Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 182/2022-T
Data da decisão: 2023-05-25  IRS  
Valor do pedido: € 36.190,25
Tema: IRS – Rendimentos obtidos no estrangeiro; Troca de Informações entre Autoridades Tributárias; Ónus da prova.
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Sumário:

 

1. Cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca;

2. Caso existam dúvidas quanto à natureza e montantes de rendimentos que são comunicados pela informação transmitida à AT, ao abrigo dos mecanismos de troca de informações, cabe à AT nos termos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, incluindo averiguar o tipo de rendimentos declarados na respetiva declaração e ao sujeito passivo cabe-lhe o dever de colaboração nos termos do artigo 59º da LGT;

3. É crucial, de modo a cumprir com o princípio da verdade material e de modo a salvaguardar dos direitos do sujeito passivo, que a comunicação transmitida pelas autoridades tributárias estrangeiras tenha o conteúdo mínimo da informação, clara e segura e a respetiva diferenciação, e que não existam incongruências relevantes nas informações prestadas, uma vez que é com base nestas informações que a AT fundamentou a sua decisão de proceder à emissão de uma liquidação oficiosa do imposto, o mesmo sucedendo com as comunicações e fundamentação transmitidas pela AT ao sujeito passivo.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

  1. Relatório

 

1.  A..., com o número de identificação fiscal ... e mulher B..., com o número de identificação fiscal ..., residentes na Rua ..., ..., ..., ...– ...Lisboa, doravante designados por Requerentes, apresentaram, em 17 de março de 2022, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021 ... e os correspondentes actos de liquidação de Juros Compensatórios por recebimento indevido n.º 2021 ... e de liquidação de Juros Compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2021 ..., todos relativos ao ano de 2017 e, bem assim, da respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021 ..., da qual resulta o valor total a pagar de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos), sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

 

2. Pedem, ainda, os Requerentes o reembolso das importâncias indevidamente pagas no valor total de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos), bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 18 de março de 2022, e posteriormente notificado à AT.

 

4. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 9 de maio de 2022, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

5. Em 9 de maio de 2022, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 27 de maio de 2022.

 

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).

 

8. Aquando da apresentação da sua resposta (21 de julho de 2022), a AT revogou parcialmente o ato contestado.

 

9. Em 8 de agosto de 2002, os Requerentes exerceram o contraditório sobre o despacho da AT que revogou parcialmente o ato contestado. 

 

10. Em 6 de setembro de 2022, a AT juntou aos autos documentos relativos a elementos comunicados à AT pela administração fiscal francesa no âmbito da troca automática internacional de informações fiscais.

 

11. Em 19 de setembro de 2002, os Requerentes exerceram o contraditório sobre os documentos junto aos autos pela AT.

 

12. Por despacho de 24 de novembro de 2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

 

13. No mesmo despacho de 25 de novembro de 2022, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

14. As partes apresentaram alegações.

 

15. Por despachos de 26 de janeiro de 2023 e de 26 de março de 2023, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

 

II. Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

5. O Tribunal é competente.

 

III. Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:

 

A) No ano de 2017, os Requerentes tinham residência fiscal em Portugal (Cfr. documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

B) Em  26 de junho de 2021, e por iniciativa própria, os Requerentes entregaram uma declaração de substituição da sua declaração anual de rendimentos em sede de IRS (Modelo 3), referente ao ano de 2017, na qual declararam, no respectivo Anexo J, o montante de € 25.813,18 (vinte e cinco mil, oitocentos e treze euros e dezoito cêntimos), com referência a rendimentos de trabalho dependente cujo Estado da fonte era França (Cfr. documento nº. 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

 

C) Na sequência da apresentação da referida declaração anual de rendimentos, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2021..., datada de 5 de Julho de 2021, e dos correspondentes actos de liquidação de Juros Compensatórios por recebimento indevido n.º 2021 ... e liquidação de Juros Compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2021 ..., relativos ao ano de 2017 e, bem assim, da Demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor total a pagar de € 13.820,92 (treze mil, oitocentos e vinte euros e noventa e dois cêntimos) (Cfr. documentos nº. 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

 

D) No Ofício da Direção de Finanças de Lisboa (DLIRD), enviado ao Requerente em 15 de setembro de 2021, por carta registada, para a morada R. ..., Apartamento N ... –...-... Lisboa, refere-se, além do mais, o seguinte:

“ASSUNTO: DIVERGÊNCIAS R10 - IRS 2017 - DECLARAÇÃO POR VALOR INFERIOR AO CONHECIDO, DE

RENDIMENTOS DE PENSÕES OBTIDOS EM ALEMANHA.

Exma. Senhora

A...

...

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou conhecimento, através da troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei 61/2013 que, para o ano de 2017, obteve rendimentos de pensões em França.

Da análise desta informação consta em seu nome e para o ano de 2017:

• Rendimento de pensões: 89.236,00 €”

(Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

E) Em 8 de outubro de 2021, o Requerente apresentou um pedido de esclarecimentos, através da sua área reservada do Portal das Finanças, questionando a AT sobre que rendimentos seriam esses, bem como, questionando o Estado da fonte, in casu Alemanha, uma vez que não auferiu rendimentos de pensões, nem tampouco auferiu rendimentos com fonte nesse Estado (Cfr. documento nº. 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

F) Em 11 de outubro de 2021, a AT respondeu à questão colocada pelo Requerente, tendo informado que, afinal, não seriam rendimentos de pensões, nem seriam rendimentos com fonte na Alemanha, mas sim rendimento de trabalho dependente, com fonte em França (Cfr. documento nº. 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

G) Posteriormente, os Requerentes foram notificados do Despacho proferido a 17 de Outubro de 2021 pela Directora de Finanças Adjunta de Lisboa, no qual é referido que a sua declaração de IRS de 2017 iria ser corrigida oficiosamente com base no entendimento de que o Requerente “(…) obteve rendimentos de pensões em ALEMANHA, no montante de € 89.236,00.” —  (Cfr. documento nº. 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

H) Na Informação de 15 de outubro de 2021 para que remete a decisão da Direção de Finanças de Lisboa de se proceder à correção oficiosa da declaração de IRS de 2017 dos Requerentes, refere-se, além do mais, o seguinte:

“Informação

PROJETO CORREÇÃO

  1. A Administração Tributária tomou conhecimento, através da troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei 81/2013 que, no ano de 2017, que o sujeito passivo A..., C NIF..., obteve rendimentos de pensões em ALEMANHA, no montante de € 89.236,00.”

 

CONCLUSÃO:

5. Considerando o estabelecido no n° 1 do artigo 15° do Código do IRS, deverá ser incluído no quadro 5-A do Anexo J da declaração de rendimentos Mod. 3 do ano de 2017, o montante de € 89.236,00 referente a rendimento de pensões, tal como consta da referida notificação.

6. Assim sendo, para o efeito, deverá ser elaborado o correspondente documento de correção relativo ao ano de 2017, de harmonia com a proveniência dos rendimentos e valores descritos.

À consideração superior “  (Cfr. documento nº. 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

I) Em 16 de novembro de 2021, o Requerente apresentou um pedido de esclarecimentos, através da sua área reservada do Portal das Finanças, questionando a AT sobre os supostos rendimentos de pensões com fonte na Alemanha, expondo, adicionalmente, que, no ano de 2017, auferiu somente o montante de € 25.813,18 (vinte e cinco mil, oitocentos e treze euros e dezoito cêntimos) de rendimentos de trabalho dependente cujo Estado da fonte era França — (Cfr. documento nº. 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

J) Em anexo ao pedido de esclarecimentos referido em I, o Requerente apresentou um recibo de vencimento emitido pela sua entidade patronal em França, referente a Dezembro de 2017, no qual consta o valor de € 25.813,18 como rendimento global tributável desse ano (“cumul imposable”) — (Cfr. documento nº. 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

L) Em anexo ao pedido de esclarecimentos referido em I, o Requerente apresentou uma declaração da C..., sua entidade patronal francesa, de 20 de maio de 2021, na qual se declara que, no ano de 2017, o Requerente auferiu um rendimento tributável no valor de € 25.813,18 — (Cfr. documento nº. 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

M) Em Novembro de 2021, a AT procedeu à emissão do ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021... e dos correspondentes actos de liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido n.º 2021 ... e de liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2021 ..., todos relativos ao ano de 2017 e, bem assim, da respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021 ..., da qual resulta o valor total a pagar de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos) - (Cfr. documentos nº. 1 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

N) Em 24 de dezembro de 2021, os Requerentes procederam ao pagamento voluntário da quantia de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos) (Cfr. documento nº. 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

O) Em 17 de março de 2022, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

P) Em 21 de julho de 2022, a AT veio informar que revogou «parcialmente o ato contestado» (Cfr. documento nº 1 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

 

Q) Na Informação para que remete a decisão de revogação, refere-se, além do mais, o seguinte:

“2. No âmbito da troca automática de informação, nos termos do artigo 8.º da Diretiva 2011/16/EU do Conselho de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013 de 10 de maio), a Autoridade Fiscal Francesa comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira (“ATA”), que o requerente, no ano de 2017, auferiu rendimentos de trabalho dependente de fonte francesa no montante de €89.236,00.”

“4. O requerente A... alega, entre outros argumentos, que somente auferiu em França rendimentos de trabalho dependente no montante de €25.813,18 (cfr. pontos 57.º a 65.º da PI).”

5. Para comprovar o alegado, o requerente apresentou os seguintes documentos: - Recibo de vencimento do mês de dezembro de 2017, no qual consta um rendimento acumulado tributável (“cumul imposable”) no valor de €25.813,18; - Declaração emitida pela entidade patronal C... na qual consta que o contribuinte A... auferiu no ano de 2017 um rendimento líquido tributável no valor de €25.813,18.”

“6. Apesar de não ter sido exibido documento emitido ou autenticado pela autoridade fiscal francesa para comprovar o montante dos rendimentos, conforme consta expressamente das instruções de preenchimento do Anexo J aprovadas pela Portaria n.º 385-H/2017, de 29 de Dezembro, ficou suscitada a dúvida quanto ao valor dos rendimentos de fonte francesa auferidos pelo contribuinte no ano de 2017, pelo que foi desencadeado o mecanismo de troca de informação com a Autoridade Fiscal Francesa, no sentido esclarecer qual o valor dos rendimentos efetivamente auferidos pelo contribuinte no ano de 2017.”

“7. Em 17/06/2022, a Autoridade Fiscal Francesa informou o seguinte: - A discrepância resulta do facto de ter sido cancelada pela empresa a declaração de rendimentos e substituída por outra pelo mesmo montante. - Foi identificado em 2020 um problema na transferência de dados, que reportou o valor acumulado da declaração de rendimentos normal e da declaração de substituição. - Os montantes corretos a considerar são: 1) Salários pagos por C...: EUR 1809 de rendimento de atividade (“income from activity”), e 1269 de honorários profissionais (“professional fees”); 2) Salários pagos por C...: EUR 24004 de rendimento de atividade (“income from activity”), e 19075 de honorários profissionais (“professional fees”). “

“8. Assim sendo, face à informação agora prestada pela Autoridade Fiscal Francesa, conclui-se que o rendimento ilíquido de trabalho dependente, de fonte francesa, ascendeu a €46.157,00 (€1.809,00 + €1.269,00 + €24.004,00 + €19.075,00). 9. O valor declarado pelo contribuinte no Anexo J da declaração Modelo 3, €25.813,18, corresponde à soma das verbas designadas de “rendimento de atividade” (€1.809,00+€24.004,00). Constatando-se deste modo, que não são tributadas em França as verbas designadas de “honorários profissionais”.”

“10. No entanto, em sede de IRS, “[c]onsideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular (…)”, em conformidade com o disposto no artigo 2.º do Código do IRS, pelo que estão sujeitas a IRS a totalidade das remunerações de fonte francesa, reportadas pela Autoridade Fiscal Francesa, no montante total de €46.157,00.“

“24. Na situação em análise, verifica-se que o contribuinte A..., no ano de 2017, auferiu rendimentos de trabalho dependente, de fonte francesa, os quais veio a declarar, apenas parcialmente, em 29/06/2021, através da submissão da declaração de rendimentos Modelo 3 (de substituição), registada sob o n.º ... - 2017 - ...– ... .”

“29. Analisados os factos que originaram a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2017, verifica-se não existir erro imputável aos serviços, uma vez que a liquidação de IRS foi efetuada com base na informação prestada pela Autoridade Fiscal Francesa, a qual faz fé, de acordo com o disposto no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.”

“30. Tendo a Autoridade Fiscal Francesa, vindo a reconhecer a existência de erro na comunicação dos rendimentos do contribuinte A..., somente aquando do pedido de troca de informação despoletado pela Direção de Serviços de Relações Internacionais.”

“31. Conclui-se assim, que não houve erro imputável aos serviços, porquanto a liquidação oficiosa de IRS foi efetuada em conformidade com a informação disponível à data, e sem que o contribuinte tivesse apresentado em momento oportuno documento comprovativo dos rendimentos obtidos em França, os quais teriam determinado o recurso ao mecanismo de Informação troca de informação com a Autoridade Fiscal Francesa anteriormente à liquidação agora contestada.”

“Conclusão:

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que a liquidação IRS do ano 2017 n.º 2021 ..., e respetivas liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2021... e 2021-..., as quais originaram a Nota de Cobrança n.º 2021... no valor total a pagar de €36.190,25, deverão ser revogadas parcialmente.” (Cfr. documento nº 1 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

 

2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

            Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

 

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos juntos pelos Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, pela Requerida, atrás identificados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no PA e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

3. Factos não provados

 

Não se provou que o Requerente, no ano de 2017, tenha auferido rendimentos do trabalho dependente com origem na França em montante superior a € 25.813,18 (vinte e cinco mil, oitocentos e treze euros e dezoito cêntimos)

 

Não se provou que Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse praticado qualquer acto em substituição das liquidações de IRS e de juros compensatórios impugnadas.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

  1.  Matéria de Direito

 

1.  Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

1.1. Posições das Partes

 

Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes alegaram, em síntese, o seguinte:

 

- Que do ato de liquidação de IRS não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, sendo que tal omissão causa uma incerteza aos Requerentes que impossibilita a preparação da sua defesa;

 

- Que não foram os Requerentes notificados para exercer o seu direito de audição prévia à concreta emissão da liquidação de imposto, sendo que a falta de audição prévia do contribuinte, que era obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada;

 

- Que a AT  procedeu à emissão de uma liquidação oficiosa, “invocando supostos rendimentos auferidos pelo Requerente A... no estrangeiro (…), mas sem concretização de base factual daquilo que invocam e em que, supostamente, assenta, em clara e evidente violação do disposto no artigo 74.º da LGT “;

 

- Que a AT, para fundamentar a  emissão de uma liquidação oficiosa, “limita-se a afirmar que o Requerente A... “(…) obteve rendimentos de pensões em Alemanha, no montante de € 89.236,00.”, sem apresentar qualquer documento ou qualquer outra forma de prova, sem demonstrar quaisquer evidências dos factos que poderiam ser constitutivos do seu alegado e pretenso direito tributário.”;

 

- Que “somente após a questão colocada pelo Requerente A... no e-balcão (…)é que a Administração tributária vem, afinal, afirmar que os rendimentos foram auferidos em França, já não sendo rendimentos de pensões mas rendimentos de “[t]rabalho Dependente - AllowanceLinkedToWork 39.419,0 € Trabalho Dependente -WagesOtherOrUnspecified 49.817,00 €.” (…), sem contudo juntarem ou apresentarem qualquer documentação referente aos mesmos.”;

 

            - Que “os alegados elementos invocados pela Administração tributária não possuem qualquer adesão à realidade, nem idoneidade suficiente, para lograr demonstrar os factos de que dependeria o direito a tributar”;

 

            - Que “recai sobre a Administração tributária (…) o ónus de provar os factos constitutivos dos direitos que invoca”;

 

- Que as liquidações de juros compensatórios são ilegais;

 

- Que os Requerentes têm o direito a juros indemnizatórios.

 

Na sua resposta, a AT alegou, em síntese, o seguinte:

 

- Que inexiste falta de fundamentação do ato de liquidação, uma vez que os elementos que instruíram o procedimento de correção oficiosa, notificados aos Requerentes, permitiram que estes fizessem o “itinerário cognoscitivo do procedimento de correção, que culminou com a emissão da liquidação oficiosa de IRS contestada”;

 

- Que os Requerentes foram notificados, quer do projeto decisório, quer do despacho final, pelo que deve improceder o alegado vício de violação de lei por preterição de formalidade essencial;

 

- Que “Os valores que deram origem à liquidação impugnada resultaram da troca automática de informação, nos termos do artigo 8.º da Diretiva 2011/16/EU do Conselho, de 15/02/2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, entre a Autoridade Fiscal Francesa e a AT, onde a primeira comunicou que, em 2017, o Requerente, auferiu rendimentos de trabalho dependente de fonte francesa no montante de €89.236,00.”;

 

- Que “foi por motivo imputável aos Requerentes, e não à Requerida, o retardamento da liquidação de imposto e recebimento indevido de reembolso de IRS”;

 

- Que, quanto ao pedido de juros indemnizatórios, “não existe erro imputável aos serviços, uma vez que a liquidação de IRS foi efetuada com base na informação prestada pela Autoridade Fiscal Francesa, a qual faz fé (…)”;

 

- Que foi reconhecido a existência de erro na comunicação dos rendimentos do Requerente aquando do pedido de troca de informação despoletado pela Direção de Serviços de Relações Internacionais;

 

- Que que não houve erro imputável aos serviços, “porquanto a liquidação oficiosa de IRS foi efetuada em conformidade com a informação disponível à data, e sem que os Requerentes tivessem apresentado em momento oportuno documento comprovativo dos rendimentos obtidos em França, os quais teriam determinado o recurso ao mecanismo de troca de informação com a Autoridade Fiscal Francesa em momento anterior à liquidação agora contestada.”

 

- Que “Não obstante não tenha sido apresentado pelos Requerentes documento emitido ou autenticado pela autoridade fiscal francesa para comprovar o montante dos rendimentos, conforme consta expressamente das instruções de preenchimento do Anexo J , face à discrepância dos valores comunicados pela Administração Fiscal Francesa e os declarados pelos Requerentes, a Requerida desencadeou o mecanismo de troca de informação com a Autoridade Fiscal Francesa, no sentido de esclarecer qual o valor dos rendimentos efetivamente auferidos pelo Requerente no ano de 2017.”;

 

- Que em “17/06/2022, e no seguimento do pedido de esclarecimentos supra, a Autoridade Fiscal Francesa informou o seguinte: - A discrepância resulta do facto de ter sido cancelada pela empresa a declaração de rendimentos e substituída por outra pelo mesmo montante. - Foi identificado em 2020 um problema na transferência de dados, que reportou o valor acumulado da declaração de rendimentos normal e da declaração de substituição. - Os montantes corretos a considerar são: 1) Salários pagos por C...: EUR 1809 de rendimento de atividade (“income from activity”), e 1269 de honorários profissionais (“professional fees”); 2) Salários pagos por C...: EUR 24004 de rendimento de atividade (“income from activity”), e 19075 de honorários profissionais (“professional fees”).;

 

- Que “Nos termos do agora informado pela Autoridade Fiscal Francesa, o rendimento ilíquido de trabalho dependente, de fonte francesa, ascendeu a €46.157,00 (€1.809,00 + €1.269,00 + €24.004,00 + €19.075,00).”;

 

- Que o valor declarado pelos Requerentes no Anexo J da declaração Modelo 3, €25.813,18, corresponde à soma das verbas designadas de “rendimento de atividade” (€1.809,00+€24.004,00);

 

- Que “em França não são tributadas as verbas designadas de “honorários profissionais”; 

 

- Que “No entanto, nos termos do disposto no artigo 2.º do CIRS, e ao invés do que sucede em França, em Portugal consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular.”; 

 

- Que “estão sujeitas a IRS a totalidade das remunerações de fonte francesa, reportadas pela Autoridade Fiscal Francesa, no montante total de €46.157,00.”; 

 

 

1.2.  Ordem de conhecimento dos vícios

 

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados aos atos impugnados vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a, que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz à tutela dos interesses ofendidos.

 

Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

 

Por isso, não se apreciarão prioritariamente os vícios de falta de fundamentação e de preterição de formalidade essencial invocados pelos Requerentes, que têm natureza essencialmente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do ato com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar o vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação dos atos de liquidação.

 

1.3 Apreciação da questão suscitada pelos Requerentes relativamente à legalidade da liquidação de IRS por erro na qualificação e quantificação dos rendimentos

 

Os argumentos trazidos aos autos centram-se nas exigências sobre o conteúdo das informações transmitidas pelas autoridades fiscais francesas à AT para efeitos de qualificação jurídico-fiscal dos rendimentos efetivamente auferidos pelos Requerentes e com a questão do ónus da prova.

 

Resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que:

"o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

 

Sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Decisão do Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015 e Decisão do Processo Arbitral nº 64/2018-T de 22 de agosto de 2018).

 

Nesse mesmo sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11:

“Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.”

 

Com efeito, o referido acórdão é bastante esclarecedor quanto à distribuição do ónus da prova, para o qual se remete:

“Cumpre, pois, responder à questão – meramente de direito, como deixámos já dito, e, por isso, compreendida no âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal – de saber sobre quem recai o ónus da prova de tal facto, contra quem deve ser decidida a questão de saber se as referidas benfeitorias foram ou não transmitidas.(…) Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos. Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004. (…) Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material). (…)Assim, no caso dos autos, podemos avançar as seguintes conclusões, de acordo com a jurisprudência há muito firmada nos tribunais tributários: porque a liquidação adicional de IRC tem por fundamento o não reconhecimento pela AT de uma parcela do valor de aquisição (a respeitante às despesas declaradas com a realização das benfeitorias), compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, demonstrar a existência de indícios sérios de que a transmissão das benfeitorias cujo valor integra o valor de aquisição não ocorreu; feita essa prova, recai sobre o Contribuinte o ónus da prova da existência dessa transmissão, que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, na sua matéria tributável; neste caso, não bastará ao Contribuinte criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 121.º do CPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado nesse preceito legal contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao Contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, do seu lucro tributável. Daí que tenhamos dito que à AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que a transmissão em causa não ocorreu, Se o fizer, estará materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar as despesas em causa como parte integrante do valor de aquisição a utilizar no apuramento das mais-valias e, consequentemente, estará ilidida a presunção de veracidade da escrita, consagrada à data no art. 78.º da CPT. É este mesmo artigo que refere que a presunção nele consagrada pode ser afastada, designadamente, pela verificação de «outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (Ou seja, apesar de estarmos perante uma presunção legal, para ela ser ilidida não é necessária prova em contrário – diversamente do que, geralmente, se exige relativamente às presunções deste tipo (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC), pois o art. 78.º, in fine, do CPT estabelece, com carácter especial, regime diverso de ilisão da presunção.).”

 

E conclui o Acórdão que:

“Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias. À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT). Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.”

 

Ainda no âmbito da mesma jurisprudência, embora sobre um tema diferente, mas de relevo para a fundamentação da presente decisão arbitral, decidiu-se no Acórdão Arbitral relativo ao Processo 236/1014-T de 4 de Maio de 2015, o seguinte:

“Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca..” (…) Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.”. (nosso negrito)

(…) Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…) Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).

Daí que incida sobre a Requerente o ónus da demonstração efectiva dos factos inscritos e das razões na base dos ajustamentos realizados na contabilidade, não bastando ficar a dúvida sobre a viabilidade da respectiva justificação, porquanto o disposto no n.º 1 do art. 110.º do CPPT tem a sua aplicação fulcral quando é a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação (cfr., assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11). Deste modo, a prova produzida deve assegurar, com a certeza exigível, que as regularizações e ajustamentos realizados possuem consistência e materialidade bastante em face das justificações que lhe presidem.”

 

Em qualquer caso, sobre as declarações dos Requerentes, existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual estabelece:

"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".

 

Sendo que o afastamento da presunção ocorre quando:

“as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).

 

Assim sendo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, impende sobre os Requerentes o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correcção.

 

Por sua vez, cabe à AT o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado respeitante à omissão pelos Requerentes na declaração de rendimentos de 2017 do montante de € 89.236,00, sendo que para a AT posteriormente ao pedido de pronúncia arbitral, já seriam apenas € 46.157,00.

 

Ou seja, cabia à AT, nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do Código Civil (CC) fazer a prova de que a declaração dos Requerentes não corresponde à verdade.

 

Todavia, entende o Tribunal que a Requerida não produziu a prova que permita afastar a presunção estipulada no artigo 75.º n. 1 e n.º 2 alínea a) e b) da LGT.

 

            Pelo que se conclui que compete à AT (artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC), que invoca que os Requerentes omitiram rendimentos obtidos no estrangeiro, o respetivo ónus da prova do facto invocado, e compete aos Requerentes prestar os esclarecimentos da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 al.b) e comprovar por recurso a elementos de prova os rendimentos por si declarados nas suas declarações de rendimentos.

 

Sendo que, caso existam dúvidas quanto à natureza e montantes de rendimentos que são comunicados pela informação transmitida à AT, ao abrigo dos mecanismos de troca de informações, cabe à AT nos termos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, incluindo averiguar o tipo de rendimentos declarados na respetiva declaração e ao sujeito passivo cabe-lhe o dever de colaboração nos termos do artigo 59º da LGT.

 

Ora, a AT alegou para fundamentar a sua pretensão, a comunicação a si transmitida, ao abrigo dos mecanismos de troca de informações, pelas autoridades fiscais francesas.

 

Perante o exposto, é crucial, de modo a cumprir com o princípio da verdade material e de modo a salvaguardar dos direitos do sujeito passivo, que a comunicação transmitida pelas autoridades tributárias estrangeiras tenha o conteúdo mínimo da informação, clara e segura e a respetiva diferenciação, e que não existam incongruências relevantes nas informações prestadas, uma vez que é com base nestas informações que a AT fundamentou a sua decisão de proceder à emissão de uma liquidação oficiosa do imposto.

 

E também é crucial, de modo a cumprir com o princípio da verdade material e de modo a salvaguardar dos direitos do sujeito passivo, que as comunicações e fundamentação transmitidas pela AT ao sujeito passivo sejam claras e seguras e que não existam incongruências relevantes.

 

Perante a reação da Requerente à natureza e montante dos rendimentos omissos, a AT poderia ter solicitado às autoridades francesas esclarecimentos sobre a informação prestada. Fê-lo posteriormente à emissão das liquidações contestadas e, atente-se, posteriormente à apresentação do pedido de pronúncia arbitral e da constituição do tribunal arbitral. E nem nesse momento as dúvidas foram devidamente eliminadas. Bem pelo contrário.

 

            Atendendo à matéria de facto dada como provada, são significativas e deveras relevantes as incongruências nas informações e na fundamentação das liquidações oficiosas contestadas.

 

            Vejamos:

 

No Ofício da Direção de Finanças de Lisboa (DLIRD), enviado ao Requerente em 15 de setembro de 2021, , refere-se:

- “ASSUNTO: DIVERGÊNCIAS R10 - IRS 2017 - DECLARAÇÃO POR VALOR INFERIOR AO CONHECIDO, DE RENDIMENTOS DE PENSÕES OBTIDOS EM ALEMANHA.

- A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou conhecimento, através da troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei 61/2013 que, para o ano de 2017, obteve rendimentos de pensões em França.

Da análise desta informação consta em seu nome e para o ano de 2017:

• Rendimento de pensões: 89.236,00 €”

(negrito nosso)

 

Em 11 de outubro de 2021, a AT respondeu à questão colocada pelo Requerente através da sua área reservada do Portal das Finanças, tendo informado que, afinal, não seriam rendimentos de pensões, nem seriam rendimentos com fonte na Alemanha, mas sim rendimento de trabalho dependente, com fonte em França.

 

Posteriormente, os Requerentes foram notificados do Despacho proferido a 17 de Outubro de 2021 pela Directora de Finanças Adjunta de Lisboa, no qual é referido que a sua declaração de IRS de 2017 iria ser corrigida oficiosamente com base no entendimento de que o Requerente “(…) obteve rendimentos de pensões em ALEMANHA, no montante de € 89.236,00.”;

(negrito nosso)

 

Na Informação de 15 de outubro de 2021 para que remete a decisão da Direção de Finanças de Lisboa de se proceder à correção oficiosa da declaração de IRS de 2017 dos Requerentes, refere-se, além do mais, o seguinte:

“Informação

PROJETO CORREÇÃO

  1. A Administração Tributária tomou conhecimento, através da troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei 81/2013 que, no ano de 2017, que o sujeito passivo A...,  NIF..., obteve rendimentos de pensões em ALEMANHA, no montante de € 89.236,00.”

CONCLUSÃO:

5. Considerando o estabelecido no n° 1 do artigo 15° do Código do IRS, deverá ser incluído no quadro 5-A do Anexo J da declaração de rendimentos Mod. 3 do ano de 2017, o montante de € 89.236,00 referente a rendimento de pensões, tal como consta da referida notificação.”

(negrito nosso)

 

E, como atrás se referiu, já posteriormente à apresentação do pedido de pronúncia arbitral e da constituição do tribunal arbitral, vem a AT revogar parcialmente os actos de liquidação contestados, informando que os rendimentos omitidos seriam apenas € 46.157,00, sendo que a  “discrepância resulta do facto de ter sido cancelada pela empresa a declaração de rendimentos e substituída por outra pelo mesmo montante” e “foi identificado em 2020 um problema na transferência de dados, que reportou o valor acumulado da declaração de rendimentos normal e da declaração de substituição.” (vide Resposta da AT).

 

Ou seja: - os rendimentos omitidos eram rendimentos de pensões da Alemanha; depois já eram rendimentos do trabalho dependente de França; posteriormente são novamente rendimentos de pensões da Alemanha; a seguir, são rendimentos do trabalho dependente de França; já não são € 89.236,00 mas apenas € 46.157,00; houve discrepâncias e problemas de transferência de dados…   

 

A qualificacão de eventuais verbas designadas de “honorários profissionais” (“professional fees”), a existirem separadamente, e a serem considerados como “rendimentos do trabalho dependente”, não constantes das declarações emitidas pela sociedade francesa e inexistentes em documentos oficiais da autoridade tributária francesa, levantam ao Tribunal sérias dúvidas da sua existência, que não poderão deixar de ser analisadas e decididas ao abrigo das atrás enunciadas regras e princípios relativas ao ónus da prova.    

 

E, sem prejuízo de todas estas incongruências, a AT emitiu declarações oficiosas, naturalmente com este tipo de fundamentação. 

 

            Portanto, se é certo que o Tribunal reconhece a importância dos mecanismos de troca de informações para fazer face a situações de evasão fiscal, também é seguro que a fiabilidade das informações prestadas pelas autoridades fiscais estrangeiras não é total, e não foi seguramente no caso dos autos.  Como também não o foi a actuação da AT na sucessão de comunicações efetuadas e na fundamentação das liquidações que emitiu.

 

  Aliás, os próprios Requerentes procuraram demonstrar, e conseguiram-no na medida do que lhes seria possível e exigido, que os valores auferidos pelo Requerente marido, na França, foram no montante de € 25.813,18 (vinte e cinco mil, oitocentos e treze euros e dezoito cêntimos), a título de rendimentos de trabalho dependente.

 

Para a formação da convicção do Tribunal são seguramente relevantes a apresentação  do recibo de vencimento emitido pela C..., entidade patronal do Requerente em França, referente a Dezembro de 2017, no qual consta o valor de € 25.813,18 como rendimento global tributável desse ano (“cumul imposable”), bem como a apresentação de uma declaração da mesma sociedade, de 20 de maio de 2021, na qual se declara que, no ano de 2017, o Requerente auferiu um rendimento tributável no valor de € 25.813,18, bem como o facto de terem sido tais rendimento declarados, embora em declaração de substituição, por sua iniciativa e antes da primeira comunicação da AT sobre a eventual omissão de rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

            Na linha do que vem sendo dito, não pode o Tribunal deixar de referir, igualmente, decisão tomada no âmbito do Processo Arbitral nº 68/2019 T, de 2/7/2019:

 

“A tributação dos rendimentos das diferentes categorias depende da verificação do correspondente facto tributário, constitutivo da relação jurídico-tributária (art. 36.º, n.º1, da LGT). Os princípios da justiça e da verdade material obrigam a que sejam tomados em conta os elementos probatórios adequados e necessários à respetiva comprovação. À AT incumbe, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Nos termos do artigo 100.º, n.º1, do CPPT, “[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”

 

Acrescenta-se ainda que a «revogação parcial», comunicada pela AT nos termos do nº 1 do artigo 13.º do RJAT, é irrelevante para efeitos do presente processo, pois não foi comunicada no prazo aí previsto e não foi acompanhada de prática de acto de substituição.

 

Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo 13.º do RJAT, sob a epígrafe “Efeitos do pedido de constituição de tribunal arbitral”, que:

 

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.” 

 

Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que as liquidações de IRS e de juros compensatórios impugnadas enfermam de vício de erro na qualificação e quantificação dos rendimentos, que constitui ilegalidade [artigo 99.º, alínea a), do CPPT], que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

Deste modo, procede, assim, na íntegra, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, sendo ilegais os atos de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021 ... e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido n.º 2021 ... e de liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2021 ..., todos relativos ao ano de 2017 e, bem assim, a respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., da qual resultou o valor total a pagar de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos), devendo, como tal, serem anulados, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

1.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pelos Requerentes.

 

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelos Requerentes.

 

 

 

1.5. Liquidações de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, tendo como pressuposto a contestada liquidação de IRS (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam esta, justificando-se também a sua anulação.

 

 

1.6. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Os Requerentes formulam pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT em excesso, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

 

              A Requerida não põe em causa o pagamento do imposto, limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, a Requerida absolvida de todos os pedidos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto declaração de ilegalidade do ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021 ... e dos correspondentes actos de liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido n.º 2021 ... e de liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2021 ..., todos relativos ao ano de 2017 e, bem assim, da respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor total a pagar de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos).

 

Por isso, os Requerentes têm o direito de ser reembolsados da quantia paga em excesso, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos) paga indevidamente pelos Requerentes em 24 de dezembro de 2021.

 

A ilegalidade desta liquidação é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei relativa ao ónus da prova e de vício de erro na qualificação e quantificação dos rendimentos

 

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que os Requerentes efectuaram  o pagamento (24/12/2021) até ao integral pagamento do montante que devem ser reembolsados, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021 ... e dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido n.º 2021 ... e de liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2021 ..., todos relativos ao ano de 2017 e, bem assim, da respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor total a pagar de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos);

 

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso da quantia de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos) e ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor dos Requerentes, em virtude do imposto indevidamente pago, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar aos Requerentes a quantia que for liquidada em execução do presente acórdão, desde a data em que os Requerentes efectuaram o pagamento (24/12/2021) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal;

 

  1. Condenar a AT nas custas do processo nos termos do decidido em VII.

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 36.190,25 (trinta e seis mil, cento e noventa euros e vinte e cinco cêntimos), atribuído pelos Requerentes, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 25 de maio de 2023

 

O Árbitro,

 

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado