DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 297/2013 – T
Tema: IRC – Contrato de empreitada; Dedutibilidade de gastos.
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Alberto Pinheiro Pinto e Prof. Doutor Miguel Patrício, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-03-2014, acordam no seguinte:
1. Relatório
A sociedade A, S. A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente pretende ver declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2013 …, relativa ao ano de 2009, datada de 15-07-2013, no valor de € 62.540,00.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-12-2013.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Prof. Doutor Miguel Patrício e o Dr. José Alberto Pinheiro Pinto, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 19-02-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido arbitral.
Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada em 30-04-2014, acordou-se haver lugar a produção de prova testemunhal, que veio a ser produzida no dia 22-05-2014.
Nessa reunião, as Partes foram notificadas para alegações escritas sucessivas e designou-se o dia 02-07-2014 para prolação da decisão arbitral.
A Requerente apresentou alegações em que concluiu da seguinte forma:
A. As obras no valor de € 3.850.000, a que acrescem €10.000 devidos à entidade gestora (cfr. pedido, pág. 6), que aqui se apreciam e cujo custo foi integralmente suportado pela requerente, traduziram, do ponto de vista económico e contabilístico, um financiamento efectuado pela requerente à B que visou assegurar que esta sociedade pudesse instalar e explorar um health club que constituia uma loja-âncora do centro comercial C;
B. Esse financiamento teve materialização concreta na celebração de um contrato de empreitada "chave-na-mão" entre a B e a D (sociedade gestora que mais tarde se fundiu na requerente através do qual a D/Requerente entregava nas mãos da B a definição de todos os aspectos fundamentais da correspondente obra, designadamente:
a. Responsabilidade pela arquitectura e especialidades das obras e acompanhamento da construção (cfr. cláusula Primeira);
b. Obtenção das licenças de construção e utilização;
c. Responsabilidade por encargos com elaboração de estudos, projectos e trabalhos necessários à construção do Health Club;
d. Sub-rogação à D/Requerente em todas as obrigações assumidas relativas à construção e licenciamento (incluindo taxas camarárias)
C. Ou seja, é por demais evidente que este não foi um normal contrato de empreitada em que ao dono da obra incumbe a condução e responsabilidade da generalidade dos aspectos salientados na conclusão anterior, mas um contrato em que, com a excepção do dispêndio financeiro com a obra, quem assumiu a verdadeira posição de "dono da obra" foi a B, incumbindo-lhe a concepção, contratação, direcção, e licenciamento dessa mesma obra, do início ao fim;
D. Claramente, a Requerente assumiu uma posição de financiadora ou subvencionadora, visando com isso assegurar a instalação de uma unidade com urna marca e posição no mercado reconhecida que potenciasse a atractividade do próprio shopping e ancorasse os seus utilizadores.
E. Mais: esta era uma obra inextricavelmente ligada ao contrato de utilização de health club, o qual, paralelamente, foi celebrado entre as mesmas duas entidades, sendo essa utilização inegavelmente intuitu personae, porque destinada especificamente a utilização para um ginásio E.
F. O sentido e alcance dessa ligação é muito facilmente apreensível se atentarmos no n° 4 da cláusula 10ª do contrato deste último contrato: aí se prevê que a não abertura do health club no prazo aí determinado daria direito, entre outros, ao ressarcimento de todos os valores pagos pela Requerente à B no âmbito do contrato de empreitada que se verificassem não directamente empregues na construção ou, tendo sido nela empregues, não pudesse ser reutilizada por estar intrinsecamente ligada ao conceito E.
G. Falece, assim, toda a argumentação da AT alicerçada no carácter estrito de "empreitada" do referido contrato, nomeadamente quando esta diz que, ao contrário do que se previa nesse contrato, nas situações de "fit-out" das lojas-âncora versados na dita Informação da DSIRC as "obras de instalação são decididas pelos lojistas, assumindo estes a responsabilidade das mesmas (...)" (cfr. art. 45°, Resposta);
H. Estamos em presença, também aqui, de uma loja-âncora cujas obras são decididas pelo lojista, ainda que totalmente subsidiadas pela Requerente e ainda que — a exemplo do que acontece com as demais lojas-âncora – as obras comparticipadas venham a reverter para a Requerente.
I. Trata-se, portanto, aqui, em linha com o sustentado pelo Dr. João Rodrigues e pela F, de um encargo que consubstancia um financiamento sujeito a amortizações anuais, a cuja projecção anual em proveitos (na conta # 7240009) deve corresponder a concomitante especialização em gastos (na conta # 6221010) pelo período de duração do contrato subjacente;
J. Do ponto de vista fiscal, não subsiste qualquer dúvida sobre a indispensabilidade do mesmo custo, para além de se reportar a um dispêndio efectivamente ligado ao desígnio empresarial da Requerente, o encargo em questão (rectius, a sua especialização anual) está directa e indissociavelmente ligado ao proveito correspondente à parcela da remuneração mínima computada como amortização das obras financiadas pela Requerente (cfr. art. 23°)
K. Ora, mesmo que se não concorde com esta tese, não há como negar que estaríamos sempre em presença de uma comparticipação por obras ou "fit-out" (neste caso, comparticipação quase integral, que exclui os estudos e projectos, como atrás vimos), que deve observar o tratamento preconizado pela DSIRC na Informação e que vem profusamente descrito nos arts. 34° a 40°.
L. Em todas as situações analisadas nessa Informação, o balanceamento entre custos e proveitos, também numa perspectiva fiscal, deve ser assegurado, seja por via da relevação síncrona dos custos e proveitos correlacionados, seja pela ausência de ajustamentos fiscais nos casos em que os encargos com fit-out e os proveitos correspondentes apenas movimentam rubricas de balanço.
M. Ainda a este respeito, é importante enfatizar que o facto de se prever no contrato de utilização (cfr. cl. 3ª) que em caso de renovação unilateral do contrato por parte da B a renda não poderia ser inferior ou superior em 10% do montante das remunerações vigentes à data não quer, de modo algum, dizer que não houve comparticipação, mas muito provavelmente que, não sabendo a Requerente quais as condições de mercado e valorização do centro comercial ao final de 15 anos, haveria que assegurar que, em caso de renovação que lhe pudesse ser imposta, a remuneração garantida a pagar pela B seria o mais elevada possível;
N. A obstinação pela sublimação da importância da suposta intenção de venda – e, justo dizê-lo, pelo resultado fiscal que por virtude dela insiste a AT em advogar – e pelo consequente registo das obras em causa em contas de existências, é inversamente proporcional à mesma atitude da AT em face do conceito de "alteração do destino do bem", para efeitos de IMI, resultante dos contratos de utilização de loja; aí já se assiste a uma alteração qualitativa que deve significar a transição contabilística de existências para activos fixos;
O. Fica assim indisfarçável o efeito desta concepção dúplice sobre um mesmo fenómeno económico-contabilístico, qual seja o da maximização da receita fiscal em IRC e em IMI.
P. E essa preocupação da AT não se fica por aqui, pois mesmo que fosse de admitir no que só se concebe para benefício de discussão teórica — que o gasto referente às obras em causa só poderia ser reconhecido por via de depreciações, nem assim haveria lugar a qualquer correcção a favor da Administração, antes pelo contrário.
Q. No caso em apreço a relevação dos gastos em causa como reintegrações, poderia bem conduzir a uma relevação fiscal mais acelerada do que está hoje ser feita ao longo de 15 anos, pois as obras em causa respeitam a elementos que foram integrados numa fracção do edifício comercial do C entregue em tosco à B, essa sim, reintegrável ao longo de um período superior a 15 anos.
R. Os elementos em causa serão, na sua maioria, enquadráveis nos Grupos 2, 3 e 5 das Tabelas genéricas do DR 2/90 ou, mesmo que afectos ao edifício em si (como os revestimentos) poderiam ser reintegrados a uma taxa de 5% nos termos do Código 2025 do DR 2/90 (serviços recreativos), e, portanto, reintegráveis em 20 anos.
S. A Requerente não dispõe – em virtude de a entidade fiscalizadora das obras não os ter facultado e de a obra em causa ter sido executada sob a direcção da B, a esta facturada pela empresa de construtora, e de ser por ela utilizada –, dos dados referentes a cada elemento do activo imobilizado, dispondo somente desses dados agregados por diversos grupos (vide Documento n.°7 que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
T. Todavia, a Requerente simulou as taxas de reintegrações a que cada um dos elementos desses grupos de bens estaria sujeito, caso os mesmos estivessem a ser depreciados tendo computado urna taxa global ponderada de 7,7%, superior à taxa de 6,66% implícita no diferimento por 15 anos.
U. Ora, para a AT as obras em causa que transitaram para "propriedades de investimento" deveriam estar sujeitas à "taxa de amortização praticada pelo sujeito passivo" de 2,5% (cfr. relatório, pág. 8, cujo fundamento legal se desconhece por completo), e, portanto, ser depreciadas ao longo de 40 anos, quando ao tipo de activos tangíveis em questão corresponde no DR 2/90 e no diploma que lhe sucedeu uma vida útil média de cerca de 13 anos.
V. Em conclusão, e por tudo o que atrás se expôs, não pode o acto tributário de liquidação aqui posto em crise manter-se na ordem jurídica por proceder de uma interpretação errónea dos pressupostos de direito das normas em que se baseou, designadamente ao preconizar um ajustamento ao resultado contabilístico não previsto nos artigos 17° ss. do CIRC.
Termos em que se conclui, como no requerimento inicial, pedindo a declaração de anulabilidade dos actos sobre os quais se solicita a pronúncia do presente Tribunal, com todas as consequências legais.
A Autoridade Tributária e Aduaneira terminou as suas alegações remetendo para a Resposta que apresentou, renovando o entendimento de que o pedido formulado deve ser julgado improcedente.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se vislumbra qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente A tem por objecto «a construção, urbanização e gestão de imóveis; a compra e venda de imóveis para si ou para revenda; promoção e exploração de imóveis» (certidão a fls. 19 do Processo Administrativo digitalizado);
b) O início de actividade (da Requerente) ocorreu em 22-12-2005 e, até ao ano de 2008, inclusive, a sociedade esteve colectada pela actividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais) (Relatório da Inspecção Tributária na página 44 do Processo Administrativo digitalizado, cujo teor se dá como reproduzido);
c) De 2009 em diante, pelo menos até à data em que foi elaborado o relatório inspectivo, a actividade principal da Requerente foi a promoção imobiliária (desenvolvimento de projectos de edifícios) e a secundária a compra e venda de bens imobiliários (Relatório da Inspecção Tributária na página 44 do Processo Administrativo digitalizado, cujo teor se dá como reproduzido);
d) Em 01-01-2008, a Requerente incorporou, por fusão, a sociedade “D, S.A.”, entidade que até esse momento exerceu a gestão do centro comercial “C” (doravante “C”), também adquirido (em 28.12.2007) pela Requerente (Relatório da Inspecção Tributária na página 49 do Processo Administrativo digitalizado, cujo teor se dá como reproduzido);
e) A Requerente dedica-se, entre outras actividades, à construção, promoção e exploração de centros comerciais, sendo que, à data dos factos, lhe incumbia a promoção, construção e exploração do C (Relatório da Inspecção Tributária na página 49 do Processo Administrativo digitalizado, cujo teor se dá como reproduzido);
f) Nesse âmbito, cabe-lhe angariar lojistas para a instalação nas fracções de que o centro dispõe, de modo a atingir o número de visitantes e de volume de negócios que lhe permitirão alcançar os seus objectivos de lucro;
g) Para esse fim, há as denominadas lojas-âncora que, pelo seu potencial de atracção de público para as outras lojas e para o centro comercial em geral, são indispensáveis para o respectivo sucesso e que podem justificar um investimento da própria promotora na sua instalação;
h) Tal foi o caso da instalação de um ginásio "E" no C em 2007;
i) No dia 15-10-2007, foi celebrado entre a sociedade D – GESTÃO DE CENTROS COMERCIAIS, S.A. (que mais tarde foi incorporada por fusão na Requerente), e a concessionária daquela marca de ginásios para o Funchal, a B –Unipessoal, Lda, o «Contrato de Prestação de Serviços No Âmbito da Construção e Entrega de Health Club Na Modalidade “Chave na Mão”» cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que foi acordado, além do mais, em suma, o seguinte:
i. A B obriga-se a construir ou a fazer construir por terceiros sob a sua responsabilidade um health club da marca "E", com cerca de 1.369 m2;
ii. Esta construção consistiria na adaptação da loja em tosco já construída no centro comercial C às especificidades do ginásio que a A tinha em vista explorar;
iii O preço dessa construção seria de €3.850 000,00, a facturar pela B à Requerente;
iv. O health club deveria ser entregue totalmente concluído.
j) No mesmo dia 15-10-2007, a D – GESTÃO DE CENTROS COMERCIAIS, S.A. a B Funchal e a G, SGPS, S.A., celebraram um «Contrato de Utilização de Health Club Em Centro Comercial», cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, no qual se veio a estipular, além do mais, o seguinte:
k) A B Funchal pagaria à Requerente uma renda periódica mensal pela utilização da loja, durante o período de 15 anos a contar do início da abertura ao público do Health Club, denominada "Remuneração mínima", que compreendia:
i. Uma primeira parcela predeterminada, sendo o seu valor mensal de € 10,50, por cada metro quadrado de área do Health Club, estimada, naquela data, no valor mensal em € 14.374,50, acrescido de IVA;
ii. A segunda parcela seria calculada após a conclusão de adaptação do Health Club, sendo o seu valor mensal correspondente ao resultado da multiplicação do valor (sem IVA) pago pela Requerente à B Funchal pela construção e entrega "chave na mão", pelo factor 0,07, dividido por doze, procedendo-se ao arredondamento ao cêntimo do resultado, estimando-se o valor mensal, na data do contrato, em €22.458,33, acrescido de IVA;
l) Do ponto de vista contabilístico, o tratamento dado pela Requerente ao que resulta deste contrato pelo prazo de 15 anos foi o seguinte:
i Numa conta de balanço a requerente reconheceu o valor do contrato de prestação de serviços firmado com a A de €3.850.000,00, o qual corresponde ao crédito a 15 anos que concedeu a esta última nos termos desse mesmo contrato (Relatório da Inspecção Tributária, fls. 16);
ii O valor da facturação mensal de €22.458,33 correspondente à repercussão financeira à A, por parte da impugnante, da prestação mensal desse contrato (Valor total x 0,07/12), foi, todos os meses, reflectido na conta # 7240009, uma conta de proveitos (Relatório da Inspecção Tributária, fls. 16);
iii O custo da empreitada, esse foi creditado numa conta # 2741 —Outras contas a receber" pelo valor total dos €.3.850.000,00 acrescido de €10.000,00 devidos à entidade gestora da obra (Relatório da Inspecção Tributária, pág 17);
iv. Como contrapartida desta conta foi sendo debitado como gasto na conta # 6221010, por transferência da dita conta 27, o valor de €21 444,44 em cada um dos meses dos exercícios de 2008 e 2009, que corresponde a €3.860.000,00/15 anos/ 12 meses (Relatório da Inspecção Tributária, pág. 17).
m) Em 21-12-2006, o Senhor Substituto Legal do Director-Geral dos Impostos manifestou concordância com o teor da informação n.º …/…, emitida no Processo IRC …/2006, E. G. / SAIR …/…, cuja cópia constitui o documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que se formulam as seguintes conclusões:
No caso sub judice, o reconhecimento fiscal dos encargos suportados pelas entidades proprietárias dos centros comerciais com as instalações das denominadas "lojas âncora" depende da existência ou não de uma cláusula no contrato em que se imponham contrapartidas ao lojista pela comparticipação nas despesas de instalação e do tratamento contabilístico dado a essa comparticipação nas despesas por parte das entidades proprietárias.
De notar que, de acordo com a informação suplementar dos Serviços de Inspecção, as despesas de Instalação são sempre suportadas pelos lojistas, devendo estes registá-las como obras em edifícios alheios.
Quando não são impostas contrapartidas aos lojistas pela comparticipação nas despesas efectuadas pelos proprietários, parece tratar-se de uma situação semelhante à dos subsídios para investimento, isto é, tudo se passa como se as entidades proprietárias estivessem a dar um "subsídio" aos lojistas para investirem nas obras, não podendo os encargos suportados pelas entidades proprietárias com essas obras ser reconhecidos como custos nos exercícios em que são incorridos, mas devendo ser imputados a cada exercício, de acordo com o número de anos do contrato.
Quando se imponham contrapartidas aos lojistas, duas hipóteses se colocam:
a) No caso em que a entidade proprietária do centro comercial incorreu nas despesas como se estivesse financeiramente a suportar o encargo por conta dos lojistas, esses encargos não devem passar por contas de custos, mas de terceiros, não tendo qualquer impacto no resultado fiscal.
b) No caso em que a entidade proprietária incorreu nos encargos e os registou na sua contabilidade tendo em vista a obtenção de benefícios económicos futuros, esses encargos devem ser balanceados com os proveitos futuros a eles associados, na mesma proporção da contrapartida efectivamente recebida. Também neste caso quem suporta efectivamente os custos de instalação da loja são os lojistas lá instalados, embora a prazo e de acordo com o montante das vendas obtido. Nestes casos, o valor da comparticipação registado em custos e o valor da renda (percentagem adicional das vendas) recebida como contrapartida dos lojistas por essa comparticipação financeira originam um resultado de soma nula, não tendo, dessa forma, qualquer impacto fiscal, tal como na hipótese anterior.
n) Em cumprimento das ordens de serviço n.º O… e O…foi efectuada acção inspectiva ao contribuinte ora Requerente, de âmbito geral, incidente sobre os anos de 2009, 2010 e 2011.
o) No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:
«A.3.2.7. Fit-Outs – conta 7240009
De acordo com o descrito no Anexo ao balanço e Demonstração dos Resultados, os Fit-Outs correspondem à comparticipação do sujeito passivo nos gastos efectuados por alguns lojistas na adaptação das lojas, podendo ser reembolsáveis, nesse caso são considerados como incluindo a Remuneração pela utilização da loja.
Os Fit-Outs são reconhecidos como custos diferidos, sendo transferidos para gastos do período durante a vida útil do contrato de locação.
No entanto constatou-se que relativamente ao cliente “B Funchal” não se trata de uma comparticipação nas obras, mas sim uma prestação de serviços (remuneração pela utilização da loja).
Factos referentes aos valores registados na contabilidade como Fit-Outs:
– Em 2007-10-15 foi lavrado contrato de prestação de serviços entre o sujeito passivo1 e “A, Unipessoal, Lda”, NIPC …, em que esta se obriga, pelo preço fixo global de € 3.850.000,00:
– a fazer construir por terceiros sob a sua responsabilidade um health club da marca “E” a implementar na loja 118, com cerca de 1.369 m2,
– a entregar ao sujeito passivo o health club concluído;
– a providenciar a obtenção das respectivas licenças de construção e utilização.
– Em 2007-10-15 [ou seja, na mesma data] foi lavrado contrato de utilização de health club em centro comercial [entre a B e a D], em que se estipula:
– um prazo do direito de utilização de 15 anos (cláusula 3ª);
– pela utilização do health club a B pagará, além da Remuneração Mínima, e de acordo com o estabelecido na alínea b) do ponto 1 da cláusula 5ª, um valor mensal correspondente ao resultado da:
– multiplicação do valor (sem IVA) pago pela construção do health club pelo factor 0, 07, e dividido por 12, estimando-se que o valor mensal será de €22.458,33 (=3.850.000,00 x 0,07 / 12), ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor»
A.3.3. Fornecimentos e Serviços Externos (FSE)
Procedeu-se à análise das principais subcontas de Fornecimentos e Serviços Externos, bem como aos seus documentos de suporte (através de seleção dos documentos de maior valor).
A.3.3.1. Valores registados na contabilidade:
A.3.32. FSE não aceites para efeitos fiscais: Custos/Gastos contabilizados como relacionados com Fit-Outs.
«De acordo com os factos expostos no ponto A.3.2.7 (…) verificou-se que:
– Em 2007-10-15 foi lavrado um contrato de prestação de serviços entre o sujeito passivo e “A Funchal, Unipessoal, Lda” (…), em que esta se obriga, pelo preço fixo global de €3.850.000,00:
– a fazer construir por terceiros sob a sua responsabilidade um health club da marca “E” a implementar na loja 118, com cerca de 1.369 m2,
– a entregar ao sujeito passivo o health club concluído;
– a providenciar a obtenção das respectivas licenças de construção e utilização.
– No ano de 2008 o sujeito passivo efectuou a construção do health club, cujo montante totalizou €3.860.000,00, tendo registado o valor numa subconta da “2741 – Outras contas a receber”, assim repartido:
– €3.850.000,00: total facturado pela B referente à construção
– €10.000,00: total facturado por “H, S.A (…), referente à gestão da obra.
– O sujeito passivo repartiu o valor total da construção, no montante de €3.860.000,00, ao longo do prazo do direito de utilização do health club pela B (15 anos), ao que corresponde um valor mensal de €21.444,44 (= € 3.860.000,00 / 15 anos / 12 meses).
– Assim, transferiu de subcontas da “2741 – Outras contas a receber” para a conta “6221010 – Outros trabalhos especializados”, o montante anual de €257.333,28 (= €21.444,44 x 12).
Em conclusão, e em consonância com as correções e conclusões efetuadas na acção de inspeção ao ano de 2008:
Conclui-se que o contrato lavrado entre o sujeito passivo e a B é um contrato de empreitada, conforme definido e regulado no artigo 1207º e seguintes do Código Civil (CC), sendo o sujeito passivo o proprietário da obra, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais, de acordo com o disposto no artigo 1212º do CC.
O sujeito passivo reconheceu como custo do exercício o montante anual de €257.333,28, referente à especialização dos anos de 2009 a 2011 do custo de construção das instalações de um “health club”.
Dado o sujeito passivo ter registado a fracção em existências no ano de 2008, e de acordo com a valorimetria de existências descritas no Plano Oficial de Contas (POC), esse custo seria considerado de produção, e consequentemente imputado à fracção através do mecanismo da variação de produção e assim não influenciaria o valor do resultado apurado no exercício.
Assim,
– os custos/gastos reconhecidos nos ano de 2009 e 2010, no montante anual de €257.333,28, não são aceites para efeitos fiscais nos termos do artigo 23º do CIRC, uma vez que a fracção esteve registada em existências/inventários»;
p) No ano de 2009, o imóvel sobre o qual foram efectuados os custos/gastos que não foram considerados para efeitos fiscais estava contabilisticamente registado em existências;
q) Notificado para efeitos de audição prévia das correcções que se projectavam (cf. a fls. 65 do PA), veio a contribuinte, apenas, apresentar elementos/esclarecimentos relativamente aos pontos A.4.3 e A.4.4, do relatório inspectivo (cf. a fls. 77 e seguintes do PA), pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a referida correcção se consolidou e o lucro tributável declarado no exercício (€ 2.912.630,14) foi corrigido, fixando-se a matéria colectável em € 3.171.268,30 (cf. a fls. 115 do Processo Administrativo).
r) Com base nessa correcção, foi efectuada a liquidação adicional n.º 2013 … e juros compensatórios, datada de 15/07/2013, no valor de €62.540,00 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
s) Em 18-12-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que não se tenha provado.
2.3. Fundamentação dos factos provados
Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária e as alegações das Partes, não sendo controvertidos.
3. Matéria de direito
3.1. Objecto do litígio
Embora a Requerente, ao formular o pedido, faça referência à «declaração de ilegalidade das liquidações em apreço, referentes aos exercícios de 2009 e 2010», é manifesto que as referências ao ano de 2010 e a liquidações, no plural, são feitas por lapso, pois a Requerente identificou apenas no artigo 2.º do pedido de pronúncia arbitral a liquidação relativa ao ano de 2009 e no artigo 5.º do mesmo pedido de pronúncia arbitral, expressa e inequivocamente, referiu que «sem prejuízo de noutras instâncias reagir contra as demais correcções, nos presentes autos, a requerente apenas contesta a correcção identificada no ponto A.3.3, no montante de € 257.333,28 referente ao exercício de 2009».
Na definição do objecto do litígio há que ter em conta que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa a eliminação dos efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele] ( [1] ).
Por isso, os actos de liquidação que são objecto de pedidos de declaração de legalidade pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, de facto ou de direito, mesmo que sejam invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa. ( [2] )
Por outro lado, aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
Desta perspectiva, importa apenas apreciar se tem suporte legal a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira à matéria tributável da Requerente, para efeitos puramente fiscais, e não determinar qual a forma mais adequada para contabilização das operações.
No caso em apreço, os fundamentos para a correcção efectuada relativamente ao ano de 2009 invocados no Relatório da Inspecção Tributária, que, pelo que se referiu, são os únicos relevantes para aferir da legalidade do acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, são os seguintes, referidos na alínea o) da matéria de facto fixada:
– o contrato lavrado entre o sujeito passivo e a A é um contrato de empreitada, conforme definido e regulado no artigo 1207º e seguintes do Código Civil (CC), sendo o sujeito passivo o proprietário da obra, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais, de acordo com o disposto no artigo 1212º do CC;
– a Requerente reconheceu como custo do exercício o montante anual de €257.333,28, referente à especialização do ano de 2009 do custo de construção das instalações de um “health club”;
– dado o sujeito passivo ter registado a fracção em existências no ano de 2008, e de acordo com a valorimetria de existências descritas no Plano Oficial de Contas (POC), esse custo seria considerado de produção, e consequentemente imputado à fracção através do mecanismo da variação de produção e assim não influenciaria o valor do resultado apurado no exercício;
– o custo/gasto reconhecido no ano de 2009, no montante de €257.333,28, não é aceite para efeitos fiscais nos termos do artigo 23º do CIRC, uma vez que a fracção esteve registada em existências/inventários.
Assim, é a legalidade da liquidação adicional de IRC relativa ao ano 2009, à face desta fundamentação da correcção em que se baseou, que importa apurar.
3.2. Apreciação do mérito da pretensão da Requerente
Relativamente à determinação da matéria tributável de IRC, o artigo 17.º do CIRC (redacção vigente em 2009) estabelece o seguinte:
Artigo 17.º
Determinação do lucro tributável
1. O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
(...)
3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
Como se vê pelo n.º 1 deste artigo 17.º, não se estabelecem na lei fiscal todas as regras necessárias para apuramento da matéria tributável das entidades sujeitas a IRC, remetendo-se genericamente para as normas contabilísticas, mas com primazia das normas do CIRC, como se infere da expressão final («...corrigidos nos termos deste Código»), essencialmente repetida na parte final da alínea a) do n.º 3.
A justificação destas relações entre a fiscalidade e a contabilidade é dada no ponto 10 do Preâmbulo do CIRC, nestes termos:
«Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correcções – positivas ou negativas – enunciadas na lei para tomar em consideração os objectivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.»
Nesta linha, pode dizer-se que «a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípio que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados. Em alguns países opta-se até por uma completa separação entre essas duas grandezas, mas a tradição em que nos inserimos é a da dependência parcial do lucro tributável em relação ao resultado contabilístico» ( [3] )
Por sua vez, o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC (na redacção vigente em 2009), relativamente à «Periodização do lucro tributável» estabelece que «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica», o que é usualmente designado como princípio da especialização dos exercícios.
A alínea b) do n.º 3 deste artigo 18.º, relativamente à prestação de serviços de prestação continuada, estabelece uma regra especial, nos termos da qual «os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução».
Tal como se diz no Relatório de Inspecção Tributária – abreviadamente, “Relatório” –, “a principal actividade [da Requerente] consiste na promoção, comercialização, gestão, administração, conservação, fiscalização e prestação de serviços directa ou indirectamente de património imobiliário, do centro comercial C, que foi inaugurado em 2007-10-24”.
No exercício dessa actividade, a Requerente angaria clientes – lojistas –, com os quais celebra contratos de utilização das lojas que compõem o centro comercial. Os rendimentos que aufere – pelos quais é tributada em IRC – provêm fundamentalmente de direitos de ingresso que lhe são pagos pelos candidatos a lojistas e de remunerações mensais pela utilização das lojas por um período contratualmente definido.
As lojas eram disponibilizadas “em tosco”, ficando a cargo dos lojistas a realização das obras indispensáveis para que as mesmas fiquem em condições que permitam o exercício das respectivas actividades empresariais.
A escolha dos lojistas não ficava na dependência dos candidatos que surgissem, obedecendo antes a um planeamento destinado a atrair os clientes finais do centro.
Nesse âmbito, lojas existem com maior importância que as demais, pelas potenciais aptidões para atraírem, não só outros lojistas, como, principalmente, os clientes finais. Designam-se habitualmente tais lojas como “lojas âncora” e merecem da entidade gestora do centro atenções especiais, designadamente, na maioria das situações, a comparticipação nos custos suportados com as obras de instalação e montagem, podendo tal comparticipação revestir modalidades diversas.
Relativamente ao cliente “B Funchal, Unipessoal, Lda.” – abreviadamente “B” –, que era uma “loja âncora” de grande relevância no âmbito do C, a Requerente celebrou em 15-10-2007 dois contratos, manifestamente ligados entre si, nos termos seguintes:
a) Contrato de utilização de loja (“health club”) em centro comercial (C) por um prazo de 15 anos;
b) Contrato de prestação de serviços, através do qual a B se vinculou a fazer construir por terceiros, sob a sua responsabilidade, um health club da marca “E”, pelo preço fixo global de € 3.850.000,00, valor a que acresceria a quantia de € 10 000,00 referente à gestão da obra.
No contrato de utilização da loja, para além da remuneração mínima respeitante propriamente à cedência do espaço, ficou previsto um pagamento adicional, correspondente ao resultado da multiplicação do valor (sem IVA) pago pela Requerente no âmbito do contrato de prestação de serviços (ou seja, € 3.860.000,00) pelo factor 0,07 e dividido por 12, conduzindo a um valor mensal de € 22.458,33.
Face à óbvia ligação, até no tempo, entre os dois contratos, é de presumir que o factor 0,07 tenha sido encontrado na divisão do valor a pagar por 15, que é o número de anos de vigência do contrato de utilização da loja. Na verdade 1:15 = 0,06(6), que terá sido arredondado para 0,07.
Em termos contabilísticos, a Requerente registou o custo das obras (€ 3.860.000,00) na conta 2741 Outras contas a receber, por forma a proceder à respectiva imputação aos resultados dos 15 anos de vigência do contrato de utilização da loja, o que conduziu a um valor mensal de € 21 444,44.
Sendo assim, o valor que foi imputado a resultados de 2009, cuja não aceitação como custo pela Requerida esteve na base da liquidação contestada, totalizou € 257 333,28.
No entender da Requerida, face à declarada intenção de revenda manifestada pela Requerente aquando da aquisição do imóvel em que se integra a fracção locada à B, o custo da obra realizada na fracção em causa deveria ter sido registado em existências de mercadorias e não relevado como gasto.
Este entendimento não é aceitável, em face da referida ligação evidente, no tempo e no conteúdo, entre ambos os contratos celebrados entre a Requerente e a B. O contrato de prestação de serviços não pode ser encarado como se o de utilização da loja não tivesse sido outorgado na mesma data e entre os mesmos contraentes, e este último contraria, objectivamente, a correspondência à realidade da intenção de revenda.
Na verdade, é contrário à existência de uma intenção de revenda o facto de o contrato de utilização da loja prever não apenas um pagamento mensal pela utilização do espaço, mas, para além deste, um outro pagamento, a prolongar-se por 15 anos, que é calculado pela aplicação de um factor (decorrente do arredondamento do quociente da divisão pelo número de anos de vigência do contrato de utilização da loja) ao custo total das obras.
Tendo a Requerente começado por suportar o custo das obras e estabelecendo-se no contrato de utilização da loja que a B lhe pagaria, para além do preço normal da simples cedência do espaço, um preço praticamente equivalente ao custo das obras, tudo se passa, substancialmente, como se a Requerente tivesse financiado, sem retribuição ao longo dos 15 anos de vigência do contrato de utilização da loja, a realização dessas obras a cargo da B, dentro da política de favorecimento das lojas âncora em que esta se enquadrava.
Nestes termos, bem andou a Requerente quando, em sintonia com os princípios contabilísticos do acréscimo ou periodização económica (tradicionalmente conhecido por princípio da especialização dos exercícios), da substância sobre a forma e do balanceamento entre custos e proveitos ou do confronto (matching convention, na designação dos anglo-saxónicos), optou por imputar a resultados o gasto que suportou com a realização das obras de adaptação da loja cedida à B..
Aliás, esta imputabilidade dos réditos e gastos proporcionalmente à execução do contrato está em sintonia com a regra da parte final da alínea b) do n.º 3 do artigo 18.º do CIRC.
Assim, a demonstração de resultados dos anos de vigência do contrato que com este cliente celebrou foi sendo afectada por três verbas, duas positivas (rendimentos) e uma negativa (gasto), nos termos seguintes:
Rendimentos:
a) Remuneração respeitante à utilização do espaço;
b) Recuperação do custo suportado com as obras de adaptação da loja;
Gastos:
c) Imputação a resultados do custo suportado com a realização das obras.
Pode dizer-se que o verdadeiro rendimento decorrente destes contratos para a Requerente terá sido o da anterior alínea a), pois os resultados provenientes das rubricas das alíneas b) e c) praticamente se compensam.
Na verdade, os valores mensais dessas rubricas são os seguintes:
b) € 3.850.000,00 x 0,07 : 12 = € 22.458,33
c) € 3.850.000,00 : 15 : 12 = €21.388,89
Por conseguinte, não fosse o arredondamento introduzido na fórmula de cálculo da quantia a receber do cliente e as duas verbas teriam coincidido.
Dir-se-á que as obras, no fim dos 15 anos de vigência do contrato, ficam a pertencer à Requerente. A situação não será, porém, diferente da das demais lojas, em que as obras de adaptação são directamente suportadas pelos clientes. Além do mais, não é garantido que tais obras, nessa altura, tenham valor económico para a proprietária do imóvel.
Em suma, é perfeitamente aceitável a solução adoptada pela Requerente com vista ao enquadramento contabilístico dos factos ocorridos em relação à B. Aliás, a mesma está em consonância com parecer sancionado pelo Senhor Substituto Legal do Director-Geral dos Impostos em 21-12-2006, cujas conclusões se reproduziram na alínea m) da matéria de facto fixada, precisamente sobre direitos de ingresso em centros comerciais.
Pelo exposto, o tratamento contabilístico adoptado pela Requerente é, para efeitos fiscais, o que está em sintonia com os princípios contabilísticos aplicáveis e, por isso, se deve considerar legalmente imposto, à face da regra da determinação do lucro tributável com base na contabilidade (com as correcções impostas pelo CIRC) que se estabelece no artigo 17.º, n.º 1, do mesmo Código.
Consequentemente, não havia obstáculo legal a que a Requerente considerasse como custos do exercício de 2009 a parte proporcional à quantia despendida com as obras.
Por isso, a correcção efectuada e o acto de liquidação que nela se baseou são ilegais, enfermando de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito (artigos 18.º 23.º do CIRC) que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos da alínea d) do artigo 2.º da LGT.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2013 8310003259, relativa ao ano de 2009, datada de 15-07-2013, no valor de €62.540,00.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €62.540,00.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Registe-se.
Lisboa, 20 de Junho de 2014
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(José Alberto Pinheiro Pinto)
(Miguel Patrício)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1]Apenas complementado com as consequências da decisão anulatória a nível de atribuição de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida, se for caso disso.
[2]Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
–de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;
– de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289;
– de 09-10-2002, processo n.º 600/02;
– de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».
[3] MANUEL H. DE FREITAS PEREIRA, Relações entre a fiscalidade e a contabilidade, em Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, volume IV, página 953.