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DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Cristina Maria da Costa Pinto e Dr. Sérgio Santos Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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A… UNIPESSOAL LDA., NIPC …, com sede social no …, Vila ... (“Requerente”), tendo sido notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2021 …, de 24-11-2021, relativa ao exercício de 2017, assim como da respetiva liquidação de juros compensatórios (com o n.º 2021 …) e da demonstração de acerto de contas identificada sob o documento n.º 2021 …, com o valor a pagar de € 236.305,27 e data limite de pagamento em 13-01-2022, veio, em 13-04-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) no n.º 2 do artigo 6.º, e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com o artigo 95.º da LGT e com o artigo 99.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista à declaração de ilegalidade e anulação do atos tributários supra identificados, à restituição do montante de € 236.305,27 e à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre este valor.
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É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 14-04-2022 e seguidamente notificado à Requerida.
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Em conformidade com o disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
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O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 23-06-2022.
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Em 11-09-2023, a Requerida apresentou a sua Resposta e remeteu o processo administrativo.
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Por despacho de 03-10-2022, o Tribunal Arbitral convidou as Partes a pronunciarem-se sobre a necessidade de realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e de alegações finais escritas.
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A Requerida e a Requerente prescindiram da reunião do artigo 18.º do RJAT e de alegações finais escritas em 07-10-2022 e 10-10-2022, respetivamente.
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Em 19-10-2022, a Requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
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O Tribunal prorrogou o prazo para prolação da Decisão Arbitral, por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, em 21-12-2022, 23-02-2023 e 21-04-2023.
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SANEAMENTO
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O PPA apresentado em 13-04-2022 é tempestivo porquanto apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do termo do prazo para pagamento da liquidação adicional de IRC n.º 2021 …, de 24-11-2021 (ou seja, a contar de 13-01-2022), nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas (cf. artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
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O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.
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MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
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Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente exerce uma atividade de fabricação de guarda-sóis e chapéus de chuva, dispondo de uma unidade fabril em Vila ..., desempenhando também a função de distribuição no mercado nacional (cf. Relatório Final de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 4).
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A Requerente integra o Grupo B…, com presença em Portugal e em Espanha, que se dedica essencialmente ao fabrico de guarda-chuvas (cf. Relatório Final de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 4).
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Nos exercícios de 2015, 2016 e 2017, a Requerente realizou os seguintes investimentos:
(cf. alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida).
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Entre 23-03-2021 e 19-11-2021, a AT conduziu um procedimento inspetivo externo relativamente ao IRC do exercício de 2017 da Requerente, tendo o dito procedimento sido credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2019…, emitida a 14-10-2019 (cf. Relatório Final de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 4).
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Em 19-11-2021, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária, nos termos do qual a sua matéria coletável em sede de IRC do ano de 2017 foi corrigida em € 647.930,08, e o imposto devido corrigido em € 57.807,00:
(cf. Relatório Final de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 4).
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O referido Relatório Final de Inspeção Tributária fundamenta estas correções da seguinte forma:
(cf. Relatório Final de Inspeção Tributária junto ao PPA como Documento 4).
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Na sequência deste Relatório de Inspeção Tributária, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2021 …, de 24-11-2021, relativa ao exercício de 2017, assim como da respetiva liquidação de juros compensatórios (com o n.º 2021 …) e da demonstração de acerto de contas identificada sob o documento n.º 2021 …, com o valor a pagar de € 236.305,27 (cf. Documentos 1, 2 e 3 juntos ao PPA).
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Em 13-04-2022, a Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral.
§2. Factos não provados
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Consideram-se como não provado o seguinte facto relevante para o conhecimento da causa:
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A Requerente adquiriu prestações de serviços de cedência de pessoal a empresas do mesmo grupo (B… SA, E… DC, D…), no valor de € 606.600,00.
§3. Fundamentação da matéria de facto
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Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados, e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
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Relativamente à aquisição de prestações de serviços de cedência de pessoal no valor de € 606.600,00 (facto não provado), cumpre sublinhar que, quando é questionada a veracidade (existência e montante) de uma despesa contabilizada por uma sociedade, o ponto de partido é a presunção de que as declarações e contabilidade da sociedade são verdadeiras e de boa-fé (cf. artigo 75.º, n.º 1, da LGT). Todavia, esta presunção não impede a AT de controlar os factos declarados pelos sujeitos passivos (nomeadamente quanto à existência e montante de uma despesa contabilizada por uma sociedade), antes impondo à AT o ónus de recolha de indícios sérios e suficientes de que os factos declarados pelo sujeito passivo não correspondem à realidade.
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Nos termos do artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, a presunção do n.º 1 do mesmo artigo cessa (e inverte-se o ónus da prova) quando as declarações, contabilidade ou escrita do sujeito passivo revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que os mesmos não refletem ou impedem o conhecimento da real matéria tributável do sujeito passivo. Como enunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Douto Acórdão de 16-04-2015, processo n.º 00448/07.0BEPNF:
“Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das prestações de serviços ou transações tituladas pelas faturas”.
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No caso em apreço, no decurso do procedimento inspetivo, a AT recolheu elementos concretos e indícios fortes de que o valor dos serviços de cedência de pessoal prestados à Requerente não corresponde a € 606.600,00, tendo cumprido o ónus probatório que lhe incumbia nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
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O Tribunal Arbitral ponderou os elementos analisados no Relatório de Inspeção Tributária (designadamente, os registos de assiduidade e de tempos de trabalho, e as entrevistas realizadas pela AT aos trabalhadores cedidos) e aceita as conclusões da AT relativamente aos mesmos:
- “o sujeito passivo prova a existência de trabalhadores deslocados entre empresas do grupo e a inspeção tributária também o validou junto dos três trabalhadores ouvidos em auto de declarações, no âmbito deste procedimento inspetivo, no entanto, não conseguiu fazer prova da sua verdadeira cedência/prestação de serviços entre empresas do grupo, nomeadamente, quanto ao número de dias de trabalho efetuado por trabalhadores cedidos e ficando, também, por esclarecer que serviços foram efetivamente prestados pelas empresas do grupo e que estiveram na base do cálculo dos gastos a imputar à A… PT, no âmbito desses acordos (contratos)”;
- “várias incongruências entre os documentos apresentados pelo sujeito passivo para justificar a imputação destes gastos e também quando se compara esses documentos com as declarações dos funcionários, ouvidos em auto de declarações”;
- “sujeito passivo não apresentou provas que nos permitam aferir o real período em que cada trabalhador prestou serviços na empresa portuguesa, pois os documentos apresentados “contradizem” as declarações prestadas pelos trabalhadores ouvidos em auto de declarações (Anexo VI), bem como as faturas que foram emitidas, relativas a estes gastos, não nos permitem validar a efetividade dos serviços prestados”.
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Neste contexto, e à luz do disposto nos artigos 75.º, n.º 2, alínea a), e 74.º, n.º 1, da LGT, passou a caber à Requerente o ónus de fazer a prova do período em que cada trabalhador prestou serviços na empresa portuguesa, e dos gastos em que incorreu relativamente às prestações de serviços que adquiriu.
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Contudo, tanto no decorrer do procedimento inspetivo como do processo arbitral, não conseguiu a Requerente identificar com clareza e rigor os serviços que foram prestados, por quem foram prestados, nem a sua quantificação: Quantos dias de trabalho foram efetuados por trabalhadores cedidos à Requerente? Que serviços estiveram na base do cálculo dos gastos a imputar à Requerente no âmbito dos contratos celebrados com outras empresas do mesmo grupo?
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Embora, em abstrato, o Tribunal Arbitral possa aceitar que foram prestados serviços de cedência de pessoal à Requerente, não é possível ao Tribunal Arbitral, com base na prova constante do processo administrativo e do processo arbitral, aferir o real período em que cada trabalhador cedido prestou serviços na Requerente, ou calcular os gastos subjacentes às efetivas prestações de serviços adquiridas pela Requerente. Na convicção do Tribunal Arbitral, as declarações departamentais e as declarações de entidades terceiras juntas ao PPA (Documentos 5 a 40) não têm credibilidade suficiente para afastar a fragilidade dos elementos fornecidos pela Requerente à AT no decorrer do procedimento inspetivo, nem as conclusões formuladas pela AT no Relatório de Inspeção Tributária.
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Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
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MATÉRIA DE DIREITO
§1. Dos gastos respeitantes à aquisição de prestações de serviços de cedência de pessoal a empresas no mesmo grupo
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A Requerente alega que adquiriu serviços de cedência de pessoal a empresas do grupo B… (C… SA, E… DC, D…) e pretende deduzir os gastos com os mesmos, no montante total de € 606.600,00.
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Todavia, pelas razões referidas supra, o Tribunal Arbitral deu como não provada a aquisição de prestações de serviços de cedência de pessoal no valor de € 606.600,00. Considerando os elementos analisados no Relatório de Inspeção Tributária (designadamente, os registos de assiduidade e de tempos de trabalho, e as entrevistas realizadas pela AT aos trabalhadores cedidos), o Tribunal aceitou a conclusão da AT de que não é possível aferir com rigor que serviços intra-grupo foram efetivamente prestados à Requerente, ou quantificar os gastos subjacentes às efetivas prestações de serviços.
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O facto de a Requerente não ter sucedido em satisfazer o ónus da prova que lhe competia ao abrigo do artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, é fundamento bastante para a AT desconsiderar integralmente os gastos associados a serviços intra-grupo adquiridos pela Requerente, e para o Tribunal Arbitral sancionar as correções ao lucro tributável da Requerente relacionadas com estes gastos.
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Tendo a AT reunido, de forma cabal, indícios sérios e objetivos, credíveis, de que um conjunto de gastos analisados no âmbito da inspeção tributária, não refletiam a realidade, e não tendo a Requerente provado que, não obstante esses fortes indícios, os gastos em causa correspondiam a operações materiais efetivamente realizadas, não existe fundamento para anular a liquidação adicional de IRC que, neste quadro de facto e de direito, foi emitida.
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Da leitura do Relatório de Inspeção Tributária, e considerando as diligências que os serviços encetaram ao longo do procedimento inspetivo, não se vislumbra em que medida a AT violou os princípios do inquisitório e da verdade material, ou do ónus da prova, ou da proporcionalidade, ou da tributação pelo lucro real, ou da capacidade contributiva.
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Assim, o Tribunal Arbitral mantém na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC n.º 2021 …, de 24-11-2021, relativa ao exercício de 2017, assim como a respetiva liquidação de juros compensatórios (com o n.º 2021 …) e a demonstração de acerto de contas identificada sob o documento n.º 2021 …, na parte relativa aos gastos respeitantes à aquisição de prestações de serviços de cedência de pessoal a sociedades do grupo B….
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Improcedendo o PPA na parte relativa aos gastos respeitantes à aquisição de prestações de serviços de cedência de pessoal, improcede o PPA na parte relativa aos juros devidos pela Requerente à sociedade C… SA, no valor de € 35.227,30.
§2. Da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos - DLRR
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A DLRR constitui um regime de incentivos fiscais ao investimento a favor de micro, pequenas e médias empresas que permite a dedução por lucros retidos e reinvestidos. Este regime foi reintroduzido no sistema fiscal com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014). À data dos factos (2017), o regime da DLRR encontrava-se no Código Fiscal do Investimento (CFI) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.
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O artigo 29.º do CFI previa que os sujeitos passivos podiam deduzir à coleta de IRC até 10% dos lucros retidos que fossem reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º, no prazo de três anos, contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos.
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Para o efeito, era necessário os sujeitos passivos demonstrarem que o investimento constituía um “investimento inicial” (tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro), ou seja, um investimento relacionado com (a) a criação de um novo estabelecimento, (b) o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, (c) a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou (d) a alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
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No caso sub judice está em causa a utilização da DLRR no exercício de 2015, no montante de € 41.404,96, e a verificação do investimento nos anos posteriores (2016 e 2017). A AT não contesta que a Requerente adquiriu, em estado novo, quatro moldes, uma cabine de pintura e um “atornillador neumático”. As Partes contendem sobre se a aquisição destes ativos integra o conceito de “investimento inicial” para efeitos da DLRR.
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A Requerente defende que os quatro moldes que adquiriu para ampliar a diversidade de produtos produzidos, e que o investimento numa cabine de pintura e num “atornillador neumático”, integram o conceito de “investimento inicial”, para efeitos do DLRR, porquanto integrados num investimento realizado para melhorar a linha de pintura e molde e iniciar a produção de uma nova cadeira de esplanada em polipropileno reforçado com fibra de vidro. Segundo a Requerente, o investimento em apreço visava contribuir para “a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento” e para “o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”.
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No Relatório de Inspeção Tributária, a AT considerou a aquisição dos ativos em causa como uma aquisição de equipamento básico que não contribui para “a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”, não integrando o conceito de “investimento inicial”.
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O facto de os moldes adquiridos se destinarem à produção de cadeiras de esplanada de modelo diferente dos que já vinham a ser comercializados pela Requerente não demoveu a AT no sentido de aceitar que os moldes contribuíram para “a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento” – erradamente, no entender to Tribunal Arbitral.
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Não obstante a Requerente já produzir cadeiras de esplanada, os novos moldes, cabine de pintura e “atornillador neumático” permitiram à Requerente produzir um novo modelo de cadeira de esplanada, facto que a AT não contesta e que, no entender do Tribunal Arbitral, deverá ser suficiente para integrar a aquisição dos bens em causa no conceito de “investimento inicial”, porquanto a sua aquisição visou “a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento”.
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Nestes termos e com este fundamento, o Tribunal Arbitral declara ilegal e anula, parcialmente, a liquidação adicional de IRC n.º 2021 …, de 24-11-2021, relativa ao exercício de 2017, assim como a respetiva liquidação de juros compensatórios (com o n.º 2021 …) e a demonstração de acerto de contas identificada sob o documento n.º 2021 …, na parte relativa ao benefício fiscal da DLRR.
§3. Da falta de fundamentação
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Alega a Requerente, a título subsidiário, que o Relatório de Inspeção Tributária sofre de graves vícios de fundamentação, como sejam o da incoerência e o da obscuridade, o que tornou bastante complexo o exercício prático dos direitos da Requerente, que não conseguiu compreender a determinante fundamentação sustentadora das correções implementadas.
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A este propósito interessa recordar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06-12-2010, processo n.º 667/10, no qual se pode ler:
“A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. É também pacificamente aceite que não preenche a exigência legal de fundamentação o recurso a meras fórmulas tabelares que não esclareçam devidamente a motivação de facto e de direito que presidiu ao acto da administração. Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que a lei exige uma exposição apenas sucinta dos fundamentos da decisão a fundamentar; que, por isso, não deve ser um “máximo” o conteúdo exigível da declaração fundamentadora; e que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e do contribuinte.”
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Por outras palavras: o ato administrativo-tributário encontra-se devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
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No caso em apreço, o Tribunal Arbitral considera que a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária é clara, suficiente e congruente, e que a Requerente demonstrou, ao longo do PPA, uma perfeita compreensão do mesmo.
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Em consequência, improcede o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.
§4. Dos juros indemnizatórios
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O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
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Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
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Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
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Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido. No caso sub judice, os erros que afetam a liquidação contestada são imputáveis à AT e deles resultou o pagamento de imposto indevido.
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Em consequência, o Tribunal Arbitral condena a AT não só à restituição dos montantes pagos indevidamente pela Requerente, como ao pagamento de juros indemnizatórios sobre estes montantes, desde a data do respetivo pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).
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DECISÃO
Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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Declarar ilegais e anular, parcialmente, a liquidação adicional de IRC n.º 2021 …, de 24-11-2021, relativa ao exercício de 2017, assim como a respetiva liquidação de juros compensatórios (com o n.º 2021 …) e a demonstração de acerto de contas identificada sob o documento n.º 2021 …, na parte relativa ao benefício fiscal da DLRR.
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Condenar a AT a reembolsar a Requerente dos montantes indevidamente pagos relativamente ao benefício fiscal da DLRR.
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Condenar a AT a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos relativamente ao benefício fiscal da DLRR, calculados desde a data do pagamento (indevido) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 236.305,27 (tal como indicado pela Requerente, e não contestado pela Requerida).
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 4.284,00, sendo o mesmo repartido pelas Partes em função do respetivo decaimento, e do valor das correções contestadas no âmbito do processo arbitral. Assim, fica a Requerida responsável pelo pagamento de € 342,72 (8% das custas) e a Requerente responsável pelo pagamento de € 3.941,28 (92% das custas).
Notifique-se.
Lisboa, 22 de junho de 2023
Os Árbitros,
Rita Correia da Cunha
Cristina Maria da Costa Pinto
(com voto de vencido em anexo)
Sérgio Santos Pereira
Voto de vencido
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A minha discordância limita-se à correção pela Requerida dos gastos relativos à prestação de serviços de cedência de pessoal por empresas do grupo da A… Portugal (C… SA, E… DC e D…).
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Do RIT resulta que houve efetivamente a afetação de trabalhadores das referidas entidades à A… Portugal.
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Importa analisar separadamente os serviços prestados pelas três entidades.
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Tal como consta do RIT (p. 37/57), a Requerida considerou que não era dedutível em sede de IRC a totalidade dos gastos relativos a serviços prestados por cada uma das seguintes entidades, com os seguintes valores:
1)
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Contrato com C… SA
|
332 000,00 €
|
P. 17
|
2)
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Contrato com D…
|
167 600,00 €
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P. 30
|
3)
|
Contrato com E… DC
|
107 000,00 €
|
P. 25
|
|
|
606 600,00 €
|
|
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No que respeita ao contrato com a C… SA, considerando o registo das marcações de ponto, e desconsiderando a margem de 10% (que não estava prevista no contrato), chegamos a um gasto comprovado de € 155 486,70, assim obtido:
Nome
|
Custo total
|
N.º dias
|
%
|
Custo a considerar
|
…
|
29 765,54 €
|
116
|
50,88%
|
15 143,87 €
|
…
|
39 567,46 €
|
234
|
102,63%
|
40 608,71 €
|
…
|
30 478,11 €
|
155
|
67,98%
|
20 719,77 €
|
…
|
27 796,04 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
37 551,42 €
|
148
|
64,91%
|
24 375,48 €
|
…
|
26 447,21 €
|
149
|
65,35%
|
17 283,48 €
|
…
|
76 472,51 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
24 551,58 €
|
83
|
36,40%
|
8 937,64 €
|
…
|
30 136,03 €
|
215
|
94,30%
|
28 417,75 €
|
Total
|
322 765,90 €
|
|
|
155 486,70 €
|
-
Assim, deveria ter sido considerado não aceite apenas o montante de € 176 513,30, correspondente à diferença entre o valor do contrato (€ 332 000,00) e o gasto a considerar (€ 155 486,70).
-
No que respeita ao contrato com a E…DC, considerando o registo das marcações de ponto, chegamos a um gasto dedutível de € 43 410,61, assim obtido:
Nome
|
Custo total
|
N.º dias
|
%
|
Custo a considerar
|
…
|
21 058,90 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
29 381,00 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
77 345,61 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
27 569,37 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
52 002,98 €
|
0
|
0,00%
|
- €
|
…
|
25 621,21 €
|
135
|
59,21%
|
15 170,45 €
|
…
|
39 745,40 €
|
162
|
71,05%
|
28 240,15 €
|
Total
|
272 724,47 €
|
|
|
43 410,61 €
|
-
Deste modo, o valor a acrescer deveria ser de € 63 589,39, correspondente à diferença entre o valor do contrato (€ 107 000,00) e o gasto a considerar (€ 43 410,61).
-
Relativamente ao contrato com a D…, os serviços prestados respeitam a quatro trabalhadores (ver p. 31/57 do RIT): um de escritório e três de direção. Neste caso não há registo de marcação de ponto, como é habitual nestas funções.
-
A interlocutora da Requerida na ação inspetiva foi …, que era funcionária da D…, o que confirma que, de facto, estava a trabalhar para a A… Portugal.
-
Desta forma, entendo não haver elementos suficientes para se presumir que os serviços não foram prestados e, consequentemente, desconsiderar o gasto.
-
Em suma, nesta parte, julgaria parcialmente procedente a pretensão da Requerente, considerando dedutível o valor de € 366 497,31, assim obtido:
1)
|
Contrato com C… SA
|
155 486,70 €
|
2)
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Contrato com D…
|
167 600,00 €
|
3)
|
Contrato com E…DC
|
43 410,61 €
|
|
|
366 497,31 €
|
Cristina Maria da Costa Pinto
|
|