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SUMÁRIO:
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A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia.
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A liberdade de circulação de capitais goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais.
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As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do EBF, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal diferenciado para os OIC´S que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
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A retenção na fonte em IRC de 25% sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, é desconforme com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação.
Os Árbitros Victor Calvete, Magda Feliciano e Augusto Vieira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., organismo de investimento colectivo em valores mobiliários (“OIC”) constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º ..., com sede em ..., Luxemburgo, Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante “Requerente”),veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (daqui em diante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), a título definitivo, sobre dividendos de fonte portuguesa, entre 2020 e 2021, no montante €361.507,75 (Trezentos e sessenta e um mil, quinhentos e sete Euros e setenta e cinco cêntimos).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 30 de Dezembro de 2022 pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 6 de Março de 2023.
A Requerida, tendo sido notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, para apresentar a sua resposta, veio sustentar, em 21 de Abril de 2023, a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e a manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados e a sua absolvição do pedido
Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, através de despacho proferido em 10 de Maio de 2023.
Não tendo havido manifestação em contrário pelas Partes foi dispensada a apresentação de alegações, através do despacho proferido em 10 de Maio de 2023.
II.1 ARGUMENTOS DAS PARTES
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Os argumentos trazidos aos autos centram-se, fundamentalmente, na questão da conformidade da aplicação da taxa de retenção na fonte aplicável aos dividendos de fonte portuguesa distribuídos ao Requerente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
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O Requerente alega que os actos de retenção na fonte violam a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE com os fundamentos que a seguir se sintetizam:
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No entender do Requerente, os OIC´s não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OIC´s residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OICVM não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa;
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Face ao teor literal do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, o regime em referência não é aplicável aos dividendos de fonte portuguesa auferidos por OICVM não residentes em Portugal, ainda que constituídos e a operar noutro Estado-Membro de acordo com a Directiva 2009/65/CE, ou seja, em condições equivalentes às aplicáveis aos OIC residentes em Portugal.
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Concretamente no que respeita aos presentes autos, os dividendos auferidos pelo Requerente em Portugal, em 2020 e 2021, foram sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC,
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O Requerente está isento de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, pelo que não foi possível ao Requerente neutralizar a tributação dos referidos dividendos através do crédito de imposto previsto no artigo 22.º, n.º 2, da CDT Portugal/Luxemburgo;
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No entanto, sendo um OIC constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, nenhuma dúvida restará que bastaria ao Requerente ter a sua residência fiscal em Portugal para que os referidos dividendos não tivessem sido sujeitos a retenção na fonte nem tão-pouco a tributação em sede de IRC, nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF;
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O tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do decidido pelo TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao ora Requerente;
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Atento o exposto, no contexto da matéria de facto em apreço, o Requerente entende que as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação do regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, do qual resulta a tributação, por retenção na fonte, dos dividendos pagos por uma sociedade portuguesa a um OICVM constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo (no caso, o Requerente), na medida em que não existe qualquer tributação sobre os dividendos pagos, nas mesmas condições, a um hipotético OICVM com residência em Portugal, também constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, e colocado quanto ao mais numa situação análoga à do Requerente;
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O efeito prático do princípio do primado será a não aplicação de Direito interno que seja contrário ao Direito da União Europeia;
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Tendo presente o primado das normas de Direito da União Europeia, caberá analisar a admissibilidade da aplicação exclusiva do regime de isenção de tributação em sede de IRC previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, aos dividendos auferidos por OICVM residentes em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, cumprindo para o efeito verificar: i) Se a situação em análise cai no âmbito de aplicação do TFUE; ii) Se os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao consubstanciarem uma discriminação entre OICVM residentes e não residentes em Portugal, constituem uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE; e iii) Se existe um motivo justificativo para a restrição ao exercício dessa liberdade fundamental e, caso exista, se essa restrição é proporcional ao fim que visa atingir.
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A situação pela qual um residente de um Estado-Membro recebe dividendos de uma participação no capital social de uma sociedade residente noutro Estado-Membro constitui uma operação intracomunitária que se encontra abrangida pelo TFUE, conforme foi já por diversas vezes afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Verkooijen (Processo C -35/98), Manninen (Processo C-319/02), ACT 4 (Processo C-374/04) e Denkavit II (Processo C-170/05);
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Tratando-se in casu de participações no capital de sociedades residentes em Portugal inferiores a 50%, as mesmas não asseguram ao Requerente o controlo sobre estas sociedades nos termos do exercício do direito à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, pelo que a legislação portuguesa em análise será, como tal, potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE;
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Neste contexto, caberá então determinar em que medida é que o tratamento fiscal diferenciado dos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a OICVM residentes noutros Estados-Membros, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, vis-à-vis aquele aplicável, nos termos do artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, aos OICVM residentes em Portugal, constituídos e a operar em condições equivalentes, por força da legislação portuguesa que transpõe a referida Directiva, se traduz numa restrição à livre circulação de capitais;
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Concretamente no que respeita aos presentes autos, numa situação puramente doméstica – na qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos a um OICVM residente – não haverá qualquer retenção na fonte, nem qualquer outro tipo de tributação directa pelo Estado português, nos termos dos artigos 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF.
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Diversamente, numa situação intracomunitária – na qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos a um OIC residente noutro Estado-Membro da União Europeia, constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE – esses rendimentos encontram-se sujeitos a tributação em Portugal mediante retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n. os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC;
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Esta diferença no tratamento fiscal de uma situação puramente doméstica e de outra intracomunitária colocou o Requerente, enquanto OICVM accionista residente noutro Estado-Membro, numa situação claramente desfavorável em face dos OICVM residentes em Portugal.
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Nas palavras de ANA PAULA DOURADO: “situações comparáveis (“a mesma situação”) são aquelas que, por beneficiarem de livre circulação, se tornam “substancialmente” embora não “formalmente” as mesmas: o julgamento de não-discriminação implica uma análise do tipo “substância sobre a forma”, […] ou uma análise que pode ainda ser designada por interpretação tipológica” – cfr. ANA PAULA DOURADO, “Planeamento e Concorrência Fiscal Internacional”, Lisboa, 2003 LEX, página 107;
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Neste contexto, a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OICVM residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OICVM accionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo;
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Numa situação idêntica à do Requerente, o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Emerging Markets (Processo C-190/12), pronunciou-se nos seguintes termos: “Quanto à questão da comparabilidade, importa, em primeiro lugar, precisar que, em relação a uma norma fiscal, como a que está em causa no processo principal, que pretende evitar a tributação dos dividendos distribuídos pelas sociedades residentes, a situação de um fundo de investimento beneficiário residente é comparável à situação de um fundo de investimento beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia “ (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 62; Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 113; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-9879, n.° 56; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 42 e jurisprudência referida).
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Ora, na medida em que é o mero exercício da competência fiscal do Estado-Membro em causa que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica, o artigo 63.° TFUE impõe que o Estado que prevê uma isenção fiscal dos dividendos pagos a residentes por outras sociedades residentes conceda um tratamento equivalente aos dividendos pagos a operadores económicos estabelecidos em Estados terceiros (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, n.° 72; Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, n.° 60; e Comissão/Alemanha, n.° 57)
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Conclui-se que a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n. 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, 43 do CIRC e 22.º, n. 1, 3 e 10, do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OICVM residente em Portugal.
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Contra tal conclusão não se argumente no sentido de a referida restrição poder eventualmente ser neutralizada pelo Estado da residência do Requerente, através do mecanismo de crédito de imposto previsto no artigo 22.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo;
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Efectivamente, estando o Requerente isento de tributação em sede de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, não poderá reclamar tal crédito de imposto no Estado da sua residência.
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Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o referido artigo 63.º do TFUE – entre outros, dos Acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98), Manninen (Processo C-319/02) e Amurta (Processo C-379/05) – que, para que uma legislação fiscal como a portuguesa pudesse ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, não obstante o seu caracter discriminatório, seria necessário que a diferença de tratamento pudesse ser justificada por razões imperiosas de interesse geral (a denominada “rule of reason” ou regra de razoabilidade), sejam elas (i) a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal português, (ii) a necessidade de garantir a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros, (iii) a necessidade de evitar a diminuição de receitas fiscais ou (iv) a necessidade de garantir a eficácia dos controlos.
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Inexistindo um nexo directo entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OICVM residentes, não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português;
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A partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OICVM residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros;
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De acordo com o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Emerging Markets (Processo C190/12): “A este respeito, basta recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a redução de receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral, susceptível de ser invocada para justificar uma medida, em princípio, incompatível com uma liberdade fundamental “(acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 126).
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Tão-pouco poderá a discriminação em referência ser justificada através da necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos, pois, conforme afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Emerging Markets (Processo C-190/12): “ao excluir da isenção fiscal os fundos de investimento não residentes pelo simples motivo de estarem estabelecidos no território de um Estado terceiro, a legislação fiscal nacional em causa no processo principal não concede a esses contribuintes a possibilidade de provar que cumprem as exigências equivalentes às contidas na Lei sobre os fundos de investimento”.
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Ou seja: o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.
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Conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n. ªs1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
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Entende o Requerente que, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, lhe assiste o direito ao ressarcimento do prejuízo resultante da indisponibilidade do montante pago, no valor de €361.507,75, com fundamento em erro imputável aos Serviços da AT, sob pena de violação do princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no artigo 22.º da CRP.
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Contra tal entendimento não se oponha o facto de a liquidação reclamada ter sido operada por uma entidade privada – o B...–, eventualmente sustentando que a mesma não integra os Serviços da Administração Tributária, porquanto é inequívoco que aquela exerce, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do CIRC, um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, tendo as liquidações por retenção na fonte objecto dos presentes autos sido operadas no exercício efectivo desse ius imperii.
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Atenta a primazia do Direito Comunitário sobre o Direito interno, bem como os princípios comunitários da efectividade e da equivalência, têm entendido os tribunais superiores, na esteira da jurisprudência do TJUE, que a AT se encontra obrigada a desaplicar qualquer norma de direito interno que seja contrária ao direito europeu – cfr., a título meramente exemplificativo, Acórdão Fratelli Constanzo SpA contra Município de Milão, de 22 de Junho de 1989 (Processo C-103/88).
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Face ao exposto, necessariamente se conclui que, não tendo o imposto em referência sido autoliquidado pelo Requerente, mas objecto de retenções na fonte efectuadas por uma entidade terceira (na qualidade de substituto tributário) no interesse da AT, o erro na prolação de tais liquidações terá de ser imputável «aos serviços», nos termos e para os efeitos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
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Subsidiariamente, na medida em que se considere inexistir nos referidos termos erro imputável aos Serviços para efeitos do referido artigo 43.º, n.º 1, da LGT – hipótese que sem conceder se admite por mero dever de patrocínio –, entende que tais juros serão em todo o caso devidos à luz do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, nos termos do qual: “São também devidos juros indemnizatórios […] em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução”.
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A AT contra-argumentou com base nos seguintes fundamentos:
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O Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º, do CIRC;
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Por conseguinte, os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano;
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Os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos em Luxemburgo não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que, aparentemente, os segundos estavam isentos de tributação no imposto
sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos;
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Recorda-se que um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC, em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo;
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Ao passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação de Luxemburgo, apenas é objecto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT);
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Não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma directa e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu;
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O artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal;
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Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é susceptível de afectar o investimento em acções emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
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Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão a Requerente não esclareceu.
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Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
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Todavia, sendo os rendimentos do Fundo tributados na esfera dos investidores, por distribuição ou imputação, fica-se sem saber se o direito ao crédito de imposto é transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, cumprindo assim um dos objectivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros;
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Para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objectivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos;
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Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF;
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Portanto, em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados- Membros da EU;
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Quanto à jurisprudência do TJUE em que se apoia a Requerente, nomeadamente os acórdãos proferidos nos processos C-338/11 a C-347/11, - Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A., importa observar que, na análise das decisões jurisprudenciais, deve ter-se sempre a cautela de verificar o contexto casuístico em que as pronúncias do Tribunal são efetuadas;
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Ora, não ressalta dos Acórdãos suprarreferidos que os Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação fiscal francesa ou da legislação da Dinamarca estejam sujeitos a qualquer forma de tributação sobre os dividendos distribuídos por sociedades de outros Estados-Membros;
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Assim, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais;
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O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objectivamente comparáveis;
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Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – não esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE;
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Caso se considere que a AT manteve uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à acção.
III – SANEAMENTO
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, n.º 3, alínea b), todos do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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Não foram invocadas excepções que cumpra apreciar.
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O processo não padece de nulidades ou de quaisquer outros vícios que o invalidem, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
IV– DO MÉRITO
IV.1 QUESTÃO DECIDENDA
A questão decidenda consiste em determinar a conformidade das normas relevantes do Código do IRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativas ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais. Por outras palavras, em causa está saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados Membros da União Europeia (in casu, Luxemburgo), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.
IV.2 MATÉRIA DE FACTO
IV.2.1 Factos provados
Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM;
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O Requerente é constituído e opera ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OICVM, também em transposição da referida Directiva – i.e. a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
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O Requerente é administrado pela sociedade C..., S.A., entidade também com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo;
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O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo (“CDT Portugal/Luxemburgo”);
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Em 2020 e 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de €2.410.051,61, os quais foram aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de €525.849,49:
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As retenções na fonte de IRC, à taxa de 25%, referentes aos dividendos auferidos pela Requerente em 2020 e 2021 foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ... e ..., pelo B..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo dos artigos 94.º, n.º 7, do CIRC;
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Os referidos dividendos foram pagos para a conta do Requerente junto do D..., entidade com sede em ..., Londres, ..., Reino Unido;
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto da presente impugnação arbitral, seja ao abrigo da CDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo;
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A 20 de Junho de 2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, referentes aos anos de 2020 e 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 68.º e 131.º a 133.º do CPPT e 137.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC;
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O Requerente solicitou o reembolso do montante correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte efectuada em Portugal (i.e. 25%) e a taxa reduzida de retenção na fonte prevista no artigo 10.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo (i.e. 15%);
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O Requerente vem solicitar o reembolso do remanescente do imposto retido, no montante total de €361.507,75, conforme se discrimina infra:
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A 30 de Dezembro de 2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
IV.2.2 Factos não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
IV.2.3 Fundamentação da fixação da matéria de facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV.3 – MATÉRIA DE DIREITO
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Com o presente processo cabe aferir a conformidade da retenção na fonte em IRC de 25% sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados Membros da União Europeia (in casu, Luxemburgo), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.
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Da Liberdade de Circulação de Capitais
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Para o efeito, cumpre referir que o Requerente, na qualidade de OIC não residente, em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte à taxa liberatória de 25% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC.
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Ora, a liberdade de circulação de capitais é arvorada pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia.
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Nessa qualidade, a mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efectividade da livre circulação de capitais;
Conforme tem sido entendido pelos Tribunais arbitrais constituídos no CAAD - (Cfr. entre outros, Processo 215/2021, de 16.12.2021, Processo 368/2022, de 28.04.2022, Processo 661/2022, de 14.04.2023), por exemplo, no Processo n.º 528/2019-T, de 27.12.2019:
“36. Existem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital.
Âmbito normativo e tributação
37. O âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE abrange vários domínios (v.g. movimento físico da moeda; investimento em propriedade imobiliária e títulos de crédito), sendo um deles, justamente, o do tratamento fiscal dos movimentos de capitais, que cai sob alçada da respetiva aplicabilidade direta. Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem de qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.
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Assim, resultando dos autos que o Requerente coloca em causa o direito à liberdade de circulação de capitais, no âmbito da distribuição de dividendos devidamente identificada, verifica-se que, a situação é de facto subsumível no âmbito daquele direito e liberdade.
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De acordo os casos Focus Bank, ACT GLO, Denkavit, Amurta, Truck Center, Aberdeen Property, Comissão v. Países Baixos, Comissão v. Portugal, , Santander Asset Management e Sofina SA, o TJUE tem entendido que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação, retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes, configura, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
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No caso dos autos está provado que, “Em 2020 e 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de €2.410.051,61, os quais foram aí sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante total de €525.849,49”.
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Resulta da legislação fiscal portuguesa, em especial do artigo 22.º, n.º 1, 3 e 10 do EBF que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC´S não residentes em Portugal não são sujeitos nem a retenção na fonte nem a tributação, em sede de IRC.
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Deste modo, à luz da jurisprudência europeia (por exemplo caso C-493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011), não pode deixar de se entender que esta diferença de tratamento entre OIC´S residentes e não residentes tem por efeito dissuadir os OIC´S não residentes de investir em sociedades portuguesas.
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Nem vale o argumento da AT de que o crédito de imposto do Requerente possa ser transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, cumprindo assim um dos objectivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros, conquanto:
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Numa situação de retenção de 25% sobre dividendos distribuídos a OIC’s (valores mobiliários) não residentes, em que se considerou que quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório ou não da referida regulamentação – Cfr. Casos C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012
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Mais se tem entendido que a comparabilidade das situações – entre OIC´S Residentes e Não residentes relativamente a uma retenção na fonte de 25% sobre dividendos distribuídos a não residentes, reduzida a 15% por uma CDT, há-de ter em conta o exercício fiscal de distribuição dos dividendos para comparar a carga fiscal que incide sobre esses dividendos e a que incide sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade residente – Cfr. Caso C-575/17, Sofina, Rebelco e Sidro, 22.11.2018;
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À luz da jurisprudência europeia e nacional, a situação do Requerente e de um fundo de investimento com sede em Portugal é comparável, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objecto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 62; Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, já referido, n.° 113; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-9879, n.° 56; e Santander Asset Management SGIIC;
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Mais se tem entendido, contrariamente ao defendido pela AT, que para efeitos de comparabilidade, não é relevante a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respectivos investidores, já que do ponto de vista do Estado Membro os fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respectiva tributação.
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Assim, não obstante o interesse que a tributação incidente sobre os investidores e não sobre os OIC´s possa ter, para efeitos de garantia da liberdade de circulação de capitais, em especial, para determinar se existe ou não discriminação em função da residência, a comparação tem de ser estabelecida entre OIC´S e não entre investidores individuais.
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Decorre da Lei comunitária que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos, como sucede no caso em análise.
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No caso de fundos de investimento residentes no Luxemburgo, de acordo com CDT, o imposto retido na fonte, com carácter definitivo pode ser à taxa de 15%. No entanto, o Requerente goza de uma isenção à luz do direito luxemburguês.
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O Requerente pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, pelo que o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indirecto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados.
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Acresce que, o Requerente é o Fundo e não os investidores, sendo certo que a própria base legal portuguesa em análise (artigo 22.º do EBF) não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações.
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A este propósito esclareceu-se no Acórdão do TJUE, de 17 de Fevereiro de 2022, o seguinte:
“53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada-geral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88. °, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas.”
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É, portanto, comparável a situação do Requerente, enquanto OIC não residente, com a situação dos fundos residentes, em Portugal, sendo a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório ou não da referida regulamentação.
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Da Discriminação Proibida
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Concluindo-se pela comparabilidade da situação do Requerente e de um OIC residente em Portugal importa agora saber se a discriminação efectuada pela Lei portuguesa pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infracções às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras
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Ora, o artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido.
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No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer excepção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º do TFUE.
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Ora, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente.
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Essa diferenciação não é justificável à luz da prevenção da evasão fiscal, não é necessária, podendo ser conferido o mesmo tratamento aos residentes e não residentes, sendo certo que existem alternativas de tributação menos restritivas potencialmente aplicáveis.
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Acresce que, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação directa entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial.
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Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, sendo certo que é a AT que defende que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais;
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Sucede que, actuando o Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.
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Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08.02.2017, proferido no processo n.º 0678/16, “para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral” se “aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.
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Neste caso, a CDT entre Portugal e o Luxemburgo não permite neutralizar totalmente a maior tributação da Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, o que constitui facto assente no processo, encontrando-se assim demonstrado que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto - Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01).
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De harmonia com o exposto, considera-se inadmissível a discriminação efectuada pela Lei portuguesa entre OIC´S residentes e não residentes e declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.
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Assim, tem de se concluir que os actos tributários sub judice enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
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Nestes termos, conforme resulta de tudo o exposto, verifica-se a desconformidade da aplicação da norma constante do artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC – da qual resultou uma retenção na fonte em IRC de 25% – sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ao Requerente (OIC estabelecido no Luxemburgo), com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.
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Pelo que, julga-se procedente a pretensão do Requerente estando a AT obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio.
V – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
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O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
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Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária.
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Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
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Isto porque, na sua actuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE.
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O artigo 1.º da Lei n.º 9/2019 veio introduzir, em matéria de juros indemnizatórias, a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, clarificando, com natureza retroactiva, o dever das entidades públicas de pagar juros indemnizatórios pelo pagamento de prestações tributárias que sejam indevidos por a sua cobrança se ter fundado em normas declaradas judicialmente como inconstitucionais ou ilegais.
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Em consequência, ao contrário do defendido pelo Requerente, entende-se que a situação sub judice subsume-se na norma especial prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, sendo aqui irrelevante a qualificação do erro como imputável à AT ou ao Legislador, dada a declaração da desconformidade dos actos tributários de retenção na fonte com direito da União Europeia.
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Uma vez que se trata de matéria de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, este Tribunal Arbitral não está sujeito às alegações das Partes (n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), pelo que determina o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do trânsito em julgado da presente decisão.
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
1) Declarar a ilegalidade dos actos tributários de retenção na fonte ora sindicados por erro nos pressupostos de direito, a saber, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;
2) Condenar a Requerida à restituição da quantia de €361.507,75 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos entre 2020 e 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do Código do IRC e 22.º do EBF e ao pagamento de juros indemnizatórios a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 43.º n.º 3 d) da LGT.
VII – VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €361.507,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII – CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de €5.937,40 a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
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Notifique-se.
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Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 17.º do RJAT.
Lisboa, 29 de Maio de 2023
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Victor Calvete
(Presidente)
Magda Feliciano
(Árbitra Adjunta e Relatora)
(voto em anexo)
Augusto Vieira
(Árbitro Adjunto)
Na parte da decisão quanto aos juros indemnizatórios considero que seria de aplicar o nº 1 do artigo 43º da LGT, tal como as partes configuraram. Tendo sido deduzida, pelo sujeito passivo de facto, uma reclamação graciosa em 20.06.2022, por ter ocorrido retenção na fonte de imposto pelo sujeito passivo de direito, a AT deveria repor a legalidade, anulando as retenções, no prazo de 4 meses (nº 1 do artigo 57º da LGT). Mantendo uma situação de ilegalidade, quando devia afastá-la, deverá considerar-se a situação enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT pois há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido. A omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia, deve ser equiparada à ação. Ou seja, os juros seriam devidos a contar de 21.10.2022.
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)
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