Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 658/2022-T
Data da decisão: 2023-05-23  IRC  
Valor do pedido: € 91.381,80
Tema: IRC/EBF – Retenção na fonte incidente sobre dividendos distribuídos a Organismo de Investimento Coletivo não residente em Portugal; da desconformidade do art.º 22.º do EBF com o art.º 63.º do TFUE.
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SUMÁRIO:

 

O nº 1 do artigo 22º do EBF, na sua redação à data dos factos, ao limitar o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, estabelece uma discriminação arbitrária que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. Relatório:

 

  1. A..., Société D’Investissement à Capital Variable, Organismo de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários, constituído de acordo com o direito do Grão-Ducado do Luxemburgo e a operar nesse país, com o número de identificação fiscal português..., com sede em ..., ... Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante, Requerente), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado em 12 de Abril de 2022, vem apresentar pedido de pronúncia arbitral, invocando os artigos 57.º, n.ºs  1 e 5, e 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (LGT), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.
  3. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 22.12.2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 09.01.2023 para apreciar e decidir o objeto do processo.
  6. Em 13.1.2022, a Requerida apresentou Resposta, não invocando exceções, defendendo-se por impugnação.
  7. A Requerida não juntou aos autos o P.A.
  8. Por despacho de 11/04/2023 e por não haver sido requerida a produção de prova testemunhal, nem suscitada ou identificada matéria de exceção, foi ordenada a dispensa da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT) e, ainda, a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.
  9. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2022..., entretanto apresentado, dirigido aos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), por retenção na fonte, incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos meses de Maio e Junho de 2018, efetuados ao abrigo do disposto no art.º 94.º do CIRC e art.º 22.º do EBF; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de retenção na fonte, que totalizam o montante de 510.355,39 €, por estarem enfermados do vício de violação de lei e mais concretamente por violação do Direito Comunitário e ainda por violação da CRP; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles actos de retenção na fonte, na restituição ao Requerente do valor pago em excesso, no montante de 510.355,39 €; iii) No pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT e ainda, face ao ponto IV) do petitório e com a procedência dos pedidos supra explicitados, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da taxa de arbitragem.
  10. Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações do Requerente:

 

  1. No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa o Requerente por aduzir no sentido de que “[é] um OICVM, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM (...).”
  2. Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC.
  3. Prossegue dizendo que o “[R]equerente é administrado pela sociedade B..., entidade com residência na república francesa. (...)”.
  4. Aduz ainda o Requerente com a circunstância de ser “(...) residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo (...).”
  5. Em Maio e Junho de 2018, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de 3.267.046,14 €, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória.
  6. Refere ainda o Requerente o seguinte: “As retenções na fonte de IRC em causa foram efetuadas e entregues nos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ... e ..., pelo C..., pessoa coletiva titular do número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC (...).”
  7. A Requerente prossegue sustentando que “(...) não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do presente pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo (...).”
  8. E, dizendo não se conformar com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, dá a conhecer o Requerente que, no dia 12 de Abril de 2022, apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC, por retenção na fonte, referentes aos meses de Maio e Junho de 2018, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CIRC.
  9. E partindo da circunstância de haver sido apresentado o pedido de revisão oficiosa em 12.4.2022, aduz o Requerente no sentido de que “A título preliminar, cumpre referir que a Administração Tributária se encontra obrigada a proceder à revisão peticionada pelo ora Requerente, na medida em que o pedido de revisão oficiosa apresentado é legítimo, tempestivo e procedimentalmente adequado (...).
  10. No sentido de demonstrar que a revisão dos atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços pode ser efetuada tanto por iniciativa da Administração tributária como dos próprios contribuinte, o Requerente começa por trazer à colação o disposto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT e ainda a decisão jurisprudencial tirada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Maio de 2005, processo n.º 0319/05. Identifica ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Outubro de 2005 e de 20 de Março de 2003, tirados nos processos n.ºs 0653/05 e 26580. Não deixa de transcrever os ensinamentos de Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Lisboa, Vislis, 2003, Pág. 407.
  11. Defende ainda o Requerente que o pedido de revisão oficiosa apresentado tinha fundamento em “erro imputável aos Serviços”, trazendo igualmente à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Março de 2012, processo n.º 01007/11 que em parte transcreve.
  12. Não se detendo e ainda a propósito do “erro imputável aos serviços”, entendeu o Requerente adequado transcrever o seguinte trecho de Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, Volume I, Almedina, 2019, Pág. 599: «Assim, a Administração Tributária poderá proceder à revisão oficiosa dos actos tributários no prazo de 4 (quatro) anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago […] quando se verificar um erro imputável aos serviços, ou seja, um lapso, um erro material ou de facto, bem como um erro de direito, não se exigindo a demonstração da culpa dos funcionários.»
  13. Retirando daqui o Requerente que tendo “(...) solicitado a revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas com fundamento em erro imputável aos Serviços, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT, o prazo de que dispunha para esse efeito era de quatro anos contado da data das referidas liquidações.”
  14. E tal como queria demonstrar, considera o Requerente que o pedido de revisão oficiosa das liquidações acima identificadas é legítimo, tempestivo e procedimentalmente adequado, pelo que impendia sobre a Administração Tributária o dever de proceder a essa revisão, nos termos dos artigos 56.º e 78.º, n.º 1, in fine, da LGT.
  15. Seguidamente o Requerente suscita a questão de formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, invocando o n.º 1 e 5 do art.º 57.º da LGT e dizendo que tendo ele sido apresentado em 12.4.2022, a AT deveria ter proferido a sua decisão até 12.08.2022, pelo que, impendendo sobre ela o dever de emitir pronúncia sobre o apresentado pedido de revisão até  àquela data e não o tendo feito, tal incumprimento faz presumir, para efeitos de impugnação judicial ou arbitral, o indeferimento do pedido.
  16. Concluindo como segue: “[E]m consequência, necessariamente se conclui que a referida omissão consubstancia uma clara violação do princípio da decisão e dos direitos e interesses legalmente protegidos do Requerente, dispondo este do prazo de 90 dias a contar da formação – ainda que presumida – do referido acto de indeferimento para apresentar requerimento de constituição de Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, em conformidade com o disposto nos artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT, 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do RJAT.”
  17. No entender do Requerente, os OIC não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs  1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OIC residentes em  Portugal, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo  da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Directiva 2009/65/CE acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
  18. Defendendo o Requerente que inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente em Maio e Junho de 2018, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
  19. Concluindo no sentido de que as liquidações de IRC, por retenção na fonte, enfermam do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respetiva anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante total de 510.355,39 €, ao abrigo do artigo 100.º da LGT. Peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c) da LGT, a computar sobre o montante de 510.355,39 €, na medida em que o respectivo reembolso venha a ser concretizado após ter decorrido um ano desde a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa e, finalmente, a condenação da Requerida no pagamento da taxa de arbitragem.
  1. A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, ou seja, não suscitando qualquer excepção, na qual, alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

  1. No ponto III. da sua Resposta, sob a epígrafe “Do Direito”, a Requerida aduz como segue: “A Requerente descreve o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (OIC), que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF.”
  2. Não obstante, diz a Requerida que o Requerente omite dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo.
  3. Enunciando a primeira omissão, diz a Requerida que ela “(…) tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.”
  4. Trazendo à colação a Verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aduz a Requerida no sentido de que daquela verba "(…) resulta uma tributação, por cada trimestre, a  taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e a  taxa 0,0125%, sobre o valor liquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.”
  5. Notando a Requerida que "(…) a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.”
  6. Procedendo à identificação da aludida segunda omissão, refere a Requerida que ela se prende com a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do CIRC, donde, aduz aquela que “(...) os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões – por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.”
  7. Inferindo do quadro normativo enunciado que “(...) os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos.”
  8. Prossegue a Requerida aduzindo como segue: “(...) Do alegado pela Requerente é possível concluir que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos no Luxemburgo não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos.”
  9. Defendendo  a Requerida que “(...) um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC, em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo."
  10. Dizendo mais: "[A]o passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação de Luxemburgo, apenas foram objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT).
  11. Defende ainda a Requerida que “[P]ara efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na França [lapsus scribendi.  Querendo dizer-se Luxemburgo, escreve-se França], é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos."
  12. Seguidamente a Requerida traz à colação, no âmbito da apreciação da conformidade das normas do Código do IRC e do EBF aqui em causa e atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais, os artigos 18.º, 63.º e 65.º, todos, do TFUE.
  13. Daquele normativo infere a Requerida o seguinte: “(...) o artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.”
  14. E partindo daí, defende: “(...) para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, a  taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos." E ainda: “Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu."
  15. Retirando a Requerida a seguinte asserção: “[A]ssim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.”
  16. Não se bastando, tece ainda a Requerida as seguintes considerações: “(...) começando pelo regime de tributação dos Fundos na Alemanha [lapsus scribendi.  Querendo dizer-se Luxemburgo, escreve-se Alemanha], ainda que se considere que a Requerente por estar isenta de imposto sobre o rendimento, na Alemanha [lapsus scribendi], não teria direito a qualquer crédito fiscal por retenção de impostos no estrangeiro e, igualmente, não teria também a possibilidade de solicitar à a respectiva autoridade tributária, o reembolso dos impostos retidos no estrangeiro (...).”
  17. Prosseguindo continua a aduzir como segue: “Todavia, sendo os rendimentos do Fundo tributados na esfera dos investidores, por distribuição ou imputação, fica-se sem saber se o direito ao crédito de imposto é transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, (...) cumprindo assim um dos objetivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros."
  18. A respeito da invocada pela Requerente jurisprudência comunitária no seu PPA, argumenta ainda a Requerida na sua Resposta como segue : "(…) a Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal." E ainda que: “E a prova é a de que o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento."
  19. E isto dito, conclui a Requerida nos seguintes termos: “Ora, com o devido respeito, a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.”
  20. Volvendo novamente para a questão da comparabilidade, continua a Requerida a sustentar na sua Resposta que : "[P]ara efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos." E ainda que: "Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF."
  21. Visando a avaliação sobre se a legislação nacional aplicável aos OIC’s constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros, aduz a Requerida como segue : "(…) não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido na Alemanha [lapsus scribendi], impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem." Dizendo ainda, a tal propósito, o seguinte: “(...) embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano." Dizendo a Requerida em aditamento que “Acresce que as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo."
  22. E face ao exposto, conclui a Requerida como segue: “[C]onsequentemente, reitera-se que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável."
  23. E dizendo a Requerida saber-se que “(...) a pretensão da Requerente é demonstrar que a legislação nacional gera uma diferença de tratamento dos Fundos de Investimento estrangeiros susceptível de os dissuadir de realizarem investimentos em Portugal, em razão de serem sujeitos a uma carga fiscal superior que lhes reduz boa capacidade de mobilização de capitais para investimento e a rendibilidade a proporcionar aos investidores”, aduz no sentido de que “(...) a carga fiscal que pode recair sobre os dividendos e as correspondentes ações dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, seja de IRC, tributações autónomas ou de Imposto do Selo, também tem um impacto negativo na capacidade financeira dos mesmos e nas taxas de rendibilidade dos investimentos, que (...) pode exceder o imposto retido na fonte sobre os dividendos auferidos por Fundos de investimento de outros Estados-Membros."
  24. E trazendo à colação a decisão do TJUE de 11.10.2009, prolatada no Processo n.º C-493/09, que tinha por objecto a tributação de dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal a fundos de pensões e já não a OIC’s, aduz a Requerida no sentido de que, se é bem certo que o TJUE decidiu que a regulamentação controvertida constituía uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo art.º 63.º do TFUE, isso ocorreu na medida em que “(...) na  esfera do Fundo de Pensões, tais dividendos bem como as correspondentes ações, diferentemente dos OIC, não se encontram sujeitos a qualquer outra forma de tributação."
  25. Reiterando a Requerida no sentido de que, assim sendo, “(...) a análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que se encontra sujeita a Requerente relativamente aos dividendos pagos por uma sociedade residente em território português e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações.” E mais: “Só assim, é possível concluir se existe uma discriminação negativa dos fundos de investimento com as características da Requerente, que resulte numa desvantagem suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE."
  26. Afirmando mesmo a Requerida que "(…) o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância (…)".
  27. Aduzindo a Requerida no sentido de que “(...) a Requerente ao analisar a desconformidade da legislação nacional com o artigo 63.º do TFUE, centra-se exclusivamente no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, que estabelece a isenção de retenção na fonte, o que revela uma visão parcial do regime de tributação aplicável aos OIC abrangidos por este dispositivo legal.” E mais : "(…) se a Requerente tivesse sido constituída ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS."
  28. Inferindo a Requerida do exposto o seguinte, ou seja, que “(...), em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE.", inferindo-se daqui que a Requerida refuta as conclusões retiradas pela Requerente, porquanto, se aos OIC’s estrangeiros fossem aplicadas as mesmas regras que são aplicadas aos OIC’s nacionais, os primeiros (e de entre eles a Requerente) não estavam sujeitos a tributação em Portugal pelos dividendos recebidos de entidades nacionais, mas estavam sujeitos a tributação sob outra forma.  
  29. Quanto à jurisprudência do TJUE invocada pelo Requerente no seu PPA, diz a Requerida que deve ter-se sempre a cautela de se verificar o contexto casuístico em que as pronúncias do Tribunal são efetuadas, não devendo “(...) olvidar-se que o Tribunal se debruça sobre casos concretos que lhe são submetidos pelos tribunais nacionais por reenvio prejudicial, pelo que as factualidades subjacentes e as circunstâncias que envolvem esses casos tem uma importância primordial na formação das decisões.
  30. Reiterando a Requerida que “(...) reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo.
  31. Finalmente, e antes mesmo de reiterarem e transcreverem a parte reportada à fundamentação de direito da decisão, prolatada no processo n.º 96/2019-T, que versa sobre matéria em tudo idêntica à do presente PPA, conclui a Requerida no sentido de que "(…) O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.” E ainda: "[A]ssim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE. (...)”. “Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, [lapsus scribendi] devendo ser mantida na ordem jurídica."
  32. Sobre o pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerida, que os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT. E devendo apenas considerar-se para efeitos de eventual contagem de juros a partir data que se considera o indeferimento da revisão oficiosa.
  33. Conclui pela improcedência, por não provado, do presente pedido de pronúncia arbitral, e, consequentemente, pela absolvição da entidade Requerida, tudo com as devidas e legais consequências.

 

 

II. Thema decidendum:

 

  1. O thema decidendum reporta-se a determinar a conformidade dos normativos internos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos, objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral, relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por Organismos de Investimento Coletivo (OIC´s), com os princípios estabelecidos no Direito da União Europeia, em particular com o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ou seja, está em causa saber se a retenção na fonte aplicada em sede de IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia e constituídos e a operarem segundo a legislação desses Estados-membros, in casu, o Grão-Ducado do Luxemburgo e, simultaneamente, a não tributação (por não consideração do respectivo rendimento no lucro tributável respectivo) da distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal e se hajam constituído e se mostrem a operar de acordo com a legislação nacional, é ilegal por violação (ou não) do art.º 63.º do TFUE.

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

  1. O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “[N]estes termos, requer-se a V. Ex.ª a constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, pedindo-se pronúncia arbitral sobre a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2022... e, por via disso, das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas. Nessa sede, e em face do exposto, requer-se ao Tribunal Arbitral que: i) Declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA; ii) Ao abrigo do artigo 100.º da LGT, ordene a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 510.355,39; iii) Com a anulação dos actos tributários em crise, determine o pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.os 1 e 3, alínea c), da LGT, a computar sobre o montante de EUR 510.355,39, na medida em que o respectivo reembolso venha a ser concretizado após ter decorrido um ano desde a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa na origem dos presentes autos – i.e. 12 de Abril de 2022; e iv) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”
  3. Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal e incidentes sobre rendimentos distribuídos nos meses de Maio e Junho de 2018, cifrando-se em 510.355,39 €, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto silente que tacitamente indeferiu o pedido de revisão oficiosa oportuna e previamente apresentado.
  4. Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
  5. E assim o advoga o tribunal, louvado na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD que a dado passo diz: “(…) a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artºs. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art.º 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”
  6. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Colectivo considera-se materialmente competente para apreciar e decidir o presente processo.
  7. Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
  8. Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo ou terceiro grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
  9. Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2022... entretanto apresentado e dirigido aos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) por retenção na fonte, incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos meses de Maio e Junho de 2018 e efectuadas ao abrigo do disposto no art.º 94.º do CIRC e 22 do EBF, tendo a AT, nessa mesma decisão silente de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e tal como veremos adiante, apreciado (ao menos de forma ficcionada) a legalidade daqueles actos de liquidação.
  10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  11. Quanto à tempestividade da interposição do PPA, a ação é tempestiva se apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
  12. A verificação do pressuposto processual da tempestividade do PPA pressupõe ainda a avaliação da tempestividade da apresentação do pedido de revisão, o que só pode ocorrer caso seja possível imputar à AT o erro de direito que está a enfermar os actos de liquidação das retenções da fonte de Maio e Junho de 2018.
  13. Com relevância para a questão decidenda traga-se aqui à colação a jurisprudência emanada do CAAD sobre esta mesma temática e que foi prolatada no Processo n.º 131/2021, de 11 de Julho de 2021, consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMjA3MjcxNDMyMjQwLlAxMzFfMjAyMS1UIC0gMjAyMi0wNy0xMSAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D, cujo PPA foi apresentado igualmente na sequência do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa dirigido a actos de retenção na fonte de IRC sobre rendimento pago a OIC não residente. 
  14. É bem certo que, ali, a Requerida suscitou na Resposta a questão da tempestividade da interposição do pedido de revisão e consequentemente a questão da caducidade do direito de acção (bem ao invés do que in casu se passa), defendendo ser inaplicável o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 (2.ª parte) do art.º 78.º da LGT, já que a pretensão da Requerente apenas teria enquadramento no n.º 2 do art.º 78.º da LGT que ficcionava que o erro na autoliquidação era um erro imputável aos serviços, porém, norma aquela revogada à data dos factos.
  15. Da circunstância da Requerida não haver invocado a excepção da intempestividade e consequente caducidade do direito de acção, estando nós perante a avaliação da verificação dos pressupostos processuais e configurando essa temática como questão de direito e do conhecimento oficioso, não retira daí o Tribunal Arbitral Colectivo qualquer consequência, defendendo igualmente que devemos sem limitações avaliar da verificação (ou não) de tal excepção; não devendo olvidar-se que o Requerente, como visto, discorre abundantemente no seu PPA sobre a tempestividade da apresentação do pedido de revisão e aduz ainda com a circunstância de, in casu, e não obstante a revogação do n.º 2 do art.º 78.º da LGT, haver erro imputável aos serviços.
  16. Isto dito e respaldado na acima referenciada decisão arbitral, importa levar em contra a hermenêutica que doravante se irá expender, sustentando-se, diga-se desde já, a não verificação da extemporaneidade do pedido de revisão apresentado pela Requerente  e também, consequentemente, advogando-se a tempestividade da interposição da acção arbitral. Vejamos,        
  17. A ação é tempestiva, repise-se, se apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
  18. O pedido de revisão foi apresentado pela Requerente em 12.4.2022.
  19. Atendendo a que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, e sendo tácito esse indeferimento, o Tribunal Arbitral tem necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito aquando da apresentação do pedido de revisão.
  20. Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar e da eventual caducidade do direito de acção, reduzia-se a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente pudesse formular um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1, 2.ª parte, do artigo 78.º da LGT.
  21. O n.º 1 do artigo 78.º da LGT permite a revisão oficiosa com fundamento em qualquer ilegalidade dentro do prazo da reclamação administrativa (1.ª parte daquele n.º 1) e, se o tributo foi pago (como, in casu, ocorreu), no prazo de quatro anos, apenas com fundamento em erro imputável aos serviços (2.ª parte daquele n.º 1). Se o tributo não foi pago, a todo o tempo, sendo que, in casu, o tributo foi efectivamente pago tal como está no petitório que até requer o pagamento de juros indemnizatórios. 
  22. Sobre a questão do erro imputável aos serviços, é entendimento da doutrina e jurisprudência que a sua conceituação compreende qualquer ilegalidade, consubstanciada num erro de direito ou erro material, que seja imputável à conduta da Autoridade Tributária. 
  23. Neste sentido adequado se mostra trazer aqui à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,  de 14 de Março de 2012, tirado no Processo n.º 01007/11 (igualmente identificado no art.º 27.º do PPA) e que a propósito do denominado “erro imputável aos serviços” diz a dado passo (estando perante jurisprudência uniforme e reiteradamente afirmada) o seguinte: “[...] o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro.”
  24. Estando nós aqui no domínio das retenções na fonte e não havendo previsão normativa que o prescreva ou presuma, fácil não será endereçar a imputabilidade do erro de direito que enfermasse a liquidação das correspondentes retenções à Autoridade Tributária.
  25. Não obstante e uma vez que estamos perante a invocada violação de normativo comunitário, concretamente o art.º 63.º do TFUE, na medida em que, no essencial, se aduz com a violação da proibição das restrições à liberdade de circulação de capitais, adequado se mostra trazer à discussão o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.11.2014, prolatado no Processo n.º 0886/14, apud, decisão arbitral de 30 de Abril de 2022, Processo n.º 135/2021-T e onde se refere: “ (...) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que “existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afetado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário (nosso sublinhado) e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.º 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.”(...)».
  26. Na decisão arbitral de 21.3.2022, tirada no processo n.º 133/2021-T e que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMjA0MjExMzU0NDQwLlAxMzNfMjAyMS1UIC0gMjAyMi0wMy0yMSAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D aduz-se a este propósito como segue: “[A] ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços» [nota de rodapé 2 - Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT. De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.], devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto [nota de rodapé 3 - CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum modo, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação». ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional»].”
  27. Em conclusão e partindo da hermenêutica aqui plasmada, não procede a excepção da caducidade do direito de acção por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, cujo indeferimento tácito é objeto de impugnação nos presentes autos, na medida em que considera o tribunal Arbitral Colectivo que está preenchida a condição de “erro imputável aos serviços”, de que depende a aplicação do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, face à alegação de erro de direito por violação do direito da União Europeia, nomeadamente, o art.º 63.º do TFUE.
  28. E que o Requerente poderia socorrer-se daquele meio de discussão da legalidade do acto de liquidação que ali se controvertia, parece não restarem dúvidas, conquanto o tivesse apresentado em tempo. 
  29. Vejamos se assim era uma vez esclarecida a circunstância do erro aqui ser imputável aos serviços.
  30. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
  31. Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico». 
  32. Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.
  33. Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”. 
  34. Estando em causa a apreciação da legalidade de actos de liquidação de IRC de retenções na fonte de Maio de Junho de 2018, o meio processual adequado é a impugnação judicial precedida de apresentação de reclamação graciosa necessária nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 132º do CPPT.
  35. Não obstante, a impugnação judicial é também o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito. 
  36. O pedido de revisão foi, nos termos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, apresentado em 12.4.2022 e a mais antiga liquidação de IRC por retenção na fonte cuja revisão foi solicitada foi feita em 8.5.2018.
  37. A AT tinha um prazo de 4 meses a contar da data de apresentação do pedido de revisão para decidir, ou seja, poderia fazê-lo até 12.8.2022, o que não veio e ocorrer.
  38. O n.º 5 do artigo 57.º da LGT, faz presumir o indeferimento (tácito) do pedido de revisão apresentado, devendo aqui considerar-se que ele ocorreu em 15.8.2022 (1º dia útil seguinte ao terminus do prazo de 4 meses previsto no art.º 57.º da LGT).
  39. A referida presunção de indeferimento é ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, visando a obtenção de tutela para os seus direitos ou interesses legítimos nos casos de inércia da Administração Tributária sobre as pretensões que lhe foram dirigidas.
  40. Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; ou, alternativamente, pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1, alínea a) do art.º 10.º do RJAT, no prazo de 90 dias, “(...) contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
  41. O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de actos tributários constitui um acto administrativo à face da definição fornecida pelo art.º 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art.º 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
  42. Trata-se de acto em matéria tributária pois nele é feita a aplicação de normas de direito tributário.
  43. Assim, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.
  44. Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser feita no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art.º 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.
  45. Como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2.4.2009, tirado no Processo n.º 0125/09. Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. A título meramente exemplificativo se refere o n.º 13 do art.º 22º do CIVA que prevê a utilização da impugnação judicial para a impugnação de actos de indeferimento de pedidos de reembolsos de IVA.
  46. Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa.
  47. Face àquele critério de repartição, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa apenas serão arbitráveis ou objecto de impugnação através de processo de impugnação judicial quando comportem, na revisão, a apreciação da legalidade daqueles mesmos actos.
  48. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade dos actos tributários ali controvertidos não será arbitrável e será aplicável a acção administrativa que sucedeu ao recurso contencioso. Nesse sentido vejam-se, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.5.2003, Processo n.º 638/03; de 8.10.2003, Processo n.º 870/03; de 15.10.2003, Processo n.º 1021/03.
  49. Adequado se mostrando trazer aqui à colação parte da decisão arbitral prolatada no Processo n.º 696/2019-T que a dado passo diz: “Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado. No caso de impugnação administrativo directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.(...)” “(...) De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo acto de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de acto de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e para) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o por arbitral. Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: – de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»; – de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial». Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.”
  50. Isto dito, meridianamente se conclui que a decisão silente que subjaz ao pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, apreciou, tratando-se de uma ficção de acto decisório, a legalidade dos actos de liquidação de IRC por retenção na fonte ocorridas nos meses de Maio e Junho de 2018, que ali estavam a ser controvertidos. 
  51. Assim sendo, o Tribunal Arbitral Colectivo considera-se competente para apreciação da pretensão formulada pela Requerente no PPA, já que o que ali se peticiona é a apreciação da legalidade da decisão administrativa de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado com referência aos atos de liquidação de IRC por retenção na fonte ocorridas nos meses de Maio e Junho de 2018, ficcionando-se que a AT, nessa mesma decisão silente de indeferimento, apreciou a legalidade daqueles concretos actos de liquidação de IRC, por retenção na fonte.
  52. No entanto, atendendo a que o indeferimento do pedido de revisão apresentado reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, e ainda que tácito tal indeferimento, o Tribunal Arbitral terá necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os restantes pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da causa.
  53. Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar e da eventual caducidade do direito de acção, reduzir-se-ia a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente formular, em 12.4.2022, um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. E partindo da hermenêutica acima empreendida quanto à questão da aplicabilidade do prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT e analisadas as datas aqui em causa, tem de se concluir que estavam: desde logo, porquanto, o pedido de revisão foi apresentado antes de decorridos 4 anos desde a data de liquidação das retenções na fonte de IRC respeitantes aos meses de Maio e de Junho de 2018. 
  54. A mais antiga liquidação de IRC por retenção na fonte de Maio e Junho de 2018 foi empreendida, como visto, em 8.5.2018 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 12.4.2022, ou seja, concluindo-se assim, aliás com meridiana clareza, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo dos 4 anos seguintes àquela data de liquidação, pelo que, claramente tempestivo. É que, uma vez apresentado pedido de revisão em 12.4.2022, ou seja, antes de decorrido o prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, contados desde a mais antiga liquidação de IRC por retenção na fonte de Maio e Junho de 2018 que foi empreendida, como visto, em 8.5.2018, ele é incontornavelmente tempestivo. 
  55. E assim era, porquanto, o Tribunal Arbitral Colectivo considera verificado o requisito do “erro imputável aos serviços”, em face de tudo quanto acima se deixou explicitado. E assim sendo, estavam preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da causa no âmbito do pedido de revisão apresentado.
  56. Concluindo-se, assim, no sentido de que o PPA é tempestivo, porquanto, o prazo para apresentação do mesmo deve contar-se da presunção de indeferimento do pedido de revisão, que, com visto, ocorreu em 15.8.2022, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, por remissão para a alínea d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, pelo que, o mesmo se revela efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 15.8.2022 e o seu dies ad quem ocorreu em 10.11.2022, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 1.11.2022, 19:52, deve considerar-se tempestivamente interposto o PPA.
  57. O processo não enferma de nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

  1. Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

  1. O Requerente é uma pessoa coletiva de direito Luxemburguês, mais concretamente um Organismo de Investimento Colectivo (OIC), com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009 (Cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao pedido de pronúncia arbitral);
  2. O Requerente é sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), não residente, não tem estabelecimento estável, para efeitos fiscais, em Portugal e tem a sua residência fiscal no Grão-Ducado do Luxemburgo. (Facto não impugnado. Cf. art.º 6.º do PPA e Doc. n.º 2 ali junto);
  3. O Requerente é administrado pela sociedade B..., entidade com residência na república francesa. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA);
  4. O Requerente detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedade residentes, para efeitos fiscais, em Portugal. (Facto não impugnado. Cfr. art.º 7.º do PPA);
  5. Em Maio e Junho de 2018, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, tendo recebido na qualidade de acionista o montante total de 3.267.046,14 €, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, à taxa de 15%, mediante retenção na fonte liberatória, tendo daí resultado o pagamento de IRC de 510.355,39 €, tal como se detalha no quadro seguinte (Cf. Doc. n.º 5 junto ao PPA):

 

  1. As retenções na fonte de IRC em causa foram efetuadas e entregues nos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ...e..., pelo C..., pessoa coletiva titular do número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC. (Facto não impugnado. Cf. art.º 8º do PPA e Doc. n.º 5 e 6 ali juntos);
  2. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do presente pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo. (Cf. Doc. n.º 7 junto ao PPA);
  3. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 12 de Abril de 2022, apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC, por retenção na fonte, referentes aos meses de Maio e Junho de 2018 e acima melhor identificadas, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CIRC. (Cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
  4. O procedimento de revisão oficiosa referido na alínea H) do probatório, encontra-se pendente junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob o n.º ...2022... . (Cf. art.º 12º do PPA e Doc. n.º 6 ali junto);
  5. No dia 12 de Agosto de 2022, decorridos que estavam quatro meses sobre a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, o Requerente não havia sido notificado pela Administração Tributária de decisão final em sede do respetivo procedimento, verificando-se assim uma situação de indeferimento tácito, em 13 de Agosto de 2022. (Facto não impugnado. Cf. art.º 35º do PPA e Doc. n.º 1 ali junto);
  6. Em 1.11.2022, 19:52 horas, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) Factos não provados:

 

  1. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
  3. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pelo Requerente, já que, a Requerida, não obstante na Resposta aludir à junção processo administrativo tributário previsto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não efetivou tal junção.
  4. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):

 

IV.D1) Da tributação agravada dos oic´s não residentes quando comparada com a que recai sobre os oic´s residentes em território nacional:

 

 

  1. O art.º 22º do EBF dispõe: “[1] - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro). 5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015) b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015). 16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015).”
  2. O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, não obstante o n.º 1 daquele normativo sujeitar a tributação em IRC os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos do disposto no n.º 3 e  para efeitos do apuramento do lucro tributável daqueles sujeitos, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
  3. Acresce que aqueles mesmos sujeitos estão isentos de derrama estadual e municipal em conformidade com o disposto no n.º 6 do art.º 22º do EBF.
  4. Resulta meridianamente claro que dos n.ºs 1 e 3 do art.º 22.º do EBF e do n.º 4 do art.º 87.º e da alínea c) do n.º 1, alínea b) do n.º 3 e n.º 4, todos, do art.º 94.º do CIRC (normas sobre taxa aplicável aos rendimentos aqui em causa e sobre retenções na fonte em sede de IRC relativamente a rendimentos obtidos em território português), resulta que os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto (e, diga-se como afirmação de princípio, menos favorável), pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes estão sujeitos a IRC mediante retenção na fonte, já que, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 10 do aludido art.º 22º do EBF, não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 daquele mesmo art.º 22.º do EBF, ou seja, os OIC´s constituídos e a operarem segundo a lei nacional.
  5. Em face do vindo de aduzir se constata que a legislação nacional concede aos OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem segundo a legislação portuguesa, a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receberem dividendos totalmente desonerados de imposto (os rendimentos de dividendos não concorrem para a formação do Lucro Tributável), bem ao invés do que se passa com os OIC´s não residentes (constituídos e a operaram segundo legislação de outro Estado da U.E.) que relativamente à percepção daquele mesmo rendimento o vêm onerado com retenção na fonte a título definitivo de 15% que é a taxa máxima estabelecida na CDT celebrada com o Grão Ducado do Luxemburgo (que no caso do Requerente não consegue recuperar nem no Grão-Ducado do Luxemburgo nem mesmo em Portugal).  

 

IV.D2) Da violação da proibição das restrições à liberdade de circulação de capitais decorrente do art.º 63.º do TFUE; Da ilegalidade que está a enfermar a presumida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e da ilegalidade que está a viciar as retenções na fonte sindicadas:

 

  1. A criação do Mercado Interno foi historicamente um dos fundamentos basilares da construção europeia.
  2. Com efeito, o Tratado de Roma já previa o estabelecimento de um «mercado comum» que assentava na livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais.
  3. O TFUE fornece um conjunto de regras para o comércio e relações económicas entre os Estados-membros da U.E., visando a criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária (Cf. art.º 2º do Tratado de Roma).
  4. Aquelas quatro liberdades foram reforçadas e em certa medida condicionadas com o decorrer do tempo e as sucessivas revisões dos tratados e da legislação europeia.
  5. O Tratado de Lisboa manteve a ligação destas liberdades com o Mercado Interno ao defini-lo como "Um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados” (Cf. art.º 26° TFUE).
  6. O art.º 18.º do TFUE prevê uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade.
  7. O TFUE, no seu artigo 63°, proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais (investimento), bem como todas as restrições aos pagamentos (pagamento de uma mercadoria ou de um serviço) entre Estados-Membros e entre Estados-membros e países terceiros.
  8. Algumas limitações são no entanto aceites, nomeadamente, medidas nacionais para impedir infracções à sua própria legislação (por exemplo em matéria fiscal) ou justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
  9. Da mesma forma, os Estados-Membros também podem exigir a declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística.
  10. Todas estas medidas não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
  11. A distribuição de dividendos é passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção do art.º 63.º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988. A distribuição de dividendos efectuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes é, assim, passível de ser qualificada como movimento de capital na acepção dos normativos acima enunciados.
  12. Na medida em que ela se revela importante para a dilucidação da questão sub judice, invoca-se e transcreve-se aqui o ponto 36 da decisão arbitral tirada no Processo n.º 528/2019-T, disponível in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDA0MTMxNjQzMDMwLlA1MjhfMjAxOS1UIC0gMjAyMC0xMi0yNyAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e onde a dado passo se refere: “[E]xistem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. Tal como está na nota de rodapé n.º 7, a fls. 17 da aludida decisão arbitral: “Estes pontos são sublinhados pela Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, em litígio sobre matéria de facto e argumentação das Requerente e Requerida muito semelhantes aos constantes do presente processo, com reflexos na presente decisão.”
  13. Esta matéria do tratamento discriminatório de não residentes em sede de tributação do rendimento já foi bastas vezes tratada pelo TJUE.
  14. A este respeito tragam-se à discussão as seguintes decisões do TJUE[1]: i) Acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2007, Processo C-379/05 – caso Amurta, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=72277&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=940587 ; ii) Acórdão do TJUE de 3 de Junho de 2010, Processo C-487/08 disponível in   http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf;jsessionid=9EFFDBDC9CA4CD5186C1385433921C12?docid=81084&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=DOC&pageIndex=0&cid=13503116 ; iii) Acórdão do TJUE de 10 de Maio de 2012, Processos C-338/11 e C-347/11, Caso Fidelity Funds, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203226&doclang=PT ; e iv)  Acórdão do TJUE de 21 de Junho de 2018, Processo C-480/16, Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A., disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=122645&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=947849 , sendo que, relativamente a este último, vamos aqui reproduzir o seu segmento decisório que diz: Os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a tributação, através de uma retenção na fonte, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes noutro Estado, ao passo que tais dividendos são isentos do imposto a cargo dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários residentes no primeiro Estado.”
  15. Para além daquelas, adequado se mostrando agora trazer à colação o acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, disponível in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=150785&doclang=PT que a dado passo diz: “36. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se os artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo da qual os dividendos pagos por sociedades estabelecidas nesse Estado‑Membro a um fundo de investimento situado num país terceiro não podem beneficiar de isenção fiscal[2]. 37. Em particular, nos termos da Lei do imposto sobre as sociedades, na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, ou seja, nos anos de 2005 e 2006 e até janeiro de 2011, os dividendos distribuídos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num país terceiro eram tributados, em princípio, à taxa de 19%, através de retenção na fonte, salvo se uma taxa diferente fosse aplicável por força de uma convenção preventiva da dupla tributação, ao passo que esses dividendos estavam isentos quando eram pagos a um fundo de investimento residente, desde que este último também cumprisse os requisitos estabelecidos pela Lei sobre os fundos de investimento. 38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, n.° 14 e jurisprudência referida). 39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C‑101/05, Colet., p. I‑11531, n.° 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08, Colet., p. I‑305, n.° 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15). 40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento. 41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. 42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado‑Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 17). 43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.”
  16. Da transcrição operada se infere que um quadro normativo interno que imponha a retenção de 25% (ainda que, in casu, com possibilidade de redução para 15% por aplicação da CDT celebrada entre Portugal e o Grão-Ducado do Luxemburgo) incidente sobre dividendos distribuídos a OIC’s não residentes (por detenção de participações sociais em sociedades residentes no Estado fonte) e a correspectiva isenção aplicável aos OIC´s residentes que se hajam constituído e se encontrem a operar nesse mesmo estado fonte, fundando-se tal tratamento diferenciado, tão-somente, em função do lugar de residência dos OIC´s beneficiários, ou seja, na expressiva letra do arresto do TJUE, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos”, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação, não pode deixar de conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.
  17. Não devendo olvidar-se que está prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE, a admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros.
  18. Quanto à questão da comparabilidade para efeitos de análise do carácter discriminatório do regime fiscal interno de tributação dos OIC´s residentes e não residentes adequado se mostra trazer aqui à colação tudo quanto a tal propósito foi dilucidado na decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificado e onde nos pontos 47 e seguintes da sua fundamentação se diz:  47. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Quer dizer, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais[3]. Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável[4]. 48. No caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT[5], permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos. 49. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis. 50. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores[6]. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente[7]. 51. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados-Membros da União Europeia e de Estados terceiros. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente. 52. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indireto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais. 53. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes - e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF[8]. 54. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação[9]. 55. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management[10], quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento. O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores[11]. 56. Como se pôs em relevo acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem nas empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas. Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação[12].”
  19. Com a devida vénia, este Tribunal Arbitral Coectivo vai aqui acompanhar sem reservas tudo quanto a propósito da comparabilidade das situações acima se transcreveu, concluindo no sentido de que o OIC não residente (que é aqui Requerente) está efectivamente numa situação de comparabilidade com qualquer um OIC residente ainda que este último se encontre submetido em Portugal a outros efeitos impositivos tais como o respeitante à verba 29.2 da tabela Geral do Imposto do Selo ou até a tributação autónoma de IRC prevista no n.º 11 do art.º 88º do CIRC. 
  20. É certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta e tal como visto no ponto dedicado à explicitação da posição por aquela defendido, sustenta que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS); tal como é ainda compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.
  21. Adequado se mostrando, a este propósito, trazer ainda à colação o que é dito na decisão tirada no processo arbitral n.º 11/2020-T que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMTAxMTMyMzUzMzcwLlAxMV8yMDIwLVQgLSAyMDIwLTExLTA2IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e onde se aduz: “[N]o que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional” (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes. Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre. É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%([13]), 300 vezes superior([14]).” Prossegue ainda o ilustre colectivo que prolatou o Acórdão arbitral tirado no processo arbitral n.º 11/2020-T, como segue: “[P]or outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes. Por outro lado, esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos OIC´s residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do n.º 6 do artigo 22.º do EBF.”
  22. Acompanhando a decisão arbitral tirada no processo 11/2020-T e louvado nela, o Tribunal Arbitral entende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC que se hajam constituído e operem segundo a legislação nacional, não é compensada pela tributação trimestral daqueles em Imposto do Selo; tal como também não é compensada pela possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes a aludida tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC. Com a agravante de que e para além da redução de taxa a que acima nos reportávamos por aplicação da CDT outorgada com o Grão-Ducado do Luxemburgo, de 25% para 15%, cumprindo-se os requisitos formais impostos para que tal redução possa operar, a legislação nacional não prever qualquer outro mecanismo que possa atenuar ou eliminar a carga fiscal acrescida a que estão sujeitos os rendimentos auferidos por OIC´s não residentes.
  23. Finalmente quanto à justificação da diferenciação mister é repristinar aqui o que a tal respeito diz a decisão arbitral prolatada no processo 528/2019-T acima melhor identificada e onde nos pontos 57 e seguintes da sua fundamentação se diz: 57. No âmbito das liberdades fundamentais do mercado interno assume a maior importância a problemática dos chamados limites dos limites. Cumpre, assim, indagar sobre se a diferenciação entre fundos residentes e não residentes, nos termos do artigo 22.º do EBF na redação relevante à data dos factos, pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras. A própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.º3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º([15])”. 58. No entender do presente colégio arbitral, dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação. Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente. Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença[16], adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão[17]. 59. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica[18]. A existência de alternativas menos restritivas de relativamente fácil concretização legislativa constitui evidência de que se está, no caso, perante uma diferenciação desproporcional e, portanto, ilegítima[19] . Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios[20]. Nas suas palavras, se os Estados-Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União[21]. 60. Acresce que, e este é um terceiro aspeto relevante em sede do artigo 65.º n.º1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial. 61. A aplicação trimestral do Imposto de Selo a fundos em diferentes condições (v.g. fundos com valorização súbita de ativos, seguida de alienação e distribuição de dividendos; fundos com perfil conservador de investimento e valor da carteira de investimentos relativamente constante), estando dependente da eventual capitalização dos rendimentos provenientes dos dividendos, pode gerar, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários fundos de investimento residentes e entre estes e os não residentes, com impacto evidente nos respetivos fundos de caixa. Esta realidade é tanto mais significativa quanto é certo que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a apreciação da existência de um eventual tratamento desvantajoso dos dividendos pagos a não residentes deve ser efetuada em relação a cada ano fiscal individualmente considerado[22]. 62. Por outro lado, a aplicação da taxa de tributação autónoma de 23% prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC – por força do artigo 22.º do EBF – está dependente do facto eventual da não permanência, de modo ininterrupto, das partes sociais a que correspondem os lucros na titularidade dos sujeitos passivos aí previstos durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e da sua não manutenção durante o tempo necessário para completar esse período, situações de ocorrência eventual e incerta. Ora, as disparidades de tratamento fiscal assim geradas não asseguram necessariamente a neutralização da desvantagem fiscal em que ficaram colocados os fundos não residentes, sujeitos a uma retenção de imposto suscetível de os dissuadir de investirem em Portugal e de dissuadir os residentes em Portugal de investirem em fundos de investimento de outros Estados-Membros[23]. 63. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do poder de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado-Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos[24]. Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública[25]. 64. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. Como efeito, se é certo que um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM, também o é que o TJUE já sustentou, num caso envolvendo o nosso país, a inadmissibilidade de uma regulamentação nacional que impeça de forma absoluta um determinado fundo de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção, nomeadamente fornecendo os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais nacionais verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional[26]. 65. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva[27]. É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa[28], ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites – da maior importância à luz da garantia de uniformidade de interpretação e aplicação do direito da União Europeia – torna inviável essa missão probatória no caso concreto. 66. O presente Tribunal Arbitral aceita como boa a noção, várias vezes sustentada pelo TJUE, de que o reconhecimento de uma ampla margem de conformação dos Estados-Membros em sede de regulação dos capitais tornaria a respetiva liberdade de circulação ilusória[29]. Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais. Esta é uma barreira significativa de difícil superação por parte do Estado português[30].(...).”
  24. Tudo ponderado sempre se dirá que à questão sub judicio não pode deixar de se aplicar a jurisprudência que vem emanando do TJUE acima sobejamente enunciada[31], na medida em que, levando-se na devida conta o acima explicitado tratamento mais vantajoso decorrente da aplicação do art.º 22.º do EBF aos OIC´s residentes versus da aplicação do regime geral do IRC aos OIC´s não residentes, o tratamento privilegiado decorrente da aplicabilidade do art.º 22.º do EBF não pode ser utilizado pela aqui Requerente (na qualidade de OIC não residente) exclusivamente por a sua constituição e funcionamento não ter sido feita segundo a legislação nacional.
  25. Inferindo-se daqui que o art.º 22º do EBF se mostra contrário ao Direito da U.E. se interpretado no sentido de que só os OIC´s residentes e constituídos e a funcionarem de acordo com a legislação nacional podem beneficiar da não relevância dos rendimentos derivados de dividendos na determinação do lucro tributável, porquanto em manifesta violação do principio da não discriminação em razão da nacionalidade; em violação ainda de garantias associadas ao direito de estabelecimento; e ainda em violação das disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no art.º 63º do TFUE.  
  26. Acresce que, o Requerente, na petição que consubstanciou o pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente no seu art.º 92.º, a fls. 32, dava conta de que no processo n.º 93/2019-T, foi proferida decisão de reenvio prejudicial para análise de questões prejudiciais por parte do TJUE em tudo semelhantes às que se colocam nos presentes autos.
  27. Tal decisão de reenvio correu termos no TJUE sob o Processo n.º C-545/19, sendo que e tal como aduzido no PPA, por Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, aquele areópago tomou posição sobre as questões prejudiciais colocadas, tendo, em síntese, declarado: O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
  28. O texto integral do aludido Acórdão pode ser consultado in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62019CJ0545&from=PT.   
  29. Sendo que, dada a total similitude entre a questão sub judicio e a tratada no Acórdão do TJUE de 17 de Março de 2022, Processo n.º C-545/19, transcreve-se doravante parte da fundamentação plasmada naquele arresto:   “37.     No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção. 38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes. 39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida). 40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. 41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida]. 42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis 43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes. 44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente. 45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos). 46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo. 47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha. 48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %. 49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida). 50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41). 51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo. 52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida). 53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. 54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402). 55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente. 56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes. 57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. 58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias. 59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida). 60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida). 61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos. 62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC. 63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79). 64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida). 65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes. 66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida). 67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida). 68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60). 69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61). 70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62). 71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem. 72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida). 73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. 74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral 75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida]. 76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha. 77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes. 78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87). 79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93). 80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo. 81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal. 82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59). 83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida). 84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida. 85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
  30. Partindo da decisão vinda de transcrever e tendo em conta a similitude da situação fáctica e do direito a aplicar in casu e naqueloutro dissídio, entende o Tribunal Arbitral Coletivo que à data dos factos a legislação interna aplicável à tributação de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residente implicava uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, na medida em que impunha uma discriminação arbitrária, consubstanciada no tratamento menos favorável aos OIC não residentes, sem que existisse para o efeito um motivo válido e legítimo que justificasse essa diferença de tratamento.
  31.  E assim sendo, o Tribunal Arbitral Colectivo não pode deixar de acompanhar tal decisão do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido referido.
  32. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.
  33. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  .
  34. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
  35. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[32], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.
  36. Concluindo-se com meridiana clareza no sentido de que é ilegal o n.º 1 e n.º 3 do art.º 22.º do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas e a operarem de acordo com a legislação nacional, com exclusão, não justificada, das sociedades constituídas segundo legislação de outros Estados-Membros da União Europeia, retirando-se daqui que as retenções na fonte controvertidas e a presumida decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado que, de forma ficcionada, as confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

IV.D3) Do Reembolso das quantias pagas e do pagamento de Juros Indemnizatórios:    

 

  1. No petitório que o Requerente apresentou a este Tribunal solicita o reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. Sendo efetuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do n. 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que “em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento”.
  3. Acrescendo dizer que se a retenção empreendida e entregue nos cofres do Estado não devia ter sido efetuada, porque ilegal, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido e deve ser restituído.
  4. In casu, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da ilegalidade também de que enferma a presumida decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
  5. Já no que tange aos juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
  6. Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
  7. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que dispõe: “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
  8. Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
  9. O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
  10. A ilegalidade da presumida decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado é imputável à Administração Tributária.
  11. No entanto, os erros que afetam as retenções na fonte, em princípio, não seriam imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticados e, consequentemente, não haveria direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.
  12. No entanto, o mesmo não sucede com a presumida decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, pois, como visto, deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, sendo que tal erro não pode deixar de ser imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Nesse sentido decidiu o STA no acórdão de 18 de Janeiro de 2017 proferido no âmbito do Processo n.º 0890/16 que aqui se transcreve na parte relevante: “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.
  13. Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade das retenções na fonte aqui em equação, quando devia repô-la, deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois “(...) trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção”.
  14. No caso em apreço, a presumida decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado vem datada de 15.8.2022, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT.
  15. Assim, a partir de 15.8.2022, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às ilegais quantias retidas na fonte.
  16. Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil, à taxa legal supletiva, devendo contar-se desde 15.8.2022, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, decide-se:

 

  1. Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas e a operarem segundo legislação de Estados-Membros da União Europeia;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte que se cifram em 510.355,39 €, referidas nos pontos E) e F)  do probatório e efectuadas e entregues nos cofres da Fazenda Pública através das guias de retenção na fonte n.ºs … e …;
  3. Anular a presumida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos e em conformidade com o disposto nos artigos 98.º e 137.º do CIRC e ainda 22º do EBF;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de 510.355,39 € e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar este montante à Requerente;
  5. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT, contados desde 15.8.2022 até à data de emissão da nota de crédito respectiva, em conformidade com o referido no ponto IV.D3) desta decisão e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixo o valor do processo em 510.355,39 € em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 315 do CPC e n.º 1, do art.º 97.º-A do CPPT e ainda n.º 2 do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem tributária.

 

VII. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 7.956,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido, a cargo da Requerida, nos termos do art.º 4º, n.º 1 do mesmo Regulamento e dos art.ºs 6º, n.º 2 alínea a) e 22º, n.º 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

23 de maio de 2023.

 

O Árbitro Presidente

 

 

Rui Duarte Morais

 

O Árbitro Vogal e Relator,

 

 

Fernando Marques Simões

 

O Árbitro Vogal,

  

 

Alberto Amorim Pereira

 

 

 

 



[1] A decisão Arbitral tirada no processo 528/2019-T, acima melhor identificada, identifica de forma mais completa (ainda que não exaustiva) a jurisprudência que vem sendo firmada não só pelo TJUE mas também pelo Tribunal EFTA, sendo que, remetendo-se para ali a tal propósito, deve considerar-se aqui repristinada, para além da já acima explicitada, aquela mesma relevante jurisprudência.

[2] Ou seja, o processo C-190/12 tinha por objecto questão basicamente igual à que está a ser discutida nos presentes autos, excepto, quiçá, mas não relevante, a circunstância de estarmos ali perante a aplicabilidade de uma norma de isenção e aqui perante uma norma que afasta os rendimentos de dividendos obtidos por OIC´s residente da determinação do lucro tributável, não se aplicando, propriamente, uma norma de isenção aos rendimentos por aqueles obtidos.

[3] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995.

[4] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[5] Lei 12/82 de 03 de Junho, Aviso publicado em 14.10.1982, em vigor desde 08.10.1982.

[6] William Dickson, “Keeping More of What's Ours: Withholding Refunds and Exemptions in European Union

Investments for Public Pension Funds”, 34 Wisconsin International Law Journal, 2016, 120 ss., 132 ss.

[7] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[8] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[9] Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 374.

[10] C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012.

[11] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[12] Case E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23.11.2004.

[13] Aplicável no caso dos autos, nos termos de alínea c) do n.º 1, alínea c) do n.º 3, ambos do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e a Irlanda. No caso sub judicio vem igualmente relatada a questão da aplicabilidade da CDT outorgada com o Grão-Ducado do Luxemburgo tendo em vista a limitação da taxa de retenção na fonte de 25% para 15%.

[14] A título de exemplo, com alguma imprecisão, mas suficientemente elucidativo das diferenças de grandezas que estão em causa, poderá ter-se em conta que o dividend yield médio em Portugal andará por volta dos 5% (https://www.big.pt/pdf/An%C3%A1lises%20BiG/Imprensa/ECO_Dividendos%20PSI-20_05.03.18.pdf) e que, em, 2019, terá sido de menos de 10% o dividend yield mais elevado pago pelas empresas cotadas (https://www.jornaldenegocios.pt/mercados/bolsa/dividendos/detalhe/os-cinco-melhores-dividendos-da-bolsaportuguesa). À face deste dividend yield máximo de 10%, a um valor de acções de € 1.000.000 corresponderão € 100.000 de dividendos com tributação em IRC para os OIC´s não residentes de € 15.000, aplicando a taxa de 15% prevista em CDT. Os OIC´s residentes que detenham o valor líquido global de € 1.000.000 e obtenham o valor de € 100.000 dividendos serão tributados em Imposto do Selo à taxa anual acumulada de 0,05% sobre aquele valor líquido, o que corresponde ao valor anual de € 500.

[15] Haratsch, Koenig, Pechstein, Europarecht…, cit., 525 ss.

[16] C-463/00, Comissão v. Espanha, 13.05.2003, n. 37; C-163/94, Sanz de Lera, 14.12.1995.

[17]Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[18] Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 373 ss.

[19] C-203/80, Casati, 11.11.1981.

[20] C-18/15, Brisal e KBC Finance Ireland, 13.07,2016.

[21] C-18/15, Brisal e KBC Finance Ireland, 13.07,2016, n.º 36.

[22] C-252/14, Pensioenfonds Metaal en Techniek, 02.06.2016, n.º 41.

[23] C-252/14, Pensioenfonds Metaal en Techniek, 02.06.2016; C-10/14, C-14/14 e C-17/14, J. B. G. T. Miljoen,

17.09.2015.

[24] C-338/11 a C-347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012.

[25] C-423/98, Alfredo Albore, 11-07-2000, sobre restrições à aquisição de imóveis por cidadãos de outros Estados-Membros em zonas de sensíveis de “importância militar”.

[26] C- 493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011.

[27] C-10/14, C-14/14 e C-17/14, J. B. G. T. Miljoen, 17.09.2015, n.º 63.

[28] C-423/98, Alfredo Albore, 11-07-2000.

[29] C-163/94, Sanz de Lera, 14-12-1995.

[30] Neste sentido, Decisão do CAAD no Processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019.

[31] Que grosso modo vai no sentido de dever considerar-se o diferenciado (e não justificado) tratamento fiscal conferido a residentes versus não residentes como discriminatório e violador da liberdade de circulação de capitais e até mesmo da liberdade de estabelecimento, ponto em causa o funcionamento do mercado interno.

[32] Cfr. acórdão Von Colson, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83.