Sumário:
I - O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC consagra uma presunção legal, que, nos termos do artigo 73.º da LGT, pode ser ilidida;
II - Atento o princípio da equivalência consagrado no artigo 1.º do Código do IUC, o sujeito passivo do imposto não deve ser o proprietário formal do veículo, mas sim o seu efectivo proprietário;
III - Os contratos de locação com opção de compra ou o contrato de compra e venda acompanhados da emissão de factura na forma legal a titular a transmissão do veículo constituem prova suficiente para comprovar a transmissão de veículos automóveis sujeitos a registo.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Hélder Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 3 de Abril de 2023, acorda no seguinte:
I. Relatório
A A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., ... –..., ...-... Carcavelos, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral no dia 26 de Janeiro de 2023, o qual foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), na qualidade de Requerida.
A Requerente contesta a legalidade de 39 (trinta e nove) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (“IUC”) identificados numa listagem que junta como Anexo A ao pedido de pronúncia arbitral, pedindo que o respectivo conteúdo se dê por integralmente reproduzido, emitidos pela AT relativamente a 39 (trinta e nove) veículos automóveis igualmente discriminados no mencionado Anexo A, respeitantes ao ano de 2021, no montante global de € 3.838,10; e, bem assim, da ilegalidade dos actos de indeferimento de 3 (três) recursos hierárquicos apresentados contra os referidos actos de liquidação.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. Em 13 de Março de 2023, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 3 de Abril de 2023.
No dia 5 de Maio de 2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
Através de despacho de 9 de Maio de 2023, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para indicar os factos que entende controvertidos, essenciais para o objecto do pedido e passíveis de prova testemunhal. A Requerente nada indicou.
Através de despacho de 25 de Maio de 2023, o Tribunal Arbitral após um exame preliminar da documentação existente e da profusa explanação da posição das Partes, dispensou a audição das duas testemunhas indicadas, bancárias de profissão, e a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, tendo fixado o prazo para prolação da decisão arbitral.
Posição da Requerente
A Requerente começa por referir que, embora os actos de liquidação tenham sido dirigidos ao “Banco B..., S.A.”, com o número de pessoa colectiva ..., é a Requerente (“A..., S.A. – Sucursal em Portugal”) que detém legitimidade para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, pois, na sequência de uma reorganização societária intra-grupo, o Banco B... S.A., fusionou-se com a sociedade D... S.A., através de uma fusão sem liquidação. Assim, a partir de 1 de Outubro de 2021, passou a ser uma sucursal do D..., S.A., ... Grupo C..., Avenida ... Madrid, Espanha, registada junto do Registo Mercantil de Madrid F. (hoja) M-..., L. (tomo)..., F. (folio) ..., CIF A-..., e a utilizar a designação de A... S.A. - Sucursal em Portugal, com sede em Rua ... ..., Portugal, com o NIPC..., registada no Banco de Portugal com o número ... e junto da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões com o número OV... .
Em seguida, a Requerente sustenta a possibilidade de cumulação de pedidos nos termos em que a apresentou, considerando a identidade de factos tributários, de factualidade relevante e da fundamentação jurídica, assim como do Tribunal Arbitral competente para a decisão, e atendendo ainda ao significativo número de viaturas automóveis e ao volume de documentação necessária para comprovar os factos alegados. Com efeito, nos termos do artigo 3.º do RJAT e do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), verificam-se os pressupostos da cumulação, sendo de admitir o pedido nos termos em que o mesmo foi formulado.
Quanto à questão de fundo, a Requerente defende que a AT, ao proceder às liquidações impugnadas, se baseou na informação constante do registo automóvel, a qual não seria actual nas datas da exigibilidade do IUC (datas de aniversário das viaturas) por as mesmas já terem sido alienadas. Por outro lado, sustenta que a função do registo é meramente publicitária, não sendo o registo constitutivo de factos. Por isso mesmo, a presunção que dele decorre pode ser ilidida mediante prova em contrário. Mais concretamente:
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não subscreve o entendimento de que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC estabeleça uma presunção (in)lidível de incidência subjetiva do imposto com base tão-só no registo automóvel, desde logo, porque nem os efeitos do registo automóvel nem tão-pouco o princípio da equivalência apontam nessa direcção, mas também porque esta “proposta” hermenêutica não se coaduna com os elementos gerais da interpretação das leis, nos termos dos artigos 11.º da LGT e 9.º do CC;
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o registo de propriedade automóvel não é condição de eficácia do contrato de compra e venda do veículo, mas tem somente eficácia declarativa (mesmo quando confrontada com a nova redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC);
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decorre do princípio da equivalência que o sujeito do passivo do imposto deverá ser o real proprietário do veículo e não o proprietário registado, uma vez que será o primeiro que causa os custos ambientais e viários que este tributo comutativo visa compensar;
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desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular esta matéria, até ao Decreto-Lei n.º 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o Código do IUC aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, com a última alteração introduzida pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, a legislação fiscal teve, desde sempre, o objectivo de tributar o verdadeiro e efectivo proprietário e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma outra expressão que, como vimos, têm no ordenamento jurídico português um sentido coincidente;
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se o artigo 73.º da LGT prevê que as presunções relativas a normas de incidência tributária são sempre ilidíveis – “admitem sempre prova em contrário” –, então, o único desfecho possível é o de que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC é uma presunção juris tantum, portanto, ilidível;
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a conjugação do n.º 1 do artigo 3.º com o n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Código do IUC, nos termos da qual o facto gerador do imposto seria constituído pela propriedade do veículo automóvel, levada ao extremo, provocaria situações absurdas, sendo certo também que o mesmo diploma legal contém normas que também apelam a realidades “não registadas”;
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o artigo 215.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, que veio aditar o artigo 17.º-A do Código do IUC sob a epígrafe “[e]feitos fiscais da regularização da propriedade”, apenas aplicável às transmissões de veículos automóveis ocorridas em ou após o dia 1 de Janeiro de 2015, mais não fez do que uma “clarificação” das normas de incidência subjectiva do IUC;
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nos processos n.º 333/2018-T, 236/2019-T e 740/2016-T, os tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD reconheceram que “(...) o registo do direito de propriedade de um veículo tem um efeito meramente declarativo e não constitutivo de qualquer direito registado, pelo que se configura como uma presunção da existência do direito, nos termos em que se encontra registado, que pode ser ilidida, ou seja, admite a prova em contrário. Com efeito, conforme referido na Decisão Arbitral n.º 16/2018-T, «o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo (...), admitindo (...) contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência exemplificativamente assinalando-se os Acórdãos do STJ nos 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008»” e que “(...) ao não admitir que a presunção constante do artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação é ilidível, estar-se-ia a desrespeitar o princípio da equivalência. Assim sendo, também de acordo com este elemento, o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC é interpretado no sentido de estar em causa uma verdadeira presunção juris tantum», logo a «questão da semântica em nada altera o sentido interpretativo desta norma» no sentido de consagrar uma presunção que admite prova em contrário. (...)”.
Sobre a questão do valor probatório das facturas, sustenta que a jurisprudência arbitral se pronunciou sobre a viabilidade, suficiência e concludência da factura para comprovar a transferência de propriedade.
Posição da Requerida
Em resposta a Requerida contrapõe, em síntese, que:
A regra da incidência subjectiva, no Código dop IUC, encontra-se tipificada no artigo 3.º do Código do IUC, cuja redacção já sofreu alterações e cujo enquadramento importa considerar, porquanto se manifesta relevante na análise e compreensão desta questão, pelo que importa ter presente o escopo do regime instituído com a reforma da tributação automóvel, levada a efeito pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, que aprovou o Código do IUC, abolindo os anteriores impostos que vigoravam sobre os veículos automóveis.
Com a entrada em vigor do Código do IUC alterou-se de forma substancial o regime da tributação dos veículos, passando a propriedade, tal como atestada pelo registo, a ser o elemento definidor das regras de incidência, independentemente do uso ou fruição do veículo.
Nesse sentido o imposto passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos.
Considerando a sistemática do imposto, nomeadamente o âmbito da incidência subjectiva e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto, verifica-se que o legislador quis expressa e intencionalmente, e no âmbito da sua liberdade de conformação legislativa, criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.
O registo automóvel manifesta-se como um elemento determinante em todo o imposto, relacionando-se com o facto gerador, com a conexão fiscal, com o início do período de tributação e bem assim com todos os elementos essenciais e atinentes à liquidação do imposto.
A tributação automóvel tem uma referência directa e necessária ao sistema registal português, dado que o legislador entendeu não proceder à criação de uma base própria da qual constasse um registo de veículos e respetivos proprietários para efeitos tributários, como acontece, por exemplo, no Código do IMI, quando no artigo 12.º, n.º 5 se estabelece que “as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”, bem como no artigo 8.º, n.º 4 ao considerar que “presume-se proprietário (...), para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz (...)”.
Ao invés, promoveu-se o recurso ao registo automóvel português, tal como se encontra regulado em legislação e cadastro próprio, definindo-o como um elemento estruturante da tributação em que com base no elemento registal é concretizado um dos elementos essenciais atinentes à liquidação do imposto – a determinação do sujeito passivo do imposto por referência ao sujeito activo do registo.
A base de dados cadastral para efeitos de IUC, no que concerne particularmente aos veículos
automóveis terrestres, é assim constituída pelos elementos fornecidos pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (“IRN”), através das suas Conservatórias de Registo Automóvel (“CRA”), enquanto entidade competente, em exclusivo, para o registo, conservação e actualização da propriedade dos veículos automóveis (cf. n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 129/2007), em simultâneo com os elementos fornecidos pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (“IMT”), a quem compete a gestão do registo nacional de matrículas, nos termos do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 128/2006, de 5 de Julho.
Esta base de dados de veículos da AT que tem como fundamento e objectivo a liquidação e cobrança de imposto é, um reflexo desta opção legislativa de fazer assentar a tributação em sede de IUC no registo e não em cadastro próprio, onde se pode concluir que, para efeitos tributários, não é atribuída à AT, nos termos da lei, qualquer competência relativamente à gestão das matrículas ou registos de veículos.
No que refere à matéria do registo automóvel, não se coloca em causa que este constitui uma presunção de que o direito registado, na amplitude e com o conteúdo em que o foi, existe na titularidade do sujeito que consta do registo [cf. artigo 7.º do Código do Registo Predial (“CRP”), aqui aplicável supletivamente por força do artigo 29.º do Código de Registo Automóvel (“CRA”)].
E que essa presunção é ilidível, podendo o facto inscrito ser infirmado e ilidido mediante prova em contrário.
Contudo, tal presunção deve ser ilidida em sede própria, no âmbito registal e, aí ilidida, terá consequências a jusante no domínio tributário, pelo que não é irrelevante à AT a presunção do registo nem a sua ilisão, como a Requerente quer fazer crer.
Com efeito, esta presunção não contende directa e imediatamente com as normas de incidência subjectiva do imposto, ainda que, nela se repercutam os seus efeitos.
Também, não significa que se coloque em causa, quer a natureza declarativa do registo, quer os seus efeitos, nomeadamente, a condição de eficácia, pois, mesmo admitindo que do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, no âmbito tributário o legislador quis que a incidência subjectiva de IUC fosse aferida pela inscrição do titular do direito de propriedade no registo automóvel, tomando esta inscrição como uma realidade evidente assente na fé pública emanada pelo registo.
Nesse sentido, a não actualização desse registo, que é obrigatório nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera do sujeito passivo de IUC, e apenas nela.
A verdade é que, a Requerente poderia ter-se socorrido dos instrumentos legais ao seu dispor para promover a atualização dos registos de propriedade, caso assim o entendesse, o que não fez.
Sendo o facto gerador do imposto constituído pela propriedade do veiculo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional, cf. artigo 6.º do Código do IUC, e estabelecendo o legislador de forma inequívoca e clara, que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, em nome das quais os mesmos se encontram registados, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, não restava outra alternativa à AT senão liquidar o imposto em causa, pois é na ora Requerente que se verifica o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objectiva e subjetiva (artigos 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1 do Código do IUC).
No que respeita ao princípio da equivalência, invocado pela Requerente para afastar a incidência subjetiva sobre si, entende a Requerida que este principio não tem a amplitude que pretende, pois trata-se de uma norma de carácter programático, sem carácter vinculativo, tal como foi referido por A. Brigas Afonso e Manuel Fernandes, “o princípio da equivalência, que agora impregna a fiscalidade automóvel, vai valendo como norma programática e como referencial que ajuda o decisor político a legitimar a tributação especial neste importante sector económico.”.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, conforme previsto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
A acção é tempestiva e o processo não enferma de nulidades.
Quanto à cumulação de pedidos efectuada pela Requerente, considerando a existência de uma relação directa entre as liquidações tributárias cuja legalidade é questionada no presente processo, nada obsta à apreciação conjunta dos actos tributários em causa, dado que, em face do que vem alegado e da documentação junta, se constata que, no essencial, a eventual procedência do pedido depende das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das normas legais relativas à incidência subjectiva do IUC. Assim, estará em causa essencialmente a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a aplicação das mesmas normas legais acerca da incidência subjetiva do IUC, sendo legal a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º do RJAT e 104.º do CPPT.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
A Requerente é uma instituição de crédito que se dedica à actividade de locação financeira automóvel.
Para o desenvolvimento dessa actividade, celebra contratos com os seus clientes que obedecem a um guião comum, próprio deste tipo de financiamentos.
Depois de contactada pelo cliente – que, nessa fase, escolheu já o tipo de veículo automóvel que pretende adquirir, as suas características (marca, modelo, acessórios, etc.), e inclusive o seu preço – adquire a viatura ao fornecedor que lhe for indicado pelo cliente, e procede, de seguida, à sua entrega ao cliente, que, então, assume a qualidade de locatário.
De acordo com cada um destes contratos, o financiamento concedido ao locatário pela Requerente é restituído em prestações mensais, sob a forma de rendas.
Uma vez liquidadas as rendas, e assim alcançado o termo do correspondente contrato, o locatário tem o direito de adquirir o bem locado mediante o pagamento do valor residual da viatura automóvel, acrescido de despesas e IVA.
Os veículos automóveis catalogados no documento identificado como Anexo A e junto com o pedido de pronúncia arbitral foram, sem excepção, objeto de contratos de aluguer de longa duração (“ALD”) ou de locação financeira (“LSG”) celebrados entre a Requerente e os clientes ali identificados (cf. contratos juntos com o pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 1 a 39).
No final dos contratos, foram emitidas as facturas de venda aos clientes para pagamento do valor residual do bem locado, acrescido de despesas e IVA (cf. documentos n.ºs 40 a 78 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
A Requerida liquidou IUC relativo ao ano de 2021 sobre vários veículos automóveis que foram detidos pela Requerente.
A Requerente efectuou o pagamento das liquidações.
Os veículos que deram origem a liquidações de IUC em causa neste processo e que constam da listagem reproduzida no Anexo A junto com o pedido de pronúncia arbitral já tinham sido alienados pela Requerente na data em que ocorreu o facto gerador do imposto.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal Arbitral que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
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DO DIREITO
A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se os factos alegados e a prova sobre eles realizada pela Requerente consubstanciam motivos de exclusão de incidência subjectiva de imposto e se, em consequência, se se deve considerar que os atos impugnados enfermam de erro sobre os pressupostos do facto tributário, o que consubstanciaria um vício de violação de lei determinante da respectiva anulação, com as consequências legais de restituição do imposto e dos juros pagos.
A Requerente fundamenta o seu pedido no argumento de não se encontrarem preenchidos os pressupostos de incidência subjetiva previstos no artigo 3.º do Código do IUC porque, nas datas da exigibilidade do IUC respeitante às viaturas em causa, já não era a proprietária dos veículos em questão, por já os ter vendido a anteriores locatários.
Sustenta que as vendas das viaturas ocorreram na data da emissão das facturas que junta ao processo e que esses documentos provam que os veículos sobre os quais incide o IUC já tinham sido alienados na data em que o facto gerador do imposto se verificou.
Entende a AT que a matriz em que foi fundado o IUC, mantém-se desde a aprovação do Código, pela Lei n.º 22-A/2007, de 30 de Junho, que aprovou a Reforma da Tributação Automóvel independentemente das alterações que, entretanto, ocorreram nas normas que o constituem e regulam a cobrança do imposto, nomeadamente a alteração da norma de incidência subjetiva do imposto. E no que concerne à alteração do artigo 3.º do Código do IUC, a mesma não resulta numa qualquer mudança no paradigma da tributação automóvel baseada no registo, mas apenas numa clarificação da norma, visto que a mesma suscitou, à época, algumas dúvidas quanto à possibilidade de se estar perante uma presunção legal de incidência e como tal susceptível de ser ilidida. Contudo, tal presunção deve ser ilidida em sede própria, no âmbito registal e, aí ilidida, terá consequências a jusante no domínio tributário, pelo que não é irrelevante à AT a presunção do registo nem a sua ilisão, como o Requerente quer fazer crer.
Vejamos.
À data dos factos geradores do imposto liquidado através das liquidações impugnadas, o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC estabelecia que:
“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.” [1]
A questão que se discute a propósito desta norma – e que já se discutia face à redacção anterior – é se a mesma consagra uma presunção ilidível ou inilidível de propriedade do veículo automóvel para efeitos de tributação.
Uma segunda questão relevante neste processo é a se saber se, admitindo-se que a norma em questão admite prova em contrário, essa prova pode, ou não, ser realizada através das facturas e contratos juntos pela Requerente.
Nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”. Por outro lado, o n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil esclarece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.
Ora, quanto à questão de saber se o artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC consagra uma presunção ilidível ou inilidível, não vemos que se possa olvidar ou, de qualquer outra forma, ignorar, o disposto no artigo 73.º da LGT, que estabelece claramente que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Tratando-se a norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC de uma norma de incidência tributária, outro entendimento senão o de que a mesma prevê uma presunção ilidível seria claramente contrário aos princípios que regem a relação jurídica fiscal.
Quanto ao elemento histórico, importa referir que o Código do IUC teve a sua génese na criação, através do Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de Dezembro, do imposto sobre veículos, o qual já consagrava expressamente que o imposto era devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontram matriculados ou registados. Por outro lado, o artigo 2.º do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou coletivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.
É certo que a última alteração introduzida no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC potenciou (ainda mais) a discussão sobre se a presunção nela consagrada é, ou não, suscetível de ser ilidida através de prova em contrário – ainda para mais conhecendo-se o debate que antecedeu a respetiva consagração em texto legal. Contudo, a partir do momento em que a norma se insere num conjunto normativo onde se prevê, inequivocamente, que todas as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, não há outra forma adequada de interpretar o texto legal que não seja a de entender que o mesmo contempla uma presunção ilidível. Para tanto basta sabermos o que é uma presunção – nos termos do Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – e sabermos reconhecer no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC uma norma de incidência tributária – facto que nem a AT discute.
Como afirmam DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, na anotação ao n.º 3 do artigo 73.º da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.
Quanto ao elemento teleológico, importa referir que o princípio estruturante da reforma da tributação automóvel é justamente o da incidência da tributação sobre o verdadeiro utilizador do veículo, não se coadunando este princípio com a leitura “cega” da letra da lei, que poderia levar, afinal, a tributar quem não fosse proprietário e, dessa forma, quem não fosse o sujeito causador do “custo ambiental e viário” provocado pelo veículo, a que alude o artigo 1.º do CIUC. Donde, a interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC à luz da relevância legalmente, constitucionalmente e até no âmbito do Direito da União Europeia, conferida ao princípio da equivalência não comporta a tributação, em IUC, do locador que, enquanto proprietário formal do veículo, não tem, consequentemente, qualquer potencial poluidor, o que significa que os danos advenientes para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis devem ser assumidos pelos seus reais utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.
Assim, quanto à incidência subjectiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de Circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel.
Nesta conformidade, considerando os elementos de interpretação da lei referidos, somos conduzidos à conclusão de que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, consagra uma verdadeira presunção de propriedade e não qualquer ficção, sendo, por isso, tal presunção ilidível. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo.
Cumpre ainda atender, na presente análise, ao valor jurídico do registo automóvel. Assim, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo da Propriedade Automóvel, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Acrescenta ainda o artigo 7.º do Código do Registo Predial que “o registo definitivo constituiu presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. O registo de propriedade automóvel não tem, portanto, natureza constitutiva, mas meramente declarativa, permitindo apenas a inscrição no registo presumir a existência do direito e a sua titularidade. Logo, a presunção resultante do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário. E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408.º do Código Civil, salvas as excepções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente da inscrição no registo.
Em suma, o registo automóvel, na economia do Código do IUC, representa mera presunção ilidível dos sujeitos passivos do imposto. No caso de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, não prevendo a lei qualquer excepção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo; do mesmo modo, o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal.
De notar, ainda, que as transmissões efectuadas são oponíveis à Requerida, apesar do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.”. A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no n.º 4 do mesmo artigo 5.º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT. Assim, a AT não é terceiro para efeitos de registo.
Em consequência do que antecede, o proprietário registado de um automóvel pode fazer prova, para efeitos de tributação em sede de IUC, de que já não é o proprietário efectivo do veículo em causa, nomeadamente por ter procedido à respectiva venda. Para tanto, importa ter-se presente que estamos perante contratos de compra e venda que, sendo relativos a coisas móveis e não estando sujeitos a quaisquer formalismos especiais nos termos do artigo 219.º do Código Civil, operam a correspondente transferência de direitos reais nos termos do n.º 1 do artigo 408.º do mesmo Código.
Quanto ao ónus da prova, não restam dúvidas quanto ao “quem”, sendo ao sujeito passivo que cabe apresentar meios idóneos para promover a prova necessária ao afastamento da presunção. Cabe-lhe a “prova do contrário”, ou seja, a prova de que não era o proprietário à data do facto tributário. Em segundo lugar, quanto ao “como”, o sujeito passivo da relação jurídica tributária pode lançar mão do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pode utilizar o procedimento de reclamação graciosa ou a impugnação judicial, sendo o processo arbitral, nos termos da lei, um meio processual idóneo para ilidir as presunções constantes das normas de incidência tributária.
Nos termos do disposto nos artigos 219.º e 408.º, n.º 1, do Código Civil, os contratos de compra e venda de automóveis têm uma base consensual e não estão sujeitos a formalismos especiais. Por outro lado, a propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (cfr. o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro). A obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador - o sujeito ativo do facto sujeito a registo (cfr. o artigo 8.º-B, n.º 1, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, conjugado com o artigo 5.º, n.º 1, alínea a), deste último diploma). No entanto, o Regulamento do Registo Automóvel contém um regime especial, em vigor desde 2008, para entidades que, em virtude da sua actividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis. Segundo esse regime, que se encontra estabelecido no artigo 25.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 55/75, de 12 de Fevereiro (na redação do Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro), o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio.
O afastamento da presunção legal resultante do registo obedece à regra constante do artigo 347.º, do CC, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova – a qual se destina a lançar a dúvida sobre os factos (cfr. o artigo 346.º, do CC) – ela tem de demostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.
Ora, a factura é um documento contabilístico elaborado internamente numa empresa, de acordo com as prescrições constantes do artigo 36.º do Código do IVA e respetiva legislação complementar, válida para titular diversas operações com relevância fiscal [cf. o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IRC, alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º e artigo 36.º do Código do IVA e artigo 115.º do Código do IRS] e que se destina à contraparte numa transmissão de bens ou prestação de serviços, mas que também serve para outros efeitos, nomeadamente, junto da AT, para efeitos de liquidação de impostos. Portanto, a menos que se demonstre a sua falsidade, as facturas presumem-se válidas para todos os efeitos legais e constituem prova da transacção, ou seja, da compra e venda efectuada.
Nestes termos, os documentos juntos aos autos – e que serviram de base à matéria de facto provada – constituem um meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC em que se fundamentam as liquidações tributárias cuja anulação é peticionada nestes autos. Além disso, gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida pelo artigo 75.º, n.º 1 da LGT, tendo, assim, idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efectuadas com base no registo automóvel.
Face ao quadro jurídico aplicável e à prova produzida, conclui este Tribunal Arbitral que a Requerente não era realmente proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço na data em que ocorreu o facto gerador do IUC liquidado em relação ao exercício de 2021, por ter transferido, à data em que era devido o respetivo IUC, a propriedade dos veículos, nos termos previstos na lei civil.
Em consequência, as liquidações impugnadas, assim como o indeferimento dos recursos hierárquicos apresentados, afiguram-se ilegais, padecendo do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes, pelo que se impõe a sua anulação e, consequentemente, a restituição à Requerente, pela AT, das importâncias pagas indevidamente.
É verdade, também, que, atentos os comandos legais que estabelecem a incidência subjectiva do IUC, bem como a sua exigibilidade e os meios ao dispor da AT para recolher informação quanto à titularidade de veículos automóveis, quando esta procedeu à realização das operações de liquidação de IUC, se limitou a aplicar a lei com base nos dados constantes no sistema de informação do registo automóvel, sendo que os veículos automóveis sobre os quais incidiu o IUC estavam registados em nome da Requerente. Com efeito, no que ao registo automóvel diz respeito, a AT não dispõe de qualquer outra fonte de informação que lhe permita conhecer a transferência ou transmissão de propriedade dos veículos automóveis, daí que exista uma directa e estreita articulação funcional entre o registo da propriedade automóvel e os procedimentos de liquidação do IUC. Contudo, também tem que se referir que, quando o sujeito passivo lança mão do processo administrativo, a AT tem aí oportunidade para escrutinar a documentação junta para prova da transferência de propriedade pelo que, a partir desse momento, deixa de ser relevante a anterior limitação no acesso à informação para efeitos de realização (ou correção) das operações de liquidação do imposto. Esta questão temporal é relevante para efeitos da decisão quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, importa referir que estes são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (n.º 1 do art.º 43.º da LGT). Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral.
O pagamento dos juros indemnizatórios pressupõe que o imposto objecto das liquidações colocadas em crise tenha sido pago, o que se verifica no presente processo. Contudo, quanto ao erro que determina o pagamento de juros indemnizatórios, deve reconhecer-se que, quando a AT procedeu à realização das liquidações de IUC aqui em causa, o fez em observância das normas de incidência previstas na lei e tendo em conta os factos conhecidos e emergentes do registo da propriedade automóvel. Nesse momento, não podemos dizer que tenha havido erro da parte da AT. É apenas na sequência das reclamações graciosas apresentadas pela Requerente contra as liquidações de IUC aqui controvertidas que a AT tem a oportunidade de verificar a prova produzida pela Requerente. O facto de a AT não ter considerado, relativamente aos veículos cujo registo de propriedade continuava a favor da Requerente, que era possível a esta ilidir a presunção legal prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC através dos meios de prova que apresentou, esse sim, é um erro gerador de responsabilidade, concretizada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT. Deste modo, e na linha da jurisprudência constante dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferidos no processo n.º 0926/17, de 6 de Dezembro de 2017, e no processo n.º 0250/17, de 3 de Maio de 2018, deve a AT, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, proceder ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em relação a cada uma das liquidações de IUC do ano de 2021, desde a data do despacho de indeferimento das respectivas reclamações graciosas até à data do processamento da respectiva nota de crédito (n.º 5 do art.º 61.º do CPPT).
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Decisão
Em face do exposto, acorda deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido arbitral de anulação dos actos tributários relativos a IUC liquidado com referência ao ano de 2021, no valor total de € 3.838,10;
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Julgar procedente o pedido de anulação dos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos apresentados;
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Determinar a restituição à Requerente do montante de imposto indevidamente pago;
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Determinar o pagamento à Requerente de juros indemnizatórios desde a data dos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos até à data do processamento da respectiva nota de crédito,
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Determinar que seja a Requerida a suportar as custas deste processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 3.838,10 (três mil, oitocentos e trinta e oito euros e dez cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Junho de 2023
O árbitro,
Hélder Faustino
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] A redação anterior era a seguinte:
“1 -São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”.