Sumário:
A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria tributável aos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto no artigo 90.º do Código do IRC, não sendo aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
A..., contribuinte n.º ..., residente em Rua ..., n.º..., ...-..., Lisboa (REQUERENTE), veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
I – Relatório
A) O pedido
O Requerente peticiona a revogação do Despacho da Exma. Senhora Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, o qual procedeu ao (in)deferimento parcial da Reclamação graciosa n.º 2022... e, bem assim, a anulação do ato de liquidação de IRS, do período de tributação de 2020, n.º 2022..., e, bem assim, e por mera cautela, contra o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., o qual visa a concretização da Decisão de (in)deferimento parcial da Reclamação graciosa em crise.
B) O litígio
O despacho que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa (objeto imediato) e a liquidação de IRS do período de tributação de 2020, n.º 2022... (objeto mediato) devem ser revogados, por ilegais, na medida em que não foi concedida ao Requerente a totalidade do crédito de imposto correspondente ao benefício fiscal relativo ao SIFIDE RAM que invocou em sede própria.
O Requerente sustenta, em suma, o seguinte:
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É sócio da sociedade B..., LDA., (Sociedade) NIPC..., submetida ao regime de transparência fiscal, na qual detém 92,5% do respetivo capital.
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Em 2021, a referida Sociedade candidatou-se ao Sistema de Incentivos Fiscais às I&D Empresarial na Região Autónoma da Madeira (SIFIDE-RAM), com referência ao exercício de 2020.
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Na sequência da candidatura, foi atribuído à Sociedade, em 2022, pela entidade competente, o benefício da dedução prevista no artigo 38.º do CFI, computado em 24.865,19 €.
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Em 27 de maio de 2021, apresentou a sua Declaração Periódica de Rendimentos sujeitos a IRS (Modelo 3), respeitante aos rendimentos do ano 2020, tendo declarado rendimentos no montante de €376.493,59 – respeitantes ao lucro tributável da Sociedade – e a respetiva percentagem de imputação – de 92,50%.
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Com base na referida declaração, a AT emitiu o ato de liquidação de IRS n.º 2021..., no qual foi apurado um montante total de imposto a pagar de €147.077,98, que foi pago.
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Em 9 de março de 2022, e após a aprovação da candidatura ao SIFIDE-RAM, apresentou a Declaração Modelo 3 de IRS de substituição, incluindo o montante de € 23.000,30 (correspondente à percentagem de imputação de 92,5%) no campo 902, do Quadro 9 do Anexo D à Declaração, relativo a “deduções à coleta – benefícios fiscais (SIFIDE RAM)”, a título de benefícios fiscais decorrentes do SIFIDE
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Na sequência da apresentação da Declaração Modelo 3 de substituição, a AT emitiu o ato de liquidação n.º 2022... aqui impugnado, nos termos do qual foi apurado o mesmo montante total de imposto a pagar de € 147.077,98, não tendo o novo ato de liquidação de IRS refletido a dedução do benefício fiscal obtido no âmbito do SIFIDE-RAM.
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Inconformado, apresentou em 31-03-2022, na Direção de Finanças de Lisboa, reclamação graciosa contra o ato de liquidação.
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A Direção de Finanças de Lisboa, por ofício de 29-09-2022, notificou-o do Despacho, proferido em 26-09-2022, pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, em cujos termos deferiu parcialmente a Reclamação graciosa, admitindo a dedução do benefício fiscal apenas no valor de €978,92.
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A AT fundamenta a sua decisão com o entendimento de que, da aplicação das regras e dos limites impostos pelo Código do IRS, resulta que a dedução nunca poderá ser aceite pela totalidade do benefício fiscal atribuído, uma vez que existe um limite de € 1.000, aplicável à totalidade das deduções à coleta e, bem assim, critérios de preferência que implicam que a dedução de benefícios fiscais ocorra em último lugar e, sempre, na medida do remanescente do teto aplicável.
A AT, na sua Resposta, defendeu-se por exceção, invocando:
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A exceção de falta de procuração;
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A exceção da incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação das liquidações num concreto montante e condenação da Requerida num concreto montante.
Mas também se defendeu por impugnação, argumentando, em suma, o seguinte:
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Determina-se nos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º do CIRS que constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.º do CIRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa.
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As importâncias imputadas integram-se como rendimento líquido de categoria B, a englobar com os restantes rendimentos do agregado familiar para determinação da taxa geral de IRS a aplicar, integrando-se no procedimento de liquidação do IRS que se desenrola, enquanto imposto de natureza pessoal.
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As deduções à coleta em sede de IRS, concretamente, as deduções imputadas aos sócios geradas na esfera da sociedade transparente, nos termos do nº 5 do artigo 90º do CIRC, as mesmas são dedutíveis nos termos da alínea k) do nº 1 (benefícios fiscais) e do nº 2 do artigo 78º do CIRS (retenções na fonte).
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No entanto, no que diz respeito aos benefícios fiscais, essa dedução está limitada pelo disposto nos nºs. 7 e 8 do mencionado artigo, que aqui se dá como reproduzido.
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Já a decisão da reclamação graciosa se fundamentou no que na informação instrutória se escreveu, nomeadamente:
«no caso em apreço, o ora reclamante teve, no ano de 2020, um rendimento coletável superior ao valor do último escalão, € 80.640,00, à data dos factos.
Com efeito, e relativamente à liquidação ora em crise, constatou-se o seguinte: Rendimento Global: € 393.443,59
Rendimento Coletável: € 389.339,59 Deduções à coleta: € 271,08 Despesas gerais familiares: € 250,00 Despesas de saúde: € 20,69 Exigência de fatura: € 0,39
Total de deduções à coleta considerados na liquidação: € 271,08 Total das Deduções sujeitas a limite (art.º 78): € 21,08
Limite: € 0,00
Ora, sendo o SIFIDE um benefício fiscal o mesmo é deduzido à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, mas fica sujeito à limitação referida.
Assim, por força da referida limitação, e da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no nº 1 do artigo 78.º do CIRS, apenas é possível deduzir à coleta o montante de € 978,92 (€ 1.000,00 - €21,08), referente aos benefícios fiscais, em concreto a dedução referente ao SIFIDE-RAM»
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Sendo, pois, o SIFIDE-RAM um benefício fiscal, o mesmo é deduzido à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do artigo 78º do CIRS, ficando sujeito à limitação acima referida (cf. nºs. 7 e 8 do artigo 78.º do CIRS).
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pelo que, por força dessa limitação, e da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no nº 1 do artigo 78.º do CIRS, não é possível deduzir à coleta a dedução referente aos benefícios fiscais, em concreto a dedução referente ao SIFIDE na totalidade.
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Nestes termos, as liquidações em causa mostram-se corretas e em conformidade com a lei, não havendo norma que permita satisfazer a pretensão do Requerente.
C) Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 30-12-2022 pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
O árbitro que constitui este tribunal foi designado pelo CAAD e aceitou tempestivamente a nomeação, a qual não foi objeto de impugnação.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-03-2023.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.
Por despacho arbitral de 20-04-2022 foi decidido dispensar, por falta de objeto, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, nenhuma das partes se tendo oposto a tal despacho
Por despacho arbitral de 25-04-2022, suprindo uma omissão involuntária de que enfermava o despacho arbitral de 20-04-2022, foi notificado o Requerente para se pronunciar, querendo, sobre as exceções alegadas pela Requerida, o que fez, por Resposta apresentada em 27-04-2022.
II - SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Foram invocadas as seguintes exceções que cumpre desde já apreciar e decidir:
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A exceção de falta de procuração;
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A exceção da incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação das liquidações num concreto montante e condenação da Requerida num concreto montante.
Quanto à exceção de falta de procuração:
A Requerida sustentou na sua Resposta a invocação desta exceção baseada no facto, aliás provado, de que o mandato judicial junto aos autos pelo Requerente não tinha sido conferido por ele, mas por parte ilegítima, a sociedade de que era sócio.
Nos termos do artigo 6.º do CPPT, aplicável ao processo arbitral por força do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos na lei processual administrativa. Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 11.º do CPTA, é obrigatória a constituição de mandatário nos termos do disposto no CPC. Após esta dupla remissão, conclui-se que, nos termos do artigo 40.º do CPC é obrigatória a constituição de advogado no processo arbitral.
Verificou-se, de facto, que a procuração junta inicialmente aos autos tinha sido passada pela Sociedade de que o Requerente é sócio. Porém, com bem assinalou a Requerida, a Sociedade não tinha legitimidade judiciária por não ser parte no processo, pelo que estava vedado ao Tribunal conhecer de mérito, devendo absolver-se a Requerida da instância, caso o Requerente não suprisse esta irregularidade processual.
Ora, o Requerente, atento e nos termos do disposto no artigo 48.º do CPC, veio juntar, no prazo concedido, mandato judicial conferido pelo requerente e com expressa ratificação do processado.
Termos em que, sanada a irregularidade processual, a exceção invocada é improcedente.
Quanto à exceção de incompetência material do tribunal:
Na tese defendida pela Requerida, o pedido formulado a final pelo Requerente não pode integrar a anulação de um concreto montante de imposto, maxime da totalidade do IRS anteriormente apurado e, bem assim, também não pode ser determinado pelo Tribunal o direito ao reembolso de um concreto montante, porquanto não só o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido, como a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento, no presente processo arbitral (cfr. artigos 49.º e 50.º da Resposta).
O pedido encontra-se formulado, no pedido de pronúncia arbitral, nos seguintes termos:
Termos em que se requer a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, mais devendo o mesmo ser julgado procedente, por provado, anulando-se, em consequência, o despacho de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, deduzida contra a demonstração de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2022..., respeitante ao período de tributação de 2020, no montante a pagar de € 147.077,98 (cento e quarenta e sete mil e setenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), da qual, após estorno com a liquidação anterior (liquidação n.º 2021...), não resultou qualquer montante de imposto a pagar ou a receber, e, bem assim, o mencionado ato de liquidação e, ainda, o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., o qual visa a concretização da decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa que antecede, tudo com as necessárias consequências legais, designadamente o reembolso ao requerente do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal.
O que coloca a questão de saber o que é que, afinal, vem pedido. De facto, pela sua extensão e descrição algo confusa, pode-se ficar na dúvida sobre o conteúdo substantivo do pedido, o que é suscetível de interferir na limitação do Tribunal "ao conhecimento do pedido".
Pode-se, no entanto, com segurança, deduzir que, num só parágrafo, são deduzidos vários pedidos, que, a benefício do rigor e da clareza processuais, haveriam de estar autonomizados. Este Tribunal densifica, para efeitos de decisão, o pedido, individualizando os vários pedidos nos seguintes termos:
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Pede-se a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (objeto imediato) e da anulação da liquidação n.º 2022..., emitida em resultado da apresentação de declaração de substituição, respeitante ao ano fiscal de 2020 (objeto mediato);
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Pede-se a anulação do ato de liquidação n.º 2022...;
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Pede-se a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o tribunal arbitral tem competência para apreciar a pretensão de "declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta". Por seu turno, e sob a epígrafe "objeto da vinculação", a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conhecida por "Portaria de vinculação ao CAAD", na alínea a) do artigo 2.º, exceciona da competência da jurisdição arbitral as "Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário".
Antecipa-se, desde já, que este Tribunal não comunga da opinião da Requerida segundo a qual vem pedida a anulação de uma determinada importância. Decorre claramente do pedido que o Requerente apenas indica o valor da liquidação cuja legalidade impugna, e que, atenta a causa de pedir, o que está em causa é a questão de saber se tem ou não direito à dedução integral do benefício do SIFIDE-RAM que a Requerida apenas considerou parcialmente, em decisão de indeferimento parcial de reclamação graciosa, e, aliás, bem revela distinguir na sua Resposta.
Ora, sobre as competências do Tribunal Arbitral tanto a doutrina como a jurisprudência já se pronunciaram. E, porque está de acordo com ela, este Tribunal conforma-se com a posição expressa no Processo Arbitral n.º 185/2022-T, de 3 de março de 2023, por ser a mais recente e, ainda, a mais compreensiva:
30 Primeiramente, cabe notar que é atualmente entendimento pacifico, tanto na Jurisprudência como na Doutrina, que os atos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – i.e., atos de segundo grau - poderão ser arbitráveis junto do Tribunal Arbitral, na condição de os mesmos terem apreciado a legalidade de um ato de liquidação de imposto – i.e., de um ato de primeiro grau.
31 A este respeito, cfr. o decidido na decisão arbitral proferida no processo nº 272/2014-T: “(...) a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do ato de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado”, concluindo que tal decisão de indeferimento é “(...) um ato lesivo suscetível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do ato primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” (realce nosso) .
32 Esta posição mereceu a adesão do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, defende que “embora na alínea a), do artigo 2.º, do RJAT, apenas se faça referência à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade dos atos de liquidação [...], essa competência estende-se também aos atos de segundo e terceiros graus (reclamação graciosa e recurso hierárquico, respetivamente) que apreciem a legalidade desses atos primários (atos de liquidação) (...)” (grifado nosso).
33 Também Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, sustenta que “(...) a apreciação da (i)legalidade de atos de indeferimento de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa – os ditos atos de segundo ou terceiro graus apreciáveis na estrita medida de terem, eles próprios, atendido à (i)legalidade do ato tributário de primeiro grau – diz respeito apenas aos casos em que o ato de indeferimento daqueles, é um ato expresso da Administração Tributária (...)”, concluindo que tal ato de indeferimento “(...) já será́ arbitrável, mas apenas e exclusivamente na parte que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação (...)” (realce nosso).
34 Resulta, deste modo, claro que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de atos de liquidação/(auto)liquidação de tributos – atos de primeiro grau - quando, num ato de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal ato (sublinhado nosso)
Nestes termos, o pedido de arbitragem da legalidade da liquidação n.º 2022... integra-se no âmbito da competência do Tribunal, pelo que, quanto a ele, não procede a invocada exceção de incompetência material.
Diferentemente, no que diz respeito ao pedido anulação do "ato de liquidação" n.º 2022..., feito "à cautela", o que se subentende como subsidiário em relação ao pedido anterior, deve afirmar-se a incompetência material do Tribunal Arbitral. Com os seguintes fundamentos:
Não se está perante um ato de liquidação em sentido próprio, embora na forma o possa aparentar, mas perante um ato de execução de uma decisão administrativa - a decisão de indeferimento parcial da reclamação que, contra o ato de primeiro grau, o Reclamante deduziu.
Tal como se escreveu no Acórdão do STA de 21-09-2022, tirado no Processo 01986/09.5BELRS:
Assim, quando o tribunal anula um ato tributário, a Administração Tributária também fica constituída no dever de substituir esse ato no prazo da execução da sentença, expurgando-o das invalidades identificadas na sentença. Desde que essas invalidades, pela sua natureza e conteúdo, não obstem à renovação.
O que significa que não estamos aqui perante o exercício de um poder administrativo de praticar um novo ato de liquidação, mas perante um dever de cumprir o julgado.
E se não estamos aqui perante o poder de praticar um novo ato no exercício de poderes administrativos também não se pode falar aqui do direito de liquidar tributos, mas do dever de respeitar as decisões transitadas, extraindo delas todos os seus efeitos legais.
Trata-se, portanto, de um ato de anulação que executa uma decisão administrativa, no âmbito de um procedimento que não é suscetível de ser qualificado como procedimento de liquidação - cfr. artigo 59.º do CPPT. E a anulação é ainda um ato jurídico pelo qual "a administração fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária individual superior à que decorre directamente da lei" (ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pp. 127).
Está-se, pois, no plano jurídico, perante um ato insuscetível de impugnação judicial, embora seja suscetível de "ação administrativa, designadamente para a condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a atos administrativos de indeferimento total ou parcial ...", nos termos do disposto na al. p), do n.º 1, do artigo 97.º do CPPT[1]. Isto é, a sindicabilidade jurisdicional do ato de revogação anulatório praticado para executar uma decisão administrativa, independentemente da forma que tal anulação revista, tem como meio próprio a ação administrativa especial.
Termos em que procede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da ilegalidade da "liquidação" n.º 2022..., independentemente da decisão que vier a ser proferida relativamente à invocada ilegalidade da liquidação n.º 2022... .
III - PROVA
A) Factos provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados, exclusivamente em função da prova documental efetuada, quer pelo Requerente, quer pela Requerida, os seguintes factos:
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O Requerente, A..., era, à data, sócio, com uma quota de 92,50% do capital, e exercia funções de sócio-gerente, da sociedade por quotas B..., LDA., titular do NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., E, ..., no Funchal, sociedade de profissionais sujeita ao regime da transparência fiscal consagrado no artigo 6.º do Código do IRC;
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No exercício de 2020 a Sociedade fez investimentos que considerou elegíveis para efeitos do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e, em 30 de julho de 2021, apresentou a sua candidatura ao Sistema de Incentivos Fiscais às I&D Empresarial na Região Autónoma da Madeira (SIFIDE-RAM), com referência ao exercício de 2020
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Por Ofício de 16 de fevereiro de 2022, foi a Sociedade notificada da Decisão de deferimento integral da candidatura apresentada, bem como da emissão da declaração a que se refere o número 1 do artigo 40.º do CFI, da qual decorre, concretamente, que pode “a Requerente beneficiar da dedução prevista no artigo 38.º do CFI, recomendando-se a atribuição de crédito fiscal no montante de 24.865,19 € (vinte e quatro mil oitocentos e sessenta e cinco euros e dezanove cêntimos)”;
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Em 27 de maio de 2021, o Requerente tinha apresentado a sua Declaração Periódica de Rendimentos sujeitos a IRS (Modelo 3), respeitante aos rendimentos do ano 2020, tendo declarado rendimentos imputados ao abrigo do regime da transparência fiscal no montante de €376.493,59 – respeitantes ao lucro tributável da Sociedade – e a respetiva percentagem de imputação – de 92,50%;
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Dessa declaração não constava, nem podia constar, o crédito de imposto a título de SIFIDE-RAM, uma vez que a respetiva candidatura ainda nem sequer tinha sido apresentada;
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Tal declaração, com que se iniciou um procedimento de liquidação nos termos legais, resultou a liquidação de um imposto a pagar no montante de 147.077,98 €, entretanto pago, mas que não se mostrava influenciado por crédito de imposto relativo a benefícios fiscais ao I&D.
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Em 9 de março de 2022, e após a aprovação da candidatura ao SIFIDE-RAM, o Requerente apresentou a Declaração Modelo 3 de IRS de substituição, incluindo o montante de € 23.000,30 (correspondente à percentagem de imputação de 92,5%) no campo 902, do Quadro 9 do Anexo D à Declaração, relativo a “deduções à coleta – benefícios fiscais (SIFIDE RAM)”, a título de benefícios fiscais decorrentes do SIFIDE;
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A liquidação subsequente apresentou um valor a pagar idêntico ao que tinha resultado da liquidação da primeira declaração periódica apresentada, isto é, sem refletir qualquer dedução por benefícios fiscais por investimento em I&D (SIFIDE);
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Inconformado, o Requerente apresentou em 31 de março de 2022 reclamação graciosa que veio a ser deferida apenas parcialmente, tendo-lhe sido, por via do despacho proferido, anulada a importância de 954,53 €;
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Por discordar da decisão proferida na reclamação graciosa, veio o Requerente deduzir o presente PPA, contestando a sua ilegalidade e, bem assim, a ilegalidade da liquidação que era objeto da reclamação graciosa.
b) Factos não provados
Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.
IV - O DIREITO
A) Dedução à coleta de benefício fiscal no âmbito de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal
A única questão de direito em debate, quanto à matéria de fundo, está em saber se a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), se encontra sujeita ao limite estabelecido na alínea c) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS quando haja lugar à imputação do rendimento tributável aos sócios de sociedades profissionais no âmbito do regime de transparência fiscal.
O signatário integrou o Tribunal coletivo constituído no Pedido de Decisão Arbitral n.º 93/2022-T, onde foi discutida idêntica questão de direito e, tendo votado a favor da decisão aí proferida, não vê razões, mesmo após apreciar a decisão proferida posteriormente no Processo n.º 432/2021-T, profusamente invocado pela Requerida, para alterar a sua posição.
Na verdade, mesmo antes de se atender especificamente às questões suscitadas pelo regime de transparência fiscal no que diz respeito aos seus sócios, pessoas singulares, sempre haveria de ter-se em conta a inadmissibilidade de discriminações negativas relativamente aos benefícios que consistem em dedução à coleta e que têm na origem rendimentos obtidos e integráveis em qualquer das categorias do imposto. Basta a constatação de que, se, em vez do benefício da dedução à coleta, o legislador tivesse consagrado uma isenção total ou parcial do rendimento, não haveria para esta qualquer limite[2]. Os limites, que, de resto, se afiguram contestáveis à luz dos princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade, impostos no IRS aos benefícios fiscais que consistem em deduções à coleta, conforme consagrado no artigo 78.º do respetivo código, integram-se sistemática e objetivamente na fase sintética do imposto e, em nosso entender, na sua dimensão de imposto pessoal, tendo substituído a anterior pessoalização de imposto que se traduzia nos "abatimentos ao rendimento líquido total", operando, assim, ao nível da determinação da matéria coletável. Os benefícios ali referidos são, pois, por natureza, os que não têm a ver com o elemento objetivo do facto tributário, mas tão só com o seu elemento subjetivo.
Não tem, pois, razão a Requerida quando coloca o epicentro da sua interpretação do artigo 78.º do Código do IRS na literalidade das deduções por benefícios fiscais e nestes engloba quer aqueles que têm natureza eminentemente pessoal, quer aqueles que exclusivamente se relacionam com a obtenção de rendimentos tributáveis ou suscetíveis de o serem. É uma interpretação que não atende à natureza estruturalmente dual do IRS que, sendo, por um lado, um imposto pessoal, e, por outro, um imposto sobre o rendimento, pode ter, e tem, benefícios fiscais nessas duas dimensões. O que, inclusivamente, poderia suscitar a questão da sua inconstitucionalidade o que, não obstante, se não suscita.
Assim, vai adotar-se, por transcrição, a fundamentação jurídica da referida decisão proferida no Processo n.º 93/2022-T:
A Autoridade Tributária, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não põe em causa que a sociedade realizou despesas de investigação e de desenvolvimento no âmbito do SIFIDE II, no período de tributação de 2019, e reconhece que há lugar a um crédito fiscal no montante de € 247.500,00, apurado nos termos do artigo 38.º, n.º 1, do CFI, que é imputado aos Requerentes na qualidade de sócios da sociedade que efetuou o investimento, na proporção da sua participação social, e é dedutível ao montante apurado com base na matéria coletável, nos termos do n.º 5 do artigo 90.º do CIRC.
O que se discute é se a dedução à coleta que assim deva efetuar-se é influenciada pelo disposto no artigo 78.º, n.º 1, alínea k), e n.º 7, alínea c), do Código do IRS, disposições essas que determinam que a soma das deduções à coleta relativa a benefícios fiscais não podem exceder, para os contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao último escalão a que se refere o artigo 68.º, o montante de € 1000,00.
Importa começar por ter presente o regime de transparência fiscal que se encontra regulado no artigo 6.º do Código do IRC, e que, na parte que mais interessa considerar, estabelece o seguinte:
1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
(...)
b) Sociedades de profissionais;
(…)
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais:
1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade;
(…).
O regime especial de tributação caracterizado pela transparência fiscal, para além dos objetivos de combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, tem essencialmente em vista assegurar a neutralidade fiscal relativamente à forma jurídica sob a qual a atividade da sociedade é desenvolvida e que é alcançada através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, quer sejam pessoas singulares ou coletivas, tal como se exercessem diretamente a atividade.
Através da imputação da matéria coletável aos sócios, por efeito do regime de transferência fiscal, a sociedade não é tributada em IRC, mas sim nas pessoas dos seus sócios, em sede de IRC ou de IRS, consoante se trate de pessoas coletivas ou singulares.
No entanto, ainda que o rendimento dos sócios da sociedade sujeita a transparência fiscal, que sejam pessoas singulares, seja tributado na sua esfera jurídica em sede de IRS como rendimento líquido da categoria B (artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS), a matéria coletável é determinada nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, que regula não só os termos em que se processa a liquidação, com base na obrigação declarativa do sujeito passivo (n.º 1), como especifica as deduções que podem ser efetuadas ao montante apurado, aí se incluindo as relativas a benefícios fiscais (alínea c) do n.º 2). Acrescentando o n.º 5 desse mesmo artigo 90.º que as deduções à coleta referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º «são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo».
De onde resulta, com evidência, que as deduções ao montante apurado, em que se inclui os benefícios fiscais, são efetuadas de acordo com as regras do Código do IRC, e, especialmente, tendo em atenção as referidas disposições do artigo 90.º (cfr., neste sentido, Manual de IRC, edição da Autoridade Tributária e Aduaneira, Direção de Serviços de Formação) Lisboa, 2016).
É o que se depreende, aliás, do disposto no artigo 6.º do Código do IRC, há pouco transcrito, onde se consigna que é imputada aos sócios «a matéria coletável, determinada nos termos deste Código», ou seja, nos termos do Código do IRC, ainda que passe a integrar o rendimento tributável dos sócios, para efeitos de IRS, quando se trate de pessoas singulares.
Nas deduções à coleta no âmbito do regime de transparência fiscal, regulado no Código do IRC, não tem, por isso, aplicação o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS, que se refere às deduções à coleta em sede de IRS.
Nem é viável, no plano da hermenêutica jurídica, que o apuramento do imposto venha a ser efetuado através da conjugação de disposições que pertencem a diferentes blocos normativos, que respeitam a diferentes tributos e têm um âmbito de aplicação distinto.
Acresce que o próprio CFI, que regula o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento, esclarece, no seu artigo 38.º, que o valor correspondente às despesas pode ser deduzido ao montante da coleta do IRC, apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC (n.º 1), e a dedução é feita nos termos do artigo 90.º do Código do IRC (n.º 3).
Não pode subsistir dúvida, por conseguinte, que as deduções à coleta, no âmbito do regime de transparência fiscal, são efetuadas nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e, em especial, de acordo com o seu n.º 5, não tendo qualquer aplicação ao caso o regime de deduções à coleta em IRS.
O pedido arbitral mostra-se ser, por conseguinte, procedente. Considerando, no entanto, que a causa de pedir se funda exclusivamente na desconsideração da dedução à coleta do benefício fiscal, a anulação dos atos tributários tem por base o montante dedutível, líquido da parte já anulada, tal como resulta da alínea g) da matéria de facto, e não os montantes totais a pagar que constam das liquidações.
B) Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar à restituição do imposto indevidamente pago, por não ter sido feita na sua totalidade a dedução à coleta pelo benefício fiscal do SIFIDE-RAM a que tinha direito.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
V – Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação n.º 2020..., referentes a IRS de 2020, na parte em que desconsiderou parcialmente a dedução à coleta no montante de € 22.021,38 relativamente ao Requerente, e, bem assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida;
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Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 22.021,38 € o valor da causa, indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 € nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 11 de maio de 2023
O Árbitro Singular,
Manuel Faustino
[1] A denominada pelo Requerente "liquidação de IRS n.º 2022... ", que à cautela, também impugna, não tem a natureza tributária de ato de liquidação de imposto ou de "ato tributário" em sentido estrito, mas de "ato de revogatório de anulação" emitido em cumprimento de decisão administrativa anterior, como, aliás, consta da respetiva fundamentação (cfr. Doc. 3). Aliás, e contrariamente ao que sucede na demonstração da liquidação enviado pela AT relativamente às liquidações a que subjaz sempre um facto tributário, não se indicam naquela os meios de defesa e o prazo para reagir contra o ato, o que constituiria violação do disposto no n.º 2 do artigo 36.º do CPPT. Com efeito, o seu fundamento não é a prática de um ato tributário na sequência da verificação de um facto tributário, mas a prática de um ato de execução de decisão (administrativa ou judicial) que determina a anulação de liquidação anterior, ou seja, um ato meramente instrumental a que, causando naturais dúvidas quando à sua natureza, a AT recorre para executar uma decisão administrativa ou uma decisão judicial (execução de julgados).
[2] Esta é apenas uma forma de expressão. Reconhece-se a legitimidade da imposição de limites, desde que determinados em função da coleta imputável aos rendimentos que estão na origem dos benefícios. Esse é, aliás, o modelo adotado no IRC. Porém, este é um imposto que trata sinteticamente o rendimento e que não tem preocupações, muito menos de natureza constitucional, em "pessoalizar ou personalizar o imposto".