Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 727/2022-T
Data da decisão: 2023-05-25  IRS  
Valor do pedido: € 10.449,33
Tema: Prova de recebimento de dividendos recebidos de fora do Portugal
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SUMÁRIO:

 

1-Da norma constante do nº1 do artigo 128º do CIRS, resulta apenas a exigência de documento para a prova do crédito de imposto por dupla tributação internacional, não restringindo a lei a admissibilidade dos meios probatórios, designadamente através de documento das entidades financeiras internacionais que efetuaram o pagamento dos dividendos obtidos no estrangeiro aos credores residentes em Portugal.

2- Tendo os sujeitos passivos (as Requerentes) provado que suportaram imposto retido na fonte no estrangeiro incidente sobre tais dividendos, ao abrigo do artigo 74º, nº1 da LGT, cabia à Requerida o ónus da prova de que tais montantes eram inexatos, gerando algum reembolso ou acerto que diminuísse os valores em causa numa hipotética declaração fiscal nos Estados na fonte que a tal conduzisse.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  • RELATÓRIO

 

A…, entretanto falecido, neste ato representado por B…, sua mulher, na qualidade de cabeça de casal e B…, com o número de identificação fiscal … (em diante abreviadamente designados de “Requerentes”), tendo apresentado pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IRS emitida em 5 de julho de 2017, com o número …, por referência ao ano de imposto de 2016 ( designada de “Liquidação Contestada”, documento n.º 2)  vêm, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na sua atual redação (em diante abreviadamente designado de “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) e dos artigos 99.º, n.º 1, alínea a) e 102.º, n.º 1, alínea e), do Código do Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação da decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada e, em consequência, à anulação parcial da liquidação na sua origem, devendo ser reembolsada a quantia em excesso liquidada, no valor de 10.449,33€.

2- O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 30-11-2022 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida).

3-Nos termos e para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico, após comunicação às partes e não tendo havido objeção das mesmas, designou o signatário como árbitro, tendo o tribunal ficado constituído a 06-02-2023.

 

I.1 OS FACTOS E O DIREITO INVOCADOS PELAS PARTES

 

1.1.1- PELAS REQUERENTES

 

1-Na qualidade de residentes fiscais em Portugal, os Requerentes apresentaram, com referência ao ano de imposto de 2016, a sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS.

2-Nesse ano de imposto de 2016, parte dos rendimentos a serem declarados pelos Requerentes eram rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro.

3-Assim, aquando do preenchimento da declaração de IRS de 2016, os Requerentes incluíram no quadro 8A de cada um dos Anexos J da declaração esses rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, não tendo exercido a opção pelo seu englobamento.

4-Neste sentido, ficaram estes rendimentos sujeitos à taxa especial prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea d) do Código do IRS que, à data dos factos (i.e., por referência ao ano de imposto de 2016) era já de 28%, com exceção dos rendimentos que fossem obtidos em paraísos fiscais, em relação aos quais a taxa aplicável seria de 35% (como ainda o é hoje), conforme previsto no artigo 72.º, n.º 16, alínea a) do Código do IRS.

5-No seguimento da apresentação desta declaração de rendimentos, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Liquidação Contestada, nos termos da qual apurou um valor de imposto a pagar de € 49.917,89 (cf. doc. n.º 4 junto), valor que os Requerentes pagaram.

6-Parte destes rendimentos de capitais declarados pelos Requerentes na declaração de IRS de 2016 respeitava a dividendos decorrentes de ações de que os Requerentes eram, à data, titulares.

7-Com efeito, estes dividendos foram emitidos por entidades não residentes em Portugal e, em concreto, obtidos pelos Requerentes através das seguintes contas abertas junto de bancos suíços, onde se encontravam depositados os respetivos títulos:

  1. Conta n.º … aberta junto da C… Switzerland … (“C…”), co titulada pelos dois Requerentes; e
  2. Conta n.º … aberta junto do D… (“D…”) de que era único titular o primeiro Requerente (identificado como sujeito passivo A na declaração de rendimentos junta como doc. n.º 5).

8-Tudo conforme detalhado nas tabelas seguintes:

a.C… (conta detida em 50% por cada Requerente):

País

Dividendos

36

 € 9.430,33

56

 € 9.360,00

276

 € 11.789,45

528

 € 17.250.00

756

 € 6.203,03

826

 € 22.115,22

840

 € 21.658,09

TOTAL

 € 97.806,12

 
b.D… (conta detida em 100% pelo primeiro Requerente – sujeito passivo A):

País

Dividendos

276

€ 2.675,00

124

€ 1.502,36

124

€ 1.657,19

124

€ 1.660,85

124

€ 1.656,25

TOTAL

€ 9.151,65

 

 

 

9-A categoria, a fonte e o montante dos referidos dividendos encontram-se documentalmente suportados por extratos bancários emitidos pelas instituições financeiras acima listadas e enviados aos Requerentes (cf. extratos bancários que se juntam como documento n.º 6), TOTALIZANDO AS RETENÇÕES NA FONTE SUSCETÍVEIS DE SER CONSIDERADAS POR HAVEREM SIDO RETIDAS NA FONTE, O VALOR, DE ACORDO COM OS ACORDOS DE DUPLA TRIBUTAÇÃO, DE 10.449,34€.

10-Contudo, os Requerentes, por mero lapso, não incluíram os valores dessas retenções na fonte na sua declaração de rendimentos (cf. doc. n.º 5).

11-Em consequência, os valores relativos ao imposto pago no estrangeiro não foram considerados para efeitos de apuramento do valor final de imposto a pagar pelos Requerentes na Liquidação Contestada.

12-Na verdade, na Liquidação Contestada, a AT não tomou em consideração qualquer imposto pago no estrangeiro para efeitos de determinação do “Imposto relativo a tributações autónomas” (linha 17), no qual se inclui o imposto devido sobre a totalidade dos rendimentos declarados nos Anexos J da declaração de rendimentos junta com o Doc. n.º 5.

13-Ou seja, sobre a totalidade dos dividendos recebidos pelos Requerentes, no valor de € 106.957,77, foi calculado um imposto de € 29.948,18, correspondente à aplicação da taxa de 28% sobre aquele valor, sem que fosse reconhecido aos Requerentes qualquer crédito por dupla tributação internacional.

14-Foi, pois, neste contexto e com base na factualidade acima sucintamente descrita que os Requerentes apresentaram, em 06/07/2020 pedido de revisão oficiosa contra a Liquidação Contestada nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), na qual suscitaram questões de ilegalidade solicitando a sua anulação parcial.

15-Com efeito, apresentaram os Requerentes o pedido de revisão oficiosa em crise por terem constatado o direito a um crédito de imposto por referência ao ano de imposto de 2016, por imposto pago no estrangeiro, no valor de € 10.449,34 (dez mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), nos termos dos artigos 81.º e 128.º do Código do IRS e dos respetivos Acordos para Evitar a Dupla Tributação (“ADTs”).

16-Aliás, os Requerentes apresentaram os extratos bancários emitidos pelas instituições financeiras depositárias dos valores mobiliários a que o mesmo respeita e através das quais os respetivos rendimentos (líquidos de imposto) foram pagos pelos Requerentes, valores que não são contestados pela AT.

17-De salientar que, conforme será explorado adiante, perante esta decisão final de indeferimento não podem os Requerentes deixar de manifestar a sua perplexidade e incompreensão, não só perante a decisão de indeferimento per se, perante seu o conteúdo e a argumentação aí vertida, mas também tendo em conta as recentes decisões de deferimento emitidas pela própria AT por referência às reclamações graciosas apresentadas pelos Recorrentes relativas aos anos de imposto de 2017 e de 2018, reclamações estas que dizem respeito a um circunstancialismo em tudo idêntico ao que ora nos ocupa (cf. decisões de deferimento das reclamações graciosas apresentadas por referência aos anos de imposto de 2017 e de 2018 que se juntam como documentos 9.1. e 9.2.).

18-A questão decidenda submetida ao Tribunal é a de saber se, in casu, têm ou não os Requerentes direito a um crédito de imposto relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro e objeto de tributação (através de retenção na fonte) na jurisdição de origem.

19-Resulta do artigo 81.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS, na redação em vigor em 2016, que:

1 -Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, incluindo os previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 72.º, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.

2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”.

20-Precisamente nos casos em que o país de origem dos rendimentos celebrou com Portugal uma convenção para evitar a dupla tributação e os rendimentos em causa se encontram abrangidos por essa convenção, o direito ao crédito de imposto dos contribuintes não resulta apenas do artigo 81.º do Código do IRS, mas também e antes de mais do disposto nessas convenções, que, regra geral, atribuem a Portugal a competência para a eliminação da dupla tributação sobre rendimentos obtidos por residentes em Portugal que tenham como fonte essas jurisdições, mediante o método do crédito de imposto, o que no caso em apreciação, resultaria num crédito de 10.439,44€, como referido anteriormente.

21- Em concreto, quanto à não inclusão, pelos Requerentes, dos montantes retidos na fonte na sua declaração de IRS de 2016, importa fazer uma menção à posição que até então era divulgada pela AT a respeito dos documentos necessários para comprovar os rendimentos obtidos e o imposto pago no estrangeiro.

22-Com efeito, ainda hoje, no seu site[1] refere a AT que, “Para efeitos de comprovação dos rendimentos e imposto pago no estrangeiro apenas são aceites documentos emitidos ou autenticados pelas Autoridades Fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos, os quais deverão expressamente mencionar a natureza do rendimento e respetivo valor e o montante do imposto efetivamente pago no Estado em causa.” (sublinhado e destacado nossos).

23-No mesmo sentido, pode ler-se nas instruções de preenchimento do Quadro 8A do Anexo J atualmente em vigor e aplicável já com referência a 2016 que “Na quarta coluna (Imposto pago no estrangeiro – No país da Fonte) deve ser indicado o montante correspondente ao imposto pago no estrangeiro, devidamente comprovado por documento emitido pela autoridade fiscal do país de origem dos rendimentos mencionado na segunda coluna”.

24-Afirmações integralmente alinhadas com o conteúdo do ofício-circulado n.º 20022, de 19/05/2000, em que, à semelhança, aliás, do que igualmente se veicula no ofício-circulado n.º 20124, de 09/05/2007 se estabelece que, sendo declarados rendimentos obtidos no estrangeiro, a AT deverá exigir ao contribuinte “documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas Autoridades Fiscais do respetivo Estado de onde são originários os rendimentos”, acrescentado que tais documentos “têm de ser originais, ou fotocópias autenticadas, e, no caso de serem elaborados em inglês, francês ou alemão, não carecem de ser traduzidos, nem convertidos para escudos, devendo, em qualquer caso, acompanhar a declaração de IRS. Caso existam dúvidas sobre tais documentos devem ser enviados à DSBF para tradução”.

25-Foi, assim, por este motivo que os Requerentes não declararam na sua declaração de IRS de 2016 os montantes retidos na fonte (algo que, aliás, também fizeram por referência aos anos de imposto de 2017 e de 2018, ainda que quanto a estes anos de imposto, em sede de procedimento administrativo, a AT tenha reconhecido o direito ao crédito de imposto dos Requerentes.

26-Dito por outras palavras, a omissão do valor do imposto retido na fonte na declaração de IRS apresentada pelos Requerentes ficou a dever-se ao facto de estes, confiando no entendimento que a AT veiculou na altura, acreditarem que a inclusão desses valores na sua declaração era apenas devida e o reconhecimento do respetivo crédito apenas lhes seria reconhecido caso o valor do imposto pago no estrangeiro resultasse de documentos emitidos ou autenticados pelas Autoridades Fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos.

27- Ora, não dispondo de tais documentos, os Requerentes, induzidos em erro pelos esclarecimentos divulgados pela AT de forma genérica e por diversos meios, inclusivamente nas instruções de preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS, agindo de boa-fé, não incluíram esses valores na sua declaração de IRS (de 2016 e também de 2017 e de 2018).

28- Razão pela qual não pode proceder o argumento da AT no sentido da negligência dos Requerentes (cf. ponto 30. da decisão final de indeferimento junta como doc. n.º 3).

29-Note-se, ademais, que este entendimento dos serviços centrais da AT não tem qualquer apoio na lei, como os Requerentes vieram a constatar.

30- Ainda que o artigo 81.º do Código do IRS não contenha, como vimos, qualquer norma sobre os meios de prova a apresentar pelos contribuintes para efeitos de demonstração dos rendimentos obtidos no estrangeiro e respetivo imposto pago na fonte, existem duas regras básicas que regem o valor das declarações dos contribuintes e respetiva prova de suporte e que são de plena aplicação nesta sede.

31- Por um lado, o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, dispõe que se presumem “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (…).”, seja mediante formulário próprio, seja, por uma questão de justiça, em qualquer outra sede procedimental, como seja uma reclamação graciosa ou até um pedido de revisão oficiosa (como in casu).

32-Por outro lado, só não será assim nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, e em especial no que ao presente caso interessa, quando “o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações “ (cf. artigo 75.º, n.º 2, alínea b), da LGT).

 Ora, nos termos do artigo 128.º do Código do IRS, “as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”.

33-Da combinação destas duas regras resulta, então, que (i) as declarações prestadas pelos contribuintes se presumem verdadeiras, cabendo à AT, caso existam indícios de que assim não é (e apenas se tais indícios existirem), investigar e recolher elementos adicionais, e (ii) no contexto de tais diligências são admitidos quaisquer documentos para efeitos de prova (note-se, aliás, que do mencionado artigo 128.º não resulta qualquer exigência quanto aos documentos a apresentar em matéria de crédito de imposto e muito menos resulta que entidade pode emiti-los).

34- Concluindo-se, pois, como concluiu o tribunal arbitral no processo n.º 389/2015-T, de 2016-02-19[2], que “em matéria de prova do imposto pago no estrangeiro, a lei não exige um determinado tipo de prova. A lei não estipula um regime de prova vinculada. Vale, neste caso, o princípio da livre apreciação das provas, as quais devem ser apreciadas pelo julgador e, necessariamente, fundamentada (sem prejuízo, necessariamente, da força probatória atribuída a determinado tipo de documentos).” (sublinhado e destacado nossos).

35-No entanto, no caso de retenções na fonte efetuadas por entidades particulares, emitentes de ações ou pagadoras dos rendimentos, na maioria dos casos, e sobretudo no contexto de valores mobiliários detidos para investimento e depositados junto de bancos estrangeiros, os documentos disponibilizados aos titulares desses rendimentos são única e exclusivamente os extratos bancários emitidos por esses bancos e que se fundam na informação e nos montantes por eles recebidos das entidades emitentes dos títulos, devedoras dos respetivos rendimentos.

36-De salientar que, tanto quanto sabemos, a AT nunca levantou qualquer questão quanto à circunstância destes mesmos documentos bancários fazerem prova do valor, origem e categoria dos rendimentos, só o fazendo, cada vez mais esporadicamente, a respeito do imposto pago no estrangeiro.

37-Por esta razão, a própria AT tem vindo a inverter a sua posição e a aceitar, de forma cada vez mais pacífica, que tanto rendimentos como imposto pago no estrangeiro podem ser demonstrados por extratos bancários como aqueles que se juntam como doc. n.º 6.

38-A este respeito veja-se, aliás, o recente parecer da Direção de Serviços de Relações Internacionais de 18/08/2022, parecer este do conhecimento dos Requerentes no âmbito das decisões de deferimento das reclamações graciosas apresentadas pelos Requerentes por referência aos anos de imposto de 2017 e de 2018 em relação à mesma situação de facto e de direito que aqui nos ocupa (cf. documentos 9.1. e 9.2.):

“(...) relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos de poupança sob a forma de juros o Estado-Membro da residência fiscal aceita os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços como prova bastante do imposto ou retenção na fonte.

(...) no caso concreto estão em causa rendimentos de valores mobiliários em que haja intervenção de instituições de crédito e sociedades financeiras Suíças, os documentos apresentados devem ser aceites como documentos comprovativos pois foram emitidos por uma entidade bancária suíça.

(...) no seguimento de informações anteriormente prestadas por esta Direção de Serviços deverá ser uniformizada a posição da DSRI, devendo aceitar-se os documentos bancários decorrentes de situações em que haja intervenção de instituições de crédito e sociedades financeiras Suíças.

(...) as cópias dos documentos enviados são suficientes para poderem ser aceites como documentos comprovativos do rendimento auferido e imposto pago no estrangeiro relativos a juros, dividendos e outros valores mobiliários, e desse modo confirmar os valores respeitantes ao IRS de 2018 em nome de A....

(...) no que diz respeito ao alegado e em face da prova apresentada pelo sujeito passivo, deverá aceitar-se a pretensão deste no que diz respeito ao imposto pago no estrangeiro a considerar no anexo J do IRS de 2018.”.

(cf. doc. n.º 9.2).

 

39-Tenha-se ainda em consideração que, já desde meados de 2020, a posição formal da AT acima explanada – no sentido de que, para efeitos de comprovação do imposto pago no estrangeiro apenas são aceites documentos emitidos ou autenticados pelas Autoridades Fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos – já foi e continua a ser recusada pelos tribunais portugueses.

40-A título meramente exemplificativo, veja-se o Acórdão do TCA Norte, proferido no processo n.º 01357/13.9BEPRT, em 21-05-2020[3] a respeito de rendimentos do trabalho obtidos em Espanha e respetiva retenção fonte efetuada pela entidade patronal espanhola.

41-Neste aresto, este tribunal superior foi claro ao admitir como prova, quer do rendimento, quer do imposto para efeitos de crédito de imposto, a declaração emitida pela Entidade patronal, desacompanhada de qualquer documento emitido ou certificado pela autoridade fiscal espanhola.

42-Na verdade, pode ler-se nesse acórdão que:

É certo que nos termos do artigo 75.º, n.º 2, alínea b) da LGT, a presunção da declaração de IRS apresentada pelo Impugnante reportada ao ano de 2009 – cfr. alínea A) do probatório - como verdadeira e de boa fé, deixa de se verificar quando não sejam cumpridos os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária. Porém, como decorre do processado em sede do procedimento administrativo, e bem assim do processado gerados nos autos em 1.ª instância, tendo sido notificado pela AT, o Impugnante remeteu-lhe os elementos que tinha em seu poder – [e que correspondiam a uma declaração emitida pela sua entidade patronal] – de onde resultava a evidência da existência de rendimento por trabalho dependente e de imposto retido pela sua entidade patronal, sedeada em Espanha, e como assim julgamos, nesse patamar de conhecimento, cumprido que estava o ónus de prova que impendia sobre o Impugnante face ao disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, a partir do momento em que esses dados foram levados ao conhecimento da AT, e sendo perfeitamente possível a apreensão dos elementos em causa para efeitos de saber quem prestou trabalho dependente e por que montante, e quem procedeu à retenção de imposto [e sobre quem recai a obrigação de o entregar aos cofres do respectivo Estado], o seu ónus de prova [do sujeito passivo] tem de ser tido como satisfeito, cumprindo agora à AT, tendo subjacente essas informações, interagir com a sua congénere espanhola, a fim de lhe ser prestada a informação, tão simples, sobre se a entidade patronal do Impugnante [devidamente identificada], pagou aos cofres do Estado espanhol o montante de imposto [também devidamente identificado e quantificado] que a mesma lhe havia [ao Impugnante] retido.

43-No sentido de admitir a prova destes elementos através de documentos diferentes de documentos emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais dos países de origem, vejam-se ainda as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 518/2017-T, de 2018-06-06  e n.º 127/2018-T, de 2019-01-29 , e ainda a decisão arbitral proferida no processo n.º 623/2019-T, de 2020-02-24, onde estava em causa a demonstração de imposto pago na fonte sobre rendimentos de seguros de Vida e o tribunal arbitral se pronuncia expressamente sobre o Ofício Circulado n.º 20022, acima referido, e a exigência de que a demonstração do imposto pago na fonte seja feita por documento emitido ou autenticado pela autoridade tributária local:

Ora, esta exigência não tem qualquer suporte legal.

Na verdade, o artigo 72.º da LGT admite no procedimento tributário a utilização de «todos os meios de prova admitidos em direito», o que é confirmado no processo de impugnação judicial pelo artigo 115.º do CPPT.

Sendo este o regime legal, previsto em diplomas de natureza legislativa (como são a LGT e o CPPT), ele não pode ser derrogado por diplomas de natureza regulamentar, com são as instruções administrativas, por força do já citado princípio da hierarquia das normas, enunciado no artigo 112.º, n.º 5 da CRP, que estabelece que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

 Assim, tem de se concluir que não tem fundamento legal a exigência de documento emitidos (ou autenticados) pela autoridade fiscal francesa.

De resto, nem seria aceitável outra solução, pois, nos casos de pagamento de impostos através de retenção na fonte efectuada por entidades particulares, o imposto retido considera-se pago quando é feita a retenção, independentemente a entidade obrigada entregar ou não o imposto retido ao Estado, «ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento» (artigo 28.º, n.º 1, da LGT).

Por isso, o que é relevante para demonstrar que foi feito o pagamento do imposto retido é o documento emitido pela entidade que faz a retenção, que, neste caso, é procedimentalmente corroborado pela presunção de legalidade da declaração dos contribuintes, estabelecida no n.º 1 do artigo 75.º da LGT.”.

44-E ainda as decisões arbitrais n.º 526/2019-T de 2020-01-21  e nº 716/2019-T de 2020-04-23  que versam sobre casos ainda mais próximos ao que ora nos ocupa relativos a rendimentos de capitais obtidos através de contas bancárias abertas no estrangeiro e respetivos impostos pagos na fonte.

45-Na primeira destas decisões, afirmou-se que “da mesma declaração [um extrato emitido pelas entidades bancárias da Suíça] constam os rendimentos obtidos nos restantes países fonte (Brasil, EUA e Japão) bem como os impostos neles retidos.

Foi com base nessa declaração que os requerentes apresentaram em 11/06/2017, a declaração de substituição, nela fazendo constar o anexo J, com rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro pelo sujeito passivo A, no montante de € 97 225,87 e imposto retido na fonte no estrangeiro de € 27 953,41.

Nos termos do nº 1 do artigo 75º da LGT presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, presunção que só pode ser afastada quando se verificar alguma das situações previstas nas alíneas do nº 2 do mesmo artigo da LGT. No caso concreto não resulta do probatório que se tenha verificado alguma das situações nelas elencadas, mesmo a do cumprimento dos deveres de esclarecimento da sua situação tributária, na medida em que o contribuinte A, titular dos rendimentos em questão remeteu, em 15/10/2018, à ATA as declarações emitidas pelos Bancos C... e D..., entidades pagadoras dos rendimentos, nas quais constam os rendimentos recebidos e os impostos retidos na fonte e em 30/01/2019, comunicou à ATA a impossibilidade de obter os documentos emitidos pelas autoridades fiscais dos países fonte dos rendimentos, conforme lhe teria sido comunicado pelas entidades intermediárias financeiras.

Face a estas circunstâncias a ATA procedeu à liquidação aqui em causa com o fundamento de que os documentos apresentados não eram idóneos para fazer a prova da retenção e não estavam certificados pelas autoridades fiscais dos países fonte dos rendimentos e que a impossibilidade de os obter, declarada pelos sujeitos passivos, estes não lograram explicar a razão dessa impossibilidade, ao mesmo tempo que o nº 1 do artigo 128º do CIRS lhes impõe o dever de apresentar, quando solicitados pela ATA, os comprovativos dos elementos das declarações, obrigação mantida por um período de 4 anos, conforme nº 3 do citado artigo 128º do CIRS.

Perscrutando a Lei, não encontramos qualquer referência à obrigatoriedade da declaração de rendimentos e do imposto retido ser emitida ou certificada pelas autoridades fiscais dos países fonte dos rendimentos, apenas as instruções sobre o preenchimento do anexo J e os ofícios circulados 20022 e 20030 de 19 de Maio e 18 de Dezembro de 2 000, a mencionam. Esta exigência não resulta da Lei, apenas terá sido a forma que ATA encontrou para uniformizar e conferir segurança aos procedimentos. O certo é que os sujeitos passivos apresentaram os documentos que as entidades bancárias referidas lhes remeteram e nas quais constavam o valor dos rendimentos pagos e o imposto retido, tendo a ATA, inicialmente, aceitado os seus conteúdos ( Rendimentos e impostos retidos) e só posteriormente veio pôr em causa os valores dos impostos retidos, sem no entanto invocar quaisquer factos que levassem a sustentar a sua posição de aceitar o conteúdo dos rendimentos e não aceitar conteúdo dos impostos retidos, limitando-se a dizer que as declarações não estavam certificadas pelas entidades fiscais dos países fontes, sem pôr em causa a sua veracidade e apenas por uma questão formal não as aceitou, forma essa, que, como já se viu, a Lei não estabelece e somente, o direito circulatório exige.

Pelos motivos expostos, entende-se que a presunção de verdade e boa-fé das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, não foi ilidida pela ATA através de factos que a ponham em causa. A simples invocação da forma, por si só, não basta, tendo em conta que a Lei nada refere quanto a isso.”.

46-E na segunda decisão e a propósito mais uma vez de extratos bancários, afirmou o tribunal arbitral que “no cumprimento do seu dever de colaboração (cujo incumprimento, de resto, poderia legitimar o afastamento da presunção acima referida, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, a alínea b) da LGT), [os contribuintes] apresentaram declarações emitidas pelo Banco C... (Brasil) S.A., devidamente apostilada pelas autoridades competentes do Brasil e pelo Banco D... relativas ao período em referência, entidades do sector financeiro sujeitas a apertada supervisão, e notoriamente enquadradas, para além do mais, em estritos padrões contabilísticos, a discriminar quer os rendimentos auferidos, quer o imposto retido aos Requerentes.” .

47-Refira-se, por último, que decorre de todas estas decisões não apenas uma preocupação com a legalidade – a lei portuguesa não prevê a exigência de documentos emitidos ou autenticados por autoridades tributárias locais –, mas também com a razoabilidade e a proporcionalidade das situações.

48-Os rendimentos aqui em causa (e em causa nas decisões arbitrais que se vêm de citar) são obtidos através de valores mobiliários – no caso, de ações – depositados junto de entidades bancárias estrangeiras, correspondem a investimentos financeiros que não permitem, nem pressupõem que os Requerentes estabeleçam com as entidades emitentes e muito menos com as autoridades fiscais dos respetivos países, relações diretas, que tornem viável a obtenção de documentos que evidenciem o imposto retido na fonte pelas entidades emitentes.

Dito isto, os bancos onde tais valores estão depositados e para cujas contas os rendimentos (líquidos das retenções) são transferidos, têm total acesso a esta informação – que recolhem diretamente das entidades emitentes – e compilam para os seus clientes, a quem prestam contas dos montantes que entram e saem das respetivas contas, através dos extratos bancários que emitem.

49-É uma prática de mercado altamente regulada, que não oferece nenhuma razão para que a AT ou qualquer outra entidade suspeite da sua veracidade e exatidão – sobretudo se aceita tais extratos para demonstrar os rendimentos, mas os recusa no que respeita à demonstração do imposto pago na fonte.

Sendo que se tais dúvidas existirem (no que não se concede) sempre poderá (e deverá) a AT acionar o mecanismo de cooperação administrativa previsto nas convenções para eliminar a dupla tributação aplicáveis em cada caso concreto, solicitando às suas congéneres informações complementares. no sentido de confirmar se o imposto que consta dos referidos extratos foi entregue nos cofres dos países de origem.

50-Por tudo isto, deverão os documentos apresentados ser aceites para efeitos de demonstração dos rendimentos obtidos no estrangeiro e respetivo imposto pago na fonte, reconhecendo-se aos Requerentes o crédito por esse imposto nos termos acima referidos.

51-Foi com base neste contexto, sem dispor dos documentos que, à data dos factos, pareciam ser exigidos pela AT para reconhecer um eventual crédito de imposto, e apoiados na jurisprudência entretanto proferida contrária a tal entendimento da AT, que os Requerentes, em 2020, vieram solicitar à AT que revisse o seu entendimento e, mediante prova (que fizeram e que a AT não contesta) das retenções na fonte que suportaram, pedir que fosse revista, nos termos do artigo 78.º da LGT, a liquidação de IRS melhor identificada em epígrafe (tal como fizeram, aliás, em relação às retenções na fonte suportadas nos anos de 2017 e de 2018, casos em que a AT veio efetivamente a deferir a pretensão dos Requerentes, como lhe era exigível).

52-E nem se diga, como diz a AT na decisão de indeferimento (cf. doc. n.º 3) que “parte do pedido é intempestivo e a outra parte sem fundamento” à luz do disposto no artigo 78.º da LGT (cf. ponto 12. da decisão de indeferimento junta como doc. n.º 3).

53-Com efeito, nos termos do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada – para além dos casos em que é efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa –, com os seguintes fundamentos e nos seguintes prazos:

  1. No prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (conforme artigo 78.º, n.º 1, da LGT);
  2. Nos três anos posteriores ao do ato tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte (conforme artigo 78.º, n.º 4, da LGT); e
  3. No prazo de quatro anos, por motivo de duplicação de coleta (conforme artigo 78.º, n.º 6, da LGT).

54-Por outro lado, ainda que, nos termos da lei, a iniciativa de revisão pertença à AT (conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º da LGT), esta iniciativa não constitui um poder, que a AT decide, na sua livre iniciativa, exercer ou não.

55-Não é, portanto, verdade que “...com fundamento em erro imputável aos serviços, a tempestividade do pedido depende de reconhecimento do erro por parte dos serviços” (cf. ponto 16. da Decisão de Indeferimento junta como doc. n.º 3).

56-Pelo contrário, impende sobre a AT (como de resto impende sobre todo e qualquer serviço do Estado), o dever de agir dentro da legalidade, estando, assim, a AT sujeita ao dever de rever e revogar os atos tributários ilegais, seja por iniciativa própria, seja a requerimento do contribuinte.

57-Neste sentido, e independentemente do fundamento ou pressuposto acima listado para a revisão de atos tributários, e ainda que a mesma lhe seja solicitada pelo contribuinte, compete à AT fazê-la (desde que cumpridos os respetivos pressupostos e prazos).

58-Ora, os Requerentes entendem que, no presente caso, se encontram verificados todos os pressupostos ou fundamentos acima listados para que a AT se constituísse no dever de proceder à revisão da Liquidação Contestada (o que não fez), encontrando-se igualmente observados os respetivos prazos.

59-Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do Código do IRS, “Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se a revisão oficiosa da liquidação nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.”.

60-No mesmo sentido, determina o artigo 78.º, n.º 1, da LGT que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada (…) por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

61-Ainda que a lei não defina, em concreto, o que deve ser entendido por “erro imputável aos serviços”, a doutrina e a jurisprudência (em particular, os tribunais superiores), têm-se encarregado dessa tarefa.

62-Neste contexto, já há vários anos que é entendimento assente que “o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito (conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01007/11, em 14-03-2012[4]).

Por outro lado, está igualmente assente que a “imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro.”.

63-Ora, com respeito ao conceito de erro – que é, como vimos, amplo – resulta do exposto que a não consideração do imposto pago na fonte pelos Requerentes para efeitos da concessão de um crédito de imposto constituiu um “erro” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, seja porque esse facto não foi considerado no contexto da Liquidação Contestada, por não constar da declaração de rendimentos (erro de facto), seja porque, independentemente do conhecimento desse facto, a AT, em violação da lei, entende que esse crédito não é devido (erro de direito).

64-E note-se que, conforme já salientado perante a própria AT em sede do pedido de revisão oficiosa apresentado, os Requerentes não ignoram que na declaração de rendimentos não indicaram o valor do imposto pago na fonte.

65-No entanto, sendo a liquidação de IRS uma verdadeira e própria liquidação (e não uma autoliquidação), conforme resulta do disposto no artigo 75.º, não pode senão concluir-se que qualquer erro nela praticado se imputa (objetiva e independentemente da culpa dos funcionários envolvidos) aos serviços da AT.

66-Portanto, não faz sentido a posição da AT no sentido de que “... a liquidação em causa enquadrou os requerentes enquanto residentes fiscais de acordo com a sua situação cadastral, sendo de todo impossível ficcionar um alegado imposto suportado no estrangeiro como o alegado na petição” (cf. ponto 19 da decisão de indeferimento junta como doc. n.º 3).

67-Até porque, conforme já se sublinhou, a opção dos Requerentes por não incluir o valor do imposto pago na declaração de IRS de 2016 resultou do facto de, à data em que tal declaração foi preenchida, de acordo com as instruções divulgadas pela própria AT em diferentes sedes (desde ofícios circulados, respostas a perguntas frequentes, até às instruções constantes dos formulários da referida declaração), a declaração desse imposto deve ser acompanhada “por documento emitido pela autoridade fiscal do país de origem dos rendimentos”.

68-Algo que, por referência aos anos de imposto de 2017 e de 2018, a AT aceitou pacificamente, deferindo o pedido dos Requerente

69-Assim, dúvidas não podem restar de que estamos perante erro imputável aos serviços já que, no caso do IRS, a quantificação do imposto devido resulta de uma hétero liquidação, ainda que tenha por base uma declaração preenchida e apresentada pelos contribuintes e, por isso, a sua autoria e os erros nela constantes sejam por natureza imputáveis aos serviços.

70-Sem prejuízo da correção e suficiência do fundamento anterior, um outro fundamento apresentado pelos Requerentes para que a Liquidação Contestada fosse revista pela AT tinha que ver com a injustiça grave ou notória, subjacente à manutenção na ordem jurídica da Liquidação Contestada, conforme previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

71-Nos termos do referido artigo, “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

Como a própria AT reconheceu da decisão de indeferimento “... o conceito de injustiça grave ou notória é definido como sendo resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional” (cf. ponto 24 da decisão de indeferimento junta como doc. n.º 3).

72-Contudo, para a AT não estaria verificada tal injustiça grave e notória na medida em que “[ficou] demonstrado o comportamento negligente dos sujeitos passivos ao não terem preenchido corretamente a declaração de IRS de 2016, omitindo os montantes relativos a imposto pago no estrangeiro” (cf. ponto 34 da decisão de indeferimento junta como doc. n.º 3).

73-Conforme já por inúmeras vezes se salientou, foi pelo facto de, em 2016, os Requerentes saberem não dispor dos documentos que, à data, a AT exigia para considerar os montantes de imposto pago no estrangeiro, que concluíram que não deveriam incluir na sua declaração de rendimentos esses mesmos montantes de imposto pago na fonte.

74-Mas mais, a injustiça desta solução é, não só grave, como também é notória, no sentido de ser “ostensiva e inequívoca”, conforme exigido pelo artigo 78.º, n.º5, da LGT.

75-Pois se: (i) está devidamente declarado e resulta demonstrado de forma clara que o imposto em questão foi pago no estrangeiro, bem como o respetivo valor e países da fonte; e (ii) resulta de forma inequívoca que, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, do Código do IRS, quando tal pagamento aconteça, deve ser reconhecido um crédito por esse imposto (não revelando o artigo 81.º no.º 1 do Código do IRS especial complexidade ou dificuldade de interpretação e aplicação,

76-Então é indiscutível que o não reconhecimento aos Requerentes do crédito de imposto consubstancia uma injustiça “ostensiva e inequívoca” (conforme expresso no artigo 78.º, n.º 5, da LGT) e, por isso, notória.

Assim, verifica-se em simultâneo uma situação de “injustiça grave” e de “injustiça notória”, em nenhum dos casos “imputável a comportamento negligente do contribuinte”, tendo em conta que o mesmo resulta e está em linha com as instruções que a própria AT emanou sobre o tema, conforme demonstrado em cima.

Razão pela qual, também com base neste fundamento, deveria o pedido de revisão oficiosa ter procedido.

77-Por último, e sem prejuízo da correção e suficiência dos fundamentos anteriores, alegaram ainda os Requerentes que o pedido de revisão oficiosa em crise sempre deveria ter sido deferido por motivo de duplicação de coleta, conforme previsto no n.º 6 do artigo 78.º da LGT.

Tal como a própria AT reconhece, e bem, a duplicação de coleta surge quando “... estando pago por inteiro um tributo, se exige da mesma ou de diferente pessoa, um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo” (cf. ponto 37 da decisão de indeferimento junta como doc. n.º 3).

Com efeito, é entendimento pacífico nos tribunais portugueses[5] que para que exista duplicação de coleta, basta que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos:

  1. o facto tributário ser o mesmo,
  2. ser idêntica a natureza do imposto já pago e o que, de novo, se exige, 
  3. referirem-se ambos os impostos ao mesmo período temporal.

 

78-Ora, in casu, recebidos os dividendos (facto tributário) pelos Requerentes, foi pago o tributo nas respetivas jurisdições, por retenção na fonte, sobre esse rendimento (portanto, imposto sobre o rendimento).

Subsequentemente, foi segunda vez exigido imposto sobre o mesmo rendimento e em consequência do mesmo facto tributário (o recebimento dos dividendos) nos termos da Liquidação Contestada, sem o devido reconhecimento do crédito de imposto.

79-Temos, pois, (i) o mesmo facto tributário – o recebimento de dividendos; (ii) impostos com a mesma natureza – impostos sobre o rendimento; e (iii) referência ao mesmo período temporal, no caso ao mesmo e exato rendimento.

Pelo que é indiscutível que estamos em presença de uma situação de duplicação de coleta, sendo irrelevante, nesta sede, que a referida duplicação resulte do pagamento do imposto em duas jurisdições diferentes.

 

 

I.1.2 PELA REQUERIDA

 

Por seu turno, a Requerida pugna pela manutenção da liquidação em apreciação com os seguintes argumentos:

 

 1-A Requerente apresentou em 29/05/2017 declaração de IRS de 2016, na qual incluiu um anexo J, indicando rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro sem imposto pago.

 Da declaração entregue resultou a liquidação n.º 2017 …, no montante a pagar de

€49.917,89.

 Em 06/07/2020, apresentou pedido de revisão oficiosa, referente a IRS do exercício de 2016.

 Este pedido foi apreciado nos termos do art.º 78.º da LGT no âmbito do n.º 6, e nos termos do

n.º 1 do n.º 4, tendo concluído que parte era intempestivo e outra parte sem fundamento.

Não concordando com os fundamentos do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, os

quais se dão por integralmente reproduzidos nos presentes autos, requereu a constituição do

Tribunal Arbitral em Matéria Tributária.

2- A Requerente, com o devido respeito, constrói um itinerário argumentativo que procura criar convicção de que a AT lhe negou o direito a um crédito de imposto, nomeadamente pela não aceitação dos respetivos documentos comprovativos (artºs 64º a 86º do PPA), quando, na

verdade, o fundamento do indeferimento do pedido de revisão decorreu da não verificação dos

pressupostos.

3-Aliás é a própria Requerente, que reconhece, no artº 99º do PPA, que “(…) a revisão de atos tributários, e ainda que a mesma lhe seja solicitada pelo contribuinte, compete à AT fazê-la (desde que cumpridos os respetivos pressupostos e prazos)”.

4-Ora, conforme resulta da fundamentação do indeferimento, tais pressupostos e prazos não foram cumpridos. 

5-Conforme salienta, e bem, a Requerente, no artº 91º do PPA, nos termos do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada – para além dos casos em que é efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa –, com os seguintes fundamentos e nos seguintes prazos: a. No prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (conforme artigo 78.º, n.º 1, da LGT); b. Nos três anos posteriores ao do ato tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte (conforme artigo 78.º, n.º 4, da LGT); e c. No prazo de quatro anos, por motivo de duplicação de coleta (conforme artigo 78.º, n.º 6, da LGT). 

6-E a Requerente pretende demonstrar que se verificaram todos os três fundamentos (erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória e duplicação de coleta), no entanto tal não acontece.  

7- Ora, com referência ao alegado erro imputável aos serviços (artºs 101º a 117º do PPA), que não se encontra legalmente definido, mas que tem vindo a ser objeto de variadas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, devem ser observados critérios de razoabilidade, atendendo à especificidade de cada caso. 

8-Assim, aquela hipótese não se verifica, porquanto a liquidação contestada foi efetuada com base na declaração de rendimentos apresentada pelos contribuintes (a ora requerente e o seu falecido marido), ou seja, com base nos elementos declarativos inscritos pelos próprios. 

9-Note-se ainda que, conforme consta no ponto 19 da informação subjacente ao despacho de indeferimento do pedido de revisão, “não houve qualquer erro dos serviços, esclarece-se que a liquidação em causa enquadrou os requerentes enquanto residentes fiscais de acordo com a sua situação cadastral, sendo de todo impossível ficcionar um alegado imposto suportado no estrangeiro como o alegado na petição. 

10-E no ponto 20, “Mais, os sujeitos passivos assumem que o erro declarativo foi deles, não podendo ser imputado aos serviços quaisquer erros relativos à liquidação da declaração de IRS de 2016 por falta de indicação de imposto no estrangeiro” 

11-Relativamente à injustiça grave ou notória (art ºs 118º a 140º do PPA), conforme estabelece o nº4 do artº78º da LGT, o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. 

12-Independentemente da possibilidade de ser considerada, ou não, a existência de uma injustiça grave ou notória, ou seja, a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional, a verdade é que o erro aqui em questão (não declaração do valor de imposto pago no estrangeiro) se consubstanciou numa clara negligência do Requerente. 

13-Ora, porque no artº78º da LGT o legislador não definiu os limites da negligência como elemento impeditivo da interposição do pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória, a interpretação literal daquela norma poderá conduzir a conclusões extremas.  

14-Com efeito, e em última análise, dependendo do interesse das partes, tanto se torna possível defender o enquadramento generalizado, como negligentes, de quase todos os comportamentos dos contribuintes, como considerá-los desculpáveis e assim afastar a negligência. 

15-Deste modo, o conceito de negligência (enquanto omissão de um dever objetivo de cuidado ou diligência), ali plasmado, deve ser interpretado atendendo, por um lado, às especificidades do caso em questão, e por outro, integrando-o com os princípios do procedimento tributário, nomeadamente (e entre outros) o da proporcionalidade e o da justiça, sempre no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributário, conforme consta no artº55º da LGT. 

16-Tais princípio, refletidos nos artºs 7º e 8º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) aplicável por via da alínea c) do artº2 da LGT, estabelecem que, na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos, sendo que as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar (Princípio da proporcionalidade) e que a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa (Princípio da Justiça e da razoabilidade). 

17-Pelo que, e com o devido respeito o comportamento da Requerente, consubstanciado numa omissão declarativa (não declaração do valor de imposto pago no estrangeiro), só pode ser qualificado como negligente, importa verificar, ao abrigo dos princípios acima referidos, se existem motivos ou fundamentos que permitam qualifica-lo como uma falha compreensível ou desculpável, eventualmente suscetível de desconsiderar a negligência. 

18-Desde logo importa sublinhar como refere António Lima Guerreiro na sua Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, pg 346, “o número 3 do presente artigo consagra uma possibilidade de revisão excecional do ato tributário para além dos prazos normais de reclamação ou impugnação judicial, mesmo quando não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação. Visa resolver apenas os casos mais escandalosos e gritantes de injustiça fiscal, não devendo constituir um meio sistemático de o contribuinte obter a revisão dos atos tributários para além dos prazos normais de reclamação ou impugnação, o que comprometeria a eficácia e racionalidade do atual sistema de garantias dos contribuintes”. 

19-Ora, tal caráter excecional reduz significativamente a amplitude de possibilidades que permitam desculpabilizar a negligência, porquanto o descuido ou falta de atenção no que toca aos prazos normais relativos aos meios de defesa gerais (reclamação, impugnação), não pode deixar qualquer margem para a desculpabilização da negligência. 

20-Por outro lado, a par desse caráter excecional, e muito por causa dele, a aplicação dos ditos princípios (da Proporcionalidade e da Justiça) deve ser efetuada de forma extremamente cuidada, só devendo ser passíveis de aceitação como comportamentos negligentes desculpáveis, aqueles que se revelem manifestamente impeditivos de uma reação atempada por parte dos contribuintes, nomeadamente em situações nas quais estes não estejam na posse da plenitude das suas capacidades (físicas e/ou mentais), e, como tal, sem discernimento para reagir nesse momento. 

21-Ora, não se encontrando tipificadas as situações enquadráveis como negligências desculpáveis, não parece, de todo, que a omissão aqui em causa (não declaração do valor de imposto pago no estrangeiro) possa ser entendida como tal. 

22-De facto, não é crível que a Requerente não soubesse que imposto suportou no estrangeiro antes de 29/05/2017 (data da entrega da declaração de rendimentos), ou, no limite, até 31/12/2017, data até à qual poderia ter entregue a declaração, ao abrigo do nº3 do artº 60º do Código do IRS (CIRS) – “Nas situações em que o sujeito passivo aufira rendimentos de fonte estrangeira relativamente aos quais tenha direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional, cujo montante não esteja determinado no Estado da fonte até ao termo do prazo previsto no n.º 1, o prazo nele previsto é prorrogado até ao dia 31 de dezembro desse ano.  

23-Até mesmo porque os documentos de suporte probatório apresentados pela Requerente (doc.3 do pedido de revisão) foram emitidos em 17/02/2017 

24-Saliente-se que, dadas as circunstâncias (caráter excecional do procedimento, omissão declarativa e consequente reação tardia), seria sempre à Requerente que caberia comprovar a desculpabilização do comportamento negligente, o que não aconteceu. 

25-E não se pretenda, como sugere a Requerente nos artºs 50º a 63º do PPA, e em particular no artº 55ºº, que o comportamento negligente, isto é “a omissão do valor do imposto retido na fonte na declaração de IRS apresentada pelos Requerentes ficou a dever-se ao facto de estes, confiando no entendimento que a AT veiculou na altura, acreditarem que a inclusão desses valores na sua declaração era apenas devida e o reconhecimento do respetivo crédito apenas lhes seria reconhecido caso o valor do imposto pago no estrangeiro resultasse de documentos emitidos ou autenticados pelas Autoridades Fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos”. 

26-É certo que, no artºm51º do PPA, a Requerente afirma que “no seu site refere a AT que, “Para efeitos de comprovação dos rendimentos e imposto pago no estrangeiro apenas são aceites documentos emitidos ou autenticados pelas Autoridades Fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos, os quais deverão expressamente mencionar a natureza do rendimento e respetivo valor e o montante do imposto efetivamente pago no Estado em causa.”  

27-Acrescendo no artº52º que “pode ler-se nas instruções de preenchimento do Quadro 8A do Anexo J atualmente em vigor e aplicável já com referência a 2016 que “Na quarta coluna (Imposto pago no estrangeiro – No país da Fonte) deve ser indicado o montante correspondente ao imposto pago no estrangeiro, devidamente comprovado por documento emitido pela autoridade fiscal do país de origem dos rendimentos mencionado na segunda coluna”. 


 

28-E no artº 53º, “Afirmações integralmente alinhadas com o conteúdo do ofício-circulado n.º 20022, de 19/05/2000, em que, à semelhança, aliás, do que igualmente se veicula no ofício-circulado n.º 20124, de 09/05/2007 se estabelece que, sendo declarados rendimentos obtidos no estrangeiro, a AT deverá exigir ao contribuinte “documento comprovativo do montante do rendimento, da sua natureza e do pagamento do imposto, o qual deverá ser emitido ou autenticado pelas Autoridades Fiscais do respetivo Estado de onde são originários os rendimentos”, acrescentado que tais documentos “têm de ser originais, ou fotocópias autenticadas, e, no caso de serem elaborados em inglês, francês ou alemão, não carecem de ser traduzidos, nem convertidos para escudos, devendo, em qualquer caso, acompanhar a declaração de IRS. Caso existam dúvidas sobre tais documentos devem ser enviados à DSBF para tradução”. 

29-Porém, em momento algum, tais instruções apontam para a não declaração de rendimentos/imposto de fonte estrangeira, mas antes para a obrigatoriedade dos mesmos serem declarados, devendo ter como suporte determinados documentos probatórios. 

30-Na verdade, tais instruções esclarecem, essencialmente, a forma e conteúdo dos documentos de suporte probatório a determinados elementos declarativos, partindo do pressuposto de que esses documentos refletem os valores declarados a apresentar pelos contribuintes, jamais sugerindo ou indiciando a não declaração de quaisquer valores.   

31-Quanto à hipótese estatuída no nº 6 do artº 78º da LGT, e defendida nos artºs 141º a 161º do PPA - a revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos – a mesma também não colhe, uma vez que, no presente é invocada a existência de uma dupla tributação, conceitos que, do ponto de vista jurídico, são completamente diferentes.  

32-Assim, a duplicação de coleta, como aliás estabelece o nº 1 do artº 205º do CPPT, surge quando, estando pago por inteiro um tributo, se exige da mesma ou de diferente pessoa, um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.  

33-Ou seja, terão que se verificar, cumulativamente, os seguintes pressupostos: 

• Ser o mesmo facto tributário; 

• Ser idêntica a natureza do imposto pago, e o de novo exigido; 

• Reportarem-se ambos ao mesmo período temporal.  

34-De onde se infere que a duplicação de coleta acontece quando, há repetição na aplicação da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, o que implica a sua ocorrência na mesma sede tributária.

35-Por outro lado, na dupla tributação, são várias as normas de incidência que se aplicam ao mesmo facto tributário. 

36-E, efetivamente, não existe, no que à questão controvertida respeita, aplicação de uma só, mas antes de várias normas de incidência, porquanto, foram dois os ordenamentos jurídico-fiscais aplicados. 


 

  • MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA

Face aos argumentos explanados pelas partes e pela consulta do processo instrutor, dão como provados os seguintes factos:

1-Na qualidade de residentes fiscais em Portugal, os Requerentes apresentaram, com referência ao ano de imposto de 2016, a sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS;

2-Nesse ano de imposto de 2016, parte dos rendimentos a serem declarados pelos Requerentes eram rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro;

3-Assim, aquando do preenchimento da declaração de IRS de 2016, os Requerentes incluíram no quadro 8A de cada um dos Anexos J da declaração esses rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, não tendo exercido a opção pelo seu englobamento;

4-No seguimento da apresentação desta declaração de rendimentos, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Liquidação Contestada, nos termos da qual apurou um valor a pagar de € 49.917,89;

5-Parte dos rendimentos de capitais declarados pelos Requerentes respeita a dividendos decorrentes de ações de que os Requerentes eram, à data, titulares, dividendos estes emitidos por entidades não residentes em Portugal;

6-Estes rendimentos foram integralmente declarados no Quadro 8A dos Anexos J da declaração de rendimentos, discriminados por titular e agregados por tipo de rendimento e origem, em conformidade com as instruções de preenchimento divulgadas no site da Autoridade Tributária e Aduaneira a propósito da declaração de IRS;

7-Parte destes rendimentos foi objeto de retenção na fonte nas jurisdições estrangeiras respetivas;

8-Os Requerentes, não incluíram os valores dessas retenções na fonte na sua declaração de rendimentos, tendo, no entanto, apresentado à AT posteriormente extratos comprovativos das mesmas;

9-Os valores relativos ao imposto pago no estrangeiro não foram considerados para efeitos de apuramento do valor final de imposto a pagar pelos Requerentes na Liquidação Contestada;

10-Ou seja, sobre a totalidade dos dividendos recebidos pelos Requerentes, no valor de € 106.957,77, foi calculado um imposto de € 29.948,18, correspondente à aplicação da taxa de 28% sobre aquele valor, sem que fosse reconhecido aos Requerentes qualquer crédito por dupla tributação internacional;

11-Os Requerentes apresentaram, em 06/07/2020 pedido de revisão oficiosa contra a Liquidação Contestada nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária;

12-Em 29 de agosto de 2022, porém, foram os Requerentes notificados da decisão expressa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado;

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo suprareferidos relativamente a cada ponto do probatório, que não foram objeto de impugnação pela Requerida, bem como os documentos constantes do processo administrativo.

 

Em relação aos documentos emitidos pelas instituições de crédito relativas aos pagamentos efetuados às Requerentes, deve dizer-se que os mesmos não foram contestados e/ou postos em crise pela AT, o que nos levou a considerar que os mesmos são verdadeiros.

 

  • O DIREITO APLICÁVEL

 

1-Propositadamente elencámos com bastante pormenor os argumentos que as partes apresentaram com vista a sustentar os respetivos pontos de vista. Tal facto, a nosso ver, vai facilitar-nos concluir ponto a ponto sobre as pretensões de uma e de outra das partes.

Principiaremos com o argumentário da AT, atendendo, igualmente, à visão contrária expressa pela Requerente para, por último, tomarmos posição.

2-A Requerida começa por dizer a correção em causa por si feita à declaração das Requerentes “teve por fundamento a não exibição de documento emitido ou autenticado pela autoridade fiscal competente” (do país estrangeiro).

3-Ora, no caso em apreço, é claro que as instruções dimanadas dos serviços da AT com essa obrigação, não tem qualquer suporte legal, como aliás se salienta nos nº’s…do Relatório, onde se menciona a legislação e a abundante jurisprudência que corrobora o entendimento das Requeridas e que o Tribunal subscreve na íntegra. Nada na lei obriga a atestar esses rendimentos pelas autoridades fiscais dos outros Estados, as Requerentes juntaram as declarações das instituições financeiras que intermediaram o pagamento, aliás não contestadas pela AT e, se houvesse dúvidas ou a AT desejasse por em causa os valores apresentados, então cabia-lhe a ela demonstrar que tais valores eram falsos. Para o efeito, poderia solicitar às suas congéneres nos países onde foram pagos os dividendos se os valores eram corretos ou se, pelo contrário, eram diferentes dos apresentados pelo contribuinte.

4-Mas o argumento que torna mais inexplicável a argumentação da AT é que esta deu razão, exatamente com os mesmos fundamentos, às Requerentes para os exercícios de 2017 e 2018, revogando em sede de reclamação graciosa o posicionamento da Requerida na liquidação, estribada no parecer da Direção de Serviços de Relações Internacionais da AT de 18-08-2022 mencionado no artigo 72º do PPA que, num caso similar, reconheceu que bastava a apresentação as declarações das instituições financeiras. Ora, é mesmo incompreensível que dentro do mesmo organismo do Estado haja posições divergentes a propósito de situações similares, ainda para mais envolvendo o mesmo contribuinte.

5-Uma segunda ordem de razões invocadas pela AT tem a ver com o facto de as declarações bancárias se limitarem a apresentar os valores dos rendimentos pagos, assim como as retenções que sobre eles incidiram, não sendo esse necessariamente o valor final porque o contribuinte poderá ter optado por englobar os rendimentos ou haver acertos na retenção se não se tratar de retenção com caráter liberatório ou de natureza especial, para usar a terminologia portuguesa.

6-Como se diz no tribunal arbitral coletivo de que o signatário fez parte como vogal no âmbito do processo nº 638/2022-T, conforme decorre dos artigos 75º, nº1 e 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária e do artigo 342º do Código Civil, “tendo os sujeitos passivos provado os montantes de retenção na fonte que alegam, cabe à Requerida o ónus da prova de que algum acerto ou reembolso pudesse ter diminuído ou suprimido os valores em causa. Porém, a Requerida não só não procedeu a tal prova como nem sequer expressa qualquer alegação objetiva e concreta, sequer a título de suspeita, de que os sujeitos passivos tenham beneficiado de acerto ou reembolso suscetível de ter determinado a diminuição ou supressão do valor do imposto suportado com as retenções na fonte, de cuja veracidade expressamente declara não duvidar”

7-Seguidamente, e na sequência do alegado pelas Requerentes, a AT diz que não há motivo para proceder à revisão do ato de liquidação com base no artigo 78º da LGT porquanto este permite a revisão oficiosa pela AT ou a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos após aquele ato com fundamento em erro imputável aos serviços.

8-Ora, é entendimento da AT que não houve erro imputável aos serviços porquanto foram as Requerentes que preencheram o seu IRS não fazendo menção ao facto de ter havido retenções na fonte de dividendos pagos no estrangeiro e, por conseguinte, tal liquidação não enferma de vício algum.

9-Salvo melhor opinião, a AT incorre num erro de valoração do seu comportamento. Desde logo, porque cometeu um erro ab initio que foi considerar que era necessário que fossem as autoridades fiscais dos Estados pagadores dos dividendos a atestar tal facto, não bastando a declaração das entidades bancárias pagadoras, sem qualquer suporte na lei.

10- E como não bastasse essa ilegalidade, a AT, extravasando claramente a lei, fez instruções administrativas mencionadas abundantemente pelas Requerentes (cfr. artigos nº’s 51 a 53 do PPA, aliás, corroborados pela Requerida, nos seus artigos 34 a 38, sem sequer os por em causa) da presente decisão arbitral, “legislando” por circular (ou mesmo por portaria que aprova os procedimentos de preenchimento da declaração) e induzindo os contribuintes em erro, conforme resulta do artigo 68º-A da LGT.

11-Foi, pois, em resultado dessa postura errónea da AT que os contribuintes fizeram as suas declarações de rendimentos, mas estranhamente, para o exercício de 2016 de IRS a AT não retificou o seu próprio erro, dando razão às Requerentes, ao contrário do que fizeram e bem para os exercícios de 2017 e 2018, estribados no entendimento correto que aparentemente passou a ter após o parecer da Direção de Serviços Internacionais,  que já por várias vezes aludimos.

12-Por consequência, não temos quaisquer dúvidas que a AT cometeu uma ilegalidade (violação de lei), induziu os contribuintes em erro, que originou uma declaração errada da sua parte, seguindo as instruções da autoridade fiscal e por tudo isso, é claro que há um erro (de Direito) imputável aos serviços que eles próprios reconheceram em dois processos visando os mesmos contribuintes. Só por este motivo, é suficiente para determinar a anulação da liquidação em causa, dando provimento ao recurso apresentado pelas Requerentes.

13- E o mesmo se diga no segundo argumento para solicitar a revogação do ato ao abrigo do artigo 78º da LGT (máxime, do seu nº 4) invocando a injustiça grave e notória, que é mais do que evidente, quer num plano externo (tributando-se quem não devia ter sido tributado) e num plano interno aos próprios contribuintes, tratando um ano de forma diferente dos outros dois. A isto pretende a AT contrapor uma pretensa negligência das Requerentes que preencheram a declaração de rendimentos de forma errada, mas como já deixámos dito é entendimento claro deste Tribunal que tal se ficou a dever a instruções ilegais e indutoras de comportamento erróneo, mais reforçando a decisão de anular a liquidação sob apreciação.

14-Finalmente, as Requerentes invocaram duplicação de coleta para pedir a anulação da liquidação. Ora, neste particular, concordamos com a AT que falha um requisito já que são diferentes as normas de incidência que levam a aplicar a retenção no estrangeiro e o mecanismo previsto tributar em Portugal. Tal não invalida, como é óbvio, a justeza da anulação parcial do ato tributário de liquidação de IRS com os fundamentos anteriormente elencados.

 

     

DECISÃO

 

Assim, decide o Tribunal julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

  1. Declarar a anulação parcial do ato impugnado com fundamento em vício de violação de lei pela AT;
  2. Condenar a Requerida a restituir a importância de 10.449,33€, acrescida de juros indemnizatórios a partir de 06-07-2021 até ao pagamento pela AT da dívida, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 43º da LGT.

 

 

VALOR DA AÇÃO: 10.449,33€, nos termos do disposto no artigo 306º, nº 2 do CPC e 97º-A do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas:  são devidas pela Requerida (AT), no valor de 918,00€.

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de maio de 2023.

 

O árbitro singular,

 

 

(Vasco Valdez)



[1] Disponíveis em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/questoes_frequentes/Pages/faqs-00562.aspx

[5] Veja-se a título de exemplo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º0492/16.6BELRA 0358/18, em 23-10-2019, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96cc9de76d7778a0802584a4004acd17?OpenDocument