Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 375/2022-T
Data da decisão: 2023-05-23  IVA  
Valor do pedido: € 4.512,83
Tema: Inadmissibilidade de fundamentação a posteriori. A fusão por incorporação de uma sociedade, não acarreta a cessação da respectiva actividade, apesar da extinção da sua personalidade jurídica. Erro imputável aos serviços.
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SUMÁRIO:

1. Não é admissível legalmente a fundamentação a posteriori, considerando-se como fundamentação do acto impugnado, a que foi contemporânea da sua prática e como tal notificada ao contribuinte.

2. Para efeitos de regularização de IVA, não se considera que tenha cessado a actividade, a pessoa colectiva que foi extinta devido à sua fusão por incorporação, pois a respectiva actividade foi prosseguida pela entidade incorporante.

3. Existe erro imputável aos serviços, quando a liquidação adicional e a decisão proferida sobre reclamação graciosa é contrária a informações vinculativas anteriores, proferidas no domínio da mesma legislação

 

Decisão Arbitral

         O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 31 de Agosto de 2022, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

 

1. Relatório:

A... S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa colectiva com sede na Rua ..., n.º... , ...-... Alcochete, NIPC ..., apresentou PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL visando a anulação do indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada contra a liquidação adicional n.º 2021..., datada de 24.02.2021, referente a incorreções verificadas no preenchimento do Anexo “Regularizações do Campo 40” da declaração periódica de IVA n.º ... relativa ao período 202011, pelo valor de €4.087,66 e ainda contra a emissão da correspondente liquidação de juros de mora pelo valor de € 45,84, ambas com prazo limite de pagamento para 09.06.2021.

 

1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 22/06/2022 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Banco Requerente optado pela não designação de árbitro

Por despacho de 10/08/2022, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou para árbitro o ora subscritor, tendo comunicado essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 31/08/2022, foi comunicada a constituição do Tribunal Arbitral;

A 7/10/2022, a requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar, em 31/10/22, aos autos o processo administrativo (PA), tendo nessas mesmas datas, o CAAD notificado o requerente da Resposta da AT e da junção do PA.

Por despacho de 14/11/2022, foi notificada a requerente para em 10 dias informar os pontos concretos de facto que estejam controvertidos por referência aos artigos do requerimento inicial e da resposta sobre as quais pretende a realização da inquirição da testemunha requerida, o que ele fez por requerimento de 30/11/22.

Por despacho arbitral de 12/12/22, foi designada data apara a inquirição da testemunha arrolada pela requerente, inquirição de que esta veio a prescindir por requerimento de 10/01/2023, tendo nessa data sido proferido despacho a dispensar a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT e notificadas as partes para alegações no prazo de 20 dias sucessivos, o que ambas as partes fizeram, tendo apresentado as suas alegações.

Em 31/01/2023 foi comprovado nos autos o pagamento da taxa de justiça subsequente.

 Por despachos de 22/02/22 e de 25/4/2023 foi prorrogado o prazo para proferir a decisão por mais 2 meses.

 

 

1.2 – Posição da Requerente

            A requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação adicional de IVA, motivada pelo facto da AT ter corrigido o valor declarado pela Requerente no campo 40 da declaração periódica do período de 202011, em virtude de, alegadamente, ter sido deduzido IVA referente a notas de crédito emitidas a sujeito passivo que cessara a sua actividade.

            No exercício o da sua atividade de comercialização, aluguer, manutenção e reparação de equipamentos empilhadores, a Requerente facturou à sociedade B..., S.A., com o número de identificação fiscal..., do Grupo C..., entre 2018 e 2019, 17 facturas que identifica e foram introduzidas na plataforma digital da cliente B... para que fossem validadas e aceites.

            Sucede que, entretanto, a sociedade  B... com o NIF ..., foi incorporada em 20/04/2020, pela sociedade incorporante D... S.A., com sede no Lugar..., ..., ...-... Maia, e NIF..., na modalidade de fusão por incorporação, com a transferência global do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, nos termos do art°. 97º., nº. 1 e alínea a) do nº. 4 do Código das Sociedades Comerciais.

            Por isso, as facturas emitidas foram devolvidas e posteriormente anuladas e emitidas as correspondentes notas de crédito para essa anulação, tendo sido emitidas novas facturas à nova entidade, embora duas delas também o fossem por falta de menção do pedido de compra, sendo que o IVA foi liquidado, oportunamente declarado e tempestivamente entregue ao Estado.

Por sua vez, emitidas as notas de crédito em novembro de 2020, o IVA subjacente foi deduzido campo 40, destinado às regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, da declaração periódica correspondente de 202011.

Alega a AT que as notas de crédito, por terem sido emitidas em novembro de 2020, o foram após a cliente B... ter cessado a atividade. Porém, na fusão por incorporação, a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada não resulta na extinção dos seus direitos e obrigações, mas sim que os mesmos se transmitem para a sociedade incorporante, como se alcança do artigo 113.º alínea a), do CSC. E esta transmissão ocorre para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede à sociedade incorporada de acordo com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que esta era titular permanecem inalteradas para se reunirem na nova entidade, conforme a teoria de acto modificativo, tudo se traduzindo na continuidade da atividade da sociedade incorporada, agora na sociedade incorporante, continuidade que é, inclusivamente, reconhecida pelo artigo 3.º, n.º 4, do Código do IVA, que exclui do conceito de transmissão e consequentemente da sujeição a esse imposto, as  cessões da totalidade de um património.

As operações de fusão de sociedades estão abrangidas por este regime de excepcional, sendo certo que esta continuidade do exercício da atividade da sociedade incorporada pela sociedade incorporante é aceite pela própria AT, em diversas informações vinculativas emitidas que indica. Do que resulta que a AT não só reconhece o princípio da continuidade da atividade exercida pela sociedade incorporada/fundida na sociedade incorporante, como admite que tal tenha como reflexo a dedutibilidade na esfera da sociedade incorporante do IVA incluído em faturas emitidas à sociedade incorporada, tenham elas sido emitidas antes ou após a fusão, pelo que também o deve ser relativamente às notas de crédito que visem anular exactamente aquelas faturas e consequentemente permitir a dedutibilidade do IVA entregue ao Estado pelo fornecedor aquando da sua emissão.

 Não é a circunstância de ter ocorrido uma fusão do lado do cliente que deve impactar os seus fornecedores, sob pena de ficar vedada a correção de facturas emitidas à sociedade incorporada, pois a circunstância das notas de crédito terem sido emitidas após a fusão da sociedade B... na sociedade D... não pode obstar a que o IVA subjacente seja regularizado a favor da Requerente com fundamento no facto da atividade da sociedade B... ter cessado, enquanto tal, pois que, tanto do ponto de vista societário como fiscal, a atividade da sociedade B... continuou na esfera da sociedade D... .

Para se efetuar uma regularização a favor do sujeito passivo torna-se necessário que: (i) a mesma ocorra no final do período seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que deram lugar à anulação da operação; e que (ii) o sujeito passivo tenha, na sua posse, prova de que o cliente tomou conhecimento da referida regularização, como dispõe o artº. 78.º do Código do IVA, nos seus números 2, 4 e 5.

Ora, a Requerente procedeu à regularização no período de 202011 por ter recebido a comunicação da sua cliente (ou da sociedade que lhe sucedeu) a solicitar a anulação das referidas faturas, pois só nesse período o próprio cliente veio comunicar à Requerente a necessidade de anulação / correção das operações. A Requerente pôde proceder às referidas regularizações por estar na posse de prova de que o seu cliente tinha conhecimento da regularização, ou pelo menos de que a mesma poderia vir a ocorrer, portanto, que não poderia deduzir (ou teria de restituir) o IVA incluído nas faturas objeto de anulação / correção e foi por o fazer tempestivamente e ter prova do conhecimento do seu cliente, que a Requerente emitiu as notas crédito a anular as faturas em causa e à dedução do IVA correspondente, através da declaração periódica de novembro de 2020.

Não podia a AT vir, em sede de decisão de reclamação graciosa, alterar os fundamentos de um acto de liquidação adicional de imposto, apontando que a regularização não fora feita dentro dos condicionalismos estabelecidos pelo artº. 78.º do Código do IVA, porque a fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida.

            Aponta ao acto impugnado ainda os vícios da falta de fundamentação e da preterição de formalidade essencial, por não concessão à ora requerente do direito de audiência prévia relativamente às incorreções alegadamente verificadas no preenchimento do Anexo “Regularizações do Campo 40” da declaração periódica de IVA n.º ... relativa ao período 202011, impondo a nova submissão da declaração periódica e do Anexo 40, sob pena da AT proceder ela própria à rectificação da declaração e respetivo anexo.

            Pede a anulação da liquidação adicional do IVA e juros compensatórios liquidados, bem como a restituição do imposto já pago, face à execução fiscal que, entretanto, lhe foi movida, restituição essa acrescida de juros à taxa legal

 

1.3 – Posição da Requerida

            A requerida, depois de sumariar os factos já referidos e que constam da petição do requerente, começa por chamar a atenção para a data em que a empresa B... SA, comunicou a rejeição das faturas e pediu a sua correção, uma vez que só assim é possível verificar se foi dado cumprimento ao prazo fixado no nº. 2 do artº. 78º. do CIVA, o que acaba por concluir que parece ter sido cumprido, uma vez que em 17/11/2020, a reclamante emitiu duas notas de débito para a B... SA, quando esta já tinha cessado em 2020/04/30.

Além disso, alega que quando as faturas foram emitidas, a cliente B... SA, ainda não tinha cessado a atividade e, esta, embora não tendo recepcionado as faturas, como a requerente alega, não as anulou, como poderia ter feito, pelo que as facturas em causa encontravam-se corretamente emitidas, pelo que a B... SA, face ao disposto nos artigos 19° e 20° do CIVA, podia deduzir o IVA nelas liquidado, pelo que, para a requerente poder regularizar o IVA a seu favor, tinha de ter na sua posse documentação que provasse que a B... SA, não procedeu à dedução do IVA das faturas em causa, ou que, tendo procedido à sua dedução, procedeu posteriormente à regularização do montante deduzido a favor do Estado, o que não aconteceu, dado que as notas de crédito foram emitidas já depois da B... SA, ter cessado a atividade.

Para a requerida, cabe à requerente o ónus da prova de que foi respeitado o prazo no nº 2 do art 78° foi respeitado e que foram cumpridos os requisitos exigidos pelo nº 5 do art 78° do CIVA, para poder regularizar o IVA a seu favor, com base nas notas de crédito emitidas à B... SA.

É que a conjugação dos requisitos referidos assume um caráter de complementaridade entre si, salvaguardando o respeito pelo princípio da neutralidade em que assenta o funcionamento do IVA.

Alega que a AT detectou incoerências, notificando a Requerente de tal facto através do via CTT, ao nível da situação cadastral, em sede de IVA, relativamente a um operador económico do referido Anexo "Regularizações do Campo 40" da Declaração Periódica, resultante do erro L04 - Sujeito Passivo cessado ou sem enquadramento válido. não tendo, na sequência da referida notificação, a Requerente procedido à retificação da declaração periódica e respetivo Anexo, pelo que a AT efetuou a correção automática da declaração periódica em causa, resultando a emissão da liquidação adicional de IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 87.º do CIVA, corresponde ao IVA que se considera indevidamente regularizado a favor da Requerente, uma vez que, estando em causa operações entre a Requerente e o operador cessado em IVA, com impacto ao nível das regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, tal como se encontram refletidas no campo 40 da declaração periódica, não se encontravam assegurados os pressupostos de funcionamento do mecanismo previsto no artigo 78.º do CIVA.

No entender da requerida, a norma prevista no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA tem por objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este proceda à correção do correspondente valor a favor do Estado.

É que a rectificação tem que ser operada pelas duas partes intervenientes (fornecedor e adquirente) dentro dos prazos estabelecidos nas respetivas normas (n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 78.º do CIVA), sob pena de não poder ser efetuada.

Além disso, deve ainda ter-se em consideração o tratamento que no Código do IVA é dado aos contribuintes cessados, nomeadamente, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e n.º 11 do artigo 22.º, ambos do CIVA e um contribuinte que se encontra cessado perde, após a data de cessação, a natureza de sujeito passivo, logo não poderá exercer o direito à dedução, sendo que, no caso em apreço, verifica-se que a atividade, em termos de IVA, do sujeito passivo adquirente dos bens ou serviços se encontrava cessada à data da emissão das faturas, bem como à data da regularização do imposto, não tendo este procedido à entrega da declaração periódica de IVA para o período, ou períodos seguintes, àquele em que a Requerente efectuou a regularização de IVA a seu favor.

Assim sendo, o CIVA estabelece um regime de regularizações, a favor do Estado e dos sujeitos passivos, que consta do artigo 78.º e que estabelece, de forma imperativa, um conjunto de regras a que os sujeitos passivos estão obrigados, sendo que o procedimento de regularização de facturas visa permitir ao sujeito passivo recuperar o imposto que indevidamente entregou ao Estado, mas, também, quando o adquirente é sujeito passivo de imposto, acautelar a regularização do IVA deduzido pelo adquirente com base na factura que titula a operação tributável, o que depende da atempada comunicação da regularização, pelo que defende a AT que, para além de estarmos perante regularizações de IVA efectuadas a favor da Requerente no campo 40 da Declaração Periódica, que correspondem a operações realizadas com cliente cessado em sede de IVA, os requisitos impostos nos números, acima citados, do artigo 78.º não se encontram preenchidos.

Pronunciando-se sobre a falta de fundamentação invocada pela requerente entende que essa fundamentação existe na decisão definitiva da reclamação graciosa existe e tem os requisitos legais exigidos, ou seja, oficiosidade, contemporaneidade, clareza e plenitude, pelo que se encontra cumprido o dever legal de fundamentação, que, pelo seu requerimento inicial, a requerente revela ter compreendido essa fundamentação.

Relativamente à invocada violação do exercício do direito de audição prévia, referida pela o requerente, entende a AT que o n.º 1 do artigo 60.º da LGT concretiza os moldes de participação dos contribuintes na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito e os nºs 2 e 3, referem os casos em que é dispensada a audição, enumeração essa que é completa, não exemplificativa, como decorre dos termos em que as referidas normas se mostram formuladas.

Resulta da leitura do processo administrativo, que a AT detetou incoerências, notificando a Requerente de tal facto através da via CTT, ao nível da situação cadastral, em sede de IVA, relativamente a um operador económico do referido Anexo "Regularizações do Campo 40" da Declaração Periódica, resultante do erro L04 - Sujeito Passivo cessado ou sem enquadramento, pelo que esta notificação pode ser considerada como uma forma de intervenção substitutiva da notificação para o exercício do direito de audiência prévia à liquidação, cumprindo, a mesma função e nenhuma formalidade essencial foi pois preterida pela AT.

Por fim, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido ao Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art. 43.º da LGT.

Termina pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a sua absolvição do pedido.

 

 

2. Despacho saneador:

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), não tendo sido arguidas nulidades ou questões prévias que devam ser conhecidas, bem como não existem outras questões de conhecimento oficioso que impeçam uma decisão de mérito.

 

 

3. Fundamentação de facto.

Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

3.1 - Factos provados:

a) A Requerente exerce a atividade de venda, reparação, aluguer e manutenção de equipamentos de manutenção, estando registada com o CAE (Código de Atividade Económica) Principal 46900 - Comércio por grosso não especializado e os CAE Secundários 46690 - Comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos e 33120 - Reparação e manutenção de máquinas e equipamentos (provado por acordo das partes);

b) Em 21.01.2021, a Requerente foi notificada pela requerida AT da existência de incorreções verificadas no preenchimento do Anexo "Regularizações do Campo 40" da declaração periódica de IVA n.º ... relativa ao período 202011 (provado pelo doc. 1 junto com a petição inicial);

c) É o seguinte o texto da notificação nº. ..., datada de 21/1/2021:

“Fica notificado de que foram verificadas incorreções no preenchimento do Anexo "Regularizações do Campo 40", as quais se encontram descriminadas na relação anexa a esta notificação.

O valor do imposto indevidamente regularizado no campo 40, a favor do sujeito passivo, correspondente às incorreções agora verificadas, poderá resultar na correção do excesso a reportar apurado - com repercussão para os períodos de imposto seguintes - bem como do imposto a entregar no período, pelo montante de € 4.087,63, conforme quadro demonstrativo constante da relação já referida.

Em caso de pedido de reembolso, mantendo-se o incumprimento previsto na al. e) do art.º 3.º do DN n.º 18-A/2010, de 1 de julho e findo o prazo para retificação, a Autoridade Tributária e Aduaneira procederá à sua correção, nos termos do n.º 11 do art.º 22 do Código do IVA.

Fica ainda notificado de que a correção dos erros assinalados deve ser efetuada pela submissão da declaração periódica e do Anexo 40, para o período em referência, no prazo de 15 dias contados a partir do 5.º dia posterior ao registo da disponibilização desta notificação na caixa postal electrónica (n.º 9 do art.º 38.º e n.º 10 do art.º 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Findo este prazo, a Autoridade Tributária e Aduaneira procederá, nos termos do art.º 7.º do DL n.º 229/95, de 11 de setembro, à retificação da declaração periódica e respetivo Anexo "Regularizações do Campo 40" e, se for o caso, à emissão de liquidação adicional (n.º 1 do art.º 87.º do Código do IVA), sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.

Da liquidação efetuada poderá deduzir, no prazo de 120 dias, reclamação graciosa a apresentar no competente Serviço de Finanças ou, no prazo de três meses, impugnação judicial, a apresentar nos competentes Tribunal Tributário ou Serviço de Finanças, nos termos dos artigos 70.º e 102.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

d) Os erros referidos constam do anexo, junto sob a designação de quadro 1-A, do seguinte teor, seguida da legenda que se anexa:

 

 

Quadro 1-A

 

LINHA

NIF

ERRO

40

...

L04

L01-Contribuinte inexistente em cadastro.

L03 - Número de Pedido de Autorização Prévia desconhecido / inexistente.

L04-SP cessado.

L05 - O Pedido de Autorização Prévia não se encontra em situação de poder ser utilizado neste quadro.

L06 - Valor do IVA indicado diferente do valor do IVA deferido no Pedido de Autorização Prévia.

L07 - Pedido de Autorização Prévia já regularizado em Declaração Periódica outro período.

L15 - O Pedido de Autorização Prévia não se encontra em condições de ser regularizado - Crédito expirado - art.° 78.°-B, n.º 8 do CIVA. 

e) Não tendo a Requerente procedido à correção da sua declaração, a AT emitiu a liquidação adicional n.º 2021 ... referente ao período de 202011, datada de 24.02.2021, pelo valor de € 4.087,66 e ainda à emissão da liquidação de juros de mora pelo valor de € 45,84, ambas com prazo limite de pagamento para 09.06.2021. - (provado pelo doc. 2 junto com a petição inicial)

f) A liquidação adicional de IVA foi motivada pelo facto da AT ter corrigido o valor declarado pela Requerente no campo 40 da declaração periódica do período de 202011, em virtude de, alegadamente, ter sido deduzido IVA referente a notas de crédito emitidas a sujeito passivo cessado (provado pelo documento 1 junto com a petição inicial);

g) As facturas iniciais foram emitidas para ser pagas pelo cliente B..., que devido à sua dimensão tem uma plataforma para receber essas facturas dos fornecedores, tendo a Requerente procedido à emissão das referidas facturas, que foram introduzidas na referida plataforma digital da cliente B... para que fossem validadas e aceites  (provado por acordo das partes);

 

h) É que, no exercício da sua atividade de comercialização, aluguer, manutenção e reparação de equipamentos empilhadores, a Requerente mantém como suas clientes diversas empresas integrantes do Grupo C..., entre as quais a sociedade B..., S.A, com o número de identificação fiscal ... (provado por acordo das partes);

i) As facturas emitidas pela requerente a essa sociedade B... foram emitidas entre Outubro de 2018 e Dezembro de 2019 e são as seguintes: (provado por acordo das partes):

 

j) Uma vez emitidas as faturas, o IVA foi liquidado e oportunamente declarado nas declarações periódicas respectivas e tempestivamente entregue ao Estado, tendo os elementos das facturas sido, igualmente, oportunamente comunicados à AT (provado por acordo das partes e pelo doc. 5 junto com a petição inicial);

k) Entretanto, a sociedade B..., com o NIF ..., foi incorporada pela sociedade incorporante D... S.A., com sede no..., ..., ...-... Maia, e NIF: ... (provado pelo doc. 7 junto com a petição inicial);

l) A fusão da B... (sociedade incorporada) na D... (sociedade incorporante) ocorreu em 20.04.2020, na modalidade de fusão por incorporação, pela transferência global do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, extinguindo-se a sociedade incorporada (provado pelo doc. 7 junto com a petição inicial);

 m) A cliente B... procedeu à devolução à Requerente das facturas enviadas alegando que as mesmas não continham menção do pedido de compra ou pedindo que as mesmas fossem emitidas a nova entidade, conforme tabela que se refere a seguir:

 

 

 

n) Devolvidas as faturas, a Requerente procedeu à emissão das correspondentes notas de crédito em Novembro de 2020, para a sua anulação e, subsequentemente, à emissão de novas faturas conforme o solicitado pela sociedade que incorporou a B..., sendo nessas novas faturas liquidado o IVA respectivo, oportunamente declarado e tempestivamente entregue ao Estado (provado por acordo das partes);

o) Emitidas as notas de crédito em novembro de 2020, o IVA subjacente foi deduzido no campo 40, destinado às regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, da declaração periódica correspondente de 202011 (provado por acordo das partes);

p) Antes da emissão das liquidações adicionais referidas na al. e), não foi a ora requerente notificada para o exercício do direito de audição prévia (provado por acordo das partes);

q) Não tendo sido pagas essas liquidações, foi instaurado processo de execução fiscal com o nº. ...2021..., tendo a Requerente sido citada nesse processo de execução em 06.09.2021 (provado pelo doc. 3 junto com a petição inicial);

r) A requerente veio a proceder ao pagamento da quantia exequenda de imposto e juros e ainda ao pagamento das custas do processo executivo em 09.05.2022, no valor de € 4512,83 (provado pelo doc. 4 junto com a petição inicial);

s) A Requerente apresentou Reclamação Graciosa relativamente à liquidação referida em e) no dia 08.09.2021 (provado pelo processo administrativo);

t) Em 21.02.2022, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa e para exercer, querendo, o direito de audição prévia, que não exerceu, pelo que a proposta de decisão projetada converteu-se em decisão definitiva, por ofício de 16.03.2022, notificado para o domicilio fiscal eletrónico da Requerente (provado pelo processo administrativo);

u) No projecto de decisão da reclamação graciosa, foi comunicada à reclamante a intenção de indeferimento, do modo seguinte:

 

Em primeiro lugar importava saber em que data a empresa B... SA, comunicou a rejeição das faturas e pediu a sua correção, uma vez que só assim é possível verificar se foi dado cumprimento ao prazo plasmado na norma antes citada (artº. 78º., nº. 2 do CIVA) (final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável), o que qual nos parece ter sido cumprido, uma vez que em 17/11/2020, a reclamante emitiu duas notas de débito para a B... SA, quando esta já tinha cessado em 2020/04/30.

Em segundo lugar, mas não menos relevante, importa salientar que as regularizações do IVA a favor da empresa só podem ser efetuadas se respeitado o disposto n° 5 do art 78°, ou seja, quando o fornecedor tenha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação (ou de que foi reembolsado do imposto), sob pena daquelas regularizações serem consideradas indevidas;

O disposto no n° 5 do art 78° visa evitar que o sujeito passivo regularize a seu favor, imposto que o seu cliente deduziu.

Ora quando as faturas foram emitidas a cliente B... SA, ainda não tinha cessado a atividade e, esta, embora não tendo rececionado as faturas, como a reclamante alega, não as anulou, como poderia ter feito.

As faturas em causa encontram-se corretamente emitidas, pelo que a B... SA, face ao disposto noa artigos 19° e 20° do CIVA, podia deduzir o IVA nelas liquidado.

Para a reclamante poder regularizar o IVA a seu favor tinha de ter na sua posse documentação que provasse que a B... SA, não procedeu à dedução do IVA das faturas em causa, ou que, tendo procedido à sua dedução, procedeu posteriormente à regularização do montante deduzido a favor do Estado, o que não nos parece ter acontecido dado que as notas de crédito foram emitidas já depois da B... SA, ter cessado a atividade.

O facto de em novembro de 2020 ter faturado, através das notas de débito (identificadas no quadro III do anexo 1 à presente informação), mercadoria com o mesmo valor e as mesmas referências da faturada nas faturas anuladas através das notas de crédito, não constitui prova probatória de que o IVA liquidado nas faturas emitidas em 2018 e 2019, não foi objeto de dedução por parte da empresa adquirente.

Dispondo o art 74° da LGT que: O ónus da prova de factos constitutivos de direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque", compete à reclamante provar que o prazo plasmado no n° 2 do art 78° foi respeitado; que os requisitos exigidos pelo nº 5 do art 78° do CIVA, para poder regularizar o IVA a seu favor, com base nas notas de crédito emitidas à B... SA, se mostram cumpridos. Face aos factos expostos, e falta de provas que comprovem o exigido pelo disposto no n° 2 e 5 do artº. 78° do CIVA, propõe-se o indeferimento do pedido.

Proposto o indeferimento, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios previstos no artº. 43° da LGT.

Superiormente, porém, melhor se decidirá.”


v) O presente pedido de constituição de tribunal arbitral deu entrada em 22/6/2022.

 

3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.

          Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

         Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e das respostas que lhe sucederam.

 

 

4. Matéria de Direito:

 

4.1 – Questões a decidir:

 

1. Considerando os factos provados e a matéria de direito constante do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente são três as questões a decidir:

- por um lado, o vício de violação de lei de forma assacado à decisão de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial, qual seja, a da falta de audição da ora requerente antes dessa liquidação;

- por outro lado, o vício de violação de lei de forma assacado à decisão de liquidação, por falta de fundamentação;

- por fim, a ilegalidade da liquidação adicional por violação do facto de a fusão por incorporação não determinar a cessação da actividade da sociedade incorporada.

 

2. O art. 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Dado que os vícios de ilegalidade da liquidação invocados pela Requerente, a procederem, conduzem, prima facie, à anulação dos actos impugnados, cumpre atender ao disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, pelo que, caso seja estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do acto impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), deve respeitar-se essa ordem – como se escreveu no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.

No caso presente, nas suas alegações o requerente começa por atacar o acto impugnado com fundamento na errónea qualificação do facto tributário, por entender que tinha direito à regularização do IVA por si pago com as facturas posteriormente anuladas, só depois invocando vício de falta de fundamentação e de falta de audição antes da liquidação adicional, nunca estabelecendo entre eles uma qualquer relação de subsidiariedade.

Por isso, deveríamos começar pela análise da pretensão de anulação da liquidação adicional com fundamento em errónea quantificação e consequente violação da lei.

 

3. Porém, há uma questão prévia a essa apreciação, qual seja, a de saber qual a fundamentação do acto impugnado.

Com efeito, na comunicação da liquidação adicional, constante da notificação nº. 104212582, datada de 21/1/2021 (facto c) dos factos provados), ainda que de forma esquemática, a AT informa o requerente que a liquidação adicional tem por base os erros referidos constam do anexo, junto sob a designação de quadro 1-A, onde expressamente se refere que a regularização da linha 40 não é aceite por conter o erro identificado como L04, que na legenda imediatamente subsequente é definido como “L04-SP cessado”. (facto d) dos factos provados)

Só na resposta à reclamação graciosa apresentada pela ora requerente, invoca a AT no projecto de decisão da reclamação graciosa, que “em primeiro lugar importava saber em que data a empresa B... SA, comunicou a rejeição das faturas e pediu a sua correção, uma vez que só assim é possível verificar se foi dado cumprimento ao prazo plasmado na norma antes citada – artº. 78º., nº. 2 do CIVA - (final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável), o que qual nos parece ter sido cumprido, uma vez que em 17/11/2020, a reclamante emitiu duas notas de débito para a B... SA, quando esta já tinha cessado em 2020/04/30” e que “em segundo lugar, mas não menos relevante, importa salientar que as regularizações do IVA a favor da empresa só podem ser efetuadas se respeitado o disposto n° 5 do art 78°, ou seja, quando o fornecedor tenha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação (ou de que foi reembolsado do imposto), sob pena daquelas regularizações serem consideradas indevidas”, como se alcança do ponto u) dos factos provados

 

4. Como bem refere a Requerente, nos artigos 45º. e segs. e 60º. e segs. da sua petição, só “em sede de projeto de decisão da reclamação graciosa vem (a AT) colmatar as falhas da fundamentação da liquidação adicional ora em crise, alegando uma qualquer inconsistência no procedimento de regularização. Não só porque não pode, como tal não ocorreu

Por isso vamos começar por analisar a questão da fundamentação do acto impugnado, sob dois prismas:

a) qual a fundamentação a ter em conta na presente decisão;

b) saber se o acto está viciado por falta de fundamentação.          

 

 

 4.2 - Da invocação de novos fundamentos para a prática do acto impugnado

          1. Sucede que na sua decisão da reclamação graciosa, agora com uma ligeira referência ao facto de a entidade adquirente dos serviços da requerente ter sido extinta, vem a ora requerida invocar dois novos fundamentos para a liquidação adicional, quais sejam, o não cumprimento do prazo do artº. 78º., nº. 2 do CIVA na apresentação da regularização e o não cumprimento dos requisitos exigidos pelo n° 5 do mesmo art 78°. Nenhum destes fundamentos constava da comunicação de liquidação adicional notificada à ora requerente.

         Conforme se referiu a requerente entende que a AT não pode invocar novos fundamentos em sede de reclamação graciosa, sendo, porém, certo que esse vício é de conhecimento oficioso.

         Ora, é manifesta a razão da requerente, que corresponde a jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores em matéria administrativa e fiscal.

         Mais recentemente foi a mesma jurisprudência reafirmada pelo Ac. do STA de 28/10/2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT e publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta, onde se decidiu:

I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.

 

         Entendemos que o mesmo se passa em sede de reclamação graciosa, pois esta já se insere no processo de impugnação da liquidação adicional, o qual foi iniciado com essa reclamação graciosa, que, nos termos do artº. 68º., nº. 1 do CPPT, “visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte”.

         A reclamação graciosa, embora seja decidida pela AT é exterior ao acto cuja anulação se pretende e corresponde a uma tentativa em 1º. grau de anulação do acto tributário.

         Com efeito, como se releva no acórdão citado, não pode a AT invocar razões que não levou ao relatório ou à decisão que constitui a declaração formal fundamentadora das correcções e das subsequentes liquidações.

         Estamos, por isso, perante uma fundamentação a posteriori, claramente inadmissível, tendo em conta que o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele foi proferido e foi notificado ao contribuinte.

         Não pode o tribunal, apreciando a legalidade desse acto em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não pode substituir-se à Administração e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica.

         Neste sentido o Acórdão do STA, de 22/03/2018, proferido no processo n.º 0208/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta, do qual consta:

“Ou seja, o acervo dos fundamentos e argumentos agora esgrimidos em sede de recurso não constam expressamente do relatório da inspecção, indo mais além do que ali ficou dito.

Sabendo nós que a fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados", podemos concluir sem margem para dúvida que, ainda que fosse reconhecida razão à recorrente com base nos fundamentos agora esgrimidos tal não poderia ser determinante para a manutenção do acto anulado pelo tribunal a quo e, logicamente, também não poderia conduzir à revogação da sentença recorrida.

 

         Consequentemente, não pode este tribunal apreciar os novos fundamentos, que não constando do acto impugnado – nova liquidação fundamentada não cumprimento do prazo e requisitos dos nºs. 2 e 5 do artº. 78º. CIVA – apenas foi trazido ao processo em sede de decisão da reclamação graciosa, pelo que não cabe no âmbito da impugnação ora deduzida pela requerente[1].

        

         2. Deste modo, é manifesta a ilegalidade da invocação pela AT de dois novos fundamentos para a liquidação adicional de IVA por exclusão da regularização de IVA efectuada pela requerente, por se tratar de fundamentos que não constavam do acto ora impugnado, nem da sua fundamentação que o acompanhou.

 

         3. Face ao exposto, apenas pode ser entendida como fundamentação do acto impugnado a invocada na comunicação considerada provada nos factos c) e d) dos factos provados, ou seja, que a regularização de IVA pretendida pela ora requerente não foi aceite, porque o sujeito passivo tinha cessado a sua actividade (L04), conforme consta da notificação que lhe foi feita para apresentar de nova declaração, o que a ora requerente não fez e que motivou a liquidação adicional ora impugnada.

 

            4. Ora, este fundamento está de forma clara e compreensível explanado na notificação referida comunicação considerada provada nos factos c) e d) dos factos provados, ou seja, que a regularização de IVA pretendida pela ora requerente não foi aceite porque o sujeito passivo cessara a sua actividade.

            E também temos por seguro que a ora requerente compreendeu que esse era o fundamento da exigência de nova declaração de liquidação do IVA relativa ao período 202011, que a ora requerente não satisfez, mas que contestou longamente ao longo da sua reclamação graciosa e na petição inicial do presente PPA.

            Embora da mesma não constasse a indicação de normas de direito, as referências de facto permitiam-lhe alcançar o fundamento de direito respectivo.

            Entendemos, por isso, que o acto está devidamente fundamentado, improcedendo o vício da falta de fundamentação, mas só será apreciada a sua legalidade com base exclusivamente nessa fundamentação.

 

 

4.3 – Do fundamento da liquidação adicional por ter cessado a actividade do contraente do sujeito passivo:

           

1. Conforme resulta dos factos provados a sociedade requerente, no exercício da sua atividade comercial prestou serviços à sociedade B..., S.A, com o número de identificação fiscal ... .  (facto h), serviços esses constantes das facturas emitidas pela requerente a essa sociedade B... entre Outubro de 2018 e Dezembro de 2019 e discriminadas no facto provado i), tendo na sequência da emissão das referidas facturas, procedido à liquidação e declaração do IVA inserido nessas facturas através das declarações periódicas respectivas e tempestivamente entregue ao Estado o imposto devido, sendo que os elementos das facturas foram também oportunamente comunicados à AT. (facto j).

         Como, entretanto, a sociedade B..., com o NIF ..., foi incorporada pela sociedade incorporante D... S.A., com sede no..., ..., ...-... Maia, e NIF ..., (facto k) incorporação essa que ocorreu em 20.04.2020, na modalidade de fusão por incorporação, pela transferência global do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, extinguiu-se a sociedade incorporada (facto l).

         Por isso, a sociedade cliente B... procedeu à devolução à Requerente das facturas enviadas alegando que as mesmas não continham menção do pedido de compra ou pedindo que as mesmas fossem emitidas a nova entidade, conforme tabela que consta do facto provado m), pelo que, devolvidas as faturas, a Requerente procedeu à emissão das correspondentes notas de crédito em Novembro de 2020, para a sua anulação e, subsequentemente, à emissão de novas faturas conforme o solicitado pela sociedade que incorporou a B..., sendo nessas novas faturas liquidado o IVA respectivo, tempestivamente declarado e entregue ao Estado (facto n).

Após a emissão das notas de crédito em novembro de 2020, o IVA subjacente foi deduzido no campo 40, destinado às regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, da declaração periódica correspondente de 202011 (facto o).

         Entende a AT que essa regularização já não é possível, porque a entidade que estava obrigada a pagar as facturas, cujo IVA foi entregue ao Estado, se extinguiu por força da fusão por incorporação ocorrida em Abril anterior, portanto antes da data da requerida regularização de IVA.

 

         2. É por demais evidente que a razão está do lado da requerente.

         Com efeito, nos termos do artigo 97.º, nº. 1 do Código das Sociedades Comerciais, “duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só”, indicando o nº. 4, as duas formas de fusão de sociedades previstas na lei, apenas nos interessando aqui a da al. a), ou seja, “mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas desta”, que é designada de fusão por incorporação.

         Na verdade, a actividade que vinha a ser exercida pela B... não cessou, antes passou a ser exercida pela sociedade incorporante D..., S.A.

         Daí que, esta sociedade incorporante, tenha devolvido as facturas iniciais e solicitado a emissão de novas facturas em seu nome, exactamente porque a actividade da sociedade extinta continuou a ser exercida pela sociedade incorporante.

         E nem podia ser de outra forma, atento o disposto no artº. 112º., al. a) do Código das Sociedades Comerciais, onde se determina que, “com a inscrição da fusão no registo comercial, extinguem-se as sociedades incorporadas ….. transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante.”.

         Ora, esse registo está efectuado, como se alcança do teor da certidão permanente da incorporante junto sob o nº. 7, com a extinção da sociedade incorporada demonstrada pelo documento 6.

         No mesmo sentido convergem a doutrina e a jurisprudência, sendo de relevar que, relativamente aos direitos e obrigações fiscais, se pronunciou o Ac. do TCASul de 13-10-2017, proferido no processo 09525/16 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtca, também no sentido de que, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais excepção a esta regra, ….. pois que esta sociedade (incorporante) ….. sucedeu àquela ou, noutra concepção, sempre será responsável pelo seu pagamento (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, a contrario).

        

         3. A decisão da AT de proceder à liquidação adicional de IVA, não aceitando a regularização declarada pela requerente é tanto mais estranha, quanto é certo que,  quando em informações vinculativas emitidas sancionou a doutrina de que a “transferência para a sociedade incorporante de todos os direitos e obrigações da incorporada e a extinção desta sociedade, mantinham a possibilidade da incorporante deduzir o IVA constante das faturas emitidas em nome da sociedade incorporada.”, como consta da ficha doutrinária emitida, no processo nº 13220, por despacho de 2018-03-13, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação).

         É manifesto que esta continuidade do exercício da atividade da sociedade incorporada pela sociedade incorporante é aceite pela própria AT,  porque, conforme se refere na citada ficha doutrinária (ponto 19) "no que se refere à sociedade incorporante, atente-se que do princípio da continuidade subjacente à operação de fusão decorre que esta sociedade assume os direitos e obrigações da sociedade incorporada, incluindo, como reconhecido pela doutrina e acolhido genericamente na jurisprudência, os que respeitam a matérias fiscais", sendo que na ficha doutrinária correspondente ao despacho de 2018-01-05, proferido no processo nº 12763,da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação), se subscreveu a mesma doutrina.

         Como destas informações vinculativas se deduz, a realização de operações que conferem o direito à dedução e que tenham sido efetuadas pela sociedade fundida, em data anterior à fusão, desde que tal direito não tenha já sido exercido na esfera destas últimas, engloba tanto as facturas cuja emissão possa ocorrer já após a fusão, como também as facturas com data anterior, mas que sejam rececionadas pela sociedade incorporante após aquela data – Cfr. ponto 21 da ficha doutrinária referida.

 

         4. Portanto, dúvidas não restam que é ilegal e destituída de fundamento jurídico e legal a liquidação adicional de IVA relativa ao período 202011, ora impugnada, por violação clara e nítida do disposto nos artigos 97º., nºs. 1 e 4, al. a) e 112º., al. a), ambos do Código das Sociedades Comerciais.

         Tem, por isso, de ser anulada essa liquidação, nos termos do artº. 99 do CPPT, bem como em consequência, a liquidação de juros compensatórios também liquidada à ora requerente.

         Face à procedência deste fundamento de anulação, fica prejudicado o conhecimento do vício invocado de preterição de formalidades legais pela AT na liquidação ora impugnada.

 

 

5. Devolução do imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios.

         Conforme vem provado na al. r) dos factos provados, a requerente procedeu em processo de execução fiscal ao pagamento da quantia exequenda de imposto e juros e ainda ao pagamento das custas do processo executivo em 09.05.2022, no valor de € 4512,83.

         Por isso, peticiona a requerente, além da restituição da totalidade da quantia já paga por força da liquidação ora anulada, ainda a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados desde a data em que procedeu ao pagamento do imposto liquidado até à data em que vier a ser reembolsado ao requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.

         A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

         No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à requerida AT que defendeu, contra a doutrina que ela própria expendera em anteriores informações vinculativas, procedeu à liquidação adicional de IVA, não aceitando a regularização declarada pela requerente com o fundamento de que houvera uma extinção de sociedade incorporada por fusão por outra, sem ter em conta a continuidade da respectiva actividade comercial. Por isso, dúvidas não existem de que tem a requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.

         É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao manter a liquidação ora anulada, pelo que deve pagar ao Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga, contados à taxa legal, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.

         Portanto, tem a ora requerente direito a ser reembolsada relativamente a tudo quanto pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizada por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

7. Decisão

         Nestes termos, decide-se

a) julgar procedentes os pedidos de anulação do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela ora requerente e, mediatamente, de anulação do acto de liquidação adicional de IVA relativo ao período de 202011, anulando-se igualmente a liquidação de juros compensatórios a ela referente.

b) julgar procedente o pedido de condenação da requerida na restituição de imposto, juros e custas pago, acrescido de juros indemnizatórios, por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.

 

7. Valor do processo

         De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.512,83 indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

8. Custas

         Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 612, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida

 

Lisboa, 23-05-2023

O Árbitro

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] No mesmo sentido, no âmbito do direito administrativo, o Acórdão do STA de 19/11/2020, proferido no processo 01359/I8.9BELSB, publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta.