Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 61/2023-T
Data da decisão: 2023-04-30  IRS  
Valor do pedido: € 14.734,77
Tema: IRS; Categoria G: Mais-valias. Domicílio fiscal. Revogação do acto: inutilidade superveniente da lide. Responsabilidade por custas.
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SUMÁRIO: Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação que havia impugnado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

A..., solteiro, maior, residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, contribuinte fiscal número..., veio, em 31 de Janeiro de 2023, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante RJAT) e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição do tribunal arbitral.

 

O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto mediato a liquidação de IRS n.º 2021... e de juros compensatórios n.º 2021 ... e como objecto imediato a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelo aqui Requerente, que pugnou pela respetiva anulação e pelo reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, e atribuiu ao pedido o valor de € 14.734,77.

 

É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, aos 22 de Março de 2023, a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes.

 

O Tribunal foi constituído a 11 de Abril de 2023.

 

A 11 de Abril de 2023, o Tribunal proferiu despacho nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

A 14 de Abril de 2023, a Requerida veio aos autos informar que, por despacho de 11/04/2023 da Senhora Subdirectora-geral para a área da Gestão Tributária-IR, a liquidação objecto do pedido foi revogada.

 

Na mesma data o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

 

A Requerida veio, nesta data, aos autos dar nota de que a AT revogou totalmente o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral. Não estamos, porém, perante a situação prevista no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, na medida em que foi ultrapassado o momento processual lá previsto. Estando o Tribunal já está constituído, impõe-se que tome uma decisão, que nos afigura ser no sentido da inutilidade superveniente da lide.  Sem prejuízo disso, o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária não prevê a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa arbitral por parte do Requerente.  Consequentemente, embora o Tribunal já esteja em condições de decidir e de poder antecipar, bem assim, que considera que a inutilidade superveniente é imputável à Requerida, que deverá, por isso, suportar integralmente a taxa arbitral, impõe-se que se notifique o Requerente para pagar a taxa arbitral subsequente e juntar aos autos o respectivo comprovativo, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º daquele Regulamento de Custas e no prazo de dez dias a contar da notificação deste despacho.  O Tribunal proferirá decisão arbitral, paga aquela taxa, até ao dia 30 de Abril de 2023.”

 

A 24 de Abril de 2023, o Requerente veio aos autos juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

A Requerente não se pronunciou.

 

 

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

3. INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

 

A revogação parcial do ato de liquidação após a entrada do pedido de pronúncia arbitral esvazia de objecto este processo arbitral.

 

Atendendo a que a Requerida não chegou sequer a apresentar Resposta, a juntar aos autos o processo administrativo nem teve lugar qualquer produção de prova, que não a documental junta com o p.p.a., é impossível ao Tribunal produzir qualquer decisão acerca da matéria de facto, ainda que porventura subsistisse nessa decisão qualquer utilidade.

 

Destruídos os atos tributários sindicados por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil como impossível, por falta de objecto da lide.

 

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa [1], a inutilidade superveniente decorre dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, como o pagamento da quantia peticionada, a entrega do bem reivindicado ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação.

 

Não se diga sequer que o facto de a Requerida não ter ainda praticado acto substitutivo ou reembolsado o Requerente dos valores pagos, com os respectivos juros indemnizatórios, justificaria a continuação desta lide, já que essas são consequências directas do acto ora praticado pela administração, que está obrigada a repor a legalidade, sem necessidade de que seja emitida pronúncia que a isso a condene.

 

Aliás, nem podia o Tribunal condenar a Requerida a praticar os actos que são devidos face ao despacho de revogação ou pronunciar-se quanto a juros indemnizatórios, por lhe estar, a partir da data da revogação, vedado pronunciar-se sobre o mérito da causa. Ficará, portanto, a questão postergada para outros meios, caso a Requerida não reponha voluntariamente a legalidade no prazo que  lei lhe impõe.

 

A inutilidade superveniente é, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º do RJAT, causa de extinção da instância.

 

Coloca-se, portanto, a questão de saber quem, na circunstância, deve suportar as custas.

 

O princípio-regra nesta matéria é o de que suporta as custas quem dá causa à extinção da instância, tornando-a inútil ou impossível (cf. os artigos 527.º e 536º, 3 e 4, do CPC, ex vi do artigo 29º do RJAT).

 

Não se vislumbra – nem a Requerida chega a sustentar – que tivessem sido trazidos ao processo elementos ou que tivesse ocorrido outros factos supervenientes, imputáveis ao Requerente, que só agora permitissem à Requerida corrigir aquilo que ela própria assume ser a ilegalidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Pelo contrário, decorre da fundamentação do despacho, da qual se retira que os elementos juntos pelo sujeito passivo, considerados insuficientes em sede de reclamação graciosa, foram agora, afinal, considerados suficientes.

 

Dúvidas não podem restar, pois, que a AT estava na posse dos elementos que lhe permitiram tomar antes a decisão que tomou depois de notificada da entrada do pedido de pronúncia arbitral.

 

Não restam, pois, dúvidas de que deu causa à inutilidade superveniente, na parte revogada, e de que deve, em consequência, suportar as respetivas custas.

              

 

 4. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:

 

 - Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. 

 

- Fixar o valor do processo em 14.734,77€ (catorze mil setecentos e trinta e quatro euros e setenta e sete cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

- Condenar, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 4 do RCPAT. a Requerida no pagamento das custas, que é fixado em 918,00€ (novecentos e dezoito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT,

 

Notifique-se.

 

Porto e CAAD, a 30 de Abril de 2023,

 

A Árbitro,

 

Eva Dias Costa

 

 

 

 

 

 



[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2.ª Edição, p. 339.