SUMÁRIO
I – Tendo a anulação administrativa do ato tributário impugnado sido apenas parcial, ainda que em data anterior à da constituição do Tribunal Arbitral, quando, ao invés, foi requerida a sua anulação integral, não se verifica a inutilidade originária da lide, se a Requerente se não conformou com essa anulação parcial.
II – Não dando a revogação dos atos de liquidação contestados satisfação à pretensão formulada pelo sujeito passivo, e mantendo o sujeito passivo interesse no prosseguimento dos autos, não se poderá concluir estarem reunidos os requisitos de que depende a extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide.
III – A anulação administrativa do ato impugnado em data anterior à da constituição do Tribunal Arbitral não obsta ao conhecimento do direito a juros indemnizatórios, se o processo vier a prosseguir com esse objetivo.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (árbitro presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr.ª Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 2 de novembro de 2022, acordam no seguinte:
-
RELATÓRIO
A..., Ld.ª, com o NIPC ... e com sede na Avenida ..., n.º ... –..., ...-... Vila do Conde (doravante designada por “Requerente”), veio, em 24 de agosto de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26 de agosto de 2022 e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou as signatárias como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo estas comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
Objeto do pedido
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação adicional de IMT n.º..., de 22 de junho de 2022, no valor global de € 98.096,21, a que corresponde o DUC n.º ... .
Cumulativamente, pede a Requerente o reembolso do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT.
A Requerente atribui ao pedido o valor económico de € 98.096,21, equivalente ao valor do imposto e juros compensatórios cuja anulação pretende.
Síntese da posição das Partes
Da Requerente
A Requerente fundamenta o pedido nos factos e razões que, sucintamente, se descrevem:
-
A Requerente exerce a atividade de compra de prédios para revenda.
-
Em 15 de dezembro de 2015, a Requerente, na qualidade de adquirente, celebrou escritura pública de contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real, relativamente a um prédio urbano sito em Lisboa, que lhe foi entregue na mesma data.
-
A promessa de aquisição de bens imóveis com tradição está sujeita a IMT, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT.
-
A Requerente beneficiou da isenção prevista no artigo 7.º do mesmo Código, tendo-lhe sido emitida a liquidação de IMT n.º..., de que não resultou imposto a entregar ao Estado.
-
Em 15 de abril de 2016, foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda do mesmo prédio, tendo a AT emitido para o efeito a liquidação de IMT n.º ..., no valor de € 0,00, por a Requerente beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT.
-
Em 9 de março de 2017, a Requerente vendeu o imóvel que havia adquirido em 15 de abril de 2016.
-
Em 4 de maio de 2022, a AT notificou a Requerente para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento da liquidação de IMT no valor de € 78.000,00, acrescido dos juros compensatórios devidos pelo contrato-promessa com tradição, celebrado em 15 de dezembro de 2015, referente ao prédio identificado na declaração Mod.1 de IMT n.º 2015/....
-
A Requerente alega que, tratando-se de uma liquidação adicional, a mesma é ilegal por ter já decorrido o prazo de caducidade do direito a liquidar (quatro anos), nos termos do n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT.
-
Alega a Requerente ainda que a mesma liquidação padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto:
-
A transmissão, para efeitos fiscais, operada pelo contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, e tradição do imóvel, integra o conceito de “aquisição”, quer para efeitos de incidência de imposto, quer para efeitos de reconhecimento de isenções;
-
A isenção prevista no artigo 7.º do CIMT destina-se à aquisição de prédios para revenda;
-
A Requerente exerce normal e habitualmente a atividade de compra de prédios para revenda;
-
A revenda do prédio ocorreu no prazo de três anos, conforme escritura de compra e venda realizada em 9 de março de 2017.
A Requerente juntou ao PPA prova documental constituída por 8 documentos.
Da Requerida
Em 3 de outubro de 2022, data anterior à constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida comunicou ao CAAD, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, a revogação parcial do ato tributário impugnado nos presentes autos, conforme o Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da AT para a Área de Gestão Tributária – Património, datado de 30 de setembro de 2022.
O Exmo. Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente, em 4 de outubro de 2022, para nos termos do n.º 2 do artigo 13.º, do RJAT, informar sobre o não prosseguimento do procedimento, com a cominação de que, na ausência de pronúncia, o procedimento seguiria os trâmites normais.
A Requerente nada disse, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído em 2 de novembro de 2022.
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT fez juntar o processo administrativo (PA) e apresentou Resposta, na qual:
-
Remeteu para o teor do já identificado Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da AT, de 30 de setembro de 2022, que revogou parcialmente a liquidação de IMT e juros compensatórios objeto da presente ação arbitral, defendendo a inutilidade originária da lide.
-
Informou o Tribunal Arbitral de que, em 5 de dezembro de 2022, havia sido restituído à Requerente o montante do imposto pago, no valor de € 78.000,00, acrescido de juros compensatórios no valor de € 19.044,81, assim dando “cumprimento pleno e integral do julgado revogatório favorável ao sujeito passivo, nos precisos termos do artigo 100.º n.º 1 e n.º 2 da LGT”.
-
Invocou a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para julgar o pedido de juros indemnizatórios, por a ação arbitral não ser o meio processual adequado à pretensão da Requerente.
-
Defendeu que, ainda que assim se não entenda, não assiste à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto a liquidação impugnada decorreu de um comportamento/erro imputável ao sujeito passivo no preenchimento da declaração modelo 1 de IMT n.º 2015/..., e não da AT, à qual não poderá nunca ser imputado;
-
Defendeu ainda que, face à anulação administrativa da liquidação de IMT em data anterior à constituição do Tribunal Arbitral, o prosseguimento do processo “por acto expresso da Requerente, será a mesma responsável pelas custas, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.”.
***
Pelo Despacho Arbitral de 15 de dezembro de 2022, foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, informar sobre se mantém interesse no prosseguimento do processo, considerando que o ato de liquidação impugnado foi parcialmente revogado pela AT, bem como para, no mesmo prazo, apresentar, querendo, requerimento de resposta às exceções suscitadas pela Requerida.
Por requerimento de 22 de dezembro de 2022, veio a Requerente responder à matéria de exceção, (i) negando verificar-se a incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir do pedido de juros indemnizatórios, porquanto este não foi formulado autonomamente, sendo meramente acessório do pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de imposto e juros compensatórios, e (ii) reiterando o seu direito à perceção daqueles juros indemnizatórios.
Nos termos do Despacho Arbitral datado de 30 de janeiro de 2023, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, sendo as Partes notificadas para, no prazo de 10 dias, apresentarem alegações escritas finais, com indicação de que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, devendo a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
A Requerida apresentou as suas alegações escritas dentro do prazo designado, nas quais remeteu expressamente para quanto havia dito em sede de resposta.
A Requerente não produziu alegações.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 2 de novembro de 2022, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não padece de vícios que o invalidem. As exceções suscitadas pela Requerida serão conhecidas depois de apreciada a matéria de facto.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
Na Decisão Arbitral, o Tribunal discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:
-
Factos Provados
-
A Requerente tem por objeto social e está coletada para o exercício da atividade de compra e venda de bens imobiliários – CAE – 68100, desde 14 de junho de 2013, atividade que exerce normal e habitualmente (cf. referido no PPA e na Resposta da AT).
-
Em 15 de dezembro de 2015, a Requerente apresentou a declaração modelo 1 de IMT registada sob o n.º 2015/..., referente à promessa de aquisição com tradição, à sociedade B..., S.A., pelo valor de € 1.200.000,00, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 344.330,00, tendo declarado que o mesmo se destinava a revenda (cf. referido no PPA e na Resposta da AT).
-
Tendo por base a declaração modelo 1 identificada no ponto precedente, a AT emitiu, na mesma data, o DUC n.º ..., pelo valor total de € 0,00, indicando como facto tributário o “contrato promessa com tradição” do imóvel antes identificado, a que foi associado o benefício fiscal ao sujeito passivo com o número 15 – “Prédios para revenda (Artº 7º do CIMT)” (cf. Doc. n.º 2 junto ao PPA).
-
Na mesma data, a Requerente, na qualidade de promitente compradora, e a sociedade B..., S.A., na qualidade de promitente vendedora, outorgaram escritura pública de “Contrato promessa de compra e venda com eficácia real” tendo por objeto o prédio já identificado, pelo preço de € 1.200.000,00 (cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA).
-
De acordo com a Cláusula Oitava da citada escritura de contrato-promessa de compra e venda, a tradição material do prédio e consequente transferência da posse para a Requerente, ocorreu na data do contrato, tendo ficado arquivada, no maço de documentos do respetivo livro de notas, o documento comprovativo da isenção de IMT com o n.º ..., de 15 de dezembro de 2015 (cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA).
-
Em 29 de março de 2016, a Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 1 de IMT, registada sob o n.º ..., referente à aquisição, pelo preço de € 1.200.000,00, do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 344.330,00, objeto do contrato promessa de compra e venda com eficácia real celebrado em 15 de dezembro de 2015 (cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA).
-
Em 15 de abril de 2016, entre os outorgantes anteriormente identificados, foi celebrada a escritura pública de compra e venda do referido prédio urbano, na qual ficou consignado que a Requerente o destinava a revenda, e ficando arquivada a “Declaração com o número ... emitida pela A.T. relativa ao Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, liquidada em 29/03/2016 a “zeros” em virtude do benefício Art.º 7.º do CIMT – prédios para Revenda” (cf. Doc. n.º 3 junto ao PPA).
-
Por escritura pública datada de 9 de março de 2017, a Requerente vendeu o prédio urbano identificado supra, sem que da referida escritura de compra e venda constasse que o adquirente o destinava a revenda (cf. Doc. n.º 5 junto ao PPA).
-
Através do ofício n.º ... do Serviço de Finanças de Lisboa ..., datado de 4 de maio de 2022, foi a Requerente notificada nos termos do n.º 6 do artigo 36.º do CIMT para, no prazo de 30 dias, “efetuar o pagamento de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis no valor total de € 78.000,00 (setenta e oito mil euros), acrescido de juros compensatórios, devidos pelo Contrato de Promessa com Tradição, que efetuou em 15.12.2015, relativamente ao bem identificado na declaração Mod1 de IMT n.º 2015/...”, com a cominação de que, não o fazendo, seria extraída certidão de dívida para cobrança coerciva (cf. Doc. n.º 6 junto ao PPA).
-
Em 24 de junho de 2022, foi emitida à Requerente a liquidação de IMT n.º ..., a que corresponde o DUC n.º..., no montante global de € 98.096,21 (cf. o artigo 1.º da resposta da Requerida – facto não contestado).
-
Por ofício do Serviço de Finanças de ..., datado de 24 de julho de 2022, foi expedida à Requerente a citação no processo de execução fiscal n.º ...2022..., instaurado para pagamento da liquidação de IMT e juros compensatórios antes mencionada, que constituíram a respetiva quantia exequenda, pelo valor de € 98.096,21 (€ 78.000,00 de IMT e € 20.096,21 de juros compensatórios), acrescida de juros de mora de € 72,73 e de custas de € 396,30, no montante global de € 98.565,24 (cf. Doc. n.º 7 junto ao PPA, e artigo 24.º da Resposta da AT).
-
A Requerente procedeu ao pagamento da quantia exequenda e acrescidos, pela quantia total de € 98.565,24, em 17 de agosto de 2022 (cf. Doc. n.º 8 junto ao PPA).
-
O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 26 de agosto de 2022 (cf. registo do CAAD).
-
Em 30 de setembro de 2022, a Senhora Subdiretora-Geral da AT para a Área de Gestão Tributária – Património proferiu despacho de revogação parcial da liquidação ora impugnada, nos termos e com os efeitos da informação prestada pela DSIMT, no qual se concluiu que:
“V - CONCLUSÃO
Face ao exposto, e para efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, propõe-se:
• A revogação parcial do ato de liquidação de IMT objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (liquidação n.º..., datada de 2022-06-24);
• Restituição do montante pago a título de imposto, €78.000,00;
• Mantendo-se a liquidação de juros compensatórios, os quais são devidos, pelo período decorrido entre 2015-12-15 e 2016-04-15.
À consideração superior”
(cf. registo do CAAD e Doc. anexo à Resposta da Requerida).
-
Em 3 de outubro de 2022, a Requerida comunicou ao CAAD o teor do despacho de revogação parcial do ato tributário impugnado, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT (cf. registo do CAAD).
-
O Exmo. Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente do despacho de revogação parcial do ato tributário impugnado, em 4 de outubro de 2022, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º, do RJAT (cf. registo do CAAD).
-
Em 5 de dezembro de 2022, a Requerida restituiu à Requerente o montante do imposto pago (€ 78.000,00), acrescido de € 19.044,81, a título de juros compensatórios (cf. artigo 6.º da Resposta da AT, facto não contestado pela Requerente).
B. Factos não provados
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.
III.2. DO DIREITO
Questões decidendas
As questões a decidir nos autos são as de saber:
-
Se, na sequência da revogação parcial do ato tributário impugnado nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, o processo ficou originariamente destituído de objeto?
-
Se, tendo a AT procedido à restituição do imposto pago pela Requerente, acrescido de juros compensatórios, antes da prolação da decisão arbitral, se verifica a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), com a consequente extinção da instância?
-
Se, subsistindo o interesse da Requerente apenas quanto ao pedido de juros indemnizatórios, se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral para a sua apreciação?
-
Se a liquidação objeto de anulação administrativa foi motivada por erro imputável aos serviços de que decorra o direito da Requerente aos peticionados juros indemnizatórios?
-
A quem cabe a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais?
Apreciação
-
Quanto aos efeitos da revogação parcial do ato tributário impugnado. Da impossibilidade originária da lide.
O processo arbitral tributário inclui duas fases distintas, a primeira das quais – fase administrativa – tem início com a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral e sua notificação à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 10.º do RJAT.
A esta notificação segue-se um período de 30 dias, durante o qual a Requerida pode “proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão” (cf. artigo 13.º, n.º 1, do RJAT).
Este prazo de 30 dias (prazo para o “arrependimento”[1] da AT) permite a reapreciação administrativa da situação objeto do pedido de pronúncia arbitral, podendo a Administração Tributária, com base em critérios de legalidade, praticar os atos secundários de revogação (a anterior revogação anulatória de atos inválidos, cuja função era “a de destruir, e não apenas fazer cessar, os efeitos de uma anterior decisão administrativa inválida, sendo tal invalidade a causa determinante do acto anulatório”[2], atualmente designada por “anulação administrativa”, na terminologia do artigo 165.º, n.º 2, do novo CPA), ou de ratificação, reforma ou conversão do ato tributário impugnado.
Em tal caso, dispõe o n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, o sujeito passivo é notificado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, tendo o seu silêncio por efeito o prosseguimento do procedimento e a constituição do tribunal arbitral.
Com a constituição do tribunal arbitral (cf. artigo 15.º do RJAT), tem início o processo arbitral propriamente dito.
Revertendo para o caso concreto, verifica-se que, na sequência do pedido de constituição do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade do ato de liquidação de IMT identificado no pedido de pronúncia arbitral, a Requerida comunicou ao CAAD a revogação parcial daquele ato tributário, nos termos do Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da AT para a Área de Gestão Tributária – Património, de 30 de setembro de 2022. Notificada para se pronunciar sobre o teor de tal Despacho, a Requerente nada disse.
Em sede de Resposta, veio a AT invocar o referido Despacho revogatório, informando que “em cumprimento do acto revogatório, com todos os efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo, nos termos do artigo 100.º da LGT, foi o julgado, na sequência do acto de revogação, integralmente cumprido, nos seguintes termos, a 05-12-2022, foi restituído o montante de imposto pago correspondente ao acto revogado, no valor de € 78.000,00, acrescido de € 19.044,81 a título de juros compensatórios”.
Entende a AT que “a pretensão principal da Requerente - anulação do acto de liquidação por efeito da respectiva revogação - foi plenamente alcançada antes da constituição do Tribunal Arbitral” (cf. artigo 32.º da Resposta), pelo que “a anulação administrativa da liquidação de IMT controvertida determinou a inutilidade originária da lide” (cf. artigo 43.º da Resposta).
Recorde-se, então, o teor da informação sobre a qual incidiu o já mencionado Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da AT para a Área de Gestão Tributária – Património, de 30 de setembro de 2022:
“V - CONCLUSÃO
Face ao exposto, e para efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, propõe-se:
• A revogação parcial do ato de liquidação de IMT objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (liquidação n.º ..., datada de 2022-06-24);
• Restituição do montante pago a título de imposto, €78.000,00;
• Mantendo-se a liquidação de juros compensatórios, os quais são devidos, pelo período decorrido entre 2015-12-15 e 2016-04-15.
À consideração superior”
Do confronto entre o pedido de anulação da liquidação de IMT (que, para além do imposto, incluí juros compensatórios com ele conjuntamente liquidados) com o teor da informação acima transcrita, conclui-se que a pretensão da Requerente não foi integralmente alcançada.
Nem tampouco resulta claro o motivo pelo qual o Despacho revogatório em causa apenas anulou o imposto, mas não os juros compensatórios, sendo os juros compensatórios uma prestação meramente acessória, cuja base de cálculo é, precisamente, o imposto em falta e agora administrativamente anulado.
Conclui-se, pelo exposto, que, tendo a anulação administrativa do ato tributário impugnado sido apenas parcial, ainda que em data anterior à da constituição do Tribunal Arbitral, quando, ao invés, foi requerida a sua anulação integral, se não verifica a inutilidade originária da lide, se a Requerente se não conformou com essa anulação parcial.
-
Quanto à restituição do imposto e dos juros compensatórios pagos pela Requerente. Da inutilidade superveniente da lide.
Tal como foi referido no ponto precedente, a Requerida veio informar em sede de Resposta que, em 5 de dezembro de 2022, havia dado cumprimento ao ato revogatório, devolvendo à Requerente o montante do imposto correspondente ao ato tributário anulado, no valor de € 78.000,00, acrescido de € 19.044,81 a título de juros compensatórios (cf. artigos 6.º e 30.º da Resposta). Tendo a Requerida citado a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 497/2019-T), supõe-se que pretende aludir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Ora, no que respeita ao caso sub judice ocorrem, a este respeito, duas observações:
Em primeiro lugar, apenas em sede de Resposta foi dado conhecimento ao Tribunal Arbitral da restituição à Requerente de parte dos juros compensatórios que integravam a liquidação de IMT objeto dos presentes autos. Como resulta dos documentos n.ºs 6 e 7 junto ao PPA, a quantia exequenda do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da mesma liquidação era de € 98.096,21, sendo o imposto de € 78.000,00 e os juros compensatórios de € 20.096,21. Se a AT restituiu à Requerente juros compensatórios no valor de € 19.044,81 (cf. indicado da Resposta), tem a AT ainda de restituir à Requerente a quantia de € 1.051,40.
Em segundo lugar, desconhece-se a data e o autor da decisão de restituição dos juros compensatórios que não foram anulados pelo Despacho da Senhora Subdiretora-Geral da AT para a Área de Gestão Tributária – Património, de 30 de setembro de 2022, embora sendo certo que tal restituição ocorreu na pendência do presente processo arbitral.
Se a revogação do ato impugnado após constituição do Tribunal Arbitral der satisfação à pretensão formulada pela Requerente, tal revogação constituirá causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Tal como referido pelo Douto Supremo Tribunal Administrativo, “Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente”.[3]
Os efeitos jurídicos pretendidos pela Requerente, de acordo com o pedido formulado na petição inicial, consistem não só na anulação integral da liquidação de IMT n.º..., de 24 de junho de 2022, e devolução do respetivo valor indevidamente pago, mas também no reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Ora, a AT não devolveu a totalidade dos juros compensatórios pagos pela Requerente, nem pagou à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga por esta. Mantendo a Requerente interesse no prosseguimento dos autos, por não ter obtido a plena satisfação da sua pretensão na pendência da ação arbitral, não se poderá concluir estarem reunidos os requisitos de que depende a declaração de inutilidade superveniente da lide, com a consequente absolvição da Requerida da instância.
Em sentido idêntico já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 25 de janeiro de 2017, processo n.º 01693/15, cujo sumário parcialmente se transcreve:
“I - Ocorre erro de julgamento e não omissão de pronúncia se a decisão de primeira instância declarou totalmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quando devia ter considerado o pedido de juros indemnizatórios efetuado na petição de impugnação.
II - Estando definitivamente assente que aos benefícios do SIFIDE, corresponde apenas a quantia de € 1.552.956,96, por decisão final da Comissão Certificadora, e vindo peticionados juros (embora relativos a uma quantia de SIFIDE superior) impõe-se que o tribunal de 1ª instância proceda ao conhecimento desta questão. (…)”.
Improcede assim também esta exceção dilatória invocada pela Requerida.
-
Da exceção de incompetência material do tribunal arbitral para julgar o pedido de juros indemnizatórios
Se, quanto ao pedido principal de anulação da liquidação da liquidação de IMT de que tratam os autos, a Requerida defende seja a inutilidade originária, seja a inutilidade superveniente da lide, já quanto ao pedido acessório de reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios, vem invocar a incompetência material do Tribunal Arbitral para o esse julgamento.
O fundamento para a exceção invocada radica no facto de o pedido de juros indemnizatórios ser meramente residual relativamente à anulação administrativa do ato tributário impugnado e restituição da prestação tributária indevidamente paga.
Entende a Requerida que, não tendo o legislador atribuído ao processo arbitral tributário a natureza de ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, mas tão só a de um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, não poderá a Requerente, através da presente ação, obter o conhecimento autónomo do seu direito a juros indemnizatórios, assim como o não poderia obter no processo de impugnação judicial.
Crê-se, no entanto, que não assiste razão à Requerida quanto a esta questão, porquanto, como decorre do PPA e do requerimento apresentado pela Requerente em resposta à matéria de exceção suscitada pela AT, os juros indemnizatórios não foram objeto de um pedido autónomo, mas antes de um pedido acessório do pedido principal de anulação do ato tributário de liquidação.
Por outro lado, muito embora a competência dos tribunais arbitrais tributários seja estabelecida pelo artigo 2.º do RJAT, cujas alíneas a) e b) do seu n.º 1 utilizam a expressão “declaração de ilegalidade”, sem qualquer referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que, sendo o processo arbitral tributário “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial”, se compreendem nessas competências as que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, designadamente a de apreciação do direito a juros indemnizatórios e condenação da AT no seu pagamento.
Tal conclusão resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. No artigo 61.º, n.ºs 2 e 4, do CPPT, em que se faz referência à decisão judicial que reconheceu o direito a juros indemnizatórios, e no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, que aponta como efeito da decisão arbitral favorável ao sujeito passivo “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
A anulação administrativa do ato impugnado em data anterior à da constituição do tribunal arbitral não obsta, pois, ao conhecimento do direito a juros indemnizatórios, se o processo vier a prosseguir com esse objetivo. Conforme se pode ler no Acórdão do Douto Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de novembro de 2022, processo no 02873/14.0BELRS: “Em caso de revogação anulatória do ato tributário de liquidação de IRS, os juros indemnizatórios devidos pelo pagamento indevido do imposto são contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito”. No mesmo sentido o Acórdão do Douto Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de janeiro de 2017, processo n.º 01693/15.
Há, assim, que julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida, e conhecer do pedido de juros indemnizatórios.
-
Do direito a juros indemnizatórios
Na sequência da anulação parcial da liquidação de IMT n.º ..., de 24 de junho de 2022, já não se discute nos autos a questão da legalidade daquele ato tributário: a sua ilegalidade resulta confirmada pelo princípio da legalidade da Administração Pública em geral, a que se refere o artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e, em especial, pelo princípio da legalidade da Administração Tributária, de que é corolário o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (cf. artigo 30.º, n.º 2, da LGT). Isto porque a anulação administrativa “é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade” (cf. artigo 165.º, n.º 2, do CPA).
O que está em discussão é a questão de saber se, para efeitos do artigo 43.º da LGT (juros indemnizatórios), o ato anulado foi motivado por erro dos serviços, entendendo-se como tal o “erro não imputável ao contribuinte”.[4]
No caso em análise, a Requerente apresentou duas declarações modelo 1 de IMT relativas à transmissão onerosa, para efeitos fiscais, do mesmo imóvel. Porém, a realidade dos factos dados como provados demonstra que cada uma dessas declarações, embora ambas referentes à aquisição do mesmo prédio, se reportou a um facto tributário diverso, de acordo com as normas de incidência objetiva do artigo 2.º do Código do IMT: a primeira, apresentada em 15 de dezembro de 2015, respeitou ao contrato promessa de compra e venda com tradição, facto equiparado à transmissão onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis, sujeito a tributação nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Código do IMT; a segunda, datada de 29 de março de 2016, respeitou à compra e venda que titulou a transmissão civilística, que, igualmente, constitui facto tributário sujeito a tributação por força do disposto no n.º 1 do mesmo artigo 2.º do Código do IMT.
Não se denota, pois, qualquer erro da Requerente na apresentação das duas declarações modelo 1 de IMT antes referidas, tanto mais que as mesmas eram essenciais, também para efeitos fiscais, à realização das escrituras públicas junto às quais ficaram arquivadas, como estabelece o artigo 49.º do Código do IMT, cuja redação à data dos factos dispunha que:
“Artigo 49.º - Obrigações de cooperação dos notários e de outras entidades
1 - Quando seja devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais, bem como as entidades e profissionais com competência para autenticar documentos particulares que titulem atos ou contratos sujeitos a registo predial, não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares ou autenticar documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, sem que lhes seja apresentado o extrato da declaração referida no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva preceder a transmissão.
(…)
3 - Havendo lugar a isenção, as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam. (…)”
Não podendo ser o erro de que emergiu a liquidação impugnada imputável à Requerente, e tendo em conta que o princípio do inquisitório impõe à AT, no procedimento tributário, a obrigação de “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” (cf. artigo 58.º, da LGT), bastaria à AT ter confrontado as duas declarações modelo 1 de IMT referidas supra, ou as “relação[ões] dos atos ou contratos sujeitos a IMT, ou dele isentos, efetuados no mês antecedente, contendo, relativamente a cada um desses atos, o número, data e importância dos documentos de cobrança ou os motivos da isenção, nomes dos contratantes, artigos matriciais e respetivas freguesias”, que os notários estão obrigados a enviar à AT até ao dia 15 de cada mês (cf. o n.º 4 do artigo 49.º do Código do IMT), para concluir estar perante uma única transmissão do mesmo imóvel para uma entidade isenta, assim evitar a emissão da liquidação ora impugnada.
O incumprimento dos deveres de diligência na descoberta da verdade material está, claramente, na origem do erro de que resultou pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, sendo tal erro imputável à Requerida, não pode deixar de ser reconhecido o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Estes juros contam desde a data do pagamento do imposto legalmente indevido por parte da Requerente, até ao integral reembolso do respetivo montante à Requerente.
-
Da responsabilidade pelo pagamento das custas processuais
A propósito da responsabilidade pelo pagamento da taxa arbitral, tece a Requerida as seguintes considerações:
“No caso concreto, (…) a anulação administrativa da liquidação de IMT controvertida determinou a inutilidade originária da lide, porquanto a pretensão da Requerente foi integralmente satisfeita, no prazo determinado no artigo 13.º do RJAT.
Importa destacar que a pretensão da Requerente, i.e., a anulação da liquidação controvertida, efectuou-se antes da constituição do tribunal arbitral (…).
Não o tendo feito, e já não existindo objecto aquando da constituição do tribunal, tendo a acção prosseguido por acto expresso da Requerente, será a mesma responsável pelas custas, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT”.
O artigo 527.º do CPC, que estabelece a regra geral em matéria de custas, estatui no seu n.º 1 que “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”, considerando-se dar causa às custas do processo “a parte vencida, na proporção em que o for” (cf. o n.º 2 do artigo 527.º do CPC).
Ora, como desenvolvidamente se expôs no ponto a) supra, a anulação administrativa parcial do ato tributário em data anterior à data constituição do Tribunal Arbitral, não tendo dado plena satisfação à pretensão da Requerente, não destituiu o processo de objeto.
Prevalecendo-se a Requerente da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, nada dizendo e assim propiciando a constituição do Tribunal Arbitral, a fim de obter a eficaz tutela do seu direito, não se verificou, no caso em apreço, a inutilidade originária da lide.
Nem, como ficou acima explícito no ponto b) supra, não obstante a restituição parcial do imposto e juros compensatórios indevidamente liquidados e cobrados, se encontram reunidos os pressupostos de que depende a inutilidade superveniente da lide: não só não foi reconhecido o direito da Requerente aos juros indemnizatórios que se mostram devidos, como se encontra em falta a restituição da diferença entre os juros compensatórios incluídos na liquidação em causa (€ 20.096,21) e os que já foram restituídos à Requerente (€ 19.044,81), no valor de € 1.051,40.
Ora, tendo o processo arbitral, no silêncio da Requerente, prosseguido para integral satisfação do pedido, que se mostra procedente por provado, deverá conclui-se, em homenagem ao princípio da estabilidade da instância (cf. artigo 260.º do CPC), que, tendo a Requerida dado causa à ação, é a Requerida a responsável pela totalidade da taxa de arbitragem.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos enunciados supra, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral e decide-se:
-
Julgar totalmente improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
-
Declarar a ilegalidade da liquidação de IMT n.º ..., de 24 de junho de 2022, com a sua consequente anulação, pela totalidade do valor dela constante (€ 98.096,21);
-
Condenar a Requerida na restituição à Requerente do valor correspondente à diferença entre os juros compensatórios incluídos na liquidação de IMT n.º..., de 24 de junho de 2022 (€ 20.096,21) e os que foram já restituídos (€ 19.044,81), no montante de € 1.051,40;
-
Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente sobre os valores indevidamente pagos, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, desde a data do referido pagamento, até ao integral reembolso do respetivo montante à Requerente;
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 98.096,21 (noventa e oito mil, noventa e seis euros e vinte e um cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de abril de 2023
Os Árbitros,
Rita Correia da Cunha (Presidente)
Maria do Rosário Anjos (Vogal)
Mariana Vargas (Vogal)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Cf. Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 326 e ss.
[2] Cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 178.
[3] Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08/06/2022, Processo 02321/17.4BEPRT.
[4] A este respeito, escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.º Edição, 2012, pág. 342, que “(por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou)”.