. e a E... Inc. E não fez referência a operações vinculadas em empréstimos não remunerados.
Encontrava-se em situação de relações especiais com as ditas sociedades.
Os métodos a utilizar na determinação dos PTs são os identificados no art.º 63.º/3 e no art.º 4.º da Portaria. Se for possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o método do preço comparável de mercado (PCM) é o mais directo e fiável na aplicação do PPC.
A B... realizou operações financeiras activas, empréstimos não remunerados a sociedades com as quais há relações especiais e na elaboração do Dossier PTs não considerou para efeitos das operações vinculadas quaisquer operações de natureza financeira.
Consequentemente a Requerida calculou o rendimento das operações vinculadas como se tivessem sido realizadas entre entidades independentes, ao preço de mercado.
Notou a aplicação do método do PCM concretizar-se na comparação dos termos/condições nestas operações vinculadas, juros (...) de empréstimos concedidos, com os que seriam definidos, contratados e praticados por entidades independentes em operações comparáveis. E quanto a operações financeiras as bases de dados disponibilizadas pelo Banco de Portugal (BP) serem reconhecidamente das mais representativas, atendendo à grande abrangência dos dados, fiabilidade e independência. Considerando as condições e características das operações em análise e os dados disponibilizados pelo BP, como operação não vinculada com maior grau de comparabilidade com as operações financeiras vinculadas realizadas pela B..., propôs a utilização das séries estatísticas disponibilizadas pelo BP através do sítio: https://bpstat.bportugal.pt/(...)
Calculou os juros que seriam obtidos com um financiamento entre entidades independentes. Concluiu que os termos e condições praticados não eram substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Não tendo o SP considerado no apuramento dos resultados fiscais do exercício 2017 quaisquer rendimentos com juros daquelas operações financeiras, apurou, assim, os rendimentos que deveriam ter sido apurados. Neste percurso fundamentador da correcção, foi indicando as normas aplicáveis – diferentes n.ºs do art.º 63.º do CIRC e art.ºs da Portaria caso a caso, e art.º 77.º, n.º 3 da LGT (tudo cfr. al. j) supra factos provados).
B. Para invocar a ilegalidade que imputam a estas correcções - PTs - invocam concretamente as Requerentes:
a) As operações não foram realizadas em 2017
Defendem as Req.tes que, vindo as operações de exercícios anteriores - o saldo de abertura já vinha transitado a 01.01.2017 –, é ilegal a correcção operada em relação às mesmas agora, no exercício de 2017. As operações não foram realizadas em 2017, expõem, e daí também, por outro lado, a terem que constar de Dossier Fiscal PT (no que não concedem) não teriam em qualquer caso que constar do Dossier 2017.
Como bem se compreende, apesar de os empréstimos - como tal reconhecidos na contabilidade da sociedade - não terem sido concedidos no ano de 2017 mas sim antes, não deixa a operação em questão de continuar a produzir os seus efeitos ao longo do tempo em que o montante se mantém em dívida. Como sucede no caso, continua em dívida – cfr. factos provados (entre o mais al. j) RIT)
Em circunstâncias normais de mercado o dinheiro mutuado continua a vencer juros, que são devidos pelo mutuário.[23] O cálculo dos juros é feito tomando em consideração o saldo diário da dívida, sendo indiferente para o efeito a data da operação de concessão do financiamento.
As operações em questão são, nesta medida, operações de carácter continuado, com os efeitos daí decorrentes. E que conduziram, desde logo, ao registo contabilístico de que se fala a respeito nos autos. (Também) No exercício de 2017. Contendo a informação relevante, actualizada.
Acresce, diga-se, não corresponder totalmente à verdade o que as Req.tes afirmam, pois que no respeitante ao financiamento à F... HK a dívida aumentou em € 261.000,00 entre o início e o final de 2017 (cfr. RIT).
Não procede, com qualquer dos pretendidos efeitos, a alegação das Req.tes.
b) A AT não pode aplicar as regras do regime só à parte relativa ao não vencimento dos juros e cabia-lhe requalificar a operação
Argumentam as Req.tes que a AT não questionou o valor pelo qual as operações foram realizadas, sendo que não pode “aplicar as regras dos PT a apenas um dos elementos da operação”, “isto é, à parte relativa ao não vencimento de juros”.
Mais afirmam, aqui, que para poder aplicar juros à operação e considerá-la um financiamento gratuito a AT tinha que proceder à requalificação da operação. E para isso teria por sua vez que aplicar a norma geral anti-abuso (cfr. LGT).
Deve começar por dizer-se que as Req.tes se contradizem neste particular de forma clara. Com efeito, se a certo passo dos seus articulados vêm invocar, em defesa da ilegalidade que dizem inquinar a Liquidação, que a Requerida requalificou a operação – “atribuiu às operações a natureza de financiamentos alterando totalmente a sua qualificação e natureza”[24], vêm agora defender que esta correcção em PTs é ilegal porque para ter considerado juros a Requerida teria que ter requalificado a operação e não o fez.
Sucede, independentemente do mais que se podia referir, que é a própria Requerente B... quem qualifica as operações como empréstimos. Como se viu. Conforme registos e documentação contabilística da própria. Sendo sabido que os dados e os apuramentos inscritos na sua contabilidade se presumem verdadeiros e de boa-fé, quando organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal (cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT). Nem resultou dos autos ser de afastar a presunção.
Dito isto, perde sustentação, logo por aqui, este argumentário das Req.tes. A arguição não procede.
c) Foi violado pela AT o ónus de fundamentação cfr. art.º 77.º, n.º 3 da LGT pois não indicou as obrigações incumpridas pelo SP, em que medida as operações visaram a erosão ou o planeamento fiscal ilegítimo e quais a normas tributárias violadas
Como se sabe, a fundamentação é entendida como suficiente quando permita a um destinatário normal apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto na sua decisão, isto é, quando àquele sejam cognoscíveis as razões porque este decidiu como decidiu e não de outra forma. Assim lhe sendo dado por sua vez decidir, com o necessário conhecimento, reagir ou não contra o acto.
O art.º 77.º da LGT consagra um especial dever de fundamentação, é certo. Exige-se que, em casos como o presente - fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais - sejam observados os requisitos ali indicados, nas al.s a) a d) do n.º 3 do art.º 77.º
Ora, resulta da matéria de facto adquirida nos autos, a tudo o que na referida norma se exige a Requerida, nas correcções em análise, deu cumprimento.
Dispõe-se, no referido n.º 3 do art.º 77.º da LGT, assim:
“(...) a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos: a) Descrição das relações especiais; b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo; c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito; d) Quantificação dos respectivos efeitos.”
Percorridas as alíneas, e tendo em mente o já apreciado até aqui - desde logo o constante do RIT à Requerente B... (v. al. j) factos provados) - não pode acompanhar-se o que aqui as Requerentes invocam.
Com efeito, seja na descrição das relações especiais, seja na identificação das obrigações incumpridas pela B..., seja na aplicação do método que elegeu, seja por fim na quantificação respectiva a que procedeu, a Requerida actuou cumprindo o exigido. Qualquer destes pontos colhendo resposta no RIT. Como já percorrido também ao sumariarmos (A. supra) os fundamentos destas correcções – para onde agora remetemos (e v., em mais detalhe, al. j) supra factos provados).
E nem a referência que aqui as Req.tes fazem quanto a “em que medida as operações visaram a erosão ou o planeamento fiscal ilegítimo” procede, pois que não só não é ponto identificado no artigo que invocam (vimos de ver) como, diga-se, o tópico a que se referem não deixa de constar, afinal, da fundamentação do acto, ao tratar-se aí do apuramento dos valores de rendimentos que seriam auferidos pela B... e, ao invés, contrariamente ao que seria “o normal”, o não foram.
Também as normas violadas/obrigações incumpridas constam da fundamentação do acto – v. quando aí se refere o não cumprimento pela B..., como devido, dos deveres de documentação na matéria – PTs: “(...) relatório de preços de transferência (...) não faz qualquer referência a operações vinculadas relativas a juros obtidos...”, e, entre o mais também, ao se referir: “(...) não considerou quaisquer rendimentos com juros (...) violação do princípio da plena concorrência no apuramento do lucro tributável no período de 2017 (...)”, sempre ao a Requerida vir, ali, de expor os normativos aplicáveis. Como também já apreciámos (A. supra).
As Req.tes, aliás, noutro passo reconhecendo inteligir que a Requerida “imputou às Requerentes o incumprimento das obrigações acessórias, mormente as relativas à organização e apresentação do Dossier de PTs”, “o que é falso”[25].
Em suma, o RIT identifica os empréstimos feitos pela B... à E... e à F... como operações entre entidades relacionadas nos termos do art.º 63.º/4 que, por isso, devem ser sujeitas ao regime de plena concorrência descrito no n.º1 do mesmo artigo – “devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.
Assim, cfr. RIT, a Requerida (1) verifica que existem relações especiais entre as empresas, e que (2) a Requerente B... não mencionou no Dossier de PTs 2017 as identificadas operações, (3) declara que aplicou o método do preço comparável de mercado, um método previsto na lei (desenvolve sobre os métodos a utilizar cfr. art.ºs 63.º, n.º 3 do CIRC e 4.º da Portaria, e refere a devida prevalência do método do preço comparável de mercado e adequabilidade à situação fazendo menção aos elementos de que dispõe e que utilizou para o efeito), e (4) indica que procedeu à quantificação dos respectivos efeitos. Pelo que o art.º 77.º, n.º 3 da LGT foi devidamente aplicado.
A invocada violação do art.º 77.º, n.º 3 da LGT não procede. A Requerida cumpriu com o seu dever de fundamentação, também a este respeito não se verificando qualquer vício.
d) A AT alega falsamente estarmos perante empréstimos, não há empréstimos pelo que não há juros
Cabe apenas repetir que é a B... quem regista na sua contabilidade estas operações como sendo Empréstimos – Conta 4113 / Conta 4142. Remete-se para o ponto 2. imediatamente acima. Bem como para quando, mais atrás, enquadrámos esta correcção nos elementos constantes dos autos (v. supra – III.a. - pp. 36-37).
Não é, pois, consequente a invocação, improcedendo.
e) Foi violado o dever de fundamentação ao a AT não indicar os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias
Pretenderão as Req.tes neste ponto, se bem entendemos, imputar à Liquidação vício de violação de lei por alegada não indicação dos termos e condições próprios destas operações (concessão de empréstimos, financiamento em dinheiro) quando têm lugar entre entidades independentes entre si e em idênticas circunstâncias. Mencionam “em idênticas circunstâncias - assinaladas dificuldades de cumprimento e falta de liquidez”.
Remetem aqui para o constante da Portaria, no art.º 6.º, n.º 2, al.s a) e b), referindo que à AT cabia comparar entre elas as operações ali referidas.
Vejamos o que aqui se exige:
“Artigo 6.º - Método do preço comparável de mercado
(...)
2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:
a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.
Ora, lê-se no RIT, entre o mais, assim:
“A aplicação do método do preço comparável de mercado concretiza-se na comparação dos termos e condições ocorridas nestas operações vinculadas, juros (...) de empréstimos concedidos, com os que seriam definidos, contratados e praticados por entidades independentes em operações comparáveis.
No que respeita a operações financeiras, as bases de dados disponibilizadas pelo Banco de Portugal são reconhecidamente das mais representativas, atendendo à grande abrangência dos dados, fiabilidade e independência, sendo por isso usualmente utilizadas na análise de comparáveis externos.
Tendo em conta as condições e características das operações em análise e os dados disponibilizados pelo Banco de Portugal, como operação não vinculada com maior grau de comparabilidade com as operações financeiras vinculadas realizadas pela B..., propõe-se a utilização das seguintes séries estatísticas (...), através do sítio: https://bpstat.bportugal.pt/(...) (...)
De seguida é elaborado um quadro resumo com o cálculo dos juros que seriam obtidos com um financiamento entre entidades independentes, à semelhança (...) dos empréstimos realizados pelo sujeito passivo. (...)”
Estamos, como se viu, perante operações de financiamento de fundos. A Requerida AT constatou tal facto, que tem base na contabilidade da própria Requerente B... .
A comparabilidade, numa situação como a do caso, operações financeiras de concessão de crédito, não envolve dificuldades acrescidas, como nos parece evidente. O financiamento da E... Inc. poderia ter sido obtido - não por recurso a empresas com ela relacionadas, mas sim - de um Banco/Instituição financeira. Teria sido, nesse caso, exigido o pagamento de juros, e garantias de que o empréstimo seria reembolsado. Realidades quotidianas cuja existência é assente. Sendo que, ademais, as bases de dados a que a Requerida recorreu para efeitos da respectiva quantificação são por excelência fiáveis (Banco de Portugal) e por isso normalmente utilizadas para fins como este.
Não é esta, claramente, uma situação a exigir abundância de “comparáveis”. Trata-se, afinal, do preço normal do dinheiro para sociedades comerciais, se assim se quiser colocar a questão genericamente. E nem possíveis situações em que as sociedades comerciais se encontrem de dificuldades de cumprimento/falta de liquidez (que as Requerentes mencionam sem mais) são senão também elas normais no mercado. Tendo sido utilizadas para o efeito as bases de dados disponibilizadas pelo Banco de Portugal dá-se cumprimento, também, ao constante da al. b) do n.º 2 do art.º 6.º da Portaria (v. supra).
Acresce, em qualquer caso sempre se diga, que se a Requerente B... entendia restarem dúvidas quanto à quantificação como feita pela Requerida sempre teria ao seu alcance – sendo seu o ónus, ademais – dados e elementos de informação que seriam, a ser o caso, de facultar à Requerida AT para este efeito. O que, ainda assim, não fez. Seja no procedimento, seja nos presentes autos. Nada aliás alegando a respeito senão que o método não é o adequado – porém nada carreando ao procedimento primeiro e, agora, ao presente processo, no sentido de a quantificação efectuada pela Requerida ser desadequada/distanciada do que seria uma quantificação mais adequada. Nada constando também, e desde logo, a esse respeito, como se viu - al. j), factos provados - do Dossier PTs, como lhe caberia ter feito. V. art.º 63.º, n.ºs 2, 6 e 7 do CIRC e art.ºs 4.º e 13.º a 15.º da Portaria.
Como noutra sede escrevemos, com maior desenvolvimento, “quanto especificamente a uma eventual dúvida sobre a quantificação – recaem sobre os contribuintes, em matéria de PTs, particulares deveres de colaboração. A exigência de colaboração e divulgação de informação por parte dos SPs é, neste âmbito, maior. Como bem se compreende, pelas realidades envolvidas e sua dimensão, e como os legisladores em geral o têm vindo a reflectir nos normativos aplicáveis na matéria. No que o nosso legislador não é excepção. V., entre o mais, no Preâmbulo da Portaria PT: “Considerando que a eficiente aplicação das regras sobre preços de transferência requer um elevado grau de colaboração entre os contribuintes e a administração tributária, é dado particular relevo às obrigações relativas à informação e documentação que o sujeito passivo deve obter, produzir e manter para justificar a política adoptada em matéria de preços de transferência. (…) sendo legítima a expectativa, por parte da administração tributária, que o contribuinte possua, e possa fornecer para análise, os elementos que, perante os factos e circunstâncias concretas que caracterizam a sua actividade e num quadro de boas práticas comerciais e financeiras, deveria razoavelmente deter para determinar e comprovar a conduta adoptada (…).”[26]
Sendo a conduta adoptada pela B..., no caso, violadora desde logo do constante do n.º 8 do art.º 63.º do CIRC, ainda assim nada a impedia de - a entender o método aplicado não ser o adequado/conduzir a uma quantificação menos ajustada da realidade - vir facultar elementos à Requerida AT para o efeito, colaborando assim na determinação dos montantes a corrigir.
A acrescer ao que já ficou referido, recorde-se que também, cfr. matéria de facto adquirida nos autos, notificada do Projecto de RIT a Requerente B... não exerceu o seu direito de audição; como assim também não a sociedade mãe – A... SGPS. Onde, como se compreende, teria também havido oportunidade para este efeito.
A ser o caso - o que não se crê pelo já vindo de expôr - sempre caberia à Requerida B... demonstrar que a quantificação efectuada pela Requerida AT se mostrava errada.
Invocam aqui as Req.tes terem sido violados o art.º 268.º da CRP, o art.º 125.º do CPA, o art.º 63.º do CIRC e o art.º 6.º da Portaria.
Quanto à norma Constitucional que invocam, sem qualquer concretização de n.º ou argumentação a respeito, diga-se, apenas, que não se vê como pretendem as Req.tes tenha sido violada. A norma versa sobre direitos e garantias dos administrados. A tutela jurisdicional efectiva foi garantida, como é de elementar constatação pelo que se percorreu, o acto não só foi notificado como se encontra devidamente fundamentado, como também vimos, não vem alegada qualquer restrição de acesso a informação na posse da Requerida. Não procede a invocação das Req.tes
Como também não procede quanto às demais normas que invocam violadas:
Com ref. ao art.º 125.º do CPA, a AT procedeu, como resulta do RIT respectivo (v al. j) factos provados), às diligências que considerou as necessárias, e a Requerente B... ou qualquer das Requerentes não solicitaram, tanto quanto conste dos autos, diligências complementares;
Com ref. ao art.º 63.º do CIRC, e como já exaustivamente apreciado, a Requerida cumpriu aquilo que lhe competia; e o incumprimento verificado da norma foi da parte das Requerentes, como também vimos.
Com ref. ao art.º 6.º da Portaria, vimos neste mesmo ponto, foi-lhe dado cumprimento, no que lhe era devido, pela Requerida, ao corrigir positivamente como corrigiu o lucro tributável declarado.
Sendo esta, que vimos, a fundamentação utilizada pela Administração para proceder à correcção e consequente liquidação adicional, impõe-se concluir, mais uma vez, não ter havido violação do dever de fundamentação que lhe cabia.
f) As operações não são comparáveis e ao utilizar o método do preço comparável de mercado a AT violou o ónus de optar pelo método mais apropriado - os art.s 63.º, n.º 3, al. a) do CIRC, e os art.ºs 4.º, al. a) e 6.º, n.º 1 da Portaria
Violou a Requerida, invoca-se, o ónus de optar pelo método mais apropriado.
Mais uma vez (e cfr. ponto imediatamente anterior) se diga, as Requerentes alegam mas não provam a utilização do método eleito pela Requerida ter sido em violação das normas aplicáveis. Neste ponto referem as operações não serem comparáveis.
Ora, como também já ficou dito, sendo as operações vinculadas em questão operações de financiamento, empréstimo de dinheiro, a identificação de comparáveis não é de dificuldade. O método tal como aplicado pela Requerida assentou, por todas as razões que vimos, na correcta aplicação dos normativos aplicáveis.
Se por outro lado, como a certo passo também parecem as Req.tes fazer, se pretendia defender também que as operações não são comparáveis porque num caso se trata de investimentos e não de financiamentos (operações vinculadas em questão), enquanto que, no outro - cfr. comparáveis utilizados -, se trata de financiamentos, então há que responder como já supra (v.– III.a. - pp. 36-37): independentemente de se poder estar a fazer um investimento, houve financiamento, realizaram-se empréstimos.
E também o mesmo se concluiria se se recorresse aos critérios orientadores das Guidelines OCDE – que, ademais, nem são indispensáveis em face da menor dificuldade de situações como a do caso. Aplicando o “benefit test” concluir-se-ia, sempre, que - por via das operações financeiras em questão - foi aumentado o potencial das entidades beneficiárias de gerarem lucros (e v. Parágrafo 7.6 das Guidelines). Sendo que em matéria de PTs há que ser dada aos contribuintes oportunidade de demonstrar que a política seguida cumpre com o Princípio da plena concorrência e, não logrando o contribuinte fazê-lo, a Administração Tributária em causa tem que determinar o ponto adequado contido na margem de plena concorrência, em função do qual procederá ao ajustamento – (V. Parágrafo 3.61 das Guidelines). Como, entendemos por tudo o percorrido, fez a Requerida no caso ao proceder como procedeu.
Os art.s 63.º, n.º 3, al. a) do CIRC, e os art.ºs 4.º, al. a) e 6.º, n.º 1 da Portaria não foram, pois, violados, e a argumentação das Req.tes é, também aqui, improcedente.
g) Prestações de capital não vencem juros
Como se viu, não estão em causa quaisquer prestações de capital, mas sim empréstimos.
As operações foram necessariamente contabilizadas como empréstimos por tal se concluir dos documentos que servem de suporte aos registos contabilísticos.
Para o valor de cada uma delas ser contabilisticamente adicionado ao capital tanto poderiam ser (i) aumentos de capital como (ii) prestações suplementares de capital, mas teriam que ser documentadas em conformidade. Para que cada uma das entregas de dinheiro da B... à E... e à F... HK pudesse ser contabilizada como aumento de capital da empresa financiada, ela teria que ser documentada com cópia da acta da AG da sociedade financiada em que tivesse sido deliberado tal aumento de capital, cfr. art.º 87.º do CSC. Tal acta não existindo não é possível relevar a entrada do dinheiro na empresa como aumento de capital. Por outro lado, para poderem ser contabilizadas como prestações suplementares de capital, teriam que ser previstas no contrato de sociedade antes de deliberadas pelos sócios, e não se vê que uma condição e outra estejam satisfeitas, donde igualmente não poderiam ter sido contabilizadas desse modo.
Estamos perante empréstimos.
A argumentação das Req.tes é, mais uma vez, improcedente.
Em conclusão, quanto à alegação das Req.tes de que foi violado o art.º 63.º do CIRC e o regime dos Preços de Transferência, assim se encontrando a Liquidação ferida de vício de violação de lei, afigura-se que assim não é. A Requerida deu cumprimento aos deveres que sobre si recaem na matéria, cfr. normativos percorridos, e no exercício da margem de discricionariedade técnica constante do art.º 3.º da Portaria operou cálculos com fundamento nas normas legais aplicáveis, após concluir que os termos e condições praticados naquelas operações vinculadas não eram substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis e assim violavam o Princípio da Plena Concorrência.
A correcção em matéria de PTs revela-se, assim, conforme à Ordem Jurídica.
3.2. III. b.
Correcção operada pela Requerida ao abrigo dos art.ºs 18.º, 23.º, 26.º e 28.º do CIRC, que as Requerentes invocam terem sido violados.
Estamos perante correcção em matéria de imparidades. Perdas por imparidades em inventários.
A B... utiliza o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) como referencial contabilístico na preparação das suas demonstrações financeiras (cfr. al. ff) supra, factos provados).
Como provado (v. al. j) factos provados, RIT à B...), o sujeito passivo considerou gastos associados a perdas por imparidade em inventários, subconta “6524 PRODUTOS ACAB. INTERMEDIOS”, no valor de 494.367,34 EUR, relacionados com produtos acabados intermédios.
E por não ter acrescido - para efeitos de apuramento do lucro tributável - qualquer montante na sua Modelo 22, Quadro 07, a título de perdas por imparidade em inventários para além dos limites legais, a Requerida solicitou-lhe documentos de suporte. Que permitissem comprovar o valor realizável líquido (VRL) considerado nos ajustamentos deduzidos para efeitos fiscais.
A. A Requerida fundamentou a correcção, em suma, assim:
A diminuição do valor dos inventários para o VRL tem que assentar em provas fiáveis deste, nomeadamente preços ou custos relacionados com acontecimentos ocorridos após final do período, mas na medida em que confirmem as condições existentes no fim do período (NCRF 18, §30), e deve ter em consideração a finalidade para que o inventário é detido (NCRF 18 §31).
Percorre a base legal em que se sustenta - art.ºs 23.º, n.º 1, 26.º e 28.º do CIRC, 74.º, n.º 1 da LGT e, ainda, o art.º 18.º do CIRC – a par da NCRF que também convoca (NCRF 18, §18, 28, 30 e 31), e nota que o Direito Fiscal determina, relativamente ao Direito Contabilístico nesta matéria, limitações qualitativas (art.º 23.º, n.º 1) e quantitativas (art.º 28.º).
Ficou por demonstrar que o VRL utilizado para calcular o valor da imparidade cumpra com o disposto no art.º 26.º, n.º 4.
Convoca por fim o princípio da especialização dos exercícios e procede à correcção positiva ao lucro tributável do exercício de 2017 – “nos termos dos art.ºs 18.º, 23.º, 26.º e 28.º, do CIRC, no montante de 494.367,34 EUR”. (v. j) factos provados)
h) As Requerentes invocam para fundamentar vício de ilegalidade desta correcção:
(i) Não ser verdade que a Requerente não tenha junto documento de suporte dos gastos – juntou documento interno;
(ii) O VRL respeitou o preço corrente de mercado atendendo às especificidades dos produtos – tecidos;
(iii) Foi decidido no Acórdão Arbitral no Proc. 325/2019-T (o mesmo Acórdão que invoca quando invoca autoridade de caso julgado) que as correcções operadas nos exercícios de 2015 e 2016 à mesma Requerente são de anular;
(iv) A consideração da perda por imparidade no exercício de 2017 é legítima pois foi neste exercício que a reconheceu e reduziu o valor escriturado, não viola o princípio da especialização dos exercícios e é a que melhor se coaduna com o princípio da justiça.
Vejamos.
As perdas por imparidade têm por objectivo corrigir valores activos, antecipar gastos cuja ocorrência se prevê com algum grau de certeza, e surgem no Balanço a deduzir ao valor do activo.
O regime das perdas por imparidade trata, assim, de oscilações negativas extraordinárias do valor dos bens. Segundo a NCRF 12 a imparidade corresponde à perda de valor que ocorre sempre que a quantia recuperável seja inferior à escriturada. E constituindo a imparidade um gasto dedutível - cfr. art.º 23.º, n.º 2, al. h) do CIRC - o Direito Fiscal acrescenta algum rigor ao conceito contabilístico.
Rege em matéria de activos correntes, desde logo, o art.º 28.º. No que ora mais releva, assim:
Artigo 28.º- Perdas por imparidade em inventários
1. São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimadono decurso normal da actividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.
E no art.º 26.º, para que aquele remete, lê-se:
Artigo 26.º- Inventários
1. Para efeitos da determinação do lucro tributável, os rendimentos e gastos dos inventários são os que resultam da aplicação dos critérios de mensuração previstos na normalização contabilística em vigor que utilizem:
a) Custos de aquisição ou de produção;
b) Custos padrões apurados de acordo com técnicas contabilísticas adequadas;
c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;
d) Preços de venda dos produtos colhidos de activos biológicos no momento da colheita, deduzidos dos custos estimados no ponto de venda, excluindo os de transporte e outros necessários para colocar os produtos no mercado;
(...)
4. Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.
5. O método referido na alínea c) do n.º 1 só é aceite nos sectores de actividade em que o cálculo do custo de aquisição ou de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser apurado com razoável rigor, podendo a margem normal de lucro, nos casos de não ser facilmente determinável, ser substituída por uma dedução não superior a 20% do preço de venda.
6. A utilização de critérios de mensuração diferentes dos previstos no n.º 1 depende de autorização da Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual deve ser solicitada até ao termo do período de tributação, através de requerimentoem que se indiquem os critérios a adotar e as razões que os justificam.
Avançando.
Antecipe-se, desde já, que é entendimento do Tribunal que assiste razão à Requerida ao proceder à correcção.
Com efeito, de todos os elementos carreados nos autos, e tendo em mente o regime legal aplicável, vindo de aflorar, conclui-se que as Requerentes não deram, efectivamente, cumprimento ao disposto pelo legislador fiscal a este respeito.
Não se duvida que os produtos em questão sofrem uma perda de valor de venda que é real, própria do negócio em questão, tecidos/confecções – artigos de moda (cfr. supra, al. bb) factos provados).
Nem também se questiona que ao aplicar os normativos contabilísticos terá sido seguida desde logo a NCFR 18 §28. Segundo a qual se deve proceder ao ajustamento da mensuração dos inventários para o VRL quando se verifique que o seu custo não pode ser recuperado, pela venda ou uso, nas situações aí identificadas, entre elas “se os preços de venda tiverem diminuído”.
Os parágrafos 30 e 31 da mesma NCRF exigem, depois, o contribuinte disponha de provas fiáveis do VRL, para lhe ser possível diminuir o valor dos inventários, e considerar a finalidade.
No CIRC consagra-se a aceitação, neste âmbito, do VRL – muito embora com as especificidades do próprio CIRC (v., entre o mais, o Preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13.07).
Pois bem.
Conhecem-se as exigências plasmadas pelo legislador no art.º 23.º do CIRC – v. n.º 2, al. h) e n.º 3 – as perdas por imparidade serão dedutíveis para determinação do lucro tributável – sendo que (n.º 3) devem estar comprovadas documentalmente. Comprovação documental que aí se exige, com relevância para, depois, o constante dos art.ºs 26.º e 28.º - v., estes últimos, supra.
Não é a tabela junta pela Requerente com elementos sobre os produtos considerados que preenche o requisito. Com efeito, da dita – cfr. factos provados, al. ee) supra – não resulta qual tenha sido o critério de mensuração seguido para efeitos de chegar ao VRL apurado e dali constante.
Nem será, também, suficiente para o preenchimento do requisito, a junção de facturas do exercício de 2019, como as Req.tes fazem.
Mais, com efeito, a mera convicção da Administração e dos comerciais do sujeito passivo não é elemento suficiente, aos olhos do nosso legislador fiscal, para aceitar como bom – como sendo, desde logo, de controlo inequívoco – o “VRL” que se apure. Tal não será, pelo menos, suficiente sem mais.
É precisamente por isso que o legislador prevê, no n.º 6 do art.º 26.º, que os contribuintes, através de requerimento, solicitem – quando não preenchida nenhuma das al.s do n.º 1 daquele dispositivo – à AT autorização para a utilização de critérios diferentes – devendo aí expô-los e justificá-los.
Ora, resulta dos factos provados que não ficou preenchida nenhuma daquelas alíneas. Não foi seguido nenhum daqueles critérios de mensuração. E resulta também do probatório que não foi solicitada qualquer autorização à Requerida - como poderia ter sido, ao abrigo daquele n.º 6 - para efeitos de ser aceite como fiscalmente dedutível o gasto em questão (v. al.s cc) e dd), factos provados).
Fica, pois, afastada, por aqui, a procedência do que as Requerentes invocam nos pontos (i) e (ii) acima.
Quanto, por sua vez, ao apelo à Decisão Arbitral invocada a título de autoridade de caso julgado, ponto (iii), remete-se para o que se disse a propósito desta questão (v. primeiro ponto na Matéria de Direito, supra). Não procede, também, assim, o que vem aqui invocado, com base nas mesmas razões ali expostas.
Por fim, a respeito do ponto (iv), princípio da especialização dos exercícios. A este respeito diga-se - cfr. NCRF 18 §.34 - quando os inventários forem vendidos, a sua “quantia escriturada deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido. A quantia de qualquer ajustamento do inventário para o valor realizável líquido e todas as perdas de inventários devem ser reconhecidas como um gasto do período em que o ajustamento ou perda ocorra”. Contabilisticamente, pois, o gasto relativo aos inventários deve ser reconhecido no momento da venda, quando ocorrem perdas de inventários ou, ainda, aquando da redução do valor escriturado dos inventários ao VRL (perda por imparidade).
O tratamento fiscal, por sua vez, a dar às perdas por imparidades em inventários deve obedecer ao disposto desde logo no art.º 28.º (CIRC). Que, embora contendo um conceito de imparidades de inventários próximo do constante da NCRF 18 (diferença entre o custo de aquisição ou de produção e o seu VRL, se este for inferior), diverge quanto ao VRL do conceito contabilístico - cfr. supra – v. art.º 26.º, n.º 4 (in fine) para que o art.º 28.º remete – sendo mais específico e, assim, exigente.
Ora, por um lado, e como já supra, o procedimento seguido pela B... não cumpre com o disposto no referido n.º 4 do art.º 26.º do CIRC.
E da conjugação do ali estipulado (art.s 28.º e 26.º do CIRC) com o disposto no art.º 18.º do CIRC (infra) resulta também que a constituição de imparidades para efeitos fiscais reveste carácter obrigatório e, ainda, que o sujeito passivo deve demonstrar a quantificação da imparidade imputada ao exercício em questão – no caso 2017, por confronto entre VRL no início e no fim do mesmo. Cfr. também se refere no RIT.
Por outro lado, e a respeito da articulação do dito princípio da especialização dos exercícios com o princípio da justiça - a que as Requerentes também fazem apelo nesta sede, ainda que sem propriamente substanciarem a sua argumentação -, veja-se, pela assertividade e clareza de exposição, como se lê no Acórdão Arbitral no Proc. n.º 29/2019-T (CAAD):
“Tem-se como assente, em aplicação do princípio da especialização, que os rendimentos e os gastos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que tenham ocorrido.
É o que decorre do artigo 18.º do CIRC que, na parte que mais interessa considerar, dispõe: (…).
Consigna o n.º 1 o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, que consiste em incluir nos resultados fiscais os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento. O n.º 2 permite que proveitos ou custos respeitantes a exercícios anteriores sejam imputáveis a um outro exercício apenas quando à data do encerramento das contas daquele eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.
O que significa que o custo ou proveito está tendencialmente associado ao momento da emissão do documento, sendo esse um critério contabilístico que reflecte o princípio da periodização anual do imposto.
(...)
A jurisprudência tributária tem vindo a afastar uma interpretação estritamente literal do princípio da especialização de exercícios, mediante a articulação do princípio da especialização com o princípio da justiça, quando da imputação do proveito ou custo a um exercício diverso daquele a que respeitava não resultar prejuízo para a Fazenda Nacional e a correcção poder vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte. (...)”
No nosso caso, a perda era efectivamente de relevar no exercício de 2017 – porém, devidamente sustentada a sua quantificação/mensuração em elementos de prova suficientes à luz da lei fiscal (como supra). E que não foi o caso.
Também a invocação do princípio da justiça pelas Requerentes é, assim, inconsequente, não procedendo a invocada ilegalidade da Liquidação também por aqui. Acresce que a Requerida não colocou sequer em causa o momento em que perda foi registada.
Em conclusão, o valor apresentado pela B... como sendo o VRL dos produtos não se apoia em elementos que permitissem à Requerida aceitá-lo como tal à luz do disposto no art.º 26.º, n.º 1 do CIRC. E em conjugação com o aí estipulado no n.º 4, para onde o art.º 28.º, n.º 2 remete – sem que, o que não sucedeu, tenha previamente a Requerente solicitado fosse aceite a mensuração que fez, mediante requerimento cfr. n.º 6 do mesmo art.º 26.º.
O VRL não resultou provado (e v. também al.s bb) a ee), probatório supra). O que impede a aceitação da imparidade para efeitos fiscais (mesmo que relevada contabilisticamente).
A correcção operada pela Requerida, desconsiderando, para efeitos de apuramento de lucro tributável, o ajustamento dos inventários em questão – é, assim, conforme à lei.
3.2. III. c.
Correcção operada pela Requerida ao abrigo dos art.ºs 52.º e 71.º, n.º 1, do CIRC.
As Requerentes invocam a correcção ser ilegal por violação de autoridade de caso julgado
A Requerida corrigiu a dedução de Prejuízos Ficais feita na Declaração Modelo 22 do Grupo pela Requerente A... . Fundamentou a correcção na aplicação do respectivo regime legal, conforme constante dos art.ºs 52.º e 71.º, n.º 1, do CIRC.
As Requerentes não invocam uma errada aplicação do normativo.
Invocam sim que a Requerida, ao assim proceder, incorre em violação de autoridade de caso julgado. E que assim a correcção é ilegal.
Expõem que a Requerida faz tábua rasa do que foi decidido no Proc.º 325/2019-T (v. supra a respeito da questão da autoridade de caso julgado). E que se tivesse – como era seu dever, em virtude do ali decidido e da autoridade de caso julgado que entendem verificada – tomado na devida conta as consequências do decidido naquele processo arbitral, não poderia já – neste outro – fazer a correcção como fez aos PFs deduzidos pelo SP.
A Requerida, de seu lado, expõe que a Decisão ainda não transitou em julgado e que, por assim ser, apenas serão de retirar as consequências que houver a retirar para os presentes efeitos (reflexo ao nível de PFs dedutíveis em sede de exercício de 2017) uma vez a mesma transitada em julgado.
Como se compreende pelas razões de facto e de direito percorridas a propósito da invocada autoridade de caso julgado, supra, para onde se remete, não se pode considerar existir, ainda, um julgado pendente de execução, que então será devida pela Requerida.
Acresce, em qualquer caso, que dos elementos carreados nos autos (PA e RIT à A...) resulta a correcção da dedução de PFs decorrer de os mesmos provirem de momento anterior à constituição do REGTS e as sociedades em que os mesmos foram originados apresentarem, no exercício relevante - 2017, Prejuízos Fiscais. E não lucro. Ora, apresentando as mesmas PFs em 2017, sendo a origem dos PFs a deduzir a que se referiu, e sendo o regime aplicável o referido (e aplicado na correcção, por força do qual tais PFs serão dedutíveis apenas até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam), não se alcança como a correcção em 2017 pudesse ser prejudicada por aquilo que as Req.tes invocam (efeitos decorrentes de Decisão Arbitral em que terão sido considerados devidos aceitar custos fiscais que a Requerida havia desconsiderado - como vem também exposto pelas Req.tes nos autos).
Improcede, assim, a invocada ilegalidade da Liquidação também por aqui.
Avançando, e passando então às questões decidendas que, assim, não ficaram prejudicadas (e mais uma vez regendo-nos pelo disposto no art.º 124.º do CPPT):
I. Encontram-se os procedimentos inspectivos de que as Requerentes foram alvo com referência ao exercício de 2017 inquinados de vícios procedimentais:
a. Por não cumprimento de formalidades legais?
Invocam as Req.tes, nesta sede, vício de violação de lei com base em (e por pontos que iremos logo, um a um, apreciando):
Ilegalidade do procedimento - alargamento do âmbito da inspecção ao IS
Alegam as Req.tes que as inspecções “padecem de nulidade” por haver “etapas e requisitos que não foram integralmente cumpridos”.
Referem que teve lugar um alargamento do âmbito do procedimento inspectivo, a Imposto do Selo, no caso da inspecção à B..., mas sem que tal alargamento tenha sido devidamente fundamentado nos termos exigidos por lei.
Segundo alegam, o despacho que ordenou a extensão não foi fundamentado nos termos do art.º 15.º do RCPITA. “Limitando-se, em suma, a comunicar ao sujeito passivo que a mesma ia ser ampliada”.
A inspecção é, consequentemente, invocam, ilegal “por violação do princípio da legalidade, designadamente por violação de uma formalidade legal essencial e estruturante do procedimento inspectivo”. E, por essa via, também assim a Liquidação.
Cfr. al. j) factos provados, consta do RIT, como assim do PA, ter o SP sido notificado do despacho que determinou o alargamento do âmbito da inspecção a IS, pelas razões que daí a Requerida fez constar. E que – cfr. respectivo doc. no PA, e assim também transcrito no PPA, são sucintas, porém suficientes. Como se sabe, aquela que se entenda devida fundamentação do acto tributário varia em função também das circunstâncias do caso em questão, como é jurisprudencial e doutrinalmente entendimento assente. A distinção entre estar ou não cumprido o dever em cada caso passará, já o aflorámos também supra, pela virtualidade da mesma para habilitar um destinatário normal a aperceber-se do percurso valorativo-cognitivo do decisor do acto.
Ora, neste contexto, o que as Requerentes agora invocam não é procedente. Não entende o Tribunal ter havido aqui uma violação do dever de fundamentação a que a Requerida estava obrigada. O art.º 15.º, n.º 1 invocado, do RCPITA, onde se exige que a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento se dê “mediante despacho fundamentado”, não vem violado. A Requerida exteriorizou o que se entende ser o suficiente quanto à decisão de inspeccionar, também, em sede de IS naquele mesmo exercício. Aliás, conhecendo as Requerentes as operações existentes no exercício, visadas em sede de IRC, simples seria de se perceber a adequação da inspecção também em IS, o que foi, entende-se, suficientemente plasmado no despacho em questão.
As Requerentes referem uma “violação do princípio da legalidade”, porém nenhuma norma referem a respeito. Ainda assim, sempre se refira que não vem também por aqui violado o art.º 103.º, n.º 2 da CRP ou qualquer outro, seja da Lei Fundamental, seja da LGT, em que se consagre o princípio da legalidade, e não foi violada qualquer formalidade legal.
Improcede a arguida ilegalidade.
Preterição de indicação dos fins do procedimento e das razões da sua selecção
Alegam as Requerentes que não lhes foram dados a conhecer os fins da acção inspectiva, no caso da inspecção à C... Que o RIT é omisso quanto à finalidade. O que conduz à nulidade do procedimento.
E, desconhecendo os fins, fica impossibilitada a mesma de saber se “as inspecções de que foi alvo lhe haviam de ter sido previamente comunicada”. Invoca o art.º 50.º do RCPITA.
Diga-se, antes de mais, que com a revogação parcial da Liquidação fica prejudicado o conhecimento do aqui invocado. Em todo o caso, sempre se diga, não se alcançam as alegações das Req.tes: a páginas 6 do RIT em questão constam os motivos e os fins do procedimento (cfr. PA).
Por outro lado, as Req.tes alegam que não lhes foi dado a conhecer o teor da decisão da Requerida que desencadeou as inspecções de que foram alvo. Foi omitido o teor das decisões que fundamentam as inspecções, expõem. E os fundamentos das inspecções que conduziram à sua selecção como entidade inspeccionada.
Violaram-se assim princípios basilares do procedimento. O que impossibilitou o pleno exercício do seu direito de defesa.
Ora. Não foi violada qualquer das normas do RCPITA que vêm mencionadas, a saber, art.ºs 2.º, 23.º e 27.º. Não está a Requerida obrigada pelo legislador, como bem se compreende, a notificar os inspeccionados dos fundamentos que em concreto a levaram àquela escolha.
Improcede o alegado vício de preterição de formalidades do procedimento.
b. Por violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento inspectivo?
As Req.tes alegam que – B... e C...- foram alvo em relação a 2017, de inspecções tributárias “externas” das quais resultaram as correcções de IRC.
Mas que tinham sido alvo de procedimentos inspectivos “externos” desde 2009 até 2014, sendo as situações fácticas as mesmas que se verificam no ano de 2017, e nunca houve em consequência actos tributários que lhes fossem desfavoráveis.
E que foram também alvo de inspecções sobre “os mesmos factos” aos exercícios de 2015 e 2016.
Criara-se a legítima expectativa nas Req.tes de que as suas relações com a AT se encontravam estáveis, segundo alegam.
Desde 2009 até 2017 não houve alterações das circunstâncias de facto, afirmam.
O art.º 63.º da LGT, referem, consagra o princípio da irrepetibilidade do procedimento de fiscalização, em salvaguarda do princípio da segurança jurídica. Apelam ainda aos art.s 55.º da LGT em conjugação com o art.º 266.º da CRP, e ainda ao art.º 3.º, n.º 1 do CPA.
Concluem alegando ilegalidade da Liquidação em consequência da alegada ilegalidade dos procedimentos inspectivos por violação do art.º 63.º, n.º 4 da LGT, e dos Princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica.
Pois bem. Comece por dizer-se que, contrariamente ao que invocam as Req.tes, as inspecções na origem da liquidação em crise nestes autos não foram inspecções externas. Foram duas delas de natureza interna. E uma apenas, a ref. À B..., de natureza externa. Cfr. supra, factos provados, al.s i), m) e p).
Por sua vez, o que o dispositivo invocado como tendo sido violado - art.º 63.º, n.º 4 da LGT – determina, em matéria de irrepetibilidade de procedimentos inspectivos, é referente à irrepetibilidade do processo inspectivo de natureza externa. Como claramente decorre da letra da lei, nem se concebendo interpretação em contrário.
Lê-se assim na norma:
“4. O procedimento de inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.”
Não tendo havido, em relação ao exercício de 2017, mais do que um procedimento inspectivo externo, e nem mais do que um procedimento inspectivo por cada sujeito passivo, é manifestamente infundada, logo por aí, a alegação das Req.tes de que há violação do art.º 63.º, n.º 4 da LGT.
Por outro lado, não se alcança como as Requerentes vêm pretender considerar violado o mesmo dispositivo legal com fundamento em terem sido alvo de diferentes procedimentos inspectivos relativos a sucessivos (diferentes, portanto) exercícios. Sendo os exercícios objecto de cada inspecção diferentes fica, desde logo, afastado recair-se na previsão daquela norma (v. sublinhados nossos).
Nem será por, alegadamente, os factos serem os mesmos que aquela previsão se preenche. A exigência de existência de factos novos para que seja possível novo procedimento inspectivo (externo) é referente, como bem se vê, a procedimento inspectivo sobre o mesmo exercício. Desde logo. O que não é, manifestamente, o caso do que as Req.tes vêm alegar.
E assim também se revela infundada a alegada violação, na mesma base, dos Princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica. Não foram violados quaisquer dispositivos invocados pelas Req.tes, seja o art.º 266.º da CRP e o art. 55.º da LGT, seja ainda o art.º 3.º, n.º 1 do CPA.
No mais, quanto ainda à alegação de em outros exercícios inspeccionados os factos serem os mesmos, também a argumentação das Req.tes, com quaisquer outros efeitos que daí pudessem pretender retirar - e que não se alcançam claramente quais - resulta improcedente. A ter a Requerida feito inspecções às Req.tes nos anos anteriores sem que tenham resultado daí actos tributários desfavoráveis às Req.tes, como alegam, em nada a impede de fazer inspecções a outros posteriores exercícios, distintos. Como bem se compreende, sem necessidade de maiores desenvolvimentos. Não poderiam as funções que a mesma exerce ficar dependentes de procedimentos inspectivos ocorridos no passado, a não ser na estrita medida do imposto por lei. Tanto impõem desde logo os princípios por que se rege o procedimento de inspeção tributária – cfr. art.º 5.º e ss. do RCPITA, e sem prejuízo do disposto no art.º 18.º do mesmo Diploma.
Não há, também por aqui, violação dos princípios da segurança e certeza jurídica, protecção da confiança/estabilidade das relações entre contribuintes e AT, direitos e garantias, nem do princípio da legalidade, se bem entendemos, invocados, a passos, pelas Req.tes. Nem foi violado o n.º 4 do art.º 63.º da LGT “no seu alcance procedimental e também do direito à segurança jurídica”, por tudo o que fica dito.
Improcede o invocado vício de preterição de formalidades do procedimento.
Por fim, ainda:
II. É censurável e merecedora de condenação em multa por litigância de má-fé a actuação da Requerida AT nos autos?
As Req.tes invocam a Requerida AT fazer nestes autos um uso reprovável do processo. Imputam-lhe má-fé com fundamento em fazer tábua rasa do decidido no Acórdão Arbitral 325/2019-T (cfr. supra).
Verifica-se, defendem, autoridade de caso julgado (já apreciada supra) e, assim, a actuação da Requerida - ao permitir a elaboração dos RIT na origem da Liquidação - é merecedora de censura. Mais deve a Requerida ser condenada em multa não inferior a € 50.000,00 por litigância de má-fé, ao manter nestes autos a mesma posição assumida na fase procedimental. Convocam os art.ºs 104.º da LGT e 542.º do CPC.
No seu requerimento entrado a 22.09.2022 nos autos defenderam ainda dever a conduta da Requerida - ao na Resposta se opor ao aproveitamento da prova produzida no processo arbitral n.º 325/2019-T – ser também relevada para efeitos de condenação por litigância de má-fé. Vejamos.
É certo que a Requerida, na sua Resposta, se opõe ao referido aproveitamento da prova peticionado pelas Req.tes. E é certo também que mantém nestes autos - porém apenas na parte não revogada das correcções na origem da Liquidação, como vimos - a sua posição da fase procedimental.
Nos termos do art.º 542.º do CPC, a parte que tenha litigado de má-fé será condenada em multa e indemnização à parte contrária que o peticione, sendo que se considera litigante de má-fé quem - com dolo ou negligência grave - haja conduzido a sua conduta processual em alguma das formas que o legislador especificamente entendeu, e aí identificou, de censurar.
Ora, não só desde logo a conduta, supra, em questão, não se nos revelaria viciada por dolo ou negligência grave – com efeito não se provou a Decisão Arbitral invocada ter transitado em julgado - e o seu objecto, desde logo na parte da Liquidação mantida, não coincide com o dos presentes autos -, como o legislador tributário, no art.º 104.º, n.º 1 da LGT, veio tratar da matéria. Aí se dispondo que “a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.
Prevê-se, pois, nos termos deste último normativo, aplicável cfr. art.º 29.º, n.º 1 do RJAT, a possível condenação da AT - em sanção pecuniária -, sendo que tanto só poderá ocorrer quando se verifique alguma daquelas duas situações ali elencadas.[27] O que, como é manifesto e não carece de maiores desenvolvimentos, se não verifica nos presentes autos. Além de que, desde logo, nem tanto foi alegado pelas Requerentes ter ocorrido.
Pelo que, inexiste fundamento legal e necessariamente improcede também nesta parte o pedido.
Quanto à liquidação de juros compensatórios, ainda:
Invocam as Requerentes, também, a ilegalidade desta, pedindo a sua anulação.
Com fundamento em ser ilegal a Liquidação de IRC aqui em crise e à qual respeita.
Ora, tendo-se concluído pela conformidade à lei da Liquidação de imposto, como se decidirá, então não procede, também aqui, o pedido das Req.tes. Esta liquidação, assim, é de manter na Ordem Jurídica.
4. Devolução de quantias pagas e juros indemnizatórios
Vimos de concluir que nenhum dos vícios invocados pelas Req.tes procede. Assim, que a Liquidação é de manter na Ordem Jurídica.
Consequentemente, não houve pagamento indevido, e não há assim quantias a devolver.
Mais não se reúnem os requisitos do direito a juros indemnizatórios (v. art.º 43.º, n.º 1 da LGT). Como assim também da indemnização por prejuízos por prestação de garantia (cfr. Alegações escritas das Req.tes).
5. Da mais recentemente peticionada alteração do valor da causa
Vêm as Req.tes no seu requerimento de 28.02.2023 peticionar a alteração do valor da causa para o novo valor impugnado (v. supra, factos provados) na sequência da revogação parcial da Liquidação.
Ocorreu, como vimos, inutilidade superveniente, ainda que meramente parcial.
Não cabe assim alterar, no caso, o valor da acção. Cfr. art.º 299.º do CPC.
Mais sendo que aquilo que as Req.tes afinal visam através deste pedido será, parece-nos claro, a redução do valor das custas que suportarão pelo processo.
E com razão.
Com efeito, não sendo imputável às Req.tes a anulação do acto (no caso, a anulação parcial) depois de iniciada a lide, as respectivas custas, no correspondente à parte anulada da Liquidação, não correm a seu cargo – v. art.º 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC. Como também se determinará.
*
A todas as questões a que fomos chamados decidir respondemos negativamente.
As correcções operadas são conformes à lei, e a pretendida anulação da Liquidação deve, pois, improceder.
Como se decidirá.
6. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
1. - Declarar parcialmente extinta a instância, a saber, extinta na medida da anulação da Liquidação operada pela Requerida por despacho de 13.07.2022 melhor identificado supra;
2. - Indeferir totalmente o pedido de pronúncia arbitral e manter a Liquidação (a sua parte restante) na Ordem Jurídica;
3. - Absolver a Requerida de todos os pedidos;
4. - Condenar ambas as partes no pagamento das custas, na proporção do decaimento.
7. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 284.493,44.
8. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, a cargo da Requerida e das Requerentes, respectivamente, na proporção correspondente à parte da Liquidação revogada na pendência da lide (13,65%), e à parte da Liquidação que a Requerida manteve e que corresponde à medida do decaimento das Requerentes (86,35%). Ou seja, € 710,07 a cargo da Requerida e € 4.491,93 a cargo das Requerentes.
Lisboa, 26 de Junho de 2023
Os Árbitros,
Fernando Araújo (Presidente)
Sofia Ricardo Borges (Relatora)
Fernando Cardão Pito
[1] Relatório de Inspecção Tributária
[2] Serviços de Inspecção Tributária
[3] Aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT, como também assim qualquer outro Diploma Legal que se refira com aplicação nos autos.
[4]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).
[5] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT - cfr. nota anterior – como sempre assim quando remetermos para normativos de outros Diplomas aqui aplicáveis.
[6] Aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT
[7] Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.
[8] As Requerentes alegam, sem fazerem prova, em defesa do entendimento por que pugnam neste ponto, a impugnação se ter circunscrito a questões relacionadas com coligação de autores.
[9] Artigos 93.º a 128.º do PPA.
[10] (cfr. artigo 117.º do PPA)
[11] (porém não enquadráveis no art.º 161.º do CPA)
[12] Sempre, este como qualquer outro normativo que se transcreva, na versão aplicável à data dos factos.
[14] Aplicável - ainda em vigor à data dos factos.
[15] “Tributa-se, assim, tendo por base a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais individuais das várias sociedades do perímetro do Grupo. (...) O que fica dito, porém, não implica que as diversas sociedades integrantes do Grupo deixem de ser entidades distintas, sujeitos de relações jurídico-tributárias próprias. (...)”, como escrevemos em decisão arbitral no Proc. 364/2018-T (CAAD), pp 22-23.
[16] A qual é subconta da conta 411 ─ Investimentos em subsidiárias
[18] A qual é subconta da conta 414─Investimentos noutras empresas. O plano de contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) tem contas específicas para (1) empréstimos a subsidiárias, que são empresas dependentes nos termos do art.º 486.º do CSC, aquelas nas quais se detém o controlo da entidade participada, isto é, quando a entidade detentora tem o poder nomear os gestores e de controlar as estratégias e as políticas financeiras e operacionais da entidade participada, (2) empréstimos a empresas associadas, que são aquelas nas quais a entidade detentora da participação social apenas detém uma influência significativa (entre 20 a 50 por cento do capital) da entidade participada, ou seja, se a entidade detentora apenas tem o poder de participar (e não de controlar) na nomeação dos gestores, na definição da estratégia e nas decisões das políticas financeira e operacional da investida e (3) empréstimos a outras empresas que são aquelas que não são empresas subsidiárias nem associadas. Deste modo na conta 4142 contabilizam-se os empréstimos a empresas que não são subsidiárias nem são associadas.
[19] Para o cálculo do valor dos juros a AT recorreu a publicações do Banco de Portugal, de taxas mensais anualizadas médias disponíveis em https://bpstat.bportugal.pt/serie/12559868 e em https://bpstat.bportugal.pt/serie/12559869, em 11-06-2023.
[20]“No ordenamento jurídico americano não existe a obrigação legal de um capital social mínimo para a constituição da sociedade, pelo que foram realizadas pela B... entradas de capital (additional payments of capital) que foram afectas ao pagamento de custos iniciais de arranque da actividade da empresa” (cfr. Alegações finais das Req.tes, p.28).
[21] Um ciclo de exploração vai desde a data da encomenda da mercadoria ao fornecedor até à data da cobrança da factura da venda da mesma mercadoria ao Cliente.
[22] Cfr. Alegações finais das Req.tes, p. 28
[23] Podem ver-se, entre o mais, os art.ºs 1142.º e 1145.º do Código Civil.
[26] V. declaração de voto da relatora no Proc. 828/2019-T (CAAD)
[27] Sobre este regime especial de litigância de má-fé v. Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Áreas Ed., 6.ª Edição, 2011, Vol. II, p. 313