Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 680/2021-T
Data da decisão: 2023-05-25  Selo  
Valor do pedido: € 210.680,64
Tema: Imposto do Selo sobre comissões de gestão de fundos e comissões de comercialização de unidades de participação.
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SUMÁRIO:

O Imposto do Selo cobrado sobre “comissões de comercialização” de unidades de participação é ilegal, por incompatibilidade com o art.º 5.º, n.º 2 , al. a) da Diretiva 2008/7. O Imposto do Selo liquidado, globalmente, sobre “comissões de gestão” de fundos não se enquadra na al. a) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva 7/2008, e não é incompatível com ela.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernando Borges Araújo, António Pragal Colaço e Nina Aguiar, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

A Requerente A..., S.A., (doravante designada por Requerente) contribuinte n.º..., com sede na Rua..., Lote..., ..., ...-... Lisboa, no seguimento da decisão de indeferimento de reclamação graciosa deduzida por si contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo realizados no período de 2019, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação da decisão de indeferimento e à anulação desses mesmos atos de liquidação de imposto do selo, resumidos no seguinte quadro:

 

 

Meses

Comissões de comercialização

IS s/ Comissões de comercialização (4%)

Comissões de gestão

IS s/ Comissões de

Gestão

(4%)

Janeiro

28.791,13

1.151,65

408.566,43

16.342,66

Fevereiro

27.046,26

1.081,85

392.942,31

15.717,69

Março

29.669,60

1.186,78

417.322,74

16.692,91

Abril

29.459,49

1.178,38

404.410,81

16.176,43

Maio

31.033,35

1.241,33

426.779,97

17.071,19

Junho

30.249,59

1.209,98

426.797,39

17.071,89

Julho

31.281,64

1.251,27

433.510,25

17.340,40

Agosto

30.953,85

1.238,15

430.034,38

17.201,38

Setembro

29.942,00

1.197,68

422.135,00

16.885,39

Outubro

31.071,64

1.242,87

428.776,82

17.151,06

Novembro

30.056,66

1.202,27

421.696,49

16.867,85

Dezembro

29.935,75

1.197,43

294.556,58

11.782,25

Total

359.490,96

14.379,64

4.907.529,17

196.301,10

 

É demandada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-10-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-12-2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 28-12-2021.

A Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos:

  • A Diretiva nº 2008/7/ CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, proíbe, concretamente através do disposto no n.º 2 do seu artigo 5.º, a incidência do imposto do selo sobre as comissões pagas pelos fundos de investimento geridos pela Requerente, a título de “comissões de gestão”;
  • Na situação em que a venda de unidades de participação dos fundos de investimento é realizada mediante a intermediação de instituições financeiras, como bancos e seguradoras, e em que a Requerente paga, por essa intermediação, a essas entidades, comissões de intermediação, a Diretiva nº 2008/7/CE proíbe também a incidência do imposto do selo, (nomeadamente através da sua verba 17.3.4 da TGIS) sobre essas “comissões de intermediação”;
  • Na situação em que a venda de unidades de participação dos fundos de investimento é realizada mediante a intermediação de instituições financeiras, como bancos e seguradoras, e em que a Requerente paga, por essa intermediação, a essas entidades, “comissões de intermediação”, a incidência do imposto do selo, nomeadamente através da sua verba 17.3.4 da TGIS, sobre essas comissões, em simultâneo com a incidência de imposto do selo sobre as “comissões de gestão” pagas pelos fundos à Requerente, resulta numa situação de dupla tributação económica;
  • Assim sendo, a comissão de gestão integra, nestes casos, também a remuneração inerente à subcontratação da actividade de comercialização, embora a sua remuneração seja cobrada por entidades distintas, uma vez que a entidade gestora dos fundos (in casu a A...) não é, nesses casos, a sua entidade comercializadora;
  • o Direito Fiscal, na sua essência preconizadora dos princípios do Estado de Direito, não admite que tais comissões sejam objeto de um adicional agravo fiscal por via dessa dupla tributação económica;
  • Esta dupla tributação económica em sede de Imposto do Selo é tão inaceitável que a própria AT, em orientação administrativa genérica, veio reconhecer, numa situação similar, que “[o] direito do mediador secundário a uma parte da comissão direta recebida da seguradora, não consubstancia um novo facto tributário (…)”

Notificada para o efeito, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta no prazo estabelecido, em que contesta o pedido apresentado pela Requerente, quer por exceção, quer por impugnação.

  1. Por exceção

No que diz respeito à matéria de exceção, a Requerida apresenta, em síntese, os seguintes argumentos:

  • Estando o ónus de identificação dos atos impugnados legalmente imputado à Requerente, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, a sua falta é causa de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
  • Acresce que, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, quando seja deduzida pretensão impugnatória, a petição inicial deve ser instruída com documento comprovativo da emissão da norma ou do ato impugnados.
  • Determinando-se no artigo 87.º, n.º 7 do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, que a falta de suprimento de exceções dilatórias, ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial, determina a absolvição da instância.
  • Estamos assim perante uma irregularidade geradora da nulidade de todo o processo, nos termos do artigo 186.º, n.º 1 do CPC, cuja previsão legal, enquanto exceção dilatória, consta do artigo 89.º, n.º 4, b) do CPTA.
  • Assim, quanto ao imposto referente às comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras à Requerente, a não junção das respetivas guias de retenção na fonte ou de declaração da respetiva entidade bancária onde sejam as mesmas identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante, determina, nos termos dos artigos 87.º, n.º 7 e 89.º, n.º 4, b), ambos do CPTA, e bem assim dos artigos 186.º, n. º1 e 576º, n.º 2, ambos do CPC e ainda do artigo 98.º, n.º 1, a), do CPPT, todos aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT, a absolvição da Requerida da instância no que ao montante referido respeita.

 

  1. Por impugnação

Já no que respeita à defesa por impugnação, resumem-se os argumentos da AT como segue:

  • A Requerente não conseguiu provar o pagamento do imposto do selo sobre as comissões de intermediação cobradas pelas entidades intermediárias, pelo que, nessa parte, deve o pedido ser julgado improcedente por não provado.
  • Quer as comissões de comercialização, cobradas pelas instituições de crédito (intermediários financeiros) à Requerente, quer as comissões de gestão cobradas pela Requerente (SGOIC) aos Fundos por si geridos, preenchem o escopo de incidência objetiva e subjetiva da norma acima citada.
  • Não existe qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações - que é aquilo que é vedado pela Diretiva - e a tributação das comissões cobradas pela comercialização de Fundos - que é a realidade aqui em apreço -, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
  • É unanimemente aceite que, em consequência dos ditames que resultam da Diretiva 2008/7/CE, a verba 17 da TGIS não sujeita determinado tipo de operações a Imposto do Selo, nomeadamente operações de financiamento traduzidas na emissão de obrigações e papel comercial. Esta realidade decorre da própria Diretiva através da qual o legislador europeu procurou, com algumas exclusões e derrogações, colocar na mesma situação todos os agentes económicos que recorressem a mercados primários com vista à captação de financiamento ou reunião de capitais.
  • O artigo 6.º da Diretiva, em derrogação ao estipulado no artigo 5.º, vem estabelecer o seguinte:

“Artigo 6.º Impostos e direitos

1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos:

a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não;

b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respectivo território;

c) Direitos de transmissão sobre activos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos activos não seja remunerada através de partes sociais;

d) Direitos que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas;

e) Direitos com carácter remuneratório;

f) Imposto sobre o valor acrescentado.

2. Os montantes cobrados a título dos impostos e direitos referidos nas alíneas b) a e) do n. 1 não variam, independentemente do facto de a sede de direcção efectiva ou a sede estatutária da sociedade de capitais se situar ou não no território do Estado-Membro que cobra a imposição. Os referidos montantes não podem ser superiores aos dos impostos e direitos aplicáveis a operações similares realizadas no Estado-Membro que os cobra.”

 

  • Na situação sub judice não se está a tributar as unidades de participação propriamente ditas, como, aliás, a Requerente quer dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos intermediários financeiros à A..., a título da (genericamente denominada) “comissão de comercialização”, em consequência do seu trabalho de intermediação na transmissão/venda de unidades de participação efetuadas junto de investidores e clientes daqueles.
  • Por outro lado, a tributação ocorrida resulta de uma opção voluntária da Requerente, que escolheu comercializar, isto é, vender indiretamente as unidades de participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito que, como é obvio, se fizeram legitimamente remunerar através de uma comissão cobrada pelo serviço financeiro prestado, repercutindo sobra a Requerente, como não podia deixar de ser, o Imposto do Selo legalmente devido.
  • De facto, o que foi tributado foi a remuneração de um serviço de intermediação financeira, contratado pela Requerente, que teve em vista a venda, isto é, a transmissão das UP dos Fundos por si geridos, junto dos clientes das instituições de crédito contratadas para o efeito.
  • O raciocínio exposto vale de igual modo para o Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos por si geridos, porque, também neste caso, se trata de tributar uma remuneração pela prestação de um serviço financeiro que preenche todos os pressupostos da norma de incidência em apreço.

Notificada para o efeito, a Requerente apresentou requerimento em que se pronunciou sobre a matéria de exceção alegada na resposta, tendo aduzido, sinteticamente, os seguintes argumentos:

  • Importa notar que a Requerente, para além de ter identificado as guias de retenção na fonte subjacentes à liquidação de imposto do selo efetuada pelas entidades comercializadoras (no caso em concreto, o Banco B...) sobre as comissões de comercialização objeto do pedido, juntou ainda cópia das faturas emitidas por aquelas entidades, nas quais constavam os valores cobrados à Requerente a título de comissões de comercialização e o respetivo imposto do selo subjacente;
  • Não obstante, sustenta a AT que “as guias de pagamento de imposto do selo emitidas pela C... agregam por rubrica a totalidade dos montantes de imposto entregues num determinado período, contendo informação relativa a todos os clientes, não permitindo identificar em concreto o imposto que a Requerente considera ter sido indevidamente liquidado”.
  • Refere ainda a AT que “mais importante, não permite verificar se esse imposto que lhe foi repercutido foi efetivamente entregue nos cofres do Estado e quando”.
  • Culmina afirmando a AT que o “habitual nestas situações é as instituições bancárias emitirem uma declaração a pedido do cliente onde indicam o número da guia de entrega do imposto, a data do pagamento e o valor liquidado e cobrado ao titular do encargo que quer fazer valer a sua pretensão junto da AT.
  • Entende a AT que a Requerente deveria ter efetuado diligências no sentido de obter uma declaração do Banco B... no sentido de comprovar os montantes liquidados a título de imposto do selo.
  • Contudo, para além da necessidade da junção das guias de retenção na fonte, nunca fez referência a tal natureza de comprovação em sede de procedimento administrativo, pelo que é com surpresa que a Requerente vê agora que lhe era conferida tal possibilidade.
  • Neste sentido, e não sendo a Requerente possuidora de tais guias de retenção na fonte, e bem assim conhecedora da natureza das operações objeto de liquidação de imposto do selo que constaria de tais guias, entendeu a Requerente que os elementos por si disponibilizados consubstanciariam prova suficiente do imposto do selo que lhe foi liquidado.
  • Não obstante, entende a Requerente que tal informação não lhe deveria ser exigida.
  • Para este efeito, a Requerente remete para a argumentação aduzida no Pedido nos parágrafos 180 a 189.
  • Sendo as entidades comercializadoras o sujeito passivo da relação em apreço, cabe-lhes a responsabilidade da liquidação do imposto do selo e consequente pagamento ao Estado.
  • Com efeito, o estatuto jurídico-tributário torna inoponível à Requerente a prova do pagamento do imposto que lhe foi repercutido, sendo-lhe exigido somente comprovar que suportou aquele encargo, o que sucedeu, visto ter disponibilizado as faturas relativas ao pagamento das comissões de comercialização com indicação do imposto do selo liquidado.
  • Neste sentido, e em face da documentação apresentada pela Requerente, considera a mesma que o objeto do pedido, no que concerne ao imposto do selo suportado sobre as comissões de comercialização, se encontra demonstrado; e, como tal, não poderá proceder a exceção dilatória por falta de identificação dos atos impugnados.

Por despacho de 21-02-2022, o Tribunal determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo em conta que havia sido exercido o contraditório quanto à matéria de exceção, e dado que não foi requerida qualquer prova testemunhal, concedendo-se às Partes prazo para apresentação de alegações escritas.

A Requerente apresentou alegações, em que sustenta o seguinte, com importância inovadora em relação à sua petição inicial:

  • Não pode a Requerente deixar de notar que a AT insiste na tese de que a Requerente poderia ter optado por proceder directamente à comercialização das unidades de participação dos Fundos por si geridos e, por essa via não existiria um evento sujeito a Imposto do Selo.
  • Com efeito, refere a AT que “não se está a tributar as unidades de participação propriamente ditas, como, aliás, a Requerente quer dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos intermediários financeiros à A..., a título da genericamente denominada comissão de comercialização, em consequência do seu trabalho de intermediação na transmissão/venda de unidades de participação efetuadas junto de investidores e clientes daqueles.”
  • Adicionalmente, sustenta a AT que “a tributação ocorrida resulta de uma opção voluntária da Requerente, que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as unidades de participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito que, como é obvio, e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o Imposto do Selo legalmente devido.”
  • Prosseguindo nesta senda que a Requerente “não estava obrigada a fazê-lo, podendo ela própria ter vendido/comercializado as unidades de participação dos Fundos que gere, porquanto em sítio nenhum o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC) impõe às SGOIC a obrigação de contratar serviços de intermediação financeira a instituições de crédito sociedades financeiras ou outras instituições financeiras com vista à venda das unidades de participação dos Fundos por si geridos”.
  • E, como se tal não fosse suficiente, conclui que “em primeira linha, a comercialização das unidades de participação pertence às SGOIC, conforme se extrai, nomeadamente dos artigos n.os 66.o/4, 71.º-D e 129.º/1 a) e 3, todos do RGOIC.
  • Não pode, por isso, considerar-se que as comissões de comercialização (acrescidas do devido Imposto do Selo) cobradas pelas instituições de crédito à Requerente, decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados para a venda das unidades de participação por si geridas, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE.
  • De facto, o que foi tributado foi a remuneração de um serviço de intermediação financeira, contratado pela Requerente, que teve em vista a venda, isto é, a transmissão das UP dos Fundos por si geridos junto dos clientes das instituições de crédito contratadas para o efeito.”
  • Ora, a AT parece admitir que, se aquelas de unidades de participação fossem comercializadas directamente pela Requerente, a sujeição a Imposto do Selo de eventuais comissões cobradas pela mesma aos Fundos por si geridos estaria vedada pela Directiva n.o 2008/7/CE.
  • A este respeito, entende a Requerente que deverá atender-se à natureza do serviço prestado, sendo sobre este que a Directiva veda a tributação, independentemente da entidade responsável pela prestação do serviço.
  • Não obstante, e ainda que sem conceder, que a alteração da entidade responsável pela actividade de comercialização poderia determinar a não sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização, pretende a Requerente demonstrar a inviabilidade de tal situação.
  • Ora, a Requerente é apenas uma entidade gestora de fundos, pelo que, se desenvolvesse uma actividade própria de comercialização aquela seria manifestamente insuficiente, dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público, sem necessidade de recorrer também à banca, a subscrição das unidades de participação dos fundos cujo património é por si gerido.
  • Daí que, como é regra e prática no sector, se socorra de instituições financeiras, maxime bancos com uma rede de balcões disseminada pelo país e com forte experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer os seus fundos de investimento (os seus produtos) e comercializar a subscrição de unidades de participação nos mesmos.
  • Esta colocação (comercialização) das unidades de participação para subscrição, no caso junto do público, é actividade imprescindível e natural à reunião de capitais a que se reconduz um fundo de investimento.
  • Ela está no cerne da concretização da reunião de capitais, que por definição só ocorre quando potenciais investidores decidirem subscrever as unidades de participação num fundo, no caso das subscrições aqui em causa em resultado da actividade de comercialização remunerada desenvolvida pelo Banco B... .
  • Neste sentido, mantém a Requerente a convicção de que, consubstanciando a actividade de comercialização de unidades de participação uma actividade directamente conexa com sua emissão, e que só esta actividade permite a concretização da reunião de capitais almejada na Directiva n.o 2008/7/CE, daqui resulta que sobre tal actividade não deverão incidir impostos conforme prevê aquela directiva.

A AT, em sede de alegações, limitou-se a dar por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta.

Em 07.06.2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Tendo sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia C 37, de 24 de Janeiro de 2022, p. 17, o aviso 2022/C 37/23, “Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal) em 29 de outubro de 2021 — IM GESTÃO DE ATIVOS — SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A. e outros / Autoridade Tributária e Aduaneira (Processo C-656/21)”, verifica-se que nesse Processo C-656/21 foram formuladas duas questões prejudiciais que são em tudo idênticas àquelas que seria pertinente formular no presente Processo, e são as seguintes:

“1) O artigo 5., n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE (1) opõe-se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos, por prestação de serviços a estas relativos à atividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos?

2) O artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE opõe-se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela atividade referida?”

Sendo assim, havendo neste tribunal dúvidas e questões a submeter, em sede prejudicial, ao TJUE, e havendo dúvidas sobre a pertinência da não-apresentação de tais questões prejudiciais, salvaguarda-se a competência conferida ao TJUE pela alínea a) do art. 267.º do TFUE, determinando, nos termos dos arts. 269º, 1, c) e 272º do Código de Processo Civil, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT, a SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA, até à decisão do TJUE proferida nos autos de reenvio prejudicial do Processo C-656/21.

Notifique-se.”

Em 22.12.2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu acórdão no processo acima mencionado.

Conhecido esse facto pelo presente tribunal, cessa a suspensão de instância, nos termos dos arts. 269º, 1, c) e 276º, 1, c) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é materialmente competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Foi suscitada pela Requerida exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, quanto à parte do pedido referente ao imposto pago sobre as “comissões de comercialização” cobradas pelo Banco B... à Requerente.

No entender da AT, a Requerente não juntou à sua petição inicial os documentos que provam os atos tributários impugnados, isto é, as liquidações de imposto, na parte que se refere ao imposto liquidado sobre as “comissões de comercialização” pagas pela Requerente ao Banco B..., que atuou como entidade intermediária na colocação de unidades de participação emitidas pelos diversos fundos geridos pela Requerente.

No entender da AT, a Requerente deveria ter apresentado, a fim de provar os atos impugnados, as “guias de retenção na fonte,” as quais, no seu entendimento, “são documentos indispensáveis para a causa.”

Não o tendo feito, a Requerente não teria cumprido o ónus que sobre si impendia, já nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, já nos termos da alínea a) do n.º 3 do CPTA, de provar os atos que impugna.

Desta forma, a petição inicial seria inepta na parte afetada pela referida falta de prova, por força do disposto no artigo 87.º, n.º 7 do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, em que se dispõe que a falta de suprimento de exceções dilatórias, ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial, determinam a absolvição da instância.

Vejamos em primeiro lugar a que “guias de retenção na fonte” a Requerida se refere.

Nos termos conjugados do art.º 1º, nº 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e da verba 17.3.4. da respetiva Tabela Geral (TGIS), ficam sujeitos a imposto “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

As comissões de comercialização cobradas pelo Banco B... à Requerente pela colocação de unidades de participação dos fundos geridos por esta enquadram-se nesta verba da TGIS.

Nos termos do artigo 2º, nº 1 alínea b) do CIS, são sujeitos passivos do imposto as “Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações”. Ou seja, nas operações acima mencionadas, o sujeito passivo do imposto devido sobre as “comissões de comercialização” é o Banco B..., e não a Requerente.

Contudo, nos termos da alínea g) do nº 3 do art.º 3º do CIS, o encargo do imposto, no caso das “restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras,” recai sobre o cliente destas. Ou seja, no caso, sobre a Requerente.

Estamos perante a figura da repercussão legal, em que o sujeito passivo do imposto é uma entidade distinta daquela que, legalmente, está obrigada a suportá-lo.

É ao sujeito passivo, e não ao repercutido, que compete a obrigação de liquidar o imposto, nos termos do artigo 23º, e de efetuar o respetivo pagamento, nos termos do art.º 41º do CIS.

Do ponto de vista do repercutido legal, a liquidação do imposto é efetuada no momento em que o mesmo lhe é cobrado, e o documento que comprova essa liquidação é a fatura em que o imposto é identificado e quantificado. Nada na lei se opõe a que seja considerado este um ato de liquidação de imposto.

Após essa cobrança ao cliente, o sujeito passivo tem que entregar o imposto ao Estado, nos termos do artigo 41º, e é nesse momento que, nos termos do artigo 43º, o sujeito passivo preenche e entrega as “guias de retenção na fonte”, que são o documento de modelo oficial a que se refere o artigo 43º.

Anterior a essa “guia”, e na base dela, está o documento através do qual o sujeito passivo cobra o imposto ao repercutido legal. É esse documento que, na perspetiva do repercutido legal, prova o ato de liquidação.

A AT alega que a Requerente deveria ter obtido, junto da entidade sujeito passivo, uma declaração que provasse que o imposto foi declarado e efetivamente pago ao Estado, acrescentando que esse é um procedimento habitualmente usado em situações similares.

Desde logo, a questão do pagamento ou não pagamento efetivo do imposto é totalmente irrelevante em termos de juízo sobre a legalidade da liquidação e, portanto, nesta parte, a alegação da AT não tem qualquer pertinência.

Mas além disso, o procedimento de “pedir ao sujeito passivo uma declaração do imposto declarado e pago” não está previsto na lei e, logo, nem a entidade sujeito passivo tem obrigação de o fornecer, nem a Autoridade Tributária tem o direito de o exigir.

Portanto, invocando aqui a jurisprudência arbitral vertida na decisão sobre o processo 467/2020, de 14-06-2021, consideramos que “A entidade que suporta o encargo do imposto do selo por repercussão legal, na qualidade de titular do interesse económico, não é sujeito passivo do imposto, e não é sobre ela que impende o ónus processual de juntar as guias de liquidação para efeito de demonstrar a conexão directa entre a liquidação e as operações de financiamento que originaram a incidência do imposto”.

O repercutido legal não está em posição de poder fornecer outros meios de prova além daquele que está previsto na própria lei, e que é a fatura ou recibo em que o imposto é liquidado. É, no entender do Tribunal, esse, o documento que prova que o imposto foi liquidado.

Se a Autoridade Tributária considera necessário confirmar que esse imposto foi declarado e pago, terá, com certeza, meios de o fazer que o repercutido legal não tem.

E está obrigada a isso, seja por força do princípio da verdade material, consagrado no artigo 58º da LGT, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade material, seja por força do princípio da colaboração, consagrado no artigo 59º da LGT.

No caso vertente, o princípio da colaboração aparece especialmente lesado, porquanto, no projeto de decisão da reclamação graciosa, o órgão decisor apenas diz que “mais se acrescenta que nos autos não foram apresentadas as guia de retenção na fonte, subjacentes ao valor peticionado, sendo estes documentos indispensáveis.” E não justificando por que considera tais documentos indispensáveis, tão pouco diz, nessa que era a altura apropriada, que o reclamante, na sua opinião, teria que obter uma declaração junto do banco.

Independentemente de todos estes considerandos, conclui-se que o ónus de instruir a petição inicial com o documento que prova o ato impugnado, previsto no art.º 79.º, nº 3 al. a) do CPTA e na alínea d) do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, foi cumprido com a apresentação das faturas emitidas pela entidade bancária que é o sujeito passivo do imposto, nas quais o imposto é mencionado e liquidado.

Julga-se, por conseguinte, improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial na parte referente ao imposto incidente sobre as “comissões de comercialização” pagas pela Requerente ao Banco B... .

 

III. QUESTÕES A ANALISAR

Constituem questões a analisar nos presentes autos:

  1. Se a tributação em imposto do selo, ao abrigo da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre as “comissões de gestão”, cobradas pela Requerente aos fundos por si geridos, é proibida pela Diretiva nº 2008/7/ CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
  2. Se a tributação em imposto do selo, ao abrigo da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre as “comissões de comercialização”, cobradas por entidades bancárias à Requerente pela colocação de unidades de participação nos fundos por geridos por esta, é proibida pela Diretiva nº 2008/7/ CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
  3. Se, sendo negativa a resposta às duas questões anteriores, todas ou algumas das liquidações impugnadas são ilegais por originarem uma dupla tributação económica dos mesmos factos.

Ao contrário do que começou por sustentar em sede de reclamação graciosa, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente já não questiona a sua qualidade de “instituição financeira”, para efeitos da verba 17.3.4. da. TGIS, pelo que esta não é uma questão que o Tribunal deva apreciar.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

Factos considerados provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente tem por objecto social o exercício da actividade de sociedade gestora de organismos de investimento colectivo, no âmbito da qual gere diversos fundos de investimento imobiliário ("fundos de investimento").
  2. Em virtude da sua actividade, a Requerente cobra comissões de gestão àqueles fundos de investimento, sobre as quais tem vindo a liquidar Imposto do Selo, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS.
  3. No ano de 2019, a Requerente liquidou, cobrou aos fundos por si geridos, e entregou ao Estado, imposto do selo sobre essas “comissões de gestão”, no montante global de 196.301,10 € (cento e noventa e seis mil, trezentos e um euros e dez cêntimos).
  4. No contexto da operação de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento, a Requerente recorreu a outras entidades comercializadoras (usualmente instituições de crédito devidamente autorizadas para o efeito), que actuaram enquanto intermediários financeiros.
  5. Nestas situações, a Requerente pagou à entidade comercializadora uma remuneração inerente à subcontratação da actividade de comercialização, denominada de “comissão de comercialização”.
  6. Nos termos da verba da TGIS acima referida, as entidades comercializadoras contratadas também cobraram Imposto do Selo à Requerente sobre essa mesma “comissão de comercialização;”
  7. No ano 2019, o imposto do selo pago pela Requerente sobre essas “comissões de comercialização” totalizou 14.379,64 € (catorze mil, trezentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), conforme faturas constantes do processo administrativo;
  8. A comissão de gestão cobrada pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos integra, nestes casos, também o valor da remuneração inerente à subcontratação da actividade de comercialização;
  9. A Requerente deduziu reclamação graciosa dos actos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao período de 2019;
  10. A Requerente foi notificada, em 26 de Maio de 2021, do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  11. No projeto de decisão sobre a reclamação graciosa, consta:

“Falta de apresentação das guias de retenção na fonte”

167. Mais se acrescenta que nos autos não foram apresentadas as guias de retenção na fonte, subjacentes ao valor peticionado, sendo estes documentos indispensáveis.

168. As regras do ónus da prova visam resolver o problema da demonstração de factos, que caso não seja feita, tem por consequência a questão ser decidida contra a parte onerada com o ónus da prova. No direito tributário as regras do ónus da prova encontram-se no art.º 74.º da LGT, não se aplicando as regras de ónus da prova previstas no Código Civil.

169. Portanto, nos termos do nº 1 art. 74º da LGT, aplicável quer ao procedimento, quer ao processo tributário, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a regra geral em matéria de ónus da prova a considerar no ordenamento jurídico tributário.

Concluindo

170. Assim, entendemos que as autoliquidações efetuadas em matéria de imposto do selo não padecem de qualquer violação da lei por errónea interpretação, nem de qualquer outra ilegalidade, devendo as mesmas manterem-se na sua plenitude.”

  1. No exercício do seu direito de audiência prévia , e por forma a permitir à AT confirmar os valores peticionados em sede de reclamação graciosa, a Requerente disponibilizou quer os números das guias de retenção na fonte respeitantes ao Imposto do Selo liquidado pela própria A... sobre as comissões de gestão, quer os números das guias de retenção na fonte referentes ao Imposto do Selo retido sobre as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras à A... .
  2. A AT manteve a sua decisão inalterada, indeferindo a reclamação graciosa em 06-07-2021.
  3.  Na parte referente à questão da falta de apresentação das guias de retenção na fonte, lê-se no texto da decisão final:

167. Mais se acrescenta que nos autos não foram apresentadas as guias de retenção na fonte, subjacentes ao valor peticionado, sendo estes documentos indispensáveis.

168. As regras do ónus da prova visam resolver o problema da demonstração de factos, que caso não seja feita, tem por consequência a questão ser decidida contra a parte onerada com o ónus da prova. No direito tributário as regras do ónus da prova encontram-se no art.º 74.º a LGT, não se aplicando as regras de ónus da prova previstas no Código Civil.

169. Portanto, nos termos do nº 1 art. 74º da LGT, aplicável quer ao procedimento, quer ao processo tributário, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a regra geral em matéria de ónus da prova a considerar no ordenamento jurídico tributário.

 

Factos dados como não provados

Não existem factos considerados não provados com relevância para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental constante do processo administrativo junto pela Requerida e ainda na omissão de contestação, por uma das Partes, dos factos invocados pela Parte Contrária.

 

V. DISCUSSÃO DE DIREITO

 

  1. Questão da compatibilidade das liquidações de imposto do selo impugnadas com a Diretiva 2008/7/CE

 

1. Até ao acórdão proferido pelo TJUE, em 22.12.2022, no caso C-656/21

 

Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, este imposto “incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral”.

A verba 17.3.4 da Tabela Geral, incluída da rubrica geral “Operações financeiras”, estabelece que se encontram sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4%, as “comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

Não é ponto de discussão entre as partes que, quer as “comissões de gestão” cobradas pela Requerente aos fundos por si geridos, quer as “comissões de comercialização” cobradas à Requerente por entidades bancárias por si contratadas para colocar as unidades de participação dos fundos geridos por aquela, cabem no âmbito da verba 17.3.4 da TGIS.

Como a própria Requerente reconhece (artigo 29º da PI), “[R]esulta assim do exposto, que as comissões em análise preenchem cumulativamente os elementos de natureza objectiva e subjetiva previstos na verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão, em princípio, sujeitas a Imposto do Selo por força do disposto no n.º 1 do artigo 1.º daquele Código.”

A Requerente sustenta, contudo, que esta tributação é contrária e, portanto, proibida pela Diretiva 2008/7/CE do Conselho, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

De acordo com o considerando 3 da Diretiva, é seu objetivo, por ser do interesse do mercado interno, “harmonizar a legislação relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, fatores suscetíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”

A diretiva e as suas interdições aplicam-se, nos termos do art.º 1º, às entradas de capital em sociedades de capitais, às operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais e à “emissão de determinados títulos e obrigações”.

O art.º 5º da Diretiva enumera as operações que não podem ficar sujeitas a impostos indiretos.

O nº 1 interdita a imposição, às sociedades de capitais, de impostos indiretos sobre as entradas de capital, sobre os empréstimos ou prestações de serviços, efetuadas no âmbito das entradas de capital, sobre o registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica, sobre as alterações do ato constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais e sobre as operações de reestruturação (referidas no artigo 4º da Diretiva).

O nº 2 do art.º 5.º acrescenta à lista das operações que não podem ser sujeitas a impostos indiretos um conjunto de operações, definidas, poderia dizer-se, objetivamente, isto é, sem menção ao tipo de entidade que estaria sujeita a imposto por essas operações.

Na alínea a), a lista de operações que não podem ficar sujeitas a impostos indiretos inclui “a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu”.

Na alínea b), por sua vez, proíbe-se a imposição de impostos indiretos sobre “[O]s empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”

É neste conjunto de operações cuja tributação indireta é interdita que a Requerente, não especificando exatamente qual a parte da norma que considera aplicável ao seu caso, pretende que os dois tipos de comissões em causa nos autos – “comissões de gestão” e “comissões de comercialização” – se incluem.  Mais concretamente, sustenta que as unidades de participação emitidas pelos fundos entram na categoria de “outros títulos da mesma natureza” e que tanto as “comissões de gestão” (cobradas pela Requerente aos fundos por si geridos), como as “comissões de comercialização” (pagas pela Requerente ao Banco B...) são devidas pela colocação em circulação e negociação das unidades de participação (artigo 41º da PI).

Mais à frente especifica (artigo 42º da PI) que “nos termos daquela diretiva, as comissões de comercialização, estando inequivocamente enquadradas na alínea a) do nº 2 do artigo 5º da Diretiva, não podem ser sujeitas a imposto do selo, porquanto respeitam à remuneração pelo exercício da atividade de comercialização (entenda-se subscrição) das unidades de participação dos fundos de investimento.”

A Requerida sustenta, a este respeito, que “na situação sub judice não se está a tributar, nem a Requerente demonstra o seu contrário, “a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação...” das unidades de participação dos Fundos por si geridos (artigo 55º da resposta).

Sustenta a Requerida que, “por outras palavras, não se estão a tributar as unidades de participação propriamente ditas, como, aliás, a Requerente quer dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos intermediários financeiros à Requerente, a título da genericamente denominada comissão de comercialização, em consequência do seu trabalho de intermediação na transmissão/venda de unidades de participação efetuadas junto de investidores e clientes daqueles.

(...)

O raciocínio exposto vale de igual modo para o Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos por si geridos, porque também neste caso se trata de tributar uma remuneração pela prestação de um serviço financeiro que preenche todos os pressupostos da norma de incidência sob apreço.”

A questão a solucionar é, portanto, a de saber se as “comissões de gestão” (cobradas pela Requerente aos fundos por si geridos) e as “comissões de comercialização” (pagas pela Requerente ao Banco B...) entram no âmbito de aplicação da al. a) do nº 2 do artigo 5º da Diretiva 2008/7/CE.

Em qualquer dos dois casos, estamos perante “comissões” que são remunerações de serviços.

No caso da “comissão de comercialização” paga pela Requerente ao Banco B..., a comissão é claramente uma remuneração por um serviço financeiro bem individualizado, que consiste na colocação das unidades de participação dos fundos junto dos investidores.

No caso das “comissões de gestão” cobradas pela Requerente aos fundos, diz o art.º 67.º do RGOIC que “o exercício de gestão de organismos de investimento coletivo é remunerado através de uma comissão de gestão, podendo esta incluir uma componente variável calculada em função do desempenho do organismo de investimento coletivo”. Resulta deste dispositivo, assim como de várias menções desse normativo às comissões de gestão, que elas formam a remuneração normal das Sociedades Gestoras.

É a própria Requerente que diz (artigo 44º da PI) que “[D]e igual modo, terá que se concluir relativamente às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de investimento por si geridos, porquanto aquelas comissões consubstanciam a remuneração pelo exercício da atividade de gestão dos fundos de investimento, atividade essa que inclui a comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento (...)”.

Parece não oferecer dúvida que as “comissões de gestão” em causa constituem uma remuneração por toda a atividade de gestão exercida pelas SGOIC, e que a comercialização das unidades de participação dos fundos é apenas uma parte dessa atividade. Por conseguinte, ao incidir sobre a totalidade das “comissões de gestão” que apenas numa parte, indeterminável, correspondem à comercialização, o imposto do selo estaria a incidir apenas numa parte, igualmente indeterminável, da operação de comercialização das unidades de participação.

Entre nós, a jurisprudência – mormente dos tribunais arbitrais do CAAD – tem entendido que as remunerações por serviços relacionados com as operações previstas na Diretiva 2008/7/CE não estão abrangidas pelas proibições da diretiva.

No processo 856/2919-T, estava em causa uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que recorrera a financiamento junto de instituições de crédito e contratara com as mesmas instituições de crédito a colocação de papel comercial e obrigações junto de investidores.

Nos contratos de financiamento em causa, as instituições de crédito liquidaram imposto do selo, nos termos da verba 17 da TGIS.

Tendo a Requerente no processo invocado a proibição de imposição de impostos indiretos constante da al. b) do nº 2 do art.º 5.º da Diretiva 2008/7/CE, pronunciou-se o tribunal arbitral nos seguintes termos:

No caso em análise, a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito – Bancos - para procederem à emissão de papel comercial.

Neste contexto, a Requerente alega não estarem sujeitos a Imposto do Selo os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos.

Aqui, deve começar por se reiterar que a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial - apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir - tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.

Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras.

Este princípio, previsto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea f) e 8.º, n.º 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) refere-se ao exercício, a título profissional, entre outras atividades, das instituições de crédito e sociedades financeiras nas “participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”.

No entanto não exige que uma sociedade comercial contrate os serviços de uma instituição de crédito ou sociedade financeira para a emissão de obrigações por parte dessa mesma sociedade. Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.

Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE.

 

No mesmo sentido, ancorando-se extensivamente na decisão anteriormente citada, se pronunciou o tribunal na decisão sobre o processo 2/2020, de 29-03-2021.

Num outro processo, o nº 502/2020-T, estavam em causa três sociedades gestoras de participações sociais, que igualmente contratavam empréstimos com instituições de crédito, bem como a colocação junto dos investidores de financiamento sob a forma de papel comercial e obrigações. Em ambos os casos, as instituições de crédito liquidavam imposto do selo sobre as remunerações cobradas pelos serviços prestados pelas instituições bancárias. Também neste caso, a Requerente invocava a Diretiva 2008/7/CE, nomeadamente o seu artigo 5.º, n.º 2, alínea b), para sustentar a ilegalidade da tributação das comissões bancárias em imposto do selo.

O Tribunal pronunciou-se aí nos termos que se transcrevem:

A Directiva esclarece que a proibição de incidência de imposto opera relativamente a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações, independentemente de quem os emitiu, o que significa que nada obstaria que as sociedades ora Requerentes pudessem beneficiar do mesmo regime de isenção, caso optassem, nos termos legalmente previstos, por proceder directamente à emissão das obrigações (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), caso em que igualmente beneficiariam de não sujeição a imposto relativamente a todas as formalidades conexas como, por exemplo, o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, a autenticação de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão de obrigações pela sociedade.

A situação é distinta quando o que está em causa é, não a própria emissão de empréstimos obrigacionistas e de papel comercial pelas sociedades comerciais, mas os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras.

Esses encargos não podem ser tidos como correspondendo a formalidades conexas com a emissão de obrigações ou de papel comercial, visto que não constituem procedimentos intrinsecamente associados às operações financeiras que são objecto de isenção de imposto, mas antes a contraprestação pelos serviços bancários realizados no âmbito dessas operações e de que as Requerentes poderiam ter prescindido se tivessem procedido à emissão directa dos títulos.

Cabe dizer que não tem aplicação ao caso a doutrina do acórdão do TJUE Air Berlin (Processo C-573/16).

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declara que os objetivos prosseguidos pelas referidas directivas, os artigos 10.º e 11.º da Directiva 69/335 e o artigo 5º da Directiva 2008/7, devem ser objecto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil (parágrafo 31). Mas tinha aí em vista assegurar que a proibição da sujeição a impostos indirectos das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nessa proibição quando se trate de tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (parágrafo 32).

Não há que efectuar uma tal interpretação extensiva das normas de direito europeu quando o que está em causa, não é a operação financeira em si mesma considerada, mas os encargos com uma actividade bancária que apenas indirectamente se relacionam a emissão de títulos negociáveis.

 

Em todas as decisões citadas, o tribunal considerou que a interdição de imposição indireta das operações contempladas na diretiva 2008/7/CE não abrange os serviços contratados em conexão com essas operações.

A Requerente invoca em seu favor algumas decisões do TJUE, nomeadamente as sentenças proferidas nos casos C-415/02, de 15 de julho de 2004, C-299/13, de 9 de outubro de 2014 (Gielen) e C-573/16 de 19 de outubro de 2017 (Air Berlin).

No primeiro destes casos o Governo belga foi condenado por violação da Diretiva 69/335/CE que antecedeu e foi substituída pela Diretiva 2008/7/CE.

Tal como hoje o art.º 5º da Diretiva 2008/7/CE, o art.º 11º da Diretiva 69/335 estabelecia:

 

Os Estados‑Membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for:

  1. A criação, emissão, admissão em Bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;
  2. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão em Bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

 

Quanto à legislação nacional belga, o art.º 120.º correspondente ao Código do Imposto do Selo dispunha:

Estão sujeitos ao imposto sobre as operações de Bolsa, quando incidem sobre fundos públicos belgas ou estrangeiros, as operações realizadas ou executadas na Bélgica a seguir indicadas:

1º qualquer venda, compra e, em geral, qualquer cessão e aquisição a título oneroso;

2º qualquer entrega ao subscritor feita na sequência de uma oferta pública, através de emissão, apresentação, proposta ou venda públicas

 

O Tribunal considerou que a legislação nacional violava a diretiva porquanto “autorizar a cobrança de um imposto ou de uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão equivaleria, na realidade, a tributar a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais.

O que estava em causa era, como claramente se conclui, a tributação do ato de aquisição dos títulos e não a remuneração de um serviço bancário ou outro.

No caso Gielen (C-299/13), o direito belga estabelecia um imposto que incidia sobre a conversão dos títulos ao portador em títulos escriturais ou títulos nominativos.

O Tribunal considerou que “embora seja verdade, como alega o Governo belga, que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 não menciona expressamente a conversão de ações, não é menos certo que a conversão das ações ao portador em títulos escriturais ou em títulos nominativos, tornada obrigatória pela Lei de 14 de dezembro de 2005 relativa à abolição dos títulos ao portador, está abrangida pela emissão de ações na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 (par 25). Consequentemente, ao instituir um imposto sobre a referida conversão, o que o artigo 167.° do código faz, na verdade, é tributar a própria emissão desse título, na medida em que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (par. 26).

Tal como no caso anterior, a tributação em causa incidia sobre o próprio ato de conversão dos títulos, e não sobre qualquer serviço relacionado com a operação.

No caso Air Berlin ( C-573/16) o direito do Reino Unido previa um imposto de selo sobre o ato de primeira aquisição de títulos de uma nova emissão de ações. O tribunal considerou que tal tributação equivalia a tributar a própria emissão dos títulos, na medida que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. E acrescentou que “com efeito, uma emissão de títulos não é um fim em si, mas só tem sentido a partir do momento em que esses títulos são adquiridos.”

 

2. Depois do acórdão proferido pelo TJUE, em 22.12.2022, no caso C-656/21

 

No acórdão proferido pelo TJUE, em 22.12.2022, no caso C-656/21, em conexão com o qual foi suspensa a presente instância, estava em causa uma situação muito semelhante à que se encontra em apreciação nos presentes autos.

Também aí, tal como no presente caso, era Requerente uma sociedade gestora de organismos de investimento coletivo (no caso fundos de investimento mobiliário abertos), além dos próprios fundos, os quais também eram requerentes no processo.

A Requerente pedia:

  1. Tal como no presente caso, a anulação de liquidações de Imposto do Selo cobrado por vários bancos a si própria, sobre comissões pagas por si aos referidos bancos, como contrapartida pela comercialização de unidades dos fundos de investimento geridos, no momento da respetiva emissão.
  2. Além disso, a anulação de liquidações de Imposto do Selo cobrado por si própria aos fundos por si administrados, sobre comissões cobradas aos mesmos, mas apenas na parcela dessas comissões referentes à repercussão, sobre os fundos, das comissões pagas aos bancos.

Sobre a primeira questão, disse o TJUE:

“(21) Com as suas duas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

(22) A título preliminar, importa recordar que, segundo o seu artigo 1.°, alínea a), a Diretiva 2008/7 regulamenta a aplicação de impostos indiretos sobre as entradas de capital nas sociedades de capitais. Entre esses impostos indiretos figuram o imposto do selo sobre os títulos e os outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto do selo sobre os títulos.

(23) O artigo 2.°, n.º 2, da referida diretiva prevê, por outro lado, que qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.º 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais.

(24) No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o imposto em causa no processo principal constitui um imposto do selo cobrado sobre a remuneração dos bancos a título dos serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento. Daqui resulta igualmente que, em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão.

(25) Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, EU:C:1987:488, n.° 13).

(26) Decorre destas considerações que fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7.

(27) Feitas estas observações preliminares, há que recordar que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

(28) Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.° da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

(29) Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, n.os 32 e 33).

(30) Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a transmissão de titularidade, apenas para efeitos de uma operação de admissão dessas ações na Bolsa e sem consequências sobre a sua propriedade efetiva, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer imposição, seja de que forma for (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.os 35 e 36).

(31) Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.

(32) Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.°, n.os 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.° da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

(33) Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.

(34) Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.

(35) A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.° 37).

(36) Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

Em resumo, o Tribunal considera que o Imposto do Selo sobre os títulos (verba 17.3.4 da TGIS) é um imposto indireto enquadrável na al. a) do art.º 1.º da Diretiva 7/2008; que os fundos de investimento são equiparáveis a uma sociedade de capitais para efeitos da mesma; e que os serviços de comercialização das unidades de participação, prestados pelos bancos, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devendo ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.

 

  1. Questão da compatibilidade, com a Diretiva 2008/7/CE, da tributação das comissões de comercialização

 

Em consonância com estas assunções, o Tribunal julga, a final, que o artigo 5.°, n.º 2, alínea a), da Diretiva 7/2008 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo sobre as comissões pagas pela entidade gestora dos fundos de investimento a bancos, pela colocação no mercado das respetivas unidades de participação.

Sendo, quanto a esta primeira questão, o caso dos presentes autos totalmente idêntico ao decidido pelo TJUE no caso C-656/21, e não vendo o Tribunal Arbitral qualquer razão para divergir do entendimento do tribunal europeu, também nestes autos se conclui que o Imposto do Selo cobrado pelo banco à Requerente sobre as “comissões de comercialização” é ilegal, por incompatibilidade com o art.º 5.º, n.º 2 , al. a) da Diretiva 2008/7.

 

  1. Questão da compatibilidade, com a Diretiva 2008/7/CE, da tributação das comissões de gestão

 

Já quanto à segunda questão, referente ao Imposto do Selo incidente sobre as comissões que a Requerente cobra aos fundos por si geridos, ela não é exatamente idêntica à que se coloca nos presentes autos.

Isto porque, enquanto no processo decidido pelo TJUE , o que estava em causa era, apenas, o Imposto do Selo incidente sobre a parcela da comissão – cobrada pela entidade gestora aos fundos – referente à repercussão do imposto pago pela entidade gestora aos bancos, no presente processo a Requerente pede a anulação da liquidação do imposto liquidado sobre a totalidade das comissões por si cobradas aos fundos (comissões de gestão).

Ora, como já antes observámos, as “comissões de gestão” cobradas pela Requerente aos fundos constituem uma remuneração por toda a atividade de gestão exercida pelas SGOIC, sendo a comercialização das unidades de participação dos fundos apenas uma parte dessa atividade. Por conseguinte, ao incidir sobre a totalidade das “comissões de gestão” que apenas numa parte, indeterminável, correspondem à comercialização das unidades de participação nos fundos, o imposto do selo estaria a incidir apenas numa parte, igualmente indeterminável, da operação de comercialização de tais unidades de participação.

Não é, assim, possível afirmar que a “comissão de gestão”, no seu todo, apresenta “uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 7/2008, devendo ser considerada parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais”, como faz o TJUE no caso C-656/21, no parágrafo 31 do acórdão.”

Por outro lado, não distinguindo a Requerente a parcela da “comissão de gestão” que se refere à atividade de comercialização das unidades de participação, nem, muito menos, a que se refere à repercussão do imposto pago aos bancos, também ao Tribunal Arbitral não é possível efetuar uma tal distinção.

Pelo que haverá que concluir que o Imposto do Selo liquidado, globalmente, sobre “comissões de gestão” não se enquadra na al. a) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva 7/2008, e não é incompatível com ela.

 

VI. DECISÃO

Em face de tudo o que ficou exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedente a exceção de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral suscitada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação e anular as liquidações de Imposto do Selo, no valor de 14.379,64 euros, incidentes sobre as “comissões de comercialização”, conforme indicado na tabela constante do artigo 9º da petição inicial da Requerente;
  3. Julgar improcedente o pedido de anulação, e manter na ordem jurídica, as liquidações de Imposto do Selo, no valor de 196.301,10 euros, incidentes sobre as “comissões de gestão”, conforme indicado na tabela constante do artigo 9º da petição inicial da Requerente.

 

VII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, 97.º-A do CPPT, e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 210.680,64 euros (duzentos e dez mil, seiscentos e oitenta euros e sessenta e quatro cêntimos).

 

VIII – TAXA ARBITRAL

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00 euros (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo:

  • Da Requerente, no valor de 3992,69 euros (93,2% do total)
  • Da Requerida, no valor de 291,31 euros (6,8% do total)

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 25 de maio de 2023

 

 

 

(Fernando Araújo, Presidente)

 

 

(António Pragal Colaço)

 

 

(Nina Aguiar, Relatora)