Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 625/2022-T
Data da decisão: 2024-03-01  IMI  
Valor do pedido: € 39.858,86
Tema: IMI – Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Ato de fixação da matéria tributável. Tempestividade. – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
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Requerente:A..., S.A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Na sequência do acórdão tirado no Proc. nº. 86/23.0BALSB proferido em 24 de janeiro de 2013 pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e transitado em julgado em 8 de fevereiro de 2014, procede-se à pronúncia de nova decisão arbitral.

 

 

SUMÁRIO:

 

  1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.
  3. Não tendo o sujeito passivo requerido segunda avaliação dos prédios nos termos do artº. 76º. do Código do IMI ou não tendo impugnado o resultado da segunda avaliação nos termos do artº. 77º. do mesmo Código, não pode arguir a ilegalidade das liquidações subsequentes com fundamento em vícios imputáveis à avaliação desses mesmos prédios.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 19 de outubro de 2022, o A..., S.A. NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:
  1. à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado junto do Serviço de Finanças de Lisboa -... contra os atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 39.858,86 (trinta e nove mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), e sua consequente anulação;
  2. à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, refletidas nos documentos n.º 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020... e 2020..., no montante global de € 39.858,86 (trinta e nove mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), e a sua anulação,
  3. e ao pagamento de juros indemnizatórios.
  1. Para fundamentar o seu pedido, alega o Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. Errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, porquanto, segundo entende «os valores patrimoniais tributários destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão», provocando, consequentemente a ilegalidade das liquidações que originou.
  2. Inconstitucionalidade do disposto no artigo 45.º do Código do IMI quando interpretado «no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção».
  1. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Dr.ª ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelas juristas, Dr.ª ... e Dr.ª ... .
  2. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, e as partes não se opuseram a tal nomeação.
  3. No dia 2 de dezembro de 2022, a Requerida, através de requerimento, informou os autos que, por despacho, de 25/11/2022, da Senhora Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações da Autoridade Tributária e Aduaneira, foram anuladas, com efeitos retroativos, as avaliações efetuadas em 24-12-2018, 04-02-2019 e 12-03-2020 dos seguintes terrenos para construção:

Código Freguesia

Artigo

Fichas de avaliação

...

...

...

...

...

...

...

...

...

 

 

  1. Nesse mesmo dia, o Senhor Presidente do CAAD notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento identificado em 4 supra e para informar a sua pretensão na prossecução ou não dos presentes autos, nada o mesmo tendo dito.
  2. O presente Tribunal foi constituído no dia 2 de janeiro de 2023, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.
  3. No dia 6 de janeiro de 2023, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
  4. Em conformidade ao despacho indicado em 8. supra, a Requerida apresentou a sua Resposta.
  5. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes, o Tribunal, por despacho de 23 de fevereiro de 2023, entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar as partes da apresentação de alegações.
  6. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, i.e., até ao dia 3 de julho de 2023, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  7. No dia 23 de fevereiro de 2023, o Requerente apresentou um requerimento mediante o qual informa nada ter a opor quanto à dispensa da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como à dispensa de apresentação de alegações.
  8. No dia 27 de fevereiro de 2023, a Requerida através do requerimento que apresentou solicitou a junção aos autos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de fevereiro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 102/22.2BALS.
  9. No dia 2 de maio de 2023, foi proferida decisão no âmbito dos presentes autos.
  10. Inconformada com o sentido da decisão arbitral, a Requerida interpôs recurso de oposição de acórdãos e que deu origem ao Proc. nº. 86/23.0BALSB do Pleno da Seção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
  11.  No dia 24 de janeiro de 2024, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão no âmbito do processo supra identificado, transitado em julgado em 8 de fevereiro, mediante o qual deu provimento ao recurso interposto e, em consequência, anulou a decisão arbitral identificada em 14.

 

II - Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

III - Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

 

  1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção. – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;
  2. O Requerente foi notificado dos atos de liquidação de IMI n.º 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020... e 2020..., com referência aos anos de 2018, 2019 e 2020, em 2019, 2020 e 2021, respetivamente – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  3. O Requerente procedeu ao pagamento integral das notas de liquidação de IMI identificadas em B. supra – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e facto não impugnado - ;
  4. Os atos de liquidação identificados em B. supra tiveram por base os valores patrimoniais tributários (VPT) fixados com a utilização da seguinte fórmula:

Vt = Vc x A x Cl x Ca x Cq

Sendo que:

«Vt* = valor patrimonial tributário, Vc= valor base dos prédios edificados, A= área bruta de construção mais a área excedente à área de implementação, Ca= coeficiente de afetação, Cl = coeficiente de localização, Cq= coeficiente de qualidade e conforto, Cv = coeficiente de vestutez, sendo A= (Aa +Ab) x Caj x % + Ac + Ad, em que Aa representa a área bruta privativa, Ab represente as áreas brutas dependentes, Ac representa a área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação, Ad representa a área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação, (Aa + Ab) x Caj = 100 x 1,0 + 0,90 x (500-100) + 0,80 x (Aa + Ab – 1.000,0000).

Tratando-se de terreno para construção, A= área bruta de construção integrada de Ab.»

- cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

  1. O Requerente não contestou/impugnou as avaliações que deram origem ao VPT considerado em D. supra, não tendo requerido a segunda avaliação dos imóveis. – cfr. acordo das partes - ;
  2. No dia 24 de maio de 2022, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI n.º 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020.., 2020 ... e 2020..., com referência aos anos de 2018, 2019 e 2020, junto do Serviço de Finanças de Lisboa-... - cfr. Documento n.º 1 e 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  3. No dia 26 de setembro de 2022, presumiu-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária. – cfr. acordo das partes - ;
  4. No dia 19 de outubro de 2022, o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.
  5. Por despacho de 25 de novembro de 2022, a Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu despacho no sentido da anulação das avaliações dos prédios (terrenos para construção) seguintes, com efeitos retroativos, pertencentes ao Requerente: - documento junto, a 2 de dezembro de 2022, pela Requerida, aos autos -

Cód da freguesia

artigo

Data da avaliação

Ficha da avaliação

...

...

24.12.2018

...

...

...

12.03.2020

...

...

...

04.02.2019

...

 

 

 

  1. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

IV - Do Direito

 

 

- Thema decidendum –

 

A questão de fundo, nos presentes autos, consiste em saber se estamos perante atos tributários de liquidação de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020 ilegais, por suportados em erros advindos da avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, em virtude de, na referida avaliação, a AT ter aplicado indevidamente ou não uma fórmula de cálculo não contemplada no disposto do artigo 45.º do Código do IMI, e ter à mesma relevado coeficientes multiplicadores de VPT não previstos naquele preceito legal.

Mas previamente, importa apurar se, não tendo o sujeito passivo requerido segunda avaliação dos prédios nos termos do art.º 76º. do Código do IMI ou não tendo impugnado o resultado da segunda avaliação nos termos do art.º 77º. do mesmo Código, pode ou não arguir a ilegalidade das liquidações subsequentes com fundamento em vícios imputáveis à avaliação desses prédios, como pretende.

 

Posição das partes

 

  1. O Requerente impugna os atos de liquidação de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020 sobre os terrenos de construção de que é proprietário, com fundamento em erro nos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram os referidos atos tributários, referindo quanto a este aspeto que: « (…) o Código do IMI, de forma clara e expressa, prevê diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:

 

  1. Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código;
  2. Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;
  3. Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios [urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código

 

  1. Nesta sequência, defende o Requerente que, «(…) é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes.»

 

  1. Sustenta, ainda, que « (…) conforme o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI que se encontrava em vigor de 2018 a 2020, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” –  tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter-se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.» e que «[a]tentas as referidas disposições normativas, bem se pode ver que o factor de localização do “terreno para construção” é, já, considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI.»

 

  1. Assim sendo, «(…) a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração – i.e. na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” – que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do valor patrimonial tributário considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que (e bem!) não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do valor patrimonial tributário destes terrenos.»

 

  1. Suportando-se na jurisprudência dos nossos Tribunais, afere o Requerente que « no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para construção”, deverá ser desconsiderado os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstasalgo que, segundo refere, «(…)própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.»

 

  1. Mais refere que, «fica demonstrado que o erro de consideração dos coeficientes acima mencionados para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” resulta única e exclusivamente de uma errónea aplicação das normas legais por parte da AT

 

  1. No caso em concreto, aduz o Requerente que «[n]este contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pelo Requerente nos anos 2018 a 2020 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.»

 

  1. Menciona, ainda, que «qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que fere de anulabilidade este mesmo acto tributário

 

  1. Mais, «nos casos em que sejam determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correcta das normas de determinação daqueles valores, e, subsequentemente, seja liquidado IMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, tal liquidação de IMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado directo de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.».

 

  1. Anulação essa, segundo o Requerente, que poderá ocorrer pela aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI, através da revisão oficiosa, porquanto «do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de IMI – i.e. erro na determinação do(s) valor(es) patrimonial(is) tributário(s) do(s) prédio(s) – resulta, inquestionavelmente, numa colecta de imposto diferente ao legalmente devido, estando assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa (e respectiva rectificação / anulação) das liquidações de IMI incorrectamente emitidas.»

 

  1. Refere, complementarmente que «considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.»

 

  1. Deste modo, entende que, no caso em concreto, «os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontram-se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão.», pelo que « (…) é de concluir que foi efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI nos seguintes montantes, consoante detalhado nas Tabelas (…):
  1. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2016, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 29.257,94;
  2. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2017, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 9.408,61;
  3. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2018, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 1.192,31.
  1. Concluindo no sentido de que «devem os actos tributários de liquidação de IMI em apreço ser declarados parcialmente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes acima mencionados, não lhe era legalmente aplicável, impondo-se, em consequência, a devolução dos montantes de imposto indevidamente pagos, com todos os efeitos legais daí decorrentes.»

 

 

 

  1. Imputa, ainda, um vício de violação de lei constitucional à liquidação em causa, em virtude de « a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI deve ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.»
  2. Peticiona a final, não só, a declaração de ilegalidade do indeferimento tacitamente presumido da revisão oficiosa, mas também, dos atos de liquidação sindicados, bem como, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária.

 

Por seu turno

 

  1. Começa a Requerida por referir que o Requerente não aponta qualquer erro concreto e específico aos atos de liquidação sindicados, referindo que, apenas, questiona o valor patrimonial tributário que os suportou, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.

 

  1. Com efeito, refere a Requerida que «[o] que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.» sendo que, «(…) os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.»

 

  1. Recorda a Requerida que «(…) a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.», pelo que «[a]ssim, em conformidade, por Despacho de 25.11.2022, da Subdiretora Geral da área do Património foram anuladas com efeitos retroativos, das avaliações efetuadas em 24-122018, 04-02-2019 e 12-03-2020 aos terrenos para construção identificados nas linhas 1, 2 e 3 da tabela em anexo, relativas às fichas de avaliação n.ºs ..., ... e ... .»

 

  1. Menciona a Requerida que «[o] procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, [q]ue, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação.»

 

  1. Assim, «(…) não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente».

 

  1. Mais referindo que «[n]a ausência durante um certo lapso de tempo de contestação ou de qualquer manifestação de oposição, o valor patrimonial consolida-se na ordem jurídica, por foça do princípio da segurança jurídica.», concluindo, assim, que ««(…) por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.»

 

  1. Segundo a Requerida, o pedido formulado pelo Requerente mediante o qual peticiona a anulação não dos atos de liquidação, mas, dos atos que fixaram o valor patrimonial tributário, «não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pois têm a força jurídica de caso julgado».

 

  1. Conforme a jurisprudência e a doutrina que invoca, e na qual a Requerida apoia a sua posição «(…) os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis», mais, aduzindo que «[a]liás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).»

 

  1. Assim sendo, «ao estabelecer a sindicância directa destes actos, qualificando-os como actos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efectividade da liquidação.»

 

  1. No que respeita ao pedido de revisão oficiosa formulado pelo Requerente, refere a Requerida  que «[m]esmo que se considere ser aplicável à presente matéria atenta a especificidade do ato que fixa o valor patrimonial tributário, o artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para autorização da revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço, não é o previsto no n.º 1 , mas sim, o prazo reduzido aos “três anos posteriores ao do ato tributário”, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária. Por isso, tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações e de interposição da presente ação e a data da respetiva avaliação do presente imóvel, ocorrida em 2012, portanto aos mais de 5 anos, conclui-se, a necessariamente que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo.»

 

  1. Defende, ainda, a Requerida «[f]ace ao recente e reiterado entendimento jurisprudencial sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, (…) apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respetiva emissão

 

  1. Assim, «(…) por força do artigo 168.º , n.º 1 do CPA, que as avaliações, em que foram considerados os coeficientes de locação e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas à mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.», pelo que, «conclui-se que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.»

 

  1. Aduz, ainda, a Requerida que, subsidiariamente, «[p]ede a Requerente que seja desaplicada, no caso em concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária.» contudo, refere a Requerida que «o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da igualdade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da impugnação atempada. Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a sua impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo»

 

  1. Conclui, assim, que «não só, por um lado, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade tributária, mas também que a prevalecer a argumentação dos Requerentes, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente

 

  1. No que ao pedido de reembolso formulado pelo Requerente respeita, invoca a Requerida jurisprudência no sentido de «não [dever] ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito. Ou seja, a quantificação do montante devido, deve ser apurado em sede de execução da decisão arbitral, o que desde já se peticiona

 

  1. Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, afere a Requerida que «no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, uma vez que, à data dos factos a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente.», invocando jurisprudência que sustenta a sua posição.

 

  1. Pugnando, a final, pela improcedência do pedido, por não provado e a absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

Questão de fundo

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

Da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, na solução da questão em ponderação, iremos acompanhar, com as necessárias adaptações, o entendimento sufragado no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, de 23 de fevereiro de 2023, que, com a devida vénia aqui reproduzimos na parte aplicável.

 

  1. Com efeito, resulta do referido aresto que:

«Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

 

O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

 

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

 

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

 

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

 

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

 

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

 

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

 

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.»

 

 

 

  1. Continua o referido aresto no sentido de que:

«Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

 

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

 

O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

 

Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.”

 

Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.

 

3.3. Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.»

 

  1. Volvendo ao caso concreto, constatamos que, na perspetiva da Requerida, o Requerente não aponta qualquer erro específico aos atos tributários de liquidação do IMI em causa, questionando tão só o valor patrimonial tributário que as suportou, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.
  2. Ora, dos factos provados resulta que o Requerente não impugnou, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, as avaliações que deram origem ao VPT que se encontrava em vigor a 31 de dezembro de 2018, 2019 e 2020 relativamente aos terrenos para construção em apreço.

 

  1. Ou melhor. Não só não requereu segunda avaliação dos prédios nos termos do art.º 76º. do Código do IMI como não impugnou o resultado da segunda avaliação nos termos do art.º 77º. do mesmo Código.

 

  1. Pelo que, não pode arguir a ilegalidade das liquidações subsequentes com fundamento em vícios imputáveis à avaliação desses prédios.

 

 

  1. Isto porque, se quanto a estes se formou caso decidido ou resolvido sobre as referidas avaliações, não poderá vir agora, impugnar os vícios resultantes da fixação do VPT nos atos de liquidação que sejam praticados com base nos mesmos.

 

  1. Com efeito, como sustenta doutamente a decisão arbitral do Tribunal Singular do CAAD proferida no processo 40/2021 -T, «Não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o “imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Imposto, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”.»

 

  1. Entendimento uniformizado pelo acórdão tirado no Proc. nº. 86/23.0BALSB proferido em 24 de janeiro de 2013 pelo pleno da Seção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e transitado em julgado me 8 de fevereiro de 2014, que determina que se proceda à pronúncia de nova decisão arbitral, tendo consagrado o entendimento de que o art.º 78º. da LGT deve ser interpretado no sentido de que não é o mesmo aplicável a situações deste tipo (contrariamente ao que aqui tinha sido decidido).

 

  1. Pelo exposto, não podem os atos de liquidação de IMI ser anulados com base nos vícios dos atos de avaliação invocados pelo Requerente, dado que não foram os mesmos, objeto de impugnação tempestiva autónoma, pelo que, improcede, por estes motivos, o pedido de pronúncia arbitral, não sendo admissível que se pretenda obter essa anulação por via da apresentação de pedido de Revisão oficiosa das liquidações do imposto, ao abrigo do CIMI e do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Nestes termos, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral do Requerente, com os fundamentos expostos, não sendo possível apreciar da legalidade da liquidação do imposto, exclusivamente com base em vícios imputáveis aos atos de fixação dos respetivos valores patrimoniais mesmo que com possíveis reflexos na ilegalidade das liquidações impugnadas, fica prejudicado, o conhecimento da questões, de cariz (in)constitucional, porquanto, recorde-se, o Requerente invoca um vício de violação de lei constitucional à liquidação em causa, em virtude de «a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI deve ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.»

 

  1. Ora, está vedado ao Tribunal aplicar e interpretar o identificado art.º 45º. da Código do IMI, porquanto o mesmo se reconduz aos critérios de fixação do VPT em sede de avaliação dos imóveis, vícios esse que não podem ser atacados em sede de impugnação da liquidação dos impostos calculados com base nesses valores, como é aqui o caso no presente processo arbitral.

 

  1. Tal apenas poderia vir a ser apreciado, se fosse invocado pela Requerente em sede de impugnação judicial dos valores patrimoniais que na sua fixação tivessem aplicado os critérios constantes no art.º 45º.do CIMI.

 

Reembolso de quantia paga e Juros indemnizatórios

 

  1. Pedido prejudicado face ao sentido da decisão.

 

V - DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

  1.  Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante ao pedido de anulação do indeferimento tácito presumido do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente contra as liquidações de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020;
  2.  Julgar improcedente o pedido de pronuncia arbitral respeitante à anulação das liquidações de IMI respeitantes ao ano de 2018, 2019 e 2020 e o respetivo pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 39.858,86 (trinta e nove mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de março de 2024

***

O Árbitro

 

 

 

Jorge Carita

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 625/2022-T

Tema: IMI – Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Ato de fixação da matéria tributável. Tempestivida.

 

*Substituída pela decisão arbitral de 01 de março de 2024

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

 

  1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.
  3. Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, no prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que termina no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
  4. Não se encontrando esgotado o referido prazo de 3 anos, pode o dirigente máximo do serviço, ainda, autorizar o pedido de revisão da matéria tributável, e consequentemente, corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.
  5. O Tribunal é competente para apreciar o pedido de impugnação do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI, mesmo que tenha por único fundamento erro na fixação dos valores patrimoniais tributários resultantes da avaliação.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 19 de outubro de 2022, o A..., S.A. NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:
  1. à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado junto do Serviço de Finanças de Lisboa -... contra os atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 39.858,86 (trinta e nove mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), e sua consequente anulação;
  2. à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, refletidas nos documentos n.º 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020... e 2020..., no montante global de € 39.858,86 (trinta e nove mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), e a sua anulação,
  3. e ao pagamento de juros indemnizatórios.
  1. Para fundamentar o seu pedido, alega o Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. Errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, porquanto, segundo entende «os valores patrimoniais tributários destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão», provocando, consequentemente a ilegalidade das liquidações que originou.
  2. Inconstitucionalidade do disposto no artigo 45.º do Código do IMI quando interpretado «no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção».
  1. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Dr.ª..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelas juristas, Dr.ª ... e Dr.ª... .
  2. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, e as partes não se opuseram a tal nomeação.
  3. No dia 2 de dezembro de 2022, a Requerida, através de requerimento, informou os autos que, por despacho, de 25/11/2022, da Senhora Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações da Autoridade Tributária e Aduaneira, foram anuladas, com efeitos retroativos, as avaliações efetuadas em 24-12-2018, 04-02-2019 e 12-03-2020 dos seguintes terrenos para construção:

Código Freguesia

Artigo

Fichas de avaliação

...

...

...

...

...

...

...

...

...

 

 

  1. Nesse mesmo dia, o Senhor Presidente do CAAD notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento identificado em 4 supra e para informar a sua pretensão na prossecução ou não dos presentes autos, nada o mesmo tendo dito.
  2. O presente Tribunal foi constituído no dia 2 de janeiro de 2023, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.
  3. No dia 6 de janeiro de 2023, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
  4. Em conformidade ao despacho indicado em 8. supra, a Requerida apresentou a sua Resposta.
  5. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes, o Tribunal, por despacho de 23 de fevereiro de 2023, entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar as partes da apresentação de alegações.
  6. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, i.e., até ao dia 3 de julho de 2023, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  7. No dia 23 de fevereiro de 2023, o Requerente apresentou um requerimento mediante o qual informa nada ter a opor quanto à dispensa da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como à dispensa de apresentação de alegações.
  8. No dia 27 de fevereiro de 2023, a Requerida através do requerimento que apresentou solicitou a junção aos autos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de fevereiro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 102/22.2BALS.

 

 II. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

III. Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

 

  1. Factos dados como provados

 

 

  1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção. – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;
  2. O Requerente foi notificado dos atos de liquidação de IMI n.º 2018 ..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020... e 2020 ..., com referência aos anos de 2018, 2019 e 2020, em 2019, 2020 e 2021, respetivamente – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  3. O Requerente procedeu ao pagamento integral das notas de liquidação de IMI identificadas em B. supra – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e facto não impugnado - ;
  4. Os atos de liquidação identificados em B. supra tiveram por base os valores patrimoniais tributários (VPT) fixados com a utilização da seguinte fórmula:

Vt = Vc x A x Cl x Ca x Cq

 

Sendo que:

«Vt* = valor patrimonial tributário, Vc= valor base dos prédios edificados, A= área bruta de construção mais a área excedente à área de implementação, Ca= coeficiente de afetação, Cl = coeficiente de localização, Cq= coeficiente de qualidade e conforto, Cv = coeficiente de vestutez, sendo A= (Aa +Ab) x Caj x % + Ac + Ad, em que Aa representa a área bruta privativa, Ab represente as áreas brutas dependentes, Ac representa a área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação, Ad representa a área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação, (Aa + Ab) x Caj = 100 x 1,0 + 0,90 x (500-100) + 0,80 x (Aa + Ab – 1.000,0000).

Tratando-se de terreno para construção, A= área bruta de construção integrada de Ab.»

- cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

  1. O Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT considerado em D. supra. – cfr. acordo das partes - ;
  2. No dia 24 de maio de 2022, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI n.º 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020 ... e 2020..., com referência aos anos de 2018, 2019 e 2020, junto do Serviço de Finanças de Lisboa-... - cfr. Documento n.º 1 e 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  3. No dia 26 de setembro de 2022, presumiu-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária. – cfr. acordo das partes - ;
  4. No dia 19 de outubro de 2022, o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.
  5. Por despacho de 25 de novembro de 2022, a Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu despacho no sentido da anulação das avaliações dos prédios (terrenos para construção) seguintes, com efeitos retroativos, pertencentes ao Requerente: - documento junto, a 2 de dezembro de 2022, pela Requerida, aos autos -

Cód da freguesia

artigo

Data da avaliação

Ficha da avaliação

...

...

24.12.2018

...

...

...

12.03.2020

...

...

...

04.02.2019

...

 

 

 

  1. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

 

IV- Do Direito

 

 

- Thema decidendum –

 

A questão de fundo, nos presentes autos, consiste em saber se estamos perante atos tributários de liquidação de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020 ilegais, por suportados em erros advindos da avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, em virtude de, na referida avaliação, a AT ter aplicado indevidamente ou não uma fórmula de cálculo não contemplada no disposto do artigo 45.º do Código do IMI, e ter relevado na mesma coeficientes multiplicadores de VPT não previstos naquele preceito legal.

 

 

Posição das partes

 

 

  1. O Requerente impugna os atos de liquidação de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020 sobre os terrenos de construção de que é proprietário, com fundamento em erro nos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram os referidos atos tributários, referindo quanto a este aspeto que: « (…) o Código do IMI, de forma clara e expressa, prevê diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:
  1. Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código;
  2. Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;
  3. Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios [urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código

 

  1. Nesta sequência, defende o Requerente que, «(…) é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes.»

 

  1. Sustenta, ainda, que « (…) conforme o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI que se encontrava em vigor de 2018 a 2020, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” –  tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter-se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.» e que «[a]tentas as referidas disposições normativas, bem se pode ver que o factor de localização do “terreno para construção” é, já, considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI.»

 

  1. Assim sendo, «(…) a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração – i.e. na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” – que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do valor patrimonial tributário considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que (e bem!) não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do valor patrimonial tributário destes terrenos.»

 

  1. Suportando-se na jurisprudência dos nossos Tribunais, afere o Requerente que « no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para construção”, deverá ser desconsiderado os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstasalgo que, segundo refere, «(…)própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.»

 

  1. Mais refere que, «fica demonstrado que o erro de consideração dos coeficientes acima mencionados para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” resulta única e exclusivamente de uma errónea aplicação das normas legais por parte da AT

 

  1. No caso em concreto, aduz o Requerente que «[n]este contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pelo Requerente nos anos 2018 a 2020 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.»

 

  1. Menciona, ainda, que «qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que fere de anulabilidade este mesmo acto tributário

 

  1. Mais, «nos casos em que sejam determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correcta das normas de determinação daqueles valores, e, subsequentemente, seja liquidado IMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, tal liquidação de IMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado directo de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.».

 

  1. Anulação essa, segundo o Requerente, que poderá ocorrer pela aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI, através da revisão oficiosa, porquanto «do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de IMI – i.e. erro na determinação do(s) valor(es) patrimonial(is) tributário(s) do(s) prédio(s) – resulta, inquestionavelmente, numa colecta de imposto diferente ao legalmente devido, estando assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa (e respectiva rectificação / anulação) das liquidações de IMI incorrectamente emitidas.»

 

  1. Refere, complementarmente que «considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.»

 

  1. Deste modo, entende que, no caso em concreto, «os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontram-se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão.», pelo que « (…) é de concluir que foi efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI nos seguintes montantes, consoante detalhado nas Tabelas (…):
  1. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2016, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 29.257,94;
  2. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2017, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 9.408,61;
  3. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2018, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 1.192,31.
  1. Concluindo no sentido de que «devem os actos tributários de liquidação de IMI em apreço ser declarados parcialmente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes acima mencionados, não lhe era legalmente aplicável, impondo-se, em consequência, a devolução dos montantes de imposto indevidamente pagos, com todos os efeitos legais daí decorrentes.»

 

 

 

  1. Imputa, ainda, um vício de violação de lei constitucional à liquidação em causa, em virtude de « a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI deve ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.»
  2. Peticiona a final, não só, a declaração de ilegalidade do indeferimento tacitamente presumido da revisão oficiosa, mas também, dos atos de liquidação sindicados, bem como, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária.

 

Por seu turno

 

  1. Começa a Requerida por referir que o Requerente não aponta qualquer erro concreto e específico aos atos de liquidação sindicados, referindo que, apenas, questiona o valor patrimonial tributário que os suportou, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.

 

  1. Com efeito, refere a Requerida que «[o] que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.» sendo que, «(…) os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.»

 

  1. Recorda a Requerida que «(…) a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.», pelo que «[a]ssim, em conformidade, por Despacho de 25.11.2022, da Subdiretora Geral da área do Património foram anuladas com efeitos retroativos, das avaliações efetuadas em 24-122018, 04-02-2019 e 12-03-2020 aos terrenos para construção identificados nas linhas 1, 2 e 3 da tabela em anexo, relativas às fichas de avaliação n.ºs..., ... e ... .»

 

  1. Menciona a Requerida que «[o] procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, [q]ue, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação.»

 

  1. Assim, «(…) não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente».

 

  1. Mais referindo que «[n]a ausência durante um certo lapso de tempo de contestação ou de qualquer manifestação de oposição, o valor patrimonial consolida-se na ordem jurídica, por foça do princípio da segurança jurídica.», concluindo, assim, que ««(…) por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.»

 

  1. Segundo a Requerida, o pedido formulado pelo Requerente mediante o qual peticiona a anulação não dos atos de liquidação, mas, dos atos que fixaram o valor patrimonial tributário, «não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pois têm a força jurídica de caso julgado».

 

  1. Conforme a jurisprudência e a doutrina que invoca, e na qual a Requerida apoia a sua posição «(…) os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis», mais, aduzindo que «[a]liás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).»

 

  1. Assim sendo, «ao estabelecer a sindicância directa destes actos, qualificando-os como actos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efectividade da liquidação.»

 

  1. No que respeita ao pedido de revisão oficiosa formulado pelo Requerente, refere a Requerida  que «[m]esmo que se considere ser aplicável à presente matéria atenta a especificidade do ato que fixa o valor patrimonial tributário, o artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para autorização da revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço, não é o previsto no n.º 1 , mas sim, o prazo reduzido aos “três anos posteriores ao do ato tributário”, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária. Por isso, tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações e de interposição da presente ação e a data da respetiva avaliação do presente imóvel, ocorrida em 2012, portanto aos mais de 5 anos, conclui-se, a necessariamente que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo.»

 

  1. Defende, ainda, a Requerida «[f]ace ao recente e reiterado entendimento jurisprudencial sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, (…) apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respetiva emissão

 

  1. Assim, «(…) por força do artigo 168.º , n.º 1 do CPA, que as avaliações, em que foram considerados os coeficientes de locação e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas à mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.», pelo que, «conclui-se que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.»

 

  1. Aduz, ainda, a Requerida que, subsidiariamente, «[p]ede a Requerente que seja desaplicada, no caso em concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária.» contudo, refere a Requerida que «o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da igualdade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da da impugnação atempada. Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a sua impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo»

 

  1. Conclui, assim, que «não só, por um lado, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade tributária, mas também que a prevalecer a argumentação dos Requerentes, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente

 

  1. No que ao pedido de reembolso formulado pelo Requerente respeita, invoca a Requerida jurisprudência no sentido de «não [dever] ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito. Ou seja, a quantificação do montante devido, deve ser apurado em sede de execução da decisão arbitral, o que desde já se peticiona

 

  1. Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, afere a Requerida que «no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, uma vez que, à data dos factos a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente.», invocando jurisprudência que sustenta a sua posição.

 

  1. Pugnando, a final, pela improcedência do pedido, por não provado e a absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

Questão de fundo

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

Da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, na solução da questão em ponderação, iremos acompanhar, com as necessárias adaptações, o entendimento sufragado no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, de 23 de fevereiro de 2023, que, com a devida vénia aqui reproduzimos na parte aplicável.

 

  1. Com efeito, resulta do referido aresto que:

« Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”


O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.


Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).


No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.



O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.


E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.»

 

  1. Continua o referido aresto no sentido de que:

« Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.


O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).


Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.”


Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.


3.3. Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.»

 

  1. Volvendo ao caso concreto, constatamos que, na perspetiva da Requerida, o Requerente não aponta qualquer erro específico aos atos tributários de liquidação do IMI em causa, questionando tão só o valor patrimonial tributário que as suportou, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.
  2. Ora, dos factos provados resulta que o Requerente não terá impugnado, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, as avaliações que deram origem ao VPT que se encontrava em vigor a 31 de dezembro de 2018, 2019 e 2020 relativamente aos terrenos para construção em apreço.

 

  1. Assim sendo, e porque quanto a estes se formou caso decidido ou resolvido sobre as referidas avaliações, não poderá vir agora, em princípio, impugnar os vícios resultantes da fixação do VPT nos atos de liquidação que sejam praticados com base nos mesmos.

 

  1. Com efeito, como sustenta doutamente a decisão arbitral do Tribunal Singular do CAAD proferida no processo 40/2021 -T, «Não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o “imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Imposto, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”.»

 

  1. Pelo exposto, não podem os atos de liquidação de IMI ser anulados com base nos vícios dos atos de avaliação invocados pelo Requerente, dado que não foram os mesmos, objeto de impugnação tempestiva autónoma, pelo que, improcederia, por estes motivos, o pedido de pronúncia arbitral.

 

Da admissibilidade de Revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do CIMI e do artigo 78.º da LGT

 

 

  1. Esclarece, com relevância, o Acórdão do Tribunal Coletivo proferido no processo n.º 253/2021-T, que «Estando os Tribunais arbitrais obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de IMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações. Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.»

 

  1. Deste modo, no caso em concreto, resulta dos factos provados que o Requerente, no dia 24 de maio de 2022, apresentou, nos termos do disposto nos artigos 115.º e 129.º do Código do IMI e do artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa - ..., relativamente ao qual, não tendo sido decidido no prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º do mesmo diploma, se presumiu o indeferimento tácito.

 

  1. Com efeito, resulta do artigo 115.º do Código do IMI sob a epígrafe “Revisão oficiosa da liquidação e anulação” que:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

 a) Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;

b) Em resultado de nova avaliação;

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção.

2 - A revisão oficiosa das liquidações, prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, é da competência dos serviços de finanças da área da situação dos prédios.

3 - Não há lugar a qualquer anulação sempre que o montante do imposto a restituir seja inferior a (euro) 10.» (negrito nosso)

 

  1. Ora, reporta-se esta norma, à revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de avaliação de valores patrimoniais.

 

  1. Contudo, o artigo 78.º da LGT prevê, por seu turno, que:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Revogado

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. 

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. 

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.» (negrito nosso)

 

  1. Na verdade, da leitura cuidada deste preceito legal, é possível concluir (tendo a jurisprudência interpretado da mesma forma e sentido) que os n.ºs 1 e 6 do artigo 78.º da LGT, se reportam a atos de liquidação, e os n.ºs 4 e 5 da mesma norma se encontram direcionados para os atos de fixação da matéria tributável,

 

  1. … pelo que, será dentro dos condicionalismos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT que se deverá aferir a possibilidade de revisão oficiosa.

 

  1. Conforme esclarece o Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 487/2020-T, «[a]pesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, «excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo: – «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»;[Acórdão do STA, processos n.º 0476/09, de 07.10.2009, n.º 329/11, de 02.11.2011 e n.º 366/11, de 14.12.2011]– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».[ Acórdão do STA, processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18, de 17.02.2021].

 

  1. Continua o referido aresto do CAAD, com interesse que, «Por outro lado, a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é  adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efectuar a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)».[Acórdão do STA proferido no processo n.º 0455/10, de 13.10.2010]

Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-12-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». (negrito nosso).

 

  1. Ora, reforça-se aqui o entendimento, pelo seu manifesto interesse, que, nas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação - conforme é apontado, pelo Requerente, nos presentes autos, e sublinhado pela Requerida -, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas tão só que se esteja perante uma injustiça grave ou notória, alheio a qualquer comportamento descuidado do contribuinte.

 

  1. No que respeita à tempestividade ou não do pedido de revisão oficiosa, é de referir, antes demais, que o prazo em causa é de «três anos posteriores ao do acto tributário», conforme resulta do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, os quais terminarão no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.

 

  1. Ora, no caso em apreço, atendendo que os atos tributários em causa (liquidações de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020) foram praticados em 2019, 2020 e 2021, respetivamente (cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral),

 

  1. … admite-se que o pedido de revisão oficiosa devesse dar entrada até ao dia 31 de dezembro de 2022, 2023 e 2024, respetivamente.

 

  1. Deste modo, tendo a revisão oficiosa sido pedida pelo Requerente, no dia 24 de maio de 2022, tem de se concluir que, poderia o dirigente máximo do serviço dar autorização para a «revisão da matéria tributável».

 

  1. Nestes termos cumpre, averiguar se se verificam os requisitos da revisão, no que respeita aos atos de liquidação de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020.

 

  1. Ora, esclarece o Acórdão do CAAD proferido no Tribunal Coletivo, presidido pela Exma. Senhora Conselheira Fernanda Maçãs, no processo n.º 253/2021-T[1], que:

«(…), o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

Veremos de seguida se os condicionalismos previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT estão verificados por forma a admitir a revisão oficiosa, seguindo também aqui a jurisprudência vertida na Decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T.

(…)

Assim sendo, verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente, relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte.

Antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.

Aqui chegados constamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018, e indeferimento do pedido, por intempestivo, relativamente às liquidações respeitantes a 2015.»

 

  1. Regressando ao caso em apreço, aplicando as normas legais da LGT e CIMI, quanto à revisão oficiosa, e a jurisprudência citada, com as devidas adaptações, depois de verificado o requisito temporal (3 anos) e aí concluindo pela tempestividade do pedido de revisão formulado pelo Requerente quanto aos atos de liquidação sindicados, cumpre agora verificar se os demais requisitos, igualmente, se verificam.

 

  1. Ora, a fixação da matéria tributável foi, sem contestação das partes, efetuada pela AT, com base na fórmula prevista na lei – artigo 38.º do CIMI – sem que se tenha demonstrado que o Requerente tivesse facultado qualquer informação incorreta ou errónea quanto à natureza dos terrenos para construção. Assim sendo, é manifesto que se verifica o requisito referente ao «erro (…) imputável à AT», afastando, assim, qualquer comportamento negligente por parte do Requerente.

 

  1. Assistindo razão ao Requerente quando afere que «é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT»,

 

  1. Mais, considerando que tais erros tiveram como resultado o apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção por via de uma fórmula de cálculo ilegal, por não respeitar a prevista no artigo 45.º do CIMI, vê-se concretizado o requisito da injustiça notória, uma vez que os VPT’s subjacentes às liquidações impugnadas foram determinados por aplicação de normas que, já ao tempo, a jurisprudência considerava ilegais no tocante a terrenos para construção.

 

  1. Deste modo, é manifesto que se encontram preenchidos todos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT, pelo que, a Requerida deveria ter proferido despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação das liquidações de IMI respeitantes aos anos de 2018, 2019 e 2020.

 

  1. Face ao exposto, é procedente o pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente quanto aos atos de liquidação de IMI sindicados referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, e a sua consequente anulação.

 

  1. Nestes termos, procedendo o pedido de pronúncia arbitral do Requerente, com reflexo na ilegalidade das liquidações impugnadas, fica prejudicado, por assegurada a eficaz tutela dos interesses desta, o conhecimento das demais questões, especialmente a de cariz (in)constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2 do Código do Processo Civil aplicável subsidiariamente ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT. 

 

 

Reembolso de quantia paga e Juros indemnizatórios

 

  1. À Requerida incumbirá, em execução de sentença, quantificar os montantes que efetivamente foram pagos a mais em relação aos terrenos para construção de que o Requerente era proprietário incluídos na base tributária que deu origem às liquidações relativas a 2018, 2019 e 2020, uma vez que o Tribunal Arbitral não dispõe de elementos que lhe permitam aferir da exatidão dos cálculos efetuados pelo Requerente – Documento n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral – que se admite serem corretos.

 

  1. A Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

  1. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  2. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
  3. Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.
  4. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade, dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
  5. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.
  6. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.
  7. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante, das liquidações ilegais, referentes ao IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020.
  8. Contudo, é imprescindível referir, pela sua extrema importância, e de que a Requerida faz o alerta devido, que, no caso em apreço, a Requerente apresentou, no dia 24/05/2022, um pedido de revisão oficiosa.
  9. Com efeito, dispõe a alínea a) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT que «3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.»
  10.  Face a esta previsão legal e às circunstâncias do caso em apreço, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 24/05/2022, é manifesto que serão devidos juros indemnizatórios, um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, ou seja, 24/05/2023, até ao reembolso do imposto devidamente pago, calculados à taxa legal supletiva nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 4 e 35.º da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

V. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

  1.  julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante ao pedido de anulação do indeferimento tácito presumido do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente contra as liquidações de IMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, e a sua consequente anulação;
  2. anular parcialmente, em consequência, as liquidações de IMI respeitantes ao ano de 2018, 2019 e 2020, devendo a Requerida proceder, em sede de execução de sentença, à sua reformulação em harmonia com o determinado por este tribunal arbitral e restituir ao Requerente o montante de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal contados a partir do dia 25/05/2023 até à data do seu pagamento.

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 39.858,86 (trinta e nove mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 maio de 2023

***

O Árbitro

 

 

Jorge Carita

 

 



[1] Entendimento, igualmente, sufragado no Acórdão do CAAD proferido no Tribunal Coletivo, presidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, proferido no processo do CAAD n.º 487/2020 – T.