Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 584/2022-T
Data da decisão: 2023-05-29  IMT  
Valor do pedido: € 131.243,16
Tema: IMT - Pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º, n.º1, da LGT. Intempestividade do pedido.
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RESUMO: 1. É pressuposto da revisão oficiosa a operar no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, que a ilegalidade do ato a rever seja imputável a erro de facto ou de direito imputável aos serviços da administração fiscal. 2. É intempestivo um pedido de revisão apresentado depois de decorrido o prazo de reclamação administrativa se não se verificar o referido requisito.

 

DECISÃO ARBITRAL                 

  1. RELATÓRIO

 

  1. O Pedido

A..., S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., ...‐... Lisboa (doravante Requerente) vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐ A/2011, de 22 Março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a ilegalidade do indeferimento tácito, formado em 5 de setembro de 2022, de um Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 3 de maio de 2022 e, em cumulação, sobre a ilegalidade dos atos tributários de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante IMT) praticados em diversas datas do ano de 2019, no montante total de € 131.243,16, que infra se identificam (Vd. II.1.4), requerendo a sua anulação, com as demais consequências legais.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)

2. Tramitação Processual

2.1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 04.10.2022, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06.10.2022.

2.2. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

2.3. Em 24.11.2022, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de a recusar (artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico).

2.4. Assim, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14.12.2022.

2.5. Por despacho arbitral de 14.12.2022, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, o que esta veio a fazer em 31.01.2023.

2.6. Por despacho arbitral de 01.02.2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi determinado que as Partes fossem notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias e para que a Requerente se pronunciasse sobre a exceção da caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

Pelo mesmo despacho foi consignado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e foi determinada a notificação da Requerente para proceder ao pagamento da taxa de arbitragem remanescente, conforme previsto no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT).

As partes são legítimas, estão devidamente representadas e gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Resumo da Fundamentação invocada pelas Partes
    1. Pela Requerente

3.1.1. Decorre do PPA e da documentação junta que a Requerente, no âmbito de processos de insolvência e de revitalização de empresas, agindo na qualidade de credora, adquiriu diversos bens imóveis nos anos de 2013 e 2014, como infra se dá por provado, aquisições essas que beneficiaram da isenção de IMT ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (DOCS 3, 4 e 5 anexos ao PPA).

Não tendo revendido esses bens no prazo de cinco anos previsto no artigo 11.º, n.º 6, do mesmo Código, a Requerente apresentou em 2019 os pedidos de liquidação do imposto devido, no montante total de € 131.243,16, liquidações que constituem o objeto do pedido arbitral em apreço (no mapa junto ao PPA que se reproduz a seguir são elencados os artigos matriciais dos prédios adquiridos, é feita referência ao tipo de processo, à identificação das liquidações impugnadas e aos documentos anexados). 

 

3.1.2. Não obstante não ter cumprido a condição de que as isenções dependiam, entende a Requerente que os mencionados atos de liquidação de IMT são ilegais, porque emitidos pela AT com base em manifesto erro na interpretação e aplicação in casu das regras de Direito aplicáveis dado que, continua a Requerente, as operações de aquisição dos imóveis em análise deveriam ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), uma isenção definitiva – e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 8.º do Código deste imposto. E, como tal, nunca estas operações deveriam ter gerado qualquer liquidação de IMT.

 

3.1.3. A Requerente apresenta como justificação para a opção de ter pedido a isenção condicionada prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT - e não a isenção definitiva prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE - o facto de “à data da realização das operações em análise, defendia a AT – em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina – que aquela isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação deveras limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens”.

 

Ora, continua a Requerente, “este entendimento da AT – hoje definitivamente revogado, porque ilegal – gerou inúmeras correções (ilegais) na esfera dos sujeitos passivos e, de resto, influenciou o enquadramento conferido a inúmeras operações de aquisição de imóveis então realizadas – como as operações aqui em análise”.

 

3.1.4. Por entender que os atos tributários de liquidação de IMT em análise padecem de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo no seu entender ser declarados ilegais, a Requerente apresentou, no dia 3 de Maio de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, um pedido de Revisão Oficiosa desses atos, pedido este que veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

Assim, “por não se conformar com o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa por si apresentado, e por conseguinte com a legalidade dos actos de liquidação de IMT que lhe estão subjacentes, o ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios actos de liquidação, requerendo a respectiva anulação, e a correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 131.243,16, o que faz nos termos e fundamentos que seguidamente se expõem”.

 

3.1.5. Rebatendo anterior interpretação da AT de que a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE se aplicava apenas quando havia a transmissão da “universalidade dos bens”, a Requerente passa de seguida a transcrever o citado artigo 270.º do CIRE, invocando em seu auxílio o Preâmbulo do CIRE e o seu antecessor CPEREF, daí concluindo, em síntese, que “a isenção de IMT ali consagrada é aplicável, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objecto do processo de insolvência e, por outro, face a meros actos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do activo da mesma”.

 

3.1.6. A Requerente invoca também jurisprudência do STA, afirmando que a mesma “já se pronunciou sobre esta matéria, no âmbito do Processo n.º 01085/13, de 17 de Dezembro, concluindo que a isenção em análise deve ser aplicada a “operações de alienação de elementos do activo” – contrariando o entendimento perfilhado pela AT, acima descrito, e que “O n.º2 deste artigo, não repete a isenção que estatuiu no n.º 1, estende‐a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência (…) adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa (realce e sublinhado nossos)”.

“Dos termos supra expendidos resulta ainda que a venda realizada na fase de liquidação do activo da empresa se reporte ao único bem integrante da massa insolvente, a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE será sempre aplicável”.

Em paralelo, continua a Requerente, “a decisão proferida pelo STA no Processo n.º 0949/11, de 30 de Maio, reconheceu a necessidade de assegurar uma interpretação conforme com os articulados da CRP, e que qualquer interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE contrária à interpretação descrita supra colidiria “com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto”.

 

3.1.7. A Requerente reforça a sua posição aludindo a decisões arbitrais, dizendo que são “todas no mesmo e inequívoco sentido – a aplicação de isenção de IMT não apenas às aquisições de empresas ou estabelecimentos destas (enquanto universalidade de bens), mas também às operações de aquisição de elementos do seu activo, ao abrigo do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE (cf., entre outros, Processo n.º 764/2014‐T, Processo n.º 95/2015‐T, Processo n.º 123/2015‐T)”.

 

3.1.8. Em face de tudo o que ficou exposto, conclui a Requerente, “resulta demonstrado que – ao contrário do anterior entendimento defendido (e reiteradamente aplicado) pela AT – a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é aplicável a operações de transmissão onerosa de imóveis, desde que as mesmas estejam integradas num plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou sejam praticadas na fase de liquidação da massa insolvente, incluindo assim:

1. As vendas, permutas e cessão da universalidade da empresa ou de estabelecimentos que a

constituam, e

2. As alienações isoladas de bens imóveis pertencentes ao activo da empresa insolvente”.

 

3.1.9. Assim, afirma ainda a Requerente, “resulta evidente que as operações de aquisição dos imóveis sub judice são subsumíveis no âmbito do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do CIRE e, como tal, não deveria ter havido lugar aos actos tributários de liquidação de IMT, cuja anulação aqui se requer”.

 

3.1.10. Quanto à possibilidade da convolação de benefícios fiscais, a Requerente argumenta que “importa ter presente que a jurisprudência arbitral já deixou claro (a título de exemplo, no processo n.º 363/2021‐T) que «não existe princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos; o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto ou a “convolação” de isenções. Se a Requerente, no momento da aquisição dos prédios, já beneficiava da isenção de IMT; a AT, ao efectuar a liquidação (de IMT), ignorando a existência da isenção, pratica um ato ilegal – violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE».

 

3.1.11. A Requerente reforça ainda a sua argumentação dizendo que da jurisprudência invocada decorre que “a legislação fiscal não obsta a que em relação a uma determinada situação de facto sejam aplicados diversos benefícios fiscais concorrentes entre si, que a “convolação” de isenções é, até, admitida por parte da AT na doutrina administrativa (circular 18 de 11/10/1995)” e que,  como é o caso, estão em causa isenções automáticas, que resultam direta e imediatamente da lei e, por isso, não pressupõem qualquer ato de reconhecimento – artigo 5.º, n.º 1 do EBF.

Assim, acrescenta também a Requerente que, no caso em apreço, “foi declarado o benefício fiscal vertido no artigo 8.º do Código do IMT, tendo a liquidação sido realizada com tal pressuposto pelo que, a Requerente beneficiou da isenção durante cinco anos. E, volvidos esses anos sem que os prédios tenham sido revendidos, a caducidade operou automaticamente e com efeitos ex tunc. Porém, como notou o Tribunal «estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição do regime regra fica condicionada pela ausência de revenda dos imóveis, como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar. No benefício fiscal descrito no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE a AT desenvolve uma atividade vinculada; caso se verifiquem os pressupostos, os seus efeitos reportam‐se à data de aquisição do prédio» (realces nossos) e  que «como ressuma da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo, a isenção não depende da transmissão da universalidade da empresa ou estabelecimento desta, mas também engloba as “[v]endas e permutas de imóveis (…) enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

3.1.12. Finalmente, em resumo conclusivo, a Requerente considera que os atos tributários da liquidação são ilegais uma vez que resulta evidente que, no caso vertente, se encontravam reunidos os requisitos para a aplicação da isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, peticionando que:

“a) Seja declarada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa acima identificado e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido);

b) Sejam anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMT sub judice, emitidos pela AT, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

c) Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do IMT pago relativamente às liquidações sub judice, no valor de € €131.243,16, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor”.

 

3.1.13. Tendo sido notificada para se pronunciar sobre a exceção da intempestividade  invocada pela Requerida, nas suas Alegações a Requerente repete, no essencial, a argumentação que já tinha apresentado no PPA, reafirmando que sendo a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE uma isenção automática, que resulta direta e imediatamente da lei, como decorre do disposto no artigo 5.º do EBF, e que uma vez que as transmissões em causa sempre reuniram os requisitos para aplicação desse benefício, “a AT não poderá deixar de apreciar a subsistência dessa isenção previamente à liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar”.

 

Assim, continua a Requerente, “a reposição do regime regra de tributação fica dependente não apenas da extinção do benefício fiscal condicionado pela alienação do imóvel (neste caso, no período de 5 anos), mas também pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração verifique e declare em momento prévio à liquidação do imposto que seja de efetuar”.

 Invocando o artigo 14.º do EBF, a Requerente acrescenta que, “no caso concreto, não poderia a AT, sem mais, rejeitar a aplicação do regime de isenção previsto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE com fundamento no facto de o Requerente não o ter requerido no momento de aquisição dos imóveis em apreço, mas apenas em momento subsequente aquando da apresentação do Pedido de Revisão Oficiosa”.

 

Apelando a mais doutrina e a jurisprudência arbitral (processo n.º 20/2018‐T, de 16 de Julho de 2018), a Requerente conclui “que uma vez que os atos tributários de liquidação de IMT foram emitidos pela AT, esta deveria, ao invés de emitir as liquidações de IMT controvertidas, ter considerado a aplicação do benefício ínsito no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, já que todos os pressupostos para tal se encontravam verificados”, devendo, portanto, concluir-se que o erro na emissão dos referidos atos é imputável à AT e “que estão reunidos os requisitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, i.e., a existência de um “erro imputável aos serviços” para considerar que o pedido de revisão oficiosa sub judice foi submetido tempestivamente, i.e., dentro do prazo legal de quatro anos consagrado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, logicamente também o  presente pedido arbitral é tempestivo, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT”, daqui decorrendo “necessariamente que não deverá proceder a exceção invocada pela Requerida no sentido da (alegada) intempestividade do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente”.

 

  1.   Pela Requerida

 

A Requerida defende-se por exceção e por impugnação.

 

Começando por invocar a exceção da caducidade do direito de ação, diz, em resumo:

 

A Requerente não teria direito a pedir a revisão oficiosa dos atos tributários em causa dentro do prazo em que a AT a poderia efetuar (4 anos),”por inexistência de pretenso erro imputável aos serviços, a sua revisão só se poderia efetivar, nos termos e no prazo previsto na primeira parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, ou seja, no prazo da reclamação administrativa (120 dias, contados do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação) e com fundamento em ilegalidade. (cf. art.º 78.º, n.º 1, da LGT, conjugado com os artigos n.ºs. 70.º, n.º 1, do CPPT e 102.º, n.º 1, a) do CPPT)”.

Assim, “tendo presente que as notas de cobrança referentes às liquidações em apreço, emitidas em 2019, tiveram como data limite para pagamento voluntário mais recente, a data de 20-11-2019, o pedido de revisão efetuado pelo Requerente, apresentado em 03-05-2022, é, efetivamente, intempestivo, na medida em que foi exercido quando já se encontrava amplamente ultrapassado o prazo da reclamação administrativa”.

 

Assim sendo, conclui a Requerida, “uma vez que o presente pedido foi deduzido em consequência da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão e sendo este intempestivo, igualmente se mostra o presente pedido de pronúncia arbitral intempestivo, verificando-se a caducidade do direito de ação, que constitui exceção perentória, que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente e, sendo de conhecimento oficioso, leva à absolvição da AT da instância (art.ºs 576.º n.ºs 1 e 3 e 579.º, ambos do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT)”.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.1. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 04.10.2022, tem por objeto o ato tácito de indeferimento de um pedido de Revisão Oficiosa, apresentado em 03.05.2022, nos termos do artigo 78.º da LGT, contra os atos de liquidação de Imposto Municipal de Transmissão de Imóveis (IMT) infra identificados, cujas datas para pagamento voluntário ocorreram em diversas datas do ano de 2019 (infra indicadas), no valor total de € 131.243,16, imposto este que foi pago pela Requerente.

 

1.2. Identificação das transmissões subjacentes às liquidações impugnadas (cfr. Peças processuais e documentos anexados):

1.2.1. Nos anos de 2013 e 2014, a Requerente, no contexto da sua atividade, adquiriu os seguintes imóveis que garantiam créditos que havia concedido:

- ½ do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da

união de freguesias de ... e ..., concelho de Alcobaça, adquirido em 29-01-2013 no âmbito do processo de insolvência n.º.../11...TBABC, em que era insolvente B...;

- ½ do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da

união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBVNG, em que era insolvente C...;

- As frações autónomas “D”, “F”, “M”, “N”, “O”, “S”, “V”, “X”, “Y” e “AB”, destinadas a armazéns, atividade industrial e serviços, do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho da Moita, adquiridas, em 03-02-2014, à sociedade “D..., SA.”;

- O prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Santa Cruz, adquirido, em 20-09-2013, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBSCR, em que era insolvente E...;

- O prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias da ..., concelho de Vila Verde, adquirido, em 22-05-2014, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBVVD, em que era insolvente F...;

- O prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Mafra, adquirido, em 29-09-2014, no âmbito do processo

de insolvência n.º .../13...T2SNT, em que eram insolventes G... e H...;

- O prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., e os  prédios rústicos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos..., ... e ..., todos da união de freguesias de ... e ..., concelho de Arouca, adquiridos, em 23-06-2014, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBARC, em que era insolvente I...;

- Os prédios rústicos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ..., ..., ... e ..., da  união de freguesias de ... e ..., concelho de Torres Vedras, adquiridos no âmbito do processo de insolvência n.º  .../12...TBTVD, em que era insolvente a sociedade  J..., Lda;

- O prédio urbano, destinado a armazéns e atividade industrial, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Palmela, adquirido, por adjudicação de 04-07-2014, no âmbito do PER n.º .../13...TYLSB;

- A fração autónoma “N”, destinada a comércio, do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Valongo, adquirida, em 28-01-2014, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBPDL, em que era insolvente K... .

 

1.3. Previamente às referidas transmissões, a Requerente apresentou declarações modelo 1 de IMT, tendo por via delas beneficiado da isenção prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT e, como a mesma informa nos articulados, confirmado pela Requerida, não requereu a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

 

1.4. Decorridos 5 anos sobre as transmissões ocorridas em 2013 e 2014 sem que tivesse alienado os imóveis adquiridos, a Requerente solicitou a liquidação de IMT, apresentando para o efeito novas declarações Modelo 1, que geraram as liquidações de IMT objeto do PPA, com a seguinte identificação:

- Liquidação n.º ..., de 10-01-2019, no valor de € 237,00 (DUC ...), com data limite de pagamento voluntário em 11-01-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição de ½ do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Alcobaça;

- Liquidação n.º ..., de 19-11-2019, no valor de € 123,31 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 20-11-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição de 1/2 do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia;

- Liquidação n.º..., de 17-05-2019, no valor de € 78.975,94 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 20-05-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição das frações autónomas “D”, “F”, “M”, “N”, “O”, “S”, “V”, “X”, “Y” e “AB” do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho da Moita;

- Liquidação n.º ..., de 12-02-2019, no valor de € 1.904,36 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 13-02-2019, com origem na  Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Santa Cruz;

- Liquidação n.º..., de 11-06-2019, no valor de € 791,99 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 12-06-2019, com origem na Declaração/Mod. 1

n.º 2019/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias da ..., concelho de Vila Verde;

- Liquidação n.º ..., de 08-10-2019, no valor de € 2.888,77 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 09-10-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Mafra;

- Liquidação n.º..., de 02-07-2019, no valor de € 3.283,09 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 03-07-2019, com origem na declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Arouca, e dos prédios rústicos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ..., ... e ..., da mesma união de freguesias e do mesmo concelho;

- Liquidação n.º ..., de 03-09-2019, no valor de € 3.312,99 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 04-09-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição dos prédios rústicos inscritos na respetiva matriz sob os artigos ..., ..., ... e ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Torres Vedras;

- Liquidação n.º ..., de 25-07-2019, no valor de € 35.825,71 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 26-07-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Palmela;

- Liquidação n.º..., de 07-03-2019, no valor de € 3.900,00 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 08-03-2019, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2019/..., relativa à aquisição da fração autónomas “N” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Valongo.

 

1.5. Entre as datas das liquidações iniciais de 2013 e 2014, nas quais foi averbada a isenção prevista no artigo 8.º do CIMT, e a data da apresentação do pedido de revisão em 03.05.2022, a Requerente não reclamou, não impugnou, não requereu a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, nem requereu a convolação das isenções do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, de que beneficiou, para aquela que, segundo agora afirma, sempre lhe foi aplicável.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. A exceção da intempestividade do pedido

 

Como supra se deu conta, a Requerida suscita a questão prévia respeitante à intempestividade do pedido arbitral.

Há assim e desde logo que analisar se a exceção invocada é ou não procedente caso em que ficará prejudicado o conhecimento do mérito do pedido e das demais questões suscitas pelas Partes.

Para esta análise haverá que convocar a figura da revisão dos atos tributários e os respetivos pressupostos, e analisar a natureza das liquidações impugnadas no sentido de concluir se as mesmas podem ou não considerar-se ilegais e, caso afirmativo, a quem deve ser imputada essa invocada ilegalidade.

Segundo a Requerente, a AT, ao invés de ter emitido as liquidações de IMT controvertidas, deveria ter aplicado a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, daí derivando, que a mesma cometeu um erro na interpretação dos pressupostos de direito necessários à verificação dos requisitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, i.e., a existência de um “erro imputável aos serviços”.

 

Cumpre, pois, apreciar, se, efetivamente, as liquidações impugnadas consubstanciam uma ilegalidade por erro imputável à Requerida ou se, ao contrário, essa ilegalidade não lhe pode ser imputável caso em que o prazo para requerer a revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT deveria ser o da reclamação administrativa.

 

  1. O dever de revogação dos atos tributários ilegais e seus pressupostos

 

Como se assinala na doutrina e na jurisprudência, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (Vd. artigo 266.º, nº 2, da CRP e artigo 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (Vd., por exemplo, recente Acórdão do STA de 07.04.2022, processo 02555/13, e doutrina aí citada).

 

O referido dever de revogar os atos tributários ilegais tem assento nos diversos Códigos tributários e, em termos gerais, no artigo 78.º da LGT, que passa a transcrever-se na parte relevante.

Artigo 78.º. Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Como se constata, face à letra claríssima da lei, o dever de rever os atos tributários não é um dever absoluto e incondicional.

Vejamos,

A revisão dos atos tributários, por ação da entidade que os praticou, pode ter lugar ou por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da administração tributária, nos quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, admitindo-se, como a jurisprudência vem assinalando, que o próprio contribuinte pode também tomar a iniciativa de a requerer, caso em que a administração tributária é obrigada a proceder à dita revisão (Vd, por exemplo, ACD STA de 08.06.2022, Processo 0174/19.7).

 

Quanto ao conceito de “erro imputável aos serviços” mencionado na 2.ª parte do n.º 1 do dito artigo 78.º, assinala o mesmo Acórdão do STA que “esse erro não compreende todo e qualquer “vício” (designadamente, vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, abrangendo, estes, o erro nos pressupostos de facto e de direito e sendo a imputabilidade aos serviços, independente da demonstração da culpa dos funcionários, envolvidos na emissão do ato erróneo”.

 

Como decorre do douto Acórdão citado, o conceito de erro imputável aos serviços tem um âmbito mais restrito do que a expressão, “vício”, pois que apenas integra o erro sobre os pressupostos de facto e de direito e não, por exemplo, os vícios de forma e procedimentais.

 

3. Do método declarativo prévio. A iniciativa do pedido de liquidação e da verificação dos pressupostos das isenções em sede de IMT

Decorre do PPA e das Alegações da Requerente que, em seu entender, estando em causa uma isenção automática, como é a prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, a AT não tinha que se subordinar às declarações modelo 1 de IMT que lhe foram apresentadas para liquidar o imposto e que, ao invés, deveria declarar oficiosamente que a isenção inicial era substituída por esta, abstendo-se, assim, de lançar as liquidações requeridas (e ora impugnadas).

Vejamos, em primeiro lugar, qual o enquadramento normativo, em sede do CIMT, relativo à relevância e ao momento em que as declarações modelo 1 de IMT devem ser apresentadas e quando é que o imposto, quando devido, deve ser pago.

Analisando a matéria de facto dada como provada, constata-se que os serviços de finanças, quer em 2013 e 2014, quer em 2019, se limitaram a responder à pretensão da adquirente que lhe apresentou pedidos de emissão de documentos de liquidação de IMT, no primeiro caso, ou seja em 2013 e 2014, para que os mesmos pudessem ser apresentados junto dos oficiais públicos que iriam titular as transmissões e, em 2019, para que fossem emitidas as liquidações devidas por incumprimento da condição de alienação dos bens no prazo legal de cinco anos.

 

Ora, face à prova carreada para os autos, esta sequência de declarações/petições e o momento da prática dos atos requeridos não tiveram subjacente qualquer tipo de coação imposta à Requerente nem foi cometida qualquer arbitrariedade por parte dos serviços da AT.

A prática dessas formalidades visou antes dar cumprimento ao ónus legal previsto na estrutura normativa do CIMT para que a Requerente pudesse aceder à isenção (única) que invocou e, passados os referidos cinco anos, para dar cumprimento à obrigação legal de pedir a liquidação do imposto por caducidade dessa isenção.

 

Nos impostos de obrigação única, como é o caso do IMT, cujo facto tributário consiste numa transmissão onerosa de um bem imóvel, a obrigação tributária nasce com a verificação do referido pressuposto de facto, impondo a lei que a liquidação do imposto devido seja previamente requerida e, no caso de ser devido imposto, que o mesmo seja pago antes da outorga do título translativo do referido bem.

O mesmo se passando quando a liquidação, em vez de constituir um título de pagamento, constitua um documento comprovativo que não há lugar a pagamento porque uma determinada norma fiscal beneficia o interessado e dispensa-o dessa obrigação.

 

Vejam-se, na parte mais relevante, os seguintes preceitos do CIMT, em vigor à data dos factos tributários subjudice, com base nos quais se corporiza o método declarativo prévio aplicável ao lançamento das liquidações de IMT e, quando é o caso, à declaração das respetivas isenções:

Desde logo, no artigo 10.º, n.º 1, do CIMT, enuncia-se a regra geral de que as isenções em IMT, sejam elas de aplicação automática ou sujeitas a reconhecimento administrativo, implicam a iniciativa dos interessados e o seu pedido deve ser apresentado antes da celebração do ato ou do contrato translativo dos bens e também antes da própria liquidação do imposto.

O referido preceito legal tem a seguinte redação: 1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.

E esta regra é aplicável, quer quanto às isenções previstas no próprio Código, quer também às previstas na denominada legislação extravagante.

Com efeito, determina-se neste mesmo artigo 10.º, n.º 8, alínea d), que: São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções:

d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

 

Em linha com os preceitos transcritos, o artigo 19.º estabelece o seguinte: Iniciativa da liquidação. 1. A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida. 3 - A declaração prevista no n.º 1 deve também ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, antes do acto ou facto translativo dos bens, nas situações de isenção.

Por sua vez, o artigo 22.º do CIMT determinava que: 1 - A liquidação do IMT precede o acto ou facto translativo dos bens, ainda que a transmissão esteja subordinada a condição suspensiva, haja reserva de propriedade, bem como nos casos de contrato para pessoa a nomear nos termos previstos na alínea b) do artigo 4.º, salvo quando o imposto deva ser pago posteriormente, nos termos do artigo 36.º

Este sistema de liquidação prévia é reforçado pelo artigo 49.º do CIMT, que impõe algumas regras de cooperação aos notários e a outras entidades que desempenhem funções idênticas, dispondo: Artigo 49.º Obrigações de cooperação dos notários e de outras entidades 1 - Quando seja devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais, bem como as entidades e profissionais com competência para autenticar documentos particulares que titulem actos ou contratos sujeitos a registo predial, não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares ou autenticar documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, sem que lhes seja apresentado o extracto da declaração referida no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva preceder a transmissão.  Havendo lugar a isenção, as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam.

 

Como se constata, no caso das isenções, a regra da precedência da verificação da isenção, trate-se de isenções automáticas ou pendentes de reconhecimento, está em linha com a obrigação de liquidação e pagamento prévio do imposto, não restando ao intérprete ou aplicador da lei margem para atuações discricionárias ou para agir em termos diferentes.

Assim, daqui se conclui que quer com a emissão das liquidações (a zeros), prévias às transmissões, quer com as liquidações efetivas de 2019 ora impugnadas, não foi cometida qualquer ilegalidade, nem por parte da AT nem por parte da Requerente, tudo se passando de acordo com a legislação aplicável e nada se extraindo que permita preencher o requisito de se estar perante um “erro imputável aos serviços” exigido no citado n.º 1 do artigo 78.º da LGT, para que se procedesse à revisão das liquidações em causa.

 

4. Da justificação invocada pela Requerente para que as transmissões ocorridas em 2013 e 2014 não tivessem beneficiado da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e tivessem antes beneficiado da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT (vd artigos 35.º e seguintes da P.I.).

 

Diz a Requerente que a “aquisição dos imóveis em análise deveria ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), uma isenção definitiva – e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 8.º do Código deste imposto. E, como tal, nunca estas operações deveriam ter gerado qualquer liquidação de IMT”.

Contudo, acrescenta a Requerente, “à data da realização das operações em análise, defendia a AT – em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina – que aquela isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação deveras limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens”.

 

Decorre da argumentação da Requerente, repetida ao longo do seu articulado e sintetizada no parágrafo supra transcrito, que a causa de não ter invocado, em 2013 e 2014, a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, se deveu ao facto de, nas datas em que apresentou as declarações modelo 1, a AT considerar que só as aquisições da “universalidade dos bens” – e não a aquisição de bens isolados – é que poderia beneficiar daquela isenção.

 

Ora, constatando-se que, efetivamente, a AT seguiu o entendimento invocado pela Requerente, o qual veio a ser contrariado, mormente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (amplamente referenciada pela Requerente), a verdade é que a Requerente não apresentou qualquer prova de que tenha reagido oportunamente, fosse por via administrativa ou judicial, a tal entendimento da AT ora Requerida.

Por outro lado, como é público, constata-se que a mesma AT alterou a sua posição, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 26 de janeiro de 2017, divulgado através da circular 4/2017 (consultável no Portal das Finanças), tendo adaptado a sua posição à jurisprudência dos tribunais superiores, nos seguintes termos:

“A aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento. Assim, os atos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Ora, da mesma maneira que a Requerente não demonstrou que tivesse reagido contra a posição da AT quando requereu em 2013 e 2014 as liquidações do IMT com invocação do artigo 8.º, n.º 1, do respetivo Código, também não demonstrou que o tenha feito em 2017, perante a alteração da posição da AT, quando decorria ainda o prazo de cinco anos previsto no n.º 6 do artigo 11.º do CIMT.

 

Do que fica exposto conclui este tribunal que a Requerente se conformou com as isenções declaradas previamente às transmissões de 2013 e 2014, nada tendo feito, nem durante os prazos de impugnação administrativa ou judicial, nem depois de ter sido alterada a posição da AT relativa à abrangência da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIMT, para pedir a convolação das isenções (condicionadas) de que beneficiou para aquelas que considerava e considera mais vantajosas.

Ora, como é sabido, a falta de ação para lá dos prazos legais faz precludir o respetivo direito e só em caso de nulidade – vício que aqui não foi invocado e que não se reconhece – é que o n.º 3 do artigo 102.º do CPPT permitiria agir a todo o tempo.

 

Assim, também nesta vertente não se encontra qualquer ilegalidade ou erro imputável à Requerida que permita sustentar o pedido de revisão previsto no n.º 1, parte final, do artigo 78.º da LGT.

 

  1. A convolação ou sucessão de isenções

 

Argumenta a Requerente que não está proibida a convolação de isenções dizendo que “a legislação fiscal não obsta a que em relação a uma determinada situação de facto sejam aplicados diversos benefícios fiscais concorrentes entre si” (artigo 64.º da PI e Alegações).

 

O presente Tribunal Arbitral não acompanha esta argumentação.

Com efeito, como é do conhecimento da comunidade jurídica em geral, uma das diferenças entre direito público e direito privado é que prima facie no direito privado é permitido tudo o que não estiver proibido, enquanto que, no direito público, só é permitido o que estiver previsto na lei.

 

O direito publico é pautado pelo princípio da decisão vinculada e fundamentada na lei, sendo que, no caso do direito tributário, mormente no caso dos elementos essenciais do imposto, onde se incluem os benefícios fiscais, vigora o princípio da legalidade e os seus corolários da tipicidade e da proibição de integração de lacunas por analogia, determinando o n.º 3 do artigo 103.º da CR que a liquidação e cobrança dos impostos só pode efetivar-se nos termos da lei.

 

O que acontece é que não só não há nenhuma norma no sistema fiscal que permita a convolação ou sucessão de benefícios fiscais, nos termos pretendidos pela Requerente, como, ao contrário, o artigo 14.º, n.º 1, do EBF determina que “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra”.

Este preceito contém o afloramento de uma regra geral no sentido de que a um benefício fiscal que caducou não se vai aplicar outro que o substitua, o que aquela norma determina, ao invés, é que perante a extinção ou caducidade de um benefício fiscal, operando ex tunc, se vai repor e aplicar a norma de incidência que tinha ficado suspensa ou condicionada pela aplicação do referido benefício.

 

No caso específico do IMT, é em obediência àquela norma que o artigo 34.º do CIMT determina que:

1 - No caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas, nos termos do artigo 11.º, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respetiva liquidação.

2 - O pedido é efetuado em declaração de modelo oficial e deve ser entregue no serviço de finanças onde foi apresentada a declaração referida no artigo 19.º ou, caso não tenha havido lugar a essa apresentação, no serviço de finanças da localização do imóvel.

 

A propósito da convolação de isenções chamam-se à colação oportunas considerações expendidas na decisão arbitral proferida no processo 613/2021-T, versando uma situação tributária semelhante à aqui em apreço, em que se considerou que “o caráter automático de um benefício fiscal não desonera o interessado de o invocar perante a administração.

 Aliás, continua a referida decisão arbitral, nem poderia ser de outro modo, pois sistemas de “tributação em massa”, como são os atuais, assentam nas declarações dos contribuintes – a obrigação de imposto é, num primeiro momento, apurada face ao por eles declarados, até pela impossibilidade prática de ser a administração a conhecer e apurar oficiosamente cada situação tributária. Isto sem prejuízo da possibilidade de posterior correção do declarado, por não correspondência à verdade ou à legalidade, a iniciativa da administração e, também, por iniciativa dos próprios, os quais se podem insurgir, através das vias procedimentais ou processuais adequadas, contra liquidações fundadas em erróneas declarações por si apresentadas. Este princípio da declaração – estrutural do sistema fiscal, como vimos - aparece expressamente afirmado para casos como os em análise pela al. d) do nº 8 do art.º 10 do CIMT - são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código (no presente caso, o CIRE). Está em causa um ónus, a exigência legal que o interessado pratique determinada conduta, juridicamente relevante, sob pena de não alcançar um benefício, ou, eventualmente, suportar uma desvantagem. Neste caso, o ónus de declarar que as aquisições efetuadas preenchiam os pressupostos da isenção prevista no artº 270º, nº 2, do CIRE. Ónus que, por regra, deveria ser cumprido antes dos atos translativos dos imóveis, como dispõe a citada norma do CIMT. Ora, a Requerente nunca declarou à AT que tais aquisições estavam abrangidas pelo artº 270º, n.º 2 do CIRE, nunca substituiu ou tentou substituir a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção prevista no artº 7º do CIMT) por outra em que invocasse a aplicabilidade desta outra isenção. Se a sua pretensão tivesse sido negada, teria, então, a possibilidade de a tentar fazer valer judicialmente pelo meio processual adequado. Mas não o fez. Aliás, como dado provado, foi a Requerente quem “provocou” as liquidações que ora impugna”.

 

Em conclusão do acabado de expor, este tribunal constata que ao ter lançado as liquidações ora impugnadas e ao não ter convolado oficiosamente as isenções previstas no artigo 8.º n.º 1 do CIMT declaradas em 2013 e 2014 para as isenções previstas no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, não foi cometida qualquer ilegalidade imputável aos serviços da AT suscetível de integrar o requisito da revisão previsto no n.º 1, parte final, do artigo 78.º da LGT.

 

6. A terminar, invoca-se o recente Acórdão do STA de 08.06.2022, processo 0174/19.7, em que se analisa uma situação tributária com contornos semelhantes e onde é igualmente abordado o conceito de erro imputável aos serviços.

Diz o referido douto Acórdão, analisando a revisão prevista no artigo 78.º da LGT, que “o termo “imputável” vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de “suscetível de ser imputado; atribuível”, o qual, conformado com a, necessária, compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da LGT), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário”.

“Em função, imediatista, desta última premissa, estando, na situação aprecianda, principalmente, na liça, ato de liquidação de IMT (…) despoletados pela aprestação de declaração Modelo 1 do IMT, no STA, já, se defendeu (Acórdão de 9 de janeiro de 2013, processo n.º 01077/12; disponível em www.dgsi.pt) que:

(…).

A liquidação de IMT foi efectuada por iniciativa da Requerente, com base na declaração por ela apresentada para o efeito (cfr. arts. 19.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, do Código do IMT) e a Requerente só pagou o montante liquidado porque quis. Se, ulteriormente, seja porque não se verificou o facto tributário, seja porque o imposto, afinal, não fosse devido, a liquidação foi anulada, o certo é que não poderá afirmar-se que tenha havido erro imputável aos serviços da AT. O erro terá sido, isso sim, da própria Requerente, que apresentou a declaração com base na qual a AT procedeu à liquidação do imposto.

Contrariamente ao que parece supor a Recorrente, quando alguém se apresenta nos serviços da AT a solicitar a liquidação de IMT em ordem à celebração de um negócio, a Administração não fica obrigada a uma exaustiva análise das circunstâncias factuais e das regras jurídicas a fim de averiguar se o imposto é ou não devido, bastando-se com um juízo de primeira aparência.

(…). »

Não obstante o tempo decorrido desde esta pronúncia, atualmente, não vemos motivos (desde logo, de evolução legislativa (O art. 19.º n.º 1 do CIMT continua a estatuir que “A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida” e o art. 21.º n.º 1 a estabelecer “O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo …”) para deixar de continuar a entender da mesma forma, sobretudo, em casos, como o que nos ocupa, onde a apresentação de uma declaração, pelo sujeito passivo, do imposto a liquidar, afasta, à partida, pela normalidade das situações típicas, a identificação/pressuposição de que o mesmo reúne condições para usufruir de um benefício fiscal, em cédula de IMT (e IS)”.

 

7. Em conclusão final, este tribunal considera intempestivo o pedido de revisão ao abrigo do artigo 78.º da LGT, apresentado pela Requerente em 3 de Maio de 2022, tendo por objeto liquidações de IMT lançadas, notificadas e pagas em 2019 (como supra se dá como provado), por não se verificar o requisito de “erro imputável aos serviços” que é exigido na parte final do n.º 1 do  referido artigo 78.º para que a administração tributária, ora Requerida, estivesse vinculada ao dever de proceder à revisão oficiosa aí prevista no prazo de quatro anos a contar da liquidação.

 

Sendo intempestivo o pedido de revisão é igualmente intempestivo o pedido de pronúncia arbitral em apreço, concluindo-se assim pela caducidade do direito de ação, que constitui exceção perentória que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente e que conduz à absolvição da Requerida da instância.

 

 

DECISÃO

Nestes termos, o presente tribunal arbitral julga procedente a exceção da intempestividade do pedido, absolvendo a Requerida da instância (artigos 576.º n.ºs 1 e 3 e 579.º, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT) e condenando a Requerente nas custas. 

 

 

VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 131.243,16.

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, é de € 3.060,00 o montante das custas previstas no

artigo 4.º da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se

Lisboa, 29 de maio de 2023

 

 

Os árbitros,

 

 

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Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (Árbitro Presidente)

 

 

 

 

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Professor Doutor Jónatas Machado - Árbitro Adjunto

 

 

 

 

 

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Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus (Árbitro Adjunto - Relator)