Sumário:
I-Para efeito de cálculo da mais valia, decorrente da alienação de prédios urbanos adquiridos a título gratuito em data anterior a 31 de dezembro de 2011, no valor de aquisição, deve-se ter em conta o regime transitório previsto no art. 15º, n.º1 do D.L. n.º 287/2003 de 12 de Novembro, aplicável face ao previsto no art. 10º n.º4 da Lei n.º60-A/2011 de 30.11, e 27º, n.º2, al. a) do D.L. n.º287/2003 de 12 de Novembro.
II- Para efeito de cálculo da mais valia, decorrente da alienação de prédios rústicos adquiridos a título gratuito em data anterior a 31 de dezembro de 2011, no valor de aquisição, deve-se ter em conta o regime transitório previsto no art. 27º, n.º2, al. c) do D.L. n.º287/2003 de 12 de Novembro.
III-A apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efetivo
(instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 139.º do CIRC, é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
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Em 10 de NOVEMBRO de 2022 a contribuinte A... (adiante designada por Requerente), NIF..., residente no ..., n.º ..., em Setúbal, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 21de Novembro de 2021.
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Por ofício datado de 31.12.2022 a Requerida anulou parcialmente o ato impugnado.
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O Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por ofício datado de 04.01.2023, notificou a Requerente para informar se queria prosseguir com o procedimento.
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A Requerente informou em 12.01.2023 que pretendia prosseguir com o procedimento.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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O tribunal arbitral foi constituído em 23.01.2023 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
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A AT apresentou a sua resposta.
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A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a exceção (inutilidade superveniente da lide) invocada pela requerida em sede de resposta.
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A Requerente informou que nada tinha a opor a essa exceção.
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Por despacho de 01.03.2023, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
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A Requerida apresentou as suas alegações em 24 de março de 2023.
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A Requerente não apresentou alegações.
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Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., de onde resulta um valor a pagar de 37.695,11€.
I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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Começando pelo imóvel adquirido em 1998, tratou-se de uma simples compra e venda, conforme escritura junta pelo que o valor de aquisição considerado
pela AT – valor patrimonial – se afigura ilegal, por violação direta do artigo 46º, n.º 1
do CIRS.
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No caso das aquisições a título gratuito, tal como no presente caso, em que a
aquisição se deu por herança, o Código do IRS estabelece regras muito claras quanto
à quantificação do respetivo valor de aquisição.
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Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 45º do Código do IRS:
“Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de
aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de
imposto do selo;”
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Remetendo aquela disposição para o Código do Imposto do Selo, o art. 13º deste diploma, com o título de “Valor tributável dos bens imóveis, constante da Secção II sob a epígrafe “Nas transmissões gratuitas”, prevê que:
“1 – O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos
termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos
casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”
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Nas suas correções, a AT considerou como valores de aquisição, os valores inscritos na matriz predial, com referência a 1999.
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Ora, os valores patrimoniais calculados ao abrigo da CCA são substancialmente inferiores aos que seriam apurados com base nas novas regras do Código do IMI, que entrou em vigor a 1 de Dezembro de 2003.
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De facto o sistema de avaliação dos imóveis que vigorou até à entrada em vigor do CIMI era antigo e não refletia minimamente o valor dos imóveis.
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Face ao exposto, não tendo o valor patrimonial tributário, constante da matriz em 1999, sido determinado nos termos do CIMI, não pode ser considerado pela AT como valor de aquisição para efeito de cálculo de mais-valias no ano de 2020, nos termos do nº1 do art. 45º do Código do IRS.
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Quanto ao valor de realização, o n.º 2 do art. 44º do Código do IRS refere que,
tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os
valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de
imposto municipal sobre as transmissões onerosas.
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Ou seja, o maior entre: o valor do contrato ou o valor patrimonial tributário – “VPT”, por aplicação do nº 1 do art. 12º do Código do IMT.
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Contudo, o n.º 5 do mesmo artigo vem prever que o disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao VPT.
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Acrescenta o n.º 6 que a prova deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
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Dispõe o nº 3 daquele artigo 139º que "a prova deve ser efetuada em procedimento próprio, mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos”.
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De modo a cumprir com aquele requisito, a Requerente entregou o devido
requerimento, dirigido ao Diretor de Finanças de Setúbal, nessa Direção de Finanças,
no dia 16 de Maio de 2022
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Refere a AT no seu relatório final que “apesar da contribuinte ter apresentado prova de que os valores de realização são inferiores aos valores que serviram de base à liquidação dos IMT’s a mesma não efetuou este procedimento no prazo previsto, ou
seja até 31-01-2021”.
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Deverá entender-se que o prazo fixado é apenas procedimental e que visa
somente facilitar a disponibilização da informação à AT em tempo útil antes da
submissão da declaração de rendimentos.
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Não constituindo um prazo de caducidade após o qual o contribuinte se vê
impedido de lançar mão dos meios legais à sua disposição para comprovar o valor
dos rendimentos efetivamente obtidos.
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Um eventual atraso ocorrido no cumprimento de uma obrigação meramente declarativa não pode ter como consequência o impedimento
de acesso a um meio de reação contra uma liquidação de imposto absolutamente
desproporcional face ao rendimento real auferido.
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Colidindo assim com o já referido princípio constitucional da capacidade
contributiva, enquanto desenvolvimento fiscal do princípio da igualdade.
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Acresce que, da própria mecânica de liquidação e arrecadação de receita, em
matéria de impostos, não é possível reagir a uma liquidação antes desta ser emitida
e notificada ao contribuinte.
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Note-se que o requerimento em questão não mereceu, até à presente data, qualquer resposta por parte da referida Direção de Finanças.
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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Antes do mais, cumpre referir que o ato impugnado foi parcialmente anulado por despacho de 31/12/2022, da Senhora Subdiretora-Geral para a Área dos Impostos sobre o Rendimento, o qual sancionou a informação nº 623/22 prestada pela DSIRS.
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Assim, atendendo ao despacho de revogação parcial que se junta, deverá ser julgada procedente a inutilidade superveniente da lide relativamente a parte do pedido, mais concretamente no que respeita à correção do valor de aquisição do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ..., ... e..., concelho de Alcobaça, sob o artigo..., o qual foi corrigido de € 36,99 para € 2.493,99, montante pelo qual a ora Requerente adquiriu aquele imóvel em 23-03-1998.
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Quanto ao valor de aquisição dos imóveis adquiridos gratuitamente, a AT considera que não pode ser considerado para o efeito o seu VPT inscrito na matriz após a entrada em vigor do Código do IMI (CIMI) por não existir base legal para tanto.
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Em suma,“em virtude de o novo VPT haver sido apurado em função de um procedimento realizado no âmbito da chamada “avaliação geral”, o mesmo apenas se tornou efetivo, para efeitos de IMI (imposto para o qual remete o nº 1 do art. 13º do Código do Imposto do Selo, norma invocada pela requerente) em 31-12-2012.
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Assim, não tendo aquele VPT mesmo retroagido, por opção legislativa, à data da aquisição do imóvel para efeitos de imposto sobre o património (IMI), imperioso será concluir que não poderá ficcionar-se essa mesma retroatividade para efeitos
de imposto sobre o rendimento (IRS).
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O pedido de demonstração de preço efetivo tem de ser ATEMPADAMENTE instaurado.
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Nos termos constantes do nº 3 do art. 139º do CIRS, durante o mês de janeiro.
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Do regime consagrado no art. 139º do CIRC, para o qual remete o nº 6 do art. 44º do CIRS nada resulta, pois, que belisque o direito à impugnação de atos lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes.
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
É invocada uma exceção que cumpre apreciar previamente.
1. Impossibilidade da lide (PARCIAL)
A Requerida veio dar razão à Requerente, no que se refere ao valor de aquisição prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., tendo corrigido o valor de aquisição de €36.99 para €2.493,99, procedendo, na pendência dos presentes autos, à anulação nesta parte da liquidação impugnada.
A anulação parcial ocorreu (31.12.2022) antes de constituído o tribunal arbitral (23.01.2023), ao abrigo do art. 13º, n.º1 do RJAT.
Pelo que, na verdade não estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, mas sim de uma impossibilidade parcial originária.
Em qualquer dos casos, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Tanto quanto é do conhecimento deste tribunal o ato impugnado foi anulado parcialmente sem que tenha sido efetuada nova regulação da situação jurídica. Porquanto, tendo sido eliminado parte do objecto do processo, deve o mesmo prosseguir, por indicação e vontade da Requerente, para o objeto não eliminado pelo ato anulatório.
Desta forma, o objeto da ação ficou circunscrito aos demais vícios indicados no pedido de pronúncia arbitral - valor de aquisição dos prédios adquiridos gratuitamente e valor de realização de todos os imóveis-, verificando-se uma impossibilidade parcial da lide em relação ao segmento anulado pela AT, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
No caso concreto, em relação ao valor da aquisição do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), considerado na liquidação, que foi anulado, está preenchida a condição prevista para a extinção da instância por impossibilidade, sem prejuízo subsistir o interesse quanto ao valor de aquisição dos prédios adquiridos gratuitamente e quanto ao valor de realização de todos os imóveis.
Em consequência, na parte em que a presente ação arbitral se funda na causa de pedir respeitante ao valor da aquisição do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), declara-se extinta a instância processual, por já ter sido alcançado, de outra forma, o fim visado com a ação, nos moldes do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, ficando, nessa medida, prejudicado o seu conhecimento, por este Tribunal.
Prosseguindo-se a lide, para análise da legalidade do valor tido em conta na aquisição dos prédios adquiridos gratuitamente e para análise da legalidade do valor de realização de todos os imóveis, conforme manifestado nesse sentido pela Requerente (art. 13º, n.º2 do RJAT).
Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
Quanto ao cálculo da mais valia imobiliária, as questões centrais a decidir, tal como colocadas pela Requerente, são as seguintes:
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o valor de aquisição dos prédios adquiridos em 1999, a título gratuito, deve ser apurado de acordo com as regras previstas no CIMI, ou, se se deve considerar o valor patrimonial tributário dos prédios existente em 1999, cujo valor foi apurado de acordo com o previsto na revogada Contribuição Autárquica;
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o prazo para iniciar o procedimento de prova do preço efetivo da transmissão de Imóveis previsto no art. 139º. n.º3 do CIRC não é um prazo de caducidade.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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No dia 23.03.1998, a Requerente comprou, pelo preço de 500.000$00, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...) , concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de 7.416$00, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... .
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No dia 06.05.1999, por escritura de partilha foram adjudicados, pelo valor global de 426.801$00 os seguintes prédios à Requerente:
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Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo... (atual artigo ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...) , concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de 93.217$00;
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Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de..., ... e ...), concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de 155.844$00;
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Prédio Rustico inscrito na matriz sob o artigo ... (atual ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de 4.134$00;
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Prédio Rustico inscrito na matriz sob o artigo ... (atual ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de 468$00;
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Prédio Rustico inscrito na matriz sob o artigo ... (atual ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de 1.768$00.
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No dia 21 de julho de 2020, a Requerente, através de documento particular autenticado, procedeu à alienação dos seguintes prédios:
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Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...) , concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de €34.473,80, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., pelo preço de €17.259,17
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Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...) , concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de €47.918,15 descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., pelo preço de €22.145,33
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Prédio Rustico inscrito na matriz sob o artigo ... (atual...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, pelo valor de €388,16 , igual ao valor patrimonial
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Prédio Rustico inscrito na matriz sob o artigo ... (atual ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, pelo preço de €44,21, igual ao valor patrimonial
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Prédio Rustico inscrito na matriz sob o artigo ... (atual ...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...), concelho de Alcobaça, pelo preço de €163,13, igual ao valor patrimonial
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No dia 18 de novembro de 2020 a Requerente, através de documento particular autenticado, procedeu à alienação do seguinte prédio:
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Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (atual artigo...), freguesia de ... (atual União de freguesias de ..., ... e ...) , concelho de Alcobaça, com o valor patrimonial de €84.645,82, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., pelo preço de €10.000,00
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A Requerente apresentou o modelo 3 de IRS no dia 29.04.2021, tendo no anexo G declarado o seguinte:
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Com base na declaração apresentada pela Requerente foi efetuada em 25-05-2021 a liquidação de IRS nº 2021... .
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No dia 14 de Março de 2020, a Requerente foi notificada para o exercício
do direito de audição sobre o projeto de decisão sobre a declaração de
rendimentos de IRS apresentada, com base em incorreção dos valores declarados.
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A Requerente exerceu o seu direito de audição.
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Em de Abril de 2022, a Requerente foi notificada do relatório final de análise à sua
declaração de IRS de 2020.
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A Requerente entregou um requerimento dirigido ao Diretor de Finanças de Setúbal no dia 16 de Maio de 2022, a solicitar a instauração de procedimento para prova do preço efetivo praticado na transmissão de direitos reais sobre imóveis ao abrigo do n.º 6 do artigo 44º do Código do IRS, com remissão para o artigo 139º do Código do IRC.
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A AT oficiosamente elaborou em 11-08-2022, em nome da
requerente, uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a qual foi também acompanhada dos anexos A, F, G e H.
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No quadro 4 do anexo G foram mantidos todos os valores de realização e alienação
relativos aos prédios rústicos declarados pela Requerente na declaração modelo 3 originariamente apresentada em 29-04-2021
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Contudo, a data da sua aquisição foi alterada para maio de 1999.
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No tocante aos prédios urbanos, a data de aquisição foi alterada para maio de 1999 (artigos ... e ...) e dezembro de 1998 (artigo ...).
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No tocante aos prédios urbanos, foram alterados os valores de realização e de aquisição, passando a constar do quadro 4 do anexo G oficiosamente elaborado os seguintes montantes:
- Artigo ... - Valor de realização: € 37.473,80; valor de aquisição: € 36,99.
- Artigo ...: Valor de realização: € 47.918,15; valor de aquisição: € 464,96.
- Artigo ...: Valor de realização: € 84.645,82; valor de aquisição: € 777,35.
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Foram mantidas no anexo G elaborado a título oficioso pelos serviços da AT as datas
de alienação dos seis imóveis transmitidos.
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Com base na declaração oficiosa supra mencionada foi efetuada
em 19-08-2022 em nome da ora requerente e seu cônjuge a liquidação de IRS nº 2022..., no âmbito da qual se apurou o montante de imposto a pagar de € 36.177,36, a que acresce a quantia de € 1.517,75, a título de juros compensatórios, perfazendo o valor total a pagar de € 37.695,11
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 17 são dados como assentes pela análise dos documentos 1 a 9 juntos pela Requerente, pelo processo administrativo e pela posição assumida pelas partes.
V. Do Direito
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Valor de aquisição dos prédios adquiridos a título gratuito.
Nesta parte, quanto ao cálculo da mais valia imobiliária, entende a Requerente que o valor de aquisição dos prédios adquiridos em 1999, a título gratuito, deve ser apurado de acordo com as regras previstas no CIMI. Por oposição, a AT entende que se deve considerar o valor patrimonial tributário dos prédios existente em 1999, cujo valor foi apurado de acordo com o previsto na revogada Contribuição Autárquica.
No caso em apreciação estão em causa rendimentos da categoria G - mais valias imobiliárias, cuja norma de incidência está prevista no art. 10º, n.º1, al. a) do CIRS).
Resulta do disposto no artigo 10.°, n.° 4, al. a) do CIRS, que constitui ganho sujeito a IRS, a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1 (do citado normativo).
O art. 45º, n.º 1, al. a) do CIRS estatui seguinte:
“1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;”
Esta disposição legal remete para o art. 13º, n.º1 do CIS, que tem a seguinte redação:
“1 - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.”
No que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11.º, n.º 1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9.º, n.º 1 do C.C. estabelece o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Também como refere Oliveira Ascensão[2], “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”
Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal. A letra da lei invoca expressamente o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI e não simplesmente o valor patrimonial tributário constante da matriz. Pelo que, salvo melhor opinião, o legislador pretende que seja tido em conta o valor patrimonial tributário apurado pelas regras do CIMI.
Com o mesmo entendimento, veja-se J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:
“Observa-se, contudo, que o valor patrimonial tributário a que se refere o n.º1 deste artigo é o valor determinado nos termos do CIMI e não o valor patrimonial tributário resultante da capitalização do rendimento determinado de acordo com as regras do Código de Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola por aplicação dos factores 15 e 20 previstos nos artigos 6º a 7º do Decreto -Lei n.º 442-C/88 de 30 d Novembro, que aprovou o Código da Contribuição Autárquica.” In O Imposto sobre o Património Imobiliário O Imposto de Selo, Engifisco, 2005, pág. 610
No mesmo sentido veja-se o Ac. do TCAS de 11.07.2019, proc. n.º 1433/12.5 BESNT[3]:
“Portanto, a pergunta que se impõe é esta: o apuramento da mais-valia prevista no artigo 45.º do CIRS, no caso concreto deve basear-se no VPT inscrito ou no VPT condizente com tais regras, dominadas pelo princípio da aproximação dos valores patrimoniais tributáveis aos valores de mercado?
Se pensarmos que, concomitantemente com a reforma da tributação do património, foram operadas alterações nos códigos tributários de molde a compatibilizá-los com essa reforma, harmonizando o sistema de tributação das transmissões de imóveis através da relevância do VPT apurado nos termos do Código do IMI, para efeitos de tributação em sede de todos os impostos, então facilmente se concluiu que ao remeter para o VPT dos imóveis nos termos do CIS o legislador do CIRS perspectivou a aplicação das novas regras de determinação do VPT constantes do CIMI, e não o valor que vinha de pregresso, determinado ao abrigo da Contribuição Autárquica.”
Acresce que, por indicação do art. 28º, n.º1 do D.L. n.º 287/2003 de 12 de novembro as referências feitas em diplomas legais para o CCA consideram-se feitas para o CIMI, não havendo qualquer disposição expressa a impor o inverso, ou seja, uma referência ao CIMI considerando-se feitas para o CCA.
Importa referir, também, que o art. 27º, n.º2 do D.L. n.º 287/2003 de 12 de novembro, relativo à liquidação do IS, estatui seguinte:
2 - O imposto do selo é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respectivo Código, nos seguintes termos:
a) No caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no n.º 1 do artigo 15.º do presente diploma;
b) No caso dos prédios urbanos arrendados até 31 de Dezembro de 2001 e que ainda se encontrem arrendados na data da liquidação, com base no valor determinado nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do presente diploma;
c) No caso dos prédios rústicos, com base no valor patrimonial tributário actualizado pela forma prevista na alínea c) do n.º 1.
Esta norma distingue os prédios urbanos (art. 27º, n.º2, als. a) e b)) dos prédios rústicos (art. 27º, n.º2, al. c). No caso sub judice, foram adquiridos gratuitamente dois prédios urbanos e três prédios rúticos.
Quanto aos prédios urbanos e no que diz respeito ao valor que deve ser considerado para efeitos de valor de aquisição, o art. 27º, n.º2, al. a) remete para o art. 15º, n.º1[4]. Como bem refere a Requerida, o art, 15º, n.º1 foi revogado pelo art. 9º, da Lei n.º60-A/2011 de 30.11 que tem a seguinte redação:
“São revogados os n.os 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.”
Sucede que o art. 10º, n.º4 da lei n.º60-A/2011 de 30.11 define o seguinte:
“4 - Aos prédios urbanos inscritos na matriz e objecto de transmissão onerosa ou gratuita ocorrida até 31 de Dezembro de 2011 aplica-se o disposto nos n.os 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.”
Porquanto, o legislador repristinou o art. 15º, nº1 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, caso a transmissão tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2011. No caso em apreço, a aquisição foi anterior a 2011. Porquanto, aplicando-se o art. 15º, n.º1, aplicável face ao previsto no art. 10º n.º4 da Lei n.º60-A/2011 de 30.11, e 27º, n.º2, al. a) do D.L. n.º287/2003 de 12 de Novembro, no caso dos prédios urbanos o imposto deveria ser liquidado com base no valor apurado nos termos do CIMI e não da CCA, como ocorreu.
Quanto ao valor de aquisição dos prédios rústicos, a al. c), n.º2 do art. 27º prevê a atualização do valor patrimonial pela forma prevista na al, c), n.º1 do art. 27º do D.L. n.º287/2003 de 12 de Novembro. Essa atualização não foi efetuada, no caso em apreço, para definir o valor de aquisição dos prédios rústicos.
Por fim, a contribuinte refere que a AT violou, grosseiramente, o disposto no artigo 13º, nº 1 – princípio da igualdade – e artº 14º - ambos da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.
A Requerente em nada concretiza ou densifica a invocação (genérica) que faz, com vista a sustentar a conclusão, que pretende que também seja retirada por este Tribunal, de que o ato de liquidação viola os arts. 13º e 14º da CRP. Na falta dessa densificação, com alegação concreta e circunstanciada, do direito fundamental cujo núcleo essencial entende mostrar-se ofendido pelo ato de liquidação impugnado, não há como, na falta de evidenciação de quaisquer outros elementos, julgar procedente a violação das normas constitucionais citadas.
A mera citação de tais normativos e a invocação da violação do princípio da igualdade, desacompanhadas de qualquer esforço argumentativo no sentido de a fundamentar, não são suficientes para demonstrar essa violação.
Em conclusão:
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Quanto ao valor de aquisição dos prédios urbanos, adquiridos gratuitamente em 1999, o ato sindicado viola o disposto no art. 15º, n.º1, aplicável face ao previsto no art. 10º n.º4 da Lei n.º60-A/2011 de 30.11, e 27º, n.º2, al. a) do D.L. n.º287/2003 de 12 de Novembro.
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Quanto ao valor de aquisição dos prédios rústicos, adquiridos gratuitamente em 1999, o ato sindicado, viola o disposto no art. 27º, n.º2, al. c) do D.L. n.º287/2003 de 12 de Novembro.
2. Valor de realização – Omissão do procedimento de prova do preço efetivo da transmissão de imóveis
Em relação ao valor de realização, discute-se a fixação
do VPT como valor de realização das transmissões de bens imóveis, prevista no artigo 44.º,
n.º 2 do Código do IRS, para efeitos de cálculo das mais-valias sujeitas a este imposto,
quando o VPT é superior ao valor da contraprestação declarada.
Estamos, neste âmbito, perante uma prescrição anti-abuso que tem implícita a assunção de que o VPT é inferior aos preços transacionais praticados.
Este regime cede, porém, se os contribuintes lograrem demonstrar que o valor efetivo
da transmissão dos imóveis foi inferior ao dos respetivos VPT, pelo que o artigo 44.º, n.º 2,
conjugado como os seus n.ºs 5 e 6, constitui uma norma de direito probatório material,
consagrando uma inversão do ónus da prova, que passa a impender sobre o sujeito passivo, e
não sobre a AT.
Para este efeito, isto é, para afastamento da presunção, o legislador optou por consagrar, um procedimento próprio, remetendo o artigo 44.º, n.º 6, com as necessárias adaptações, para a disciplina de prova prevista no artigo 139.º do Código do IRC, preceito gizado para as situações similares (de consideração do VPT como valor de realização em vez do valor declarado quando este seja inferior àquele) do artigo 64.º do Código do IRC, que vigora para as pessoas coletivas e entes equiparados.
Este procedimento específico deve ser requerido ao Diretor de Finanças competente
no decurso do mês de janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões (n.º 3
do artigo 139.º do Código do IRC), dependendo a impugnação da liquidação da prévia apresentação deste pedido, não havendo lugar a Reclamação Graciosa (n.º 7 do mesmo
artigo).
Ressalta do exposto que o legislador consagrou um mecanismo administrativo
especial, afastando a Reclamação Graciosa, para que os contribuintes
possam ilidir a presunção legal do artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS, instituindo-o
como condição prévia da impugnabilidade do ato a liquidar que daí resulte.
No caso concreto, a Requerente, como a própria reconhece, não apresentou
qualquer requerimento no decurso do mês de janeiro de 2021, tendo em vista a prova do preço
efetivo da transmissão de imóveis ocorrida em 2020 e a elisão da presunção
consagrada no artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS. O impulso procedimental da Requerente
surge apenas em 16.05.2022, muito depois de expirado o prazo do meio próprio.
A responsabilidade pelo cumprimento dos deveres tributários, principais (prestativos)
e acessórios (declarativos), é, nos termos legais, dos sujeitos passivos e demais pessoas
designadas por lei (v. artigos 31.º e 18.º da LGT), não podendo ser transferida, com
oponibilidade ao credor tributário, para terceiras entidades, nem podem ser modificados.
A demonstração do preço efetivo ou real da transmissão de direitos reais, no caso
concreto, não pode, nem deve ser feita nesta sede arbitral, quando a Requerente não
acionou o procedimento especificamente previsto para esse efeito e que o legislador
consagrou, como acima dito, como condição de procedibilidade do meio contencioso para
discutir tal questão, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC.
Este entendimento tem sido reiterado pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Administrativo, de que se retiram os seguintes excertos ilustrativos:
“I - Para determinação do lucro tributável do vendedor e do comprador deve ser
tido em conta o valor resultante da fixação do VPT de um prédio quando seja inferior
ao estipulado no contrato de compra e venda, constituindo uma presunção de
rendimentos o valor constante do contrato que lhe seja inferior, art.º 64, do CIRC
II - Por não serem admitidas nas normas de incidência tributária presunções
inilidíveis - art. 73.º da LGT - o legislador estabeleceu no CIRC um procedimento no
seu art. 139.º para prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de
direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário
permitindo que aí se faça a ilisão de tal presunção.
III - Tal procedimento é accionado pelo sujeito passivo e, como indica o n.º 5 do
art. 139.º do CIRC rege-se pelo disposto nos artigos n.º 4 do artigo 86.º 91.º e 92.º da
Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações.
IV- Este procedimento constitui condição necessária à abertura da via
contenciosa, n.º 7 do art. 130.º do CIRC.
V - O sujeito passivo de imposto sobre o rendimento pode utilizar os seguintes
meios contenciosos: impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto
final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da
transmissão; impugnação judicial do acto de liquidação de IRC, art. 58º-A do CIRC
ao abrigo do mesmo preceito legal, com fundamento em qualquer ilegalidade ou erro
praticado no procedimento destinado à prova do preço efectivo, podendo oferecer
qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.
VI - A sentença que analisou detalhada e acertadamente a suscitada questão da
condição de procedibilidade, ao fazê-lo, após ter indicado que o processo era o
próprio, estava implicitamente a decidir que se não verificava qualquer erro na forma
de processo porque as questões a dirimir poderiam ser conhecidas no processo em
que estava a ser proferida.” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de
março de 2016, processo n.º 0820/15.
“A apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efetivo
(instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 129.º do CIRC (actualmente,
artigo 139.º do CIRC), é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando
nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de
direitos reais sobre bens imóveis.” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,
de 6 de novembro de 2019, processo n.º 0264/09.4BELRA 0806/15.
Também a decisão arbitral proferida no processo 650/2020-T, de 9 de novembro de
2021, em situação idêntica relativa ao IRC, se pronuncia neste sentido:
“(...) A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em
IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de
rendimentos. Não obstante, esta presunção pode ser ilidida mediante o procedimento
previsto no art. 139.º.
(...) Deste modo, o legislador criou um procedimento em ordem a permitir ao
sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao
VPT e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 64º do CIRC.”
No mesmo sentido a decisão arbitral n.º 823/2021-T de 23.05.2022:
“I - Quando a venda de imóveis por particulares seja feita por valor inferior aos valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis é necessário que o alienante recorra, nos prazos previstos, ao procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC para evitar a subsequente correcção do valor de transacção (ns. 5 e 6 do Código do IRS).
II - Nos termos do n.º 7 do artigo 139.º do CIRC, o procedimento previsto nesse artigo é condição de impugnação da liquidação do imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS.
III - Não tendo havido recurso prévio a esse procedimento, e não procedendo a invocação de inconstitucionalidade da norma que o impõe, não pode o Tribunal arbitral apreciar o pedido de impugnação que lhe foi dirigido.
(…)”
Este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa,
como resulta expressamente do n.º 7 do art. 139.º do CIRC, ou seja, o procedimento
previsto no n.º 3 do art. 139.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de
que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de
procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço
efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis – neste
sentido, vide Acórdão do STA de 06-02-2013, proc. nº 0989/12.»
O legislador consagrou um mecanismo administrativo próprio para que os
contribuintes pudessem ilidir a presunção legal, considerando condição prévia da
impugnabilidade do ato a liquidar que daí resultasse. Não existe, neste caso concreto, um mecanismo enquadrado no âmbito do procedimento judicial arbitral para se ilidir a presunção em causa.
Nos presentes autos, a Requerente pretende demonstrar e comprovar que o preço efetivamente pago na transmissão dos imóveis é o constante da
escritura de compra e venda e não o resultante das correções levadas a cabo pela AT,
para daí retirar as devidas consequências quanto ao ato de liquidação de IRS. É facto que este valor está na génese, quanto ao valor da realização, da liquidação do IRS do exercício de 2020, mas é facto, igualmente, que este valor poderia ser o que a
Requerente pretende agora fazer prova se tivesse diligenciado e acionado o
procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC.
Procedimento este que foi previsto pelo legislador precisamente com esse
propósito: prova do preço efetivo, nestas circunstâncias em que a alienação de bens
imóveis é feita por um valor inferior ao VPT fixado.
Se a Requerente tivesse acionado este procedimento que se «rege pelo disposto
nos artigos 91.º e 92.º da LGT, com as necessárias adaptações, sendo igualmente
aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma Lei», estaria agora em condições
para vir, através do presente pedido de pronúncia arbitral, discutir a alegada
(i)legalidade do ato tributário de IRS do ano de 2020, bem como, a alegada (i)legalidade do procedimento, caso não tivesse sido alcançado um valor por acordo
dos peritos.
Quanto ao prazo para iniciar o procedimento para prova do preço efetivo da transmissão dos imóveis a verdade é que o julgador não pode desrespeitar, para o efeito, as normas legais vigentes. O julgador na sua atuação pauta-se pela análise, interpretação e correta transposição do regime jurídico vigente à situação fática dos autos, não a podendo subverter em ordem a agilizar a prova de uma realidade fática, no caso desatender às condições de procedibilidade, aos meios de reação idóneos e respetivos prazos legais expressamente consignados na lei para o efeito.
Mais se refere que, no citado normativo não é coartada a possibilidade de impugnação judicial, antes se regulamentou e subordinou um prévio esgotamento dos meios tutelares graciosos antes do recurso aos tribunais, por se ajuizar a existência de uma matéria cuja natureza permite uma eficaz resolução administrativa. Aliás, à semelhança do regulado nos artigos 131.° n° 1, 132.° n° 3 e 133.° n° 2 do CPPT, a propósito das impugnações em caso de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, que dependem de reclamação prévia
Quanto à concreta violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, ainda que o Requerente não os substancie, com o devido rigor, em nada se vislumbra a sua preterição. Aliás, a diferenciação por si propugnada entre os sujeitos passivos sujeito a IRC e os sujeitos passivos sujeitos a IRS, no que diz respeito à contagem para iniciar o procedimento, é que, em bom rigor, seria atentatória do princípio da igualdade.
Face ao exposto, na parte em que a presente ação arbitral se funda na causa de pedir respeitante ao valor de realização dos prédios, não tendo a Requerente dado início atempado ao procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, mediante o qual poderia fazer a prova do preço efetivamente pago na transmissão dos bens imóveis em causa nos presentes autos, não pode agora vir fazê-lo, nesta sede, razão pela qual não se verificam os vícios que lhe são assacados.
Destarte, relativamente ao segmento do valor de realização pela alienação dos prédios, constantes da liquidação de IRS do ano 2020, improcedem os vícios invocados pela Requerente.
VI) DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar parcialmente extinta a instância, por impossibilidade da lide, em
relação à parte da liquidação de IRS do ano 2020 n.º 2020..., relativa ao exercício de 2020 que foi anulada;
b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao exercício de 2020 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao valor de aquisição dos prédios urbanos e rústicos adquiridos a título gratuito;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.
Fixa-se o valor do processo em €37.695,11 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de abril de 2023
O Árbitro
_________________________________
(André Festas da Silva)
[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555
[2] In O Direito, Introdução e Teoria Geral, 9.ª Ed., Almedina, Lisboa, 1995, p. 382.
[3] Neste sentido vejam-se também as seguintes decisões arbitrais: proc. n.º 615/2015-T de 17.03.2016, n.º 139/2018-T de 20.11.2018, n.º
[4] Neste sentido cf. Ac. do STA de 30.05.2018, proc. n.º 0534/15