Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 762/2022-T
Data da decisão: 2023-05-29  IRS  
Valor do pedido: € 38.337,55
Tema: IRS de 2021. Mais valias de alienação de participações sociais. Comunicabilidade de perdas entre casados. Fundamentação.
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SUMÁRIO

 

Estando em causa:  (1) perdas a reportar de anos anteriores para apuramento de mais-valias mobiliárias, (2) contribuintes casados ou unidos de facto que optem pela tributação conjunta (3) e a aplicação da alteração legislativa operada no nº 1 do artigo 55º do CIRS, em vigor desde 2015, que modificou o regime de comunicabilidade horizontal entre casados e unidos de facto que optem por tributação conjunta, passando para uma “comunicabilidade mitigada”; padece de falta de fundamentação a liquidação de IRS que não especifica, por cada membro do casal, as perdas a reportar, como elemento essencial para dar a conhecer a operação de determinação das mais-valias sujeitas a tributação, nos termos do nº 1 do artigo 43º do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 10 de Dezembro de 2022, os Requerentes, A..., NIF ... e B..., NIF..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Lisboa

casados entre si, vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a legalidade da “(i) demonstração de acerto de contas Id. documento 2022...”, ... compreendendo as liquidações de IRS n.º 2022 ... e n.º 2022..., ambas relativas aos rendimentos do ano de   2021 e da (ii)  “demonstração de acerto de contas Id. documento 2022...”,  compreendendo as liquidações de IRS n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., também as duas relativas ao ano de 2021”.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante designada por AT ou Requerida;

 

  1. Os Requerentes terminam o pedido de pronúncia arbitral (PPA) suscitando ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que proceda à “anulação das liquidações e acertos de contas ... e requerem também a reposição da situação que existiria se esses atos não tivessem sido praticados, designadamente com a restituição das quantias entregues nos cofres do Estado e com o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

  1. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 12-12-2022.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 31.01.2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 20 de Fevereiro de 2023, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

  1. A fundamentar o pedido, os Requerentes referem, em resumo, o seguinte:
  1. Não é por qualquer forma inteligível, nem nunca foi explicada ou comunicada aos Requerentes, a operação feita pela Administração Tributária, que utilizou as perdas a reportar existentes em 60.325,00 € (656.117,96 € menos 595.792,96 €), ao invés de as aplicar na totalidade, em contrapartida das mais valias obtidas, que parece de todo irracional”.
  2. As operações feitas pelos Requerentes sujeitas a mais valias foram constituídas pela alienação de participações sociais, que são tributadas na incidência da norma do artigo 10.º, n. 1, b) e por isso o saldo negativo dessas operações (o prejuízo) pode ser transportado para os anos subsequentes, nos termos da norma do artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do CIVA”.
  3. E concluiu que “A Administração tributária não fundamentou os seus atos, o que é causa bastante para impugnação das liquidações, nos termos  do artigo 99.º, alínea c) do Código do Procedimento e do Processo Tributário (“CPPT”); além disso violou expressamente as normas que impõem a fundamentação, já citadas e violou a regra que permite o transporte de prejuízos de anos anteriores realizados em operações com compra e alienação de partes sociais, nos termos da norma do artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do CIRS”.
  1. Em sede de alegações os Requerentes, face à Resposta da AT e à junção do acórdão do STA – Recurso 125/22.1BALSB, vieram referir o seguinte:
  1. “... para correta interpretação do artigo 55.º, n.º 1 do CIRS, há que ter “sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico”, como regula o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil.
  2. O CIRS foi constituído tendo por base o rendimento familiar, como se alcança do seu preâmbulo, onde se reconhece a “ (…) necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…)” (§3), que o IRS não pode constituir penalização do agregado familiar assente no casamento, que constitui discriminação contra a família  declarando expressamente que (§18):

Sem se ignorar a importância da corrente, que se observa no plano mundial, no sentido da tributação separada, e a força do argumento da intimidade de cada um dos cônjuges nos seus assuntos fiscais, considerou-se conveniente manter a orientação, que mais perto se afigura corresponder à caracterização do imposto único na Lei Fundamental, de tomar como critério de base a tributação do agregado familiar. Mas o reconhecimento de que, aplicado sem ajustamentos, este sistema conduziria à penalização da família - estrutura social que se pretende, ao invés, acalentar, como decorre do próprio imperativo constitucional - levou à consagração de um dos métodos de correcção atrás considerados: o sistema de englobamento com divisão, não segundo a técnica do quociente familiar (que beneficia as famílias mais numerosas, em aplicação de critérios discutíveis sob o ponto de vista da justiça fiscal), mas segundo a técnica do quociente conjugal ou splitting (que restringe a divisão do total dos rendimentos familiares aos dois membros a quem incumbe a direcção do agregado).

  1.  Fica assim claro que o sistema de tributação sobre as pessoas singulares que o CIRS regula, tem como propósito tributar o rendimento familiar, o que acontece, declaradamente, por conformação com os princípios constitucionais.
  2. Paralelamente há que ter presente que o Código Civil estabelece para as pessoas casadas em 2012, que não tenham celebrado convenção antenupcial, como é o caso dos Requerentes ...  o regime da comunhão de adquiridos (1.717.º), que considera genericamente como património comum todos os bens adquiridos na constância do casamento (1.724.º e 1.725.º) e consigna, como regra geral, a responsabilidade de ambos pelo pagamento das dívidas (1.691.º). É certo que o regime de bens e de dívidas constante do Código Civil tem múltiplas exceções, em que não há comunicabilidade do património. Não obstante, o regime regra é a comunhão dos bens adquiridos pelo casal e a responsabilidade de ambos pelas dívidas. É este o paradigma da família que é a finalidade legal do casamento (1.577.º).
  3. Neste sentido da unidade patrimonial familiar pronunciou-se já o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão de 05-03-2015, no processo 08427/15, onde se sumariou:

- No caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do facto tributário devem ter-se por verificados em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos do disposto no artº 21º, nº1, da Lei Geral Tributária, abrangendo tal responsabilidade para além da totalidade da dívida, os juros e demais encargos legais - cfr. artº 22º, nº l, da referida LGT.

- Neste regime de responsabilidade fiscal, mesmo em caso de regime de separação de bens, como é o caso dos autos, qualquer dos cônjuges é solidariamente responsável pelo pagamento do IRS sobre os rendimentos do outro, sendo ambos os cônjuges sujeitos passivos do imposto, ainda que o rendimento tributável em mais-valias provenha da alienação de um bem que não era seu, mas próprio do outro cônjuge.

  1. E acrescenta: “É evidente que todas aquelas normas estão em subordinação da Lei Fundamental, que estabelece o direito de constituir família, com iguais direitos e deveres entre os cônjuges (36.º, n.º 1 e n.º 3). Aliás, a CRP considera que “a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado (…)” (67.º-1). Em especial, a norma do artigo 67.º, n, º 2, alínea a), incumbe ao Estado, para proteção da família, promover a independência económica dos agregados familiares. É inequívoco que na Sociedade Portuguesa, o agregado familiar constitui um elemento fundamental e nas relações que afetem os seus membros numa perspetiva económica, incumbe ao Estado tomar as devidas medidas para que o património familiar não seja afetado, fora das suas próprias regras, pois não pode o direito comum ser interpretado de forma que contrarie os princípios e normas constitucionais. Aliás, o próprio sistema financeiro desenhado pela CRP deve ser estruturado de modo “(…) a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças (…)” (101.º) realidades que são indissociáveis do património familiar, que, como se viu, constitui a unidade básica da sociedade portuguesa. Pretender que a formação das poupanças possa ser feita ao arrepio da família constituída, pressupõe a violação dos deveres de cooperação, assistência e coabitação, que implica uma economia comum, que são base ancestral da sociedade portuguesa, atualmente consagrados no artigo 1672.º do Código Civil. 

Aliás, a coabitação e economia comum caracterizam não só o casamento, como as uniões de facto (artigo 1.º, n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio), inclusivamente em matéria tributária (artigo 3.º, alínea d) do diploma referido). Em consonância, o artigo 104.º da CRP considera que o imposto sobre o rendimento pessoal incide sobre “os rendimentos do agregado familiar”.»

  1. E conclui: «... não se vê pois, que a norma do artigo 55.º, n.º 1 do CIRS possa ser interpretada em conformidade com o sistema jurídico português em geral e com as disposições das normas dos artigos 36.º, n.º1 e n.º3, 67.º, n.º 1, 67.º, n,º 2, alínea a),  101.º e 104.º da CRP, no sentido de poderem ser entendido que os prejuízos gerados por operações de exercícios passados sujeitas a tributação em “mais-valias”– que são afinal um passivo do património familiar -  não possam ser imputados às mais-valias “positivas” de exercícios subsequentes, sem descriminar se umas ou outras foram geradas por operações tituladas por qualquer dos cônjuges. A interpretação de outra forma seria desconforme com as normas constitucionais dos artigos 36.º, n. º1 e n. º3, 67., n.º 1, 67.º, n, º 2, alínea a), 101.º e 104.º»
  2. E acrescenta ao pedido inicial o seguinte pedido: “que seja declarada desconforme com as normas dos artigos 36.º, n.º1 e n.º3, 67., n.º 1, 67.º, n,º 2, alínea a),  101.º e 104.º da CRP do a norma do artigo 55.º, n.º 1, quando interpretada no sentido de que os contribuintes titulares casados que optem pela tributação conjunta em sede de IRS, fazem o apuramento do saldo entre resultados líquidos negativos e positivos por cada sujeito passivo separadamente, sem comunicabilidade dos resultados líquidos negativos entre cada titular”.

 

  1. Notificada a AT, respondeu em 17.03.2023. Não juntou o PA, referindo que os “documentos juntos pelos Requerentes ... são suficientes para a emissão da decisão arbitral”.

 

  1.  A AT refere, em resumo, o seguinte:

 

  1. Com a reforma da tributação das pessoas singulares, concretizada pela Lei nº 82-E/2014 de 31 de dezembro, a qual entrou em vigor em 2015/01/01, passou a prever-se que, relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos termos do estabelecido nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 55º do Código do IRS.
  2. O artigo 55º do Código do IRS, sob a epígrafe “dedução de perdas”, começa justamente por enunciar o princípio de que, relativamente a cada titular, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, regulando-se depois nas várias alíneas do nº 1 daquele normativo, os termos em que pode ser efetuado o reporte de perdas para os anos seguintes.
  3. Acrescendo a que, no que concerne aos rendimentos qualificados como mais-valias, o resultado líquido é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, de acordo com as regras de determinação previstas nos artigos 43º e seguintes do Código do IRS, pelo que a dedução de perdas do próprio ano, faz-se na própria operação de apuramento do resultado líquido, ao considerar como rendimento a tributar o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias, o seja, o “resultado líquido” já engloba as perdas desse ano.”
  4.  E conclui: “E, determinando o legislador que o resultado líquido negativo apurado numa categoria, só possa ser dedutível aos resultados líquidos positivos da mesma categoria, relativamente a cada titular, decorre deste princípio que o apuramento do resultado líquido se faça por referência a cada titular dos bens geradores de rendimentos dessa categoria.”
  1. Em 05.04.2023 a Requerida apresentou alegações juntando o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 23.02.2023, sobre o tema de fundo em discussão neste processo, onde se concluiu o seguinte: “A partir de Janeiro de 2015, em sede de IRS, os contribuintes titulares casados ou unidos de facto que optem pela tributação conjunta em sede de IRS, fazem o apuramento do saldo entre resultados líquidos negativos e positivos por cada sujeito passivo separadamente, sem comunicabilidade dos resultados líquidos negativos entre cada titular, nos termos do disposto no artigo 55º do CIRS”.
  2. Uma vez que os Requerentes nas alegações juntaram documentos, invocaram a inconstitucionalidade da leitura do artigo 55º do CIRS, plasmada no acórdão do STA junto pela Requerida e reiteraram que esta não se tinha pronunciado sobre o alegado vício de falta de fundamentação, foi a AT notificada por despacho de 09.05.2023 para, querendo, exercer o contraditório.
  3. Respondeu a AT em 18.05.2023 referindo o seguinte:
  1. Quanto à junção dos documentos – refere que os mesmos mostram são irrelevantes para o processo.
  2. Quanto à inconstitucionalidade – reconhece que os Requerentes invocam que as liquidações enfermam de inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 51º da CIRS, nos termos já acima referidos.
  3. Todavia, refere que “a acolher esta tese dos Requerentes então o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstrato, a constitucionalidade da norma em causa, nos termos peticionados
  4. Considera que “... atento o alegado pelos Requerentes, resulta que estes pretendem (afinal) a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos”.
  5. E conclui que só “Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [arts. 280.º, n.º 2, als. a) e d) e 281.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional]”  
  6. Uma vez que “... se a questão dos presentes autos não é uma situação de eventual desaplicação duma norma por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos, como defendem agora os Requerentes, mas sim a sua própria (intrínseca) ilegalidade/inconstitucionalidade, então, importa concluir que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar esta questão, dado que que se pretende a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do n.º 2, do artigo 281.º da CRP,  pelo que se conclui que, nos termos do art. 2.º do RJAT, o tribunal arbitral não é materialmente competente para   apreciar a questão.
  7. Quanto à falta de fundamentação – refere que se “considera que o ato se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos”, o que no caso acontece “quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação dos Requerentes no presente pedido de pronúncia arbitral revela que estes não tiveram dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato”.
  8. Por outro lado, a AT limitou-se “a efectuar a liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021 e referente aos rendimentos declarados pelos próprios Requerentes, pelo que se verificou que os Requerentes, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, ficaram em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais”.
  9. Acresce que “no caso em concreto, o ato em causa – liquidação de IRS - tem a natureza de “processo em massa” e nestes casos a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual deste imposto. A fundamentação padronizada e informatizada constante do ato em causa não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação”.
  10. E termina referindo que as liquidações resultam “dos factos e valores declarados pelos Requerentes, pelo que os factos e valores que constam da liquidação são do conhecimento dos mesmos, não podendo alegar o seu desconhecimento e por isso não se afigura que o ato padeça de falta de fundamentação”. 
  • Quanto ao pedido de juros indemnizatórios refere a AT que “uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”.
  • Termina a AT pugnando pela improcedência do pedido.

 

II – SANEAMENTO

 

  1. As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 10 de Dezembro de 2022. Os Requerentes impugnam as liquidações de IRS de 2021, a última das quais com data limite de pagamento em 28.09.2022. A AT não alegou extemporaneidade na apresentação do PPA. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea a), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.
  3. O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Antes de mais cumpre decidir sobre a junção dos documentos juntos pelos Requerentes com as alegações.

 

Face à não oposição da Requerida admite-se à sua junção aos autos por se tratar de prova complementar de facto já alegado no artigo 2º do PPA (casamento).

 

Cumpre apreciar.

III - MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

  1. Os Requerentes são casados e quanto ao IRS de 2021 optaram pela tributação conjunta dos rendimentos do casal – conforme artigo 2º do PPA, ponto 1-A das Alegações dos Requerentes, quadro 5A do Modelo 3 do IRS junto com o PPA com a designação de Documento nº 1 e 3 e Documentos nºs 1 e 2 juntos com as alegações;
  2. Em 29.06.2022 apresentaram a declaração Modelo 3 do IRS, não incluindo o Anexo G, tendo originado a liquidação nº 2022..., de 2022/06/30, na qual consta a informação de “total de perdas a reportar” no montante de € 656 117,96 originadas em anos anteriores na categoria G de rendimentos e onde foi apurado o valor de IRS a pagar pelo casal de 2.239,57 € - conforme documento nº 1 em anexo ao PPA, artigo 3º do PPA e nº 3 da Resposta da AT;
  3. Em 15-08-2022 apresentaram declaração de substituição dos rendimentos de 2021, em que mantiveram a sua opção pela tributação conjunta dos rendimentos do casal e acrescentaram o anexo G, relativo a “mais valias e outros incrementos patrimoniais” a qual originou a liquidação nº 2022..., de 2022/07/29, na qual consta a  informação  de “total de perdas a reportar”, no montante de € 561 644,03 e onde foi apurado o valor de IRS a pagar pelo casal de 18 535,37€ - conforme Documento nº 3 e 4 em anexo ao PPA, artigo 4º e 7º do PPA e ponto 5 da Resposta da AT
  4. Na página 10 de 19 da declaração referida na alínea anterior e no quadro 9 e campo A do Anexo G, consta o seguinte:

 

- conforme documento nº 3 em anexo ao PPA, artigo 5º do PPA e ponto 4 da Resposta da AT;

  1. Os Requerentes “não viram razões para quaisquer preocupações” quanto às mais-valias declaradas provenientes de alienação onerosa de partes sociais, de 377.902,74 €, porque na liquidação de IRS anterior se referia a existência de perdas a reportar, originadas em anos anteriores na categoria G de rendimentos, no valor de 656.117,96 €, que eram substancialmente inferiores às perdas a reportar – conforme artigo 6º do PPA
  2. Na sequência das liquidações referidas em b) e c) a Administração Tributária enviou aos Requerentes, com data de 03-08-2022, a demonstração de acerto de contas ID documento 2022..., com o valor a pagar de 23.032,30 €, valor que pagaram em 12.09.2022 – conforme documentos 5 e 6 em anexo ao PPA e artigos 12º e 13º do PPA;
  3. A Administração Tributária enviou ainda aos Requerentes um acerto datado de 23-08-2022, com o nº de liquidação de IRS n.º 2022..., referindo “PERDAS A REPORTAR: 561 644,02” e bem assim a demonstração de acerto de contas ID 2022..., também com data de 23-08.2022, resultando um saldo a pagar de 15.305,25 €, montante que pagaram em 28-09-2022 – conforme documentos nºs 7, 8 e 9 juntos com o PPA e artigos 14º e 15º do PPA;
  4. Em 10 de Dezembro de 2022 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

 

Não se provou que nas liquidações de IRS referidas nas alíneas b), c) e g) conste a informação de perdas a reportar do titular com o NIF..., referentes à categoria G, pois o que aí consta é apenas e só o que foi dado provado nas respectivas alíneas, tal como acima estão redigidas.

Também não se provou que os Requerentes tenham apresentado em 27.07.2022 qualquer declaração de rendimentos, conforme é referido no ponto 4 da Resposta da AT e no ponto 31 do Requerimento da AT apresentado em 18.05.2023, facto que se configura ser irrelevante para a correcta composição da lide, uma vez que a declaração de substituição ulterior terá tornado inútil.

Note-se o que a AT referiu no ponto 28. da Resposta “estando fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão, os documentos juntos pelos Requerentes e pela Requerida, são suficientes à emissão da decisão arbitral”, ou seja, entendeu-se que os documentos juntos pelos Requerentes dispensavam a apresentação do PA, uma vez que este seria apenas a repetição desnecessária do envio do mesmo tipo de documentos.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

 

 

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

  1. A desconformidade apontada no PPA aos actos impugnados

 

Como se retira dos artigos 1º, 6º, 7º, 8º, 16º e 19º do PPA, os Requerentes apontam como único vício ao conjunto de liquidações e acertos de contas impugnados, a falta de fundamentação, evidenciando surpresa com as notificações recebidas pelo facto de existirem, quanto aos anos anteriores, perdas a reportar no montante de € 656 117,96 (para determinação das mais-valias sujeitas a IRS).

 

Pela forma como o PPA está redigido, configura-se ser genuína e credível a factualidade constante do seu artigo 6º. Ou seja, neste caso concreto, considera-se que os Requerentes, antes de serem notificados da resposta da AT, não conseguiram entender ou perceber os concretos fundamentos das liquidações, na parte que diz respeito à comunicabilidade horizontal das perdas a reportar, face à opção de tributação conjunta dos rendimentos do casal. Com efeito,

 

Nota-se que só em sede de alegações, após conhecerem as alegações da AT, vieram os Requerentes acrescentar o pedido de verificação concreta da conformidade das normas aplicáveis, na leitura defendida pela Requerida, face à CRP. E foi invocado no PPA a violação da norma do artigo 55º nº 1 alínea d) do CIRS.

 

Se os Requerentes tivessem conhecimento da linha de orientação defendida pela AT e que veio a ser sufragada apenas no acórdão uniformizador do STA de 23.02.2023 (na pendência destes autos), que no fundo retroage a Janeiro de 2015 os efeitos da nova redacção dada ao nº 1 do artigo 55º do CIRS que alterou o regime anterior, teriam certamente planeado a gestão dos activos geradores de mais-valias (no caso quotas de sociedades), por forma a que apenas um dos cônjuges obtivesse rendimentos de mais-valias mobiliárias, sem que isso pudesse ser entendido como planeamento fiscal abusivo, uma vez que as transmissões gratuitas entre casados (quanto a bens próprios) e unidos de facto, beneficiam de isenção subjectiva de imposto do selo (alínea e) do artigo 6º do CIS e verba 1.2 da TGIS), uma vez que, dos Documentos 1 e 2 juntos com as alegações dos Requerentes, não resulta que sejam casados sob o regime imperativo de separação de bens.

 

A Requerida, em termos de matéria de facto, sustenta que os actos impugnados estão suficientemente fundamentados, referindo:

  • No ponto 3 da Resposta, que na liquidação de 30.06.2022 “consta a informação de perdas a reportar do titular com o NIF...”;
  • No ponto 30 do Requerimento de 18.05.2023, que na liquidação de 30.06.2022 “consta a informação de perdas a reportar do titular com o NIF...”;
  • No ponto 32 do Requerimento de 18.05.2023, que na liquidação de 19.08.2022 “consta a informação de perdas a reportar do titular com o NIF...”.

 

No entanto, essa informação é genérica e não refere que apenas se reporta ao titular com o NIF..., como resulta dos factos provados, o que levou os Requerentes a considerar que se tratava de valor de perdas a reportar horizontalmente, de forma alíquota por ambos, tal como os rendimentos.

 

 

 

  1. Quanto ao vício de falta de fundamentação das liquidações

 

O aspecto fulcral aqui em discussão tem a ver, apenas, com a fundamentação dos actos impugnados na parte específica das perdas a reportar referentes à Categoria G de rendimentos dos anos anteriores de € 656 117,96, ou seja, em que medida as liquidações (documentos nºs 2, 4 e 7 juntos com o PPA) informam, esclarecem ou demonstram aos Requerentes que este valor não é susceptível de ser aplicado para apurar o saldo das mais-valias conjuntamente, de forma alíquota.

 

De referir que os actos impugnados têm uma fundamentação que é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação dos actos recorridos, não pode ser depois acolhido. Ou seja,  é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

 

Nota-se que, em lado algum, nas notas de cobrança é citada a norma aplicável, na parte da concreta informação sobre as perdas a reportar apenas a um dos membros do casal. O que consta nas notas de liquidação, é uma informação geral conforme alínea b), c) e g) dos factos provados, a qual não indica que se reportam apenas ao contribuinte NF..., como alega a AT nos pontos 30 a 32 da Resposta apresentada em 18.05.2023.

Não procede, pois, o primeiro e fundamental argumento que pretende sustentar que ocorreu cabal fundamentação das liquidações impugnadas na parte das perdas a reportar ou consideradas.

 

Refere a Requerida que se limitou a efectuar a liquidação de IRS nº 2022 ... de acordo com a lei, perante os rendimentos declarados pelos Requerentes. No entanto, nota-se que o que aqui é controvertido não é a questão dos rendimentos declarados, mas apenas e só a questão específica das perdas a reportar referentes à Categoria G de rendimentos dos anos anteriores de € 656 117,96 (sua ligação com duas formas possíveis de apuramento das mais-valias), ou seja, de que forma os actos de liquidação, nesta parte específica, estão em conformidade com as normas do nº 3 do artigo 268º da CRP e do artigo 77º da LGT.

Não releva, pelo descrito, esta sustentação.

 

Numa terceira linha de argumentação sustenta a AT que os Requerentes “perante o teor do ato e das suas circunstâncias, ficaram em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais”.  Quanto a este aspecto já acima foi referido que

  1. Perante o caso concreto o tribunal considera genuína e credível a factualidade constante do artigo 6º do PPA. Daí a alínea e) dos factos provados. Os Requerentes, antes de serem notificados da resposta da AT neste processo, não conseguiram entender ou perceber os fundamentos das liquidações, na parte que diz respeito à comunicabilidade horizontal das perdas a reportar, face à opção de tributação conjunta dos rendimentos do casal.  E só em alegações vieram invocar a verificação concreta da conformidade das normas aplicáveis, na leitura defendida pela Requerida, face à CRP. Estes factos são reveladores da real percepção dos Requerentes ao tempo que receberam as notas de liquidação.
  2. E percute-se, se os Requerentes tivessem cabal conhecimento da linha de orientação defendida pela AT (sufragada pelo STA no decurso deste processo), teriam certamente planeado a gestão dos activos geradores de mais-valias (no caso quotas de sociedades), por forma a que apenas um dos cônjuges obtivesse rendimentos de mais-valias mobiliárias, sem que isso pudesse ser entendido como planeamento fiscal abusivo, uma vez que as transmissões gratuitas entre casados e unidos de facto, (sendo possíveis quanto a bens próprios dos casados que não em regime imperativo de separação de bens)  beneficiam de isenção subjectiva de imposto do selo (alínea e) do artigo 6º do CIS e verba 1.2 da TGIS).

Não é possível, pois, acolher o entendimento de que, neste caso concreto, perante os concretos factos aqui alegados e provados, os Requerentes, perante o “ato e das suas circunstâncias” estivessem em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu, até porque nem a norma legal em controvérsia é indicada (o novel nº 1 do artigo 55º do CIRS, em vigor desde Janeiro de 2015).

 

Por último, refere a AT que se trata de “fundamentação padronizada e informatizada constante do ato em causa não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação” e que por isso “nestes casos a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT

Não estando aqui em causa os rendimentos declarados, mas apenas a forma como as perdas a reportar de anos anteriores são relevadas para apurar as mais-valias, o mínimo, que deveria constar das notas de liquidação seria a informação que a AT refere que foi prestada (de que nelas “consta a informação de perdas a reportar do titular com o NIF...”) o que não ocorreu, porquanto apenas consta a indicação geral de “total de perdas a reportar” ou simplesmente “perdas a reportar”, conforme documentos nºs 2, 4 e 7  juntos com o PPA.

Mesmo que se considerasse que a indicação da norma especificamente aplicada – o nº 1 do artigo 55º do CIRS na sua redacção desde Janeiro de 2015 – cumpria o requisito geral mínimo de fundamentação, uma vez que está em causa uma operação de apuramento da matéria colectável, o que diverge dos denominados “processos em massa” nos quais a singularidade aqui discutida não se verifica; o certo é que nas notas de liquidação não consta essa referência.

Nestes termos, não é possível relevar esta argumentação, neste caso concreto.

 

***

 

Procede, pois, parcialmente o PPA na parte das liquidações influenciadas pela não aceitação horizontal e alíquota configurada por ambos os membros do casal (Anexo G), das perdas dos anos anteriores, uma vez que, conforme acima se referiu, neste aspecto, as liquidações e acertos de contas estão em desconformidade com o nº 3 do artigo 268º da CRP e com os nº 1 e 2 do artigo 77 da LGT.

 

  1. Vícios de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses dos Requerentes, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas, mormente quanto à desconformidade aduzida face aos preceitos constitucionais.

 

  1. Direito ao reembolso do valor do IRS pago a mais. Juros indemnizatórios.

 

Os Requerentes pedem que as liquidações de IRS, dos respetivos juros e acertos de contas, sejam anuladas.

Ou seja, pedem a anulação das liquidações na sua totalidade. No entanto, apenas invocaram vícios quanto à parte das liquidações que bolem com as mais-valias (anexo G).

Apresentaram rendimentos de pensões (Anexo A) no valor ilíquido de € 43 412,18 e rendimentos prediais (Anexo F) de valor ilíquido de € 22 450,09. Quanto a estes rendimentos e às sequentes liquidações não apontaram qualquer desconformidade.

Naturalmente, na parte não impugnada das liquidações de IRS e juros e nos acertos de contas, não pode proceder o PPA, nem o pedido de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade parcial dos actos de liquidação controvertidos e de acertos de contas, há lugar a reembolso do imposto e juros pagos ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os ato tributários objeto da decisão arbitral não tivessem sido praticados nos termos em que o foram.

 

Procede, pois, o pedido de reembolso da quantia que vier a apurar-se, face à anulação parcial das liquidações e acertos de contas, influenciadas pela não aceitação horizontal e alíquota por ambos os membros do casal, das perdas dos anos anteriores (Anexo G).

 

***

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, verifica-se que deve ser aplicado o regime do nº 1 do artigo 43º da LGT, porquanto o erro das liquidações deve ser imputável à Requerida, que as levou a efeito por sua iniciativa nos termos acima referidos, pelo que são devidos juros indemnizatórios aos Requerentes, quanto à parte parcialmente anulada, devendo ser contados desde a data do efectivo pagamento e calculados sobre a importância que vier a apurar-se em consequência da anulação parcial, nos termos do disposto no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

  1. Anulam-se parcialmente as liquidações e acertos de contas referidas em c), f) e g) dos factos provados, na parte em que estão influenciadas pela não aceitação horizontal e alíquota por ambos os membros do casal, das perdas dos anos anteriores (Anexo G);
  2.  Condena-se a AT a proceder ao reembolso da quantia que vier a apurar-se face à anulação parcial das liquidações na parte influenciada pela não aceitação horizontal e alíquota, por ambos os membros do casal, das perdas dos anos anteriores (Anexo G) e bem assim no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre o valor a reembolsar, contados desde a data da sua entrega ao Estado e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 38 337,55 nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 1 836,00, a suportar na proporção dos decaimentos (partiu-se do rendimento global expresso no Documento nº 4 em anexo ao PPA e da soma dos valores ilíquidos dos rendimentos da categoria H e F declarados, cuja liquidação não foi colocada em crise, para a repartição percentual dos decaimentos) sendo 59,86% = € 1 099,03 suportados pela Requerida e 40.14% = € 736,97 suportados pelos Requerentes, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 29 de Maio de 2023

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira