Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 593/2022-T
Data da decisão: 2023-05-22  IMI  
Valor do pedido: € 2.648.910,00
Tema: IMI – impugnação de acto de fixação do Valor Patrimonial Tributário – intempestividade do pedido.
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SUMÁRIO:

O pedido arbitral no qual se contesta a legalidade de acto de fixação do Valor Patrimonial Tributário é intempestivo se for apresentado após o termo do prazo de 30 dias previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea b) do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, José Luís Ferreira e Martins Alfaro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., LDA., com o número de identificação fiscal ..., com sede na..., ..., ..., ...-... Lisboa, (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b) e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto de fixação do Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) constante da Ficha de Avaliação n.º ..., referente a lote de terreno para construção sito na freguesia e concelho de..., no distrito de Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U‑... .

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 10 de Outubro de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 30 de Novembro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Para sustentar a procedência do seu pedido invocou, em síntese, a Requerente, que o acto de fixação do VPT contestado era ilegal por ter sido aplicado o valor base do prédio (Vc) com a majoração de 25%. No entender da Requerente, aquela majoração apenas era aplicável, até 1 de Janeiro de 2021, a prédios edificados e já não a terrenos para construção, conforme resultava dos termos conjugados dos artigos 1.º, 6.º, n.º 4, 37.º, n.º 4, 38.º, 39.º e 45.º, todos do Código do IMI.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 20 de Dezembro de 2022, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            6. Em 2 de Fevereiro de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo, tendo-se defendido por excepção e, subsidiariamente, por impugnação.

           

            6.1. A título de excepção, invocou a Requerida que ao ter a Requerente optado pela arbitragem tributária, o prazo de impugnação do resultado da segunda avaliação não é o prazo de três meses previsto no artigo 134.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), mas sim o prazo de 30 dias previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea b) do RJAT. Neste sentido, concluiu a Requerida que o pedido arbitral é intempestivo, por ter sido apresentado após o prazo previsto para o efeito, requerendo a sua absolvição da instância ao abrigo do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            6.2. A título de impugnação, começou a Requerida por referir que à data dos factos o artigo 45.º do Código do IMI não determinava quanto aos terrenos para construção o “valor da área de implantação do edifício a construir”, o “valor do terreno adjacente à implantação” e o “valor das construções/edificações autorizadas ou previstas”. Assim sendo, para determinar o valor da área de implantação do edifício a construir era necessário recorrer, segundo a Requerida, aos artigos 38.º e 39.º do Código do IMI, que previam a aplicação de uma percentagem variável, que neste caso foi fixada em 25%. Nestes termos, concluiu a Requerida pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

            7. Em 7 de Fevereiro de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se notificou a Requerente para, querendo, exercer o contraditório relativamente à matéria de excepção invocada pela Requerida, direito esse que foi exercido em 23 de Fevereiro de 2023.

 

            7.1. No requerimento que apresentou, começou a Requerente por fazer referência ao entendimento de Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, Guia da Arbitragem Tributária, coord. NUNO VILLA-LOBOS/MÓNICA BRITO VIEIRA, Almedina, 2013, com o intuito de sustentar que aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, onde se inserem os pedidos de fixação de VPT’s, é aplicável o prazo de 90 dias para apresentação de pedidos de constituição de tribunal arbitral.

 

            7.2. Ainda com base na posição do referido autor, defendeu a Requerente que o prazo de 30 dias previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT apenas seria aplicável se estivesse em causa um pedido de declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos que não originem a liquidação de qualquer tributo. Isto porque, nesta situação, estes actos não são autonomamente impugnáveis.

 

            7.3. Prosseguiu a Requerente por aludir à posição de Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, de modo a suportar a legitimidade dos Tribunais Arbitrais para apreciarem a legalidade de pedidos relativos a actos de fixação do VPT. Prosseguiu a Requerente por sustentar, com base na referida autora, a inaplicabilidade à arbitragem tributária da regra que exige para a contestação judicial dos actos de fixação do VPT, o esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação. Por fim, aludiu a Requerente à posição da autora em causa para defender que o prazo de 30 dias previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT tinha a sua ratio no efeito suspensivo que era determinado pelo artigo 14.º do RJAT, que foi entretanto revogado, de tal modo que deixaram de existir razões para manter uma diferença tão substancial de prazos entre a alínea b) e a alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT.

 

            7.4. Nestes termos, concluiu a Requerente que ao ter o acto de segunda avaliação sido notificado em 11 de Julho de 2022, o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT para apresentar o pedido de pronúncia arbitral, apenas terminava em 9 de Outubro de 2022, sendo assim o pedido tempestivo.

 

            8. Em 17 de Março de 2023, a Requerente apresentou requerimento no qual requereu a junção aos autos do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido em 23 de Fevereiro de 2023, no processo n.º 0102/22.2BALSB, que, no seu entender, sustentava o entendimento de que o acto que fixa o VPT é um acto autonomamente impugnável, de tal modo que seria de 90 dias o prazo para deduzir o pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

            9. Em 15 de Maio de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização do artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações pelas partes, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

            10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária do lote de terreno para construção sito na freguesia e concelho de ..., no distrito de Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-... (“Terreno para Construção”);
  2. Em 28 de Dezembro de 2020, foi submetida electronicamente a Declaração Modelo 1 do IMI com o registo n.º ..., referente ao Terreno para Construção, com pedido de avaliação com fundamento em alteração de áreas;
  3. Em 14 de Junho de 2022, realizou-se no Serviço de Finanças de ... a reunião de segunda avaliação;
  4. Em 11 de Julho de 2022, através do Ofício n.º ..., foi a Requerente notificada do acto de fixação do VPT, constante da Ficha de Avaliação n.º ..., que apurou um VPT de € 13.244.550,00;
  5. Na fórmula de cálculo do VPT, o valor base dos prédios foi determinado com uma majoração de 25%;
  6. Em 6 de Outubro de 2022, a Requerente apresentou o pedido arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

  1. Factos não provados

 

            11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

III. SANEAMENTO

 

            13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 5.º, do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

            14. Cumpre nesta sede apreciar a excepção dilatória de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral invocada pela Requerida.

 

            15. Os prazos de apresentação de pedidos de constituição de Tribunais Arbitrais encontram-se regulados no artigo 10.º do RJAT, que determina, ao que aqui importa, o seguinte:

 

Artigo 10.º

Pedido de constituição de tribunal arbitral

1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”. (negrito nosso)

 

            16. Por seu turno, e ao que interessa para os presentes autos, prevê-se o seguinte no artigo 2.º do RJAT:

 

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”. (negrito nosso)

 

            17. Ora, da aplicação conjugada do artigo 10.º, n.º 1, alínea b) e do artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, resulta que nos casos em que seja contestada a legalidade de actos de fixação do VPT, o prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral é de 30 dias a contar da notificação do acto.

 

            18. Ainda que os actos de fixação do VPT sejam susceptíveis de impugnação autónoma, e por muito que a distinção de prazos prevista nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT tenha perdido em grande medida a sua razão de ser em face da revogação do artigo 14.º do RJAT, a verdade é que a delimitação prevista naquela norma é feita de forma expressa, clara e inteligível, não existindo razões que justifiquem a sua desconsideração no presente caso.

 

            19. Assim sendo, cumpre fixar o termo do prazo de 30 dias de que a Requerente dispunha para apresentar o pedido arbitral.

 

            20. Nos termos do n.º 1, do artigo 20.º do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o referido prazo conta-se “de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte”.

 

            21. Ora, a Requerente foi notificada do acto de fixação do VPT em 11 de Julho de 2022, pelo que o termo final do prazo de 30 dias previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, correspondia ao dia 10 de Agosto de 2022. Por conseguinte, ao ter sido o pedido arbitral apresentado em 10 de Outubro de 2022, tinha já caducado o direito de acção, sendo assim intempestivo o pedido da Requerente.

 

            22. Em face do exposto, julga-se procedente a excepção dilatória de intempestividade/caducidade do direito de acção invocada pela Requerida, determinando-se a sua absolvição da instância nos termos dos artigos 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alienas c) e e) do RJAT.

 

IV. DECISÃO

 

            Termos em que se decide julgar procedente a excepção dilatória de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância, condenando-se a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.648.910.

 

VI. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 33.966,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Maio de 2023

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

José Luís Ferreira

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

Martins Alfaro