Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 41/2022-T
Data da decisão: 2023-04-01  IRC  
Valor do pedido: € 1.344.804,59
Tema: IRC – 2017 - Pagamentos a entidades não residentes sujeitas/não sujeitas a regime de tributação claramente mais favorável; efectividade da prestação de serviços e ónus da prova; art.º 23.º-A e art.º 23.º do CIRC; princípio da especialização dos exercícios;
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SUMÁRIO:

1) A prova da efectividade das operações exigida ao sujeito passivo para efeitos de afastar a presunção legal de não materialidade constante do art.º 23.º-A, n.º 1, al. r) do CIRC não se basta com a exibição de documentos que não permitam comprovar ter ocorrido uma concreta prestação de serviços; 2) O art.º 23.º do CIRC constitui a regra geral para a dedutibilidade de gastos e só aqueles que passem pelo crivo do mesmo dispositivo poderão vir a ser tidos por fiscalmente dedutíveis; 3) Quando não obstante documentados os gastos não for possível comprovar que se destinam a obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC então não serão dedutíveis; 4) A presunção de veracidade e boa-fé das declarações e contabilidade dos contribuintes não afasta ou prejudica os demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos; 5) Verificados indícios fundados de que as declarações ou a contabilidade do sujeito passivo não reflectem o conhecimento da matéria tributável real – como também ocorre quando fique demonstrado haver sérias dúvidas quanto à efectiva realização das prestações de serviços a que se associam os gastos – a presunção de verdade prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT resulta afastada, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do direito a dedução de que se arroga. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Poças Falcão (Árbitro-presidente), Sofia Ricardo Borges (Árbitro-vogal relatora) e Fernando Miranda Ferreira (Árbitro-vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 4 de Abril de 2022, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com sede no ..., ...-... ..., e com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo”, “SP”, ou simplesmente “A...”, vem, ao abrigo dos art.º s 2.º, n.º 1 al. b) e 10.º, n.º 1 al. b) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria colectável, em IRC, reportados ao exercício de 2017.

 

As correcções meramente aritméticas na origem do acto em crise e com que não se conforma, explica, resultaram de acção inspectiva da Administração Tributária e Aduaneira - credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2021..., incidente sobre o exercício de 2017 - e totalizam, no que ora coloca em crise, um valor de € 1.344.804,59.

 

A Requerente dedica-se, expõe, à construção e desenvolvimento de projetos imobiliário-turísticos no Algarve, sendo sujeito passivo de IRC, enquadrada, no período relevante, no regime geral de determinação do lucro tributável, e registada para o exercício da sua atividade, entre o mais, com o CAE secundário 68100 - compra e venda de bens imobiliários.

 

Em 2021 foi alvo de acção inspectiva, com incidência sobre os exercícios de 2017 e 2018, visando a comprovação e verificação dos valores por si declarados em sede de IRC e IVA. Notificada do respectivo projecto de RIT[1], contendo as correcções projectadas pelos SIT[2], exerceu direito de audição.

 

As correcções de que discorda foram mantidas no RIT, e vem nestes autos peticionar a anulação das que melhor identifica, reportadas a IRC - exercício de 2017.

 

As ditas correcções prendem-se, refere, (i) com a questão da dedutibilidade de gastos em pagamentos da Requerente a entidades residentes fora do território português, sendo umas, e outras não, residentes em territórios com regimes de tributação privilegiada; assim também, (ii) com sujeição a tributações autónomas à taxa de 35% (cfr. art.º 88.º, n.ºs 1 e 8 do CIRC); e, ainda, (iii) com o princípio da especialização dos exercícios.

 

Em seu entender, e pelas razões que expõe, resultaram provadas quer a efectividade das prestações de serviços, quer o carácter não anormal e montante não exagerado das comissões. Ao que acresce que, no caso das comissões pagas às entidades não beneficiárias de regime privilegiado não há inversão do ónus da prova e é à AT que cabe provar a não efectividade das operações e o carácter anormal/montante exagerado.

 

Invoca, ainda, autoridade de caso julgado convocando Acórdão Arbitral (CAAD), de 29.11.2021, no Proc. n.º 282/2021-T. Defende, entre o mais e em suma, estarmos nos presentes autos “perante a mesma situação de facto”, devendo “este tribunal consagrar, na presente ação, um sentido decisório idêntico”.

 

Por fim refere ainda que (i) a Requerida procedeu a inspecções a exercícios anteriores sem colocar em causa a dedutibilidade de custos como depois fez na inspecção que originou as correcções ora em crise – “em venire contra factum proprium”, e que (ii) a correcção do gasto feita com base no princípio da especialização dos exercícios é de anular, em aplicação do princípio da justiça.

 

Reputa as correcções de ilegais, pelo que vem interpôr o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) na origem destes autos, com vista à respectiva anulação.

 

*

 

Sumária e fundamentalmente Requerente e Requerida têm entendimentos divergentes sobre o que resulta provado, com as consequências daí advenientes. A saber, sobre a suficiência da prova carreada nos autos (e, antes, no procedimento administrativo) no que se refere, desde logo, à efectividade das alegadas (pela Requerente) prestações de serviços. Entendendo a Requerente, contrariamente à Requerida, ter resultado provada essa efectividade (ter resultado provado que foram efectivamente realizadas) e, mais ainda, ter resultado provado o carácter não anormal e/ou o montante não exagerado dos custos incorridos alegadamente para pagamento das mesmas. Custos que se pretendem (a Requerente pretende, a Requerida não aceita) fiscalmente dedutíveis.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 26.01.2022 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Colectivo os ora signatários, que atempadamente aceitaram o encargo.

 

A 15.03.2022 as Partes foram notificadas da designação dos árbitros e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 04.04.2022.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do PPA, por não provado, e pela consequente manutenção dos actos em crise na Ordem Jurídica. Remete para a factualidade constante do RIT, dando por reproduzido tudo o daí constante.

 

Referindo-se às situações reportadas a entidades sujeitas a um regime de tributação claramente mais favorável, expõe que os gastos em questão não foram aceites fiscalmente por a Requerente não ter feito a prova da efectividade, nem a prova de que os gastos não têm um carácter anormal ou um montante exagerado – cfr. art.º 23.º-A, n.º 1, al. r) do CIRC.

 

Em sede de procedimento inspectivo, refere, não foram suficientes para o efeito os elementos que a Requerente apresentou. E nos presentes autos o mesmo sucede, não obstante a Requerente reputar de suficiente a prova realizada e de exagerados os elementos solicitados pela Requerida.

 

Afastando-se da Requerente, remete para o RIT e nota que nos termos dos contratos entre aquela e as entidades não residentes havia uma série de obrigações, que seriam a reflectir em comunicações entre as partes nesses contratos, e que poderiam demonstrar a materialidade das operações. Sendo que a Requerente em nenhuma sede as veio apresentar.

 

Identifica o que considera incongruências nos elementos apresentados pela Requerente para prova da ligação entre si e alegados agentes daquelas entidades; afasta - por invocadas apenas quatro vendas - a alegada proficuidade da invocada actividade dos ditos agentes; refere a Requerente ter sido notificada pelos SIT para apresentar elementos de prova da efectividade de serviços alegadamente prestados por possíveis agentes das entidades e não ter apresentado qualquer prova; nota a diferente abordagem da Requerente no que ao conteúdo dos contratos se refere, para certos efeitos se apoiando nos mesmos e, para outros, alegando o daí constante não vigorar.

 

Refere que embora a Requerente defenda não ser possível comparar as comissões em questão com as praticadas por empresas nacionais, por as empresas não residentes incorrerem num volume de custos/despesas superior, ainda assim não junta quaisquer comprovativos de tais custos/despesas.

 

Nota que das Escrituras Públicas (“EP” / “EPs”) de compra e venda dos imóveis (doravante também “Unidades”) vendidos pela Requerente, em todas elas, consta a declaração de ter havido intervenção da mediadora imobiliária “B..., Unipessoal, Lda.” e não consta referência a qualquer outra.

 

Desde logo não resulta provada a realização das prestações de serviços das sociedades C... e D..., pelo que não pode aferir-se do carácter anormal ou montante exagerado.

 

No que respeita às entidades não beneficiárias de regime de tributação claramente mais favorável, por outro lado, defende que as operações não estavam documentalmente comprovadas, não obstante notificada a Requerente para o efeito, em face das dúvidas suscitadas. Inclusive notificada para junção de documentação comprovativa de comunicações entre as partes nos contratos facultados, como neles previsto.

 

Remete para a apreciação do direito de audição no RIT, - de onde destaca, entre o mais: “Relativamente a estas 4 entidades[3], sediadas em Macau e na China, ainda que não se encontrem referidos na Portaria n.º 292/2011, de 08/11, os documentos de suporte fornecidos deixam-nos algumas dúvidas, pelo que se notificou o S.P. para comprovar a efetiva realização, por parte dos mesmos, dos serviços em causa. (...) a requerente não exibiu nem nos vem agora exibir documentos que atestem condignamente nem a dedutibilidade dos gastos (...). Neste sentido, a presunção referida no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, fica afastada nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo 75.º (...).” 

 

Defende, a final, e pelas razões que expõe, não ocorrer autoridade de caso julgado; no que a anteriores inspecções respeita, refere, entre o mais, que nas aos exercícios de 2013-2014 a análise foi na ótica da RF em IRC; quanto à correcção em sede de princípio da especialização dos exercícios refere ser de manter, desde logo por à data em que a Requerente submeteu a Declaração Mod. 22 do exercício em que os gastos deveriam ter sido considerados (2016) já ter recebido as respectivas facturas.

 

Conclui pela manutenção das correcções na Ordem Jurídica.

 

*

Por despacho de 23.05.2022 o Tribunal notificou as Partes para virem aos autos informar quanto à manutenção de interesse na produção de prova testemunhal e, em caso afirmativo, dos factos pretendidos ver objecto da mesma. Ambas vieram comunicar manter o interesse na sua produção e informar os factos visados.

 

Por despacho de 19.06.2022 o Tribunal notificou as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, que então agendou para 16.09.2022. Após adiamento solicitado por uma das Partes, o Tribunal proferiu, a 15.09.2022, despacho de reagendamento, para 04.10.2022, e, ainda, a prorrogar o prazo para prolação da Decisão, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, conforme motivos justificados que ali indicou. E por despacho de 23.09.2022 o Tribunal, em face de requerimento da outra Parte, reagendou novamente a reunião.

 

A reunião teve lugar a 28.10.2022, ficando as Partes então notificadas para apresentar alegações escritas facultativas, e tendo sido determinada pelo Tribunal nova prorrogação para prolação da decisão ao abrigo do art.º 21.º, n.º 2 do RJAT, pelos motivos devidamente justificados em acta.

 

Requerente e Requerida apresentaram alegações, no essencial reiterando as posições anteriormente assumidas e pronunciando-se sobre a prova testemunhal produzida.

 

Por despacho de 30.01.2023 o Tribunal prorrogou o prazo para prolação da decisão, pelos motivos aí devidamente justificados.

*

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.ºs 4.º e 10.º/2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades.

 

Foi invocada autoridade de caso julgado, o que após tratamento da matéria de facto se apreciará.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade anónima, com sede em Albufeira, distrito de Faro, que tem por objecto social, entre o mais, a construção e desenvolvimento de projectos imobiliário-turísticos, a aquisição e alienação de bens móveis e imóveis, a urbanização, construção e administração de bens imóveis pertencentes à própria sociedade ou a terceiros, a gestão de hotéis e estabelecimentos similares, incluindo aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos e a exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas; (cfr. doc. 4 junto pelo SP, e PA)

 

b) A Requerente é proprietária e promotora do empreendimento turístico...  que inclui o …, … Algarve (“Hotel”); (cfr. RIT, II.3.7.)

 

c) No exercício de 2017 a Requerente estava enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em IRC e contabilizou como gastos do exercício, e deduziu para efeitos de determinação do lucro tributável, montantes pagos às pessoas colectivas C... e D..., com sede, respectivamente, em Hong Kong e nos Emiratos Árabes Unidos, no total de € 255.850,00;

 

d) No exercício de 2017 a Requerente contabilizou como gastos do exercício, e deduziu para efeitos de determinação do lucro tributável, montantes pagos às pessoas colectivas E... Limited, F..., e G... LTD., com sede, respectivamente, na China, em Macau e na China, no total de € 833.600,00;

 

e) No decurso de 2021, a Requerente foi alvo de acção inspectiva de âmbito geral em IRC e IVA ao abrigo das Ordens de Serviço (OS) n.ºs OI2021... e OI2021... reportadas, respectivamente, aos exercícios de 2017 e 2018, com o motivo “Controlo declarativo”;

 

f) Da acção inspectiva (cfr. al. anterior) resultaram correcções meramente aritméticas e técnicas aos resultados fiscais declarados pela Requerente relativos aos exercícios de 2017 e 2018, e na sequência foi emitida liquidação de IRC, a qual, após acerto de contas - ID 2021..., originou reembolso a favor da Requerente no valor de € 18.920,09; (cfr. doc.s 2 e 3 juntos pelo SP e RIT)

 

g) Notificada do projecto de RIT, do qual constavam as correcções projectadas pelos SIT, a Requerente exerceu direito de audição contestando parte das mesmas;

 

h) Com referência ao exercício de 2017, as correcções projectadas à matéria colectável em IRC importavam no montante total de € 1.770.705,58, e a Requerente não se conforma, das mesmas, com correcções que perfazem o total de € 1.334.804,59;

 

i)  Após exercício do direito de audição, as correcções que haviam sido propostas pelos SIT em sede de IRC, exercício de 2017, e contestadas pela Requerente, foram mantidas e assim transpostas para o RIT, notificado à Requerente pelo Ofício da Requerida N.º..., de 06.12.2021, e respeitam a: (i) não aceitação de custos relativos às facturas emitidas à Requerente, e  reconhecidos por esta para efeitos de determinação do lucro tributável, no valor de € 255.850,00, por entidades constantes da lista anexa à Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro[4] (“entidades listadas”), e no valor de € 833.600,00 por entidades aí não incluídas (“entidades não listadas”), (ii) tributações autónomas, no valor de € 89.547,50, e (iii) não aceitação de custos por violação do princípio da especialização dos exercícios, no valor de € 165.807,09; (cfr. RIT)

 

j) As correcções referidas na al. anterior em (i), por desconsideração de custos no exercício (2017) - reconhecidos pela Requerente a título de comissões por serviços de intermediação e angariação de clientes na comercialização de imóveis ou, no caso das facturas emitidas por uma das entidades (E...), a título de publicidade - reportam-se às transferências bancárias efectuadas pela Requerente a favor das seguintes entidades:

- 1. C..., com sede em Hong Kong (€ 114.100,00),

- 2. D..., com sede nos Emiratos Árabes Unidos (€ 141.750,00),

correcções estas (1. e 2.) no total de € 255.850,00; e

- 3. E... Limited, com sede na China (€ 334.400,00),

- 4. F..., com sede em Macau (€ 362.400,00), e

- 5. G... Co., com sede na China (€ 136.800,00),

correcções estas (3., 4. e 5.) no total de € 833.600,00;

 

k) À data dos factos, exercício de 2017, Hong Kong e Emiratos Árabes Unidos estavam incluídos lista dos “países, territórios ou regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis” constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, enquanto que Macau e China não o estavam; (cfr. versão da Portaria em vigor à data dos factos, doravante também “a Portaria”);

 

l) Os gastos que foram desconsiderados pelos SIT através das correcções referidas na al. i), (i), supra, constam de facturas emitidas à Requerente pelas entidades referidas na alínea j) acima, e a Requerente registou-os na conta “62251 – Comissões”, ou, no caso da factura da F..., na conta “62221 – Publicidade e propaganda”. (cfr. PPA 18.º, e RIT pp. 19 e 28)

 

m) Nas FCs juntas pelo SP, que são no total de nove, lê-se:

  1. Na FC da C...:
    1. o descritivo “Marketing fee for unit OS220, Miss J…, Property location: (...), Deed signed on: 02/03/2017”

e à direita “Amount: 114.100,00”;

  1. no topo da página logotipo e os dizeres “C…LIMITED (...), Room 2010 (...), Hong Kong, tel: +852 (...), fax: +852 (...), http (...), email: (...)”, e mais abaixo: “Please make the payment to the following bank account: (…) Account Name: C… Limited”, Account No.: (…)”;
  2. no canto superior direito: “Date: 10/03/2017, Invoice # PT20170310-001”;
  3. no centro: “Bill to:” seguido dos dados da Requerente, bem como
  4. na parte superior direita carimbo “A... 13 MAR. 2017 RECEIVED”, e na parte inferior carimboFor and on behalf of C...Limited – (...) - Authorized Signature(s); (cfr. doc. 7 junto pelo SP)

 

  1. Nas FCs da D..., duas:
    1. Os descritivos:
      1. “25% Balance of 12% Agency Commission – R…(…)[5]

seguido de – “Amount (Eur) 47,250,00” (na primeira);

  1. “25% Balance of 12% Agency Commission – R… (…)[6]” – “Amount (Eur) 47,250,00”, 25% Balance of 12% Agency Commission –R… (…)[7]”,

seguido de “Amount (Eur) 47,250,00”, Invoice total: 94,500,00 (na segunda);

  1. a manuscrito, mais abaixo do descritivo, consta,
    1. na primeira, “OS 101”, e,
    2. na segunda, “OS 301, OS 302”; bem como
  2. No topo, em ambas as FCs: “D... MENA Head Office, (...) PO Box (…), Dubai, United Arab Emirates, T +971(…), F +971(…)” e à direita “D...”, e
  3. Mais abaixo dados de conta bancária “D... Bank Details”;
  4. No canto superior direito, em ambas, Invoice Date, na primeira “27 Apr 17”, e na segunda “17 Jul 17”, – Invoice Due Date, “Immediate”; Invoice N.º, na primeira 90210, na segunda 90235; (cfr. doc. 8 junto pelo SP)

 

  1. FCs da E… Limited, duas:
    1. Os descritivos
      1. “16% commission on the sale of S721, Customer Name: Mr. M…, Unit Price: 845,000,00 €”, e à direita - “Amount 135,200,00 €, Total commission 135,200,00 €” (na primeira);
      2. “16% commission on the sale of S802, Customer Name: Mr. N… e Mr. O…, Unit Price: 1,245,000,00 €”, e à direita “Amount 199,200,00 €, Total commission 199,200,00 €” (na segunda); bem como
    2. em ambas, no topo, “E… Limited, Address (...), Shangai, China”; e
    3. no canto superior direito,
      1. na primeira, “Invoice No.: U... 20171127”, e
      2. na segunda, “Invoice No.: U...20171221”; e,
    4. mais abaixo os dados de identificação da Requerente, seguidos de “Please payment to” e os dados de conta bancária; (cfr. doc. 25 junto pelo SP)

 

  1. Nas FCs da F..., três:
    1. Os descritivos
      1. “Promotion and Marketing Consultancy for Q…”,

e a seguir o valor

- “113.400,00 €” (na primeira),

- “135,000,00 €” (na segunda), e

- “114,000,00 € (na terceira);

  1. No topo, em todas “F..., P... Limited”, bem como
  2. Os dados da Requerente e, à direita:

“Invoice Date 30/06/2017, Client A..., Bill A2017001”, na primeira,

“Invoice Date 30/06/2017, Client A..., Bill A2017002”, na segunda, e

“Invoice Date 30/12/2017, Client A..., Bill A2017003”, na terceira;

  1. dados de conta bancária, e em rodapé: “Avenida ... (...), Macau (...). (cfr. doc. 26 junto pelo SP)

 

  1. Na FC da G…:
    1. O descritivo “Real Estate Consultancy Services”,
      1. e à direita o valor 113,400,00 €, bem como
    2. no topo “G…., LTD”, 2007 Pearl River Tower (…), China, Taxpayer Identification Number (…), e
    3. “INVOICE - INV. No: CC20170915, Date: 2017/09/15, Payment: Bank transfer;
    4. os dados da Requerente, e os dados de conta bancária;
    5. na parte superior carimbo “A... 02 OUT. 2017 RECEIVED”;
    6. a manuscrito na parte inferior “Comissão (OS 306)”; (cfr. doc. 32 junto pelo SP)

 

n) As correcções (cfr. al. i) (ii) supra) por sujeição a Tributações Autónomas (TAs) em IRC, contestadas pela Requerente, reportam-se aos gastos reconhecidos por esta como pagamentos a favor de entidades residentes fora do território português e que aí se encontram submetidas a um regime de tributação privilegiado - entidades “listadas” cfr. Portaria 150/2004, de 13 de Fevereiro[8], a saber, as entidades em 1. e 2. da al. j) supra - e perfazem o valor total de € 89.547,50; (cfr. PPA e RIT)

 

o) As correcções por violação do princípio da especialização dos exercícios (cfr. al. i), (iii), supra) referem-se a gastos reportados a 2016 reconhecidos pela Requerente no exercício de 2017, e perfazem o valor total de € 165.807,09; (cfr. PPA e RIT)

 

p) Para fundamentar as correcções os SIT basearam-se essencialmente:

a) em matéria de desconsideração de gastos de 2017, no art.º 23.º-A, n.º 1, al. r), quanto a entidades listadas, e no art.º 23.º, n.º 1 e n.º 3, quanto a entidades não listadas,

b) quanto a TAs, no art.º 88.º, n.ºs 1 e 8, e

c) quanto a desconsideração de gastos de 2016 reconhecidos no exercício de 2017, no art.º 18.º, n.º 1 - todos do Código do IRC[9]; (cfr. RIT, PPA e PA)

 

q) Quanto aos pagamentos às entidades referidas nos n.ºs 1. e 2. da alínea j) supra, reconhecidos pela Requerente, as correcções tiveram por base (v. também alínea anterior) essencialmente a Requerente não ter provado a efectividade das prestações de serviços, nem ter provado o carácter não anormal/montante não exagerado – nos termos do art.º 23.º-A, al. r), mais ficando sujeitos a TA à taxa de 35% - nos termos do art.º 88.º, n.ºs 1 e 8; (cfr. RIT, III.1.1.1. e PPA)

 

r) Quanto aos pagamentos às entidades referidas nos n.ºs 3., 4. e 5. da al. j) supra, reconhecidos pela Requerente, as correcções tiveram por base (v. também al. p) supra) essencialmente não existirem elementos suficientes que permitam aferir corresponderem a operações efectivamente realizadas e que se tenham destinado à obtenção dos réditos invocados – nos termos do art.º 23.º, n.ºs 1 e 3, e tendo sido considerada ilidida a presunção do art.º 75.º, n.º 1 da LGT; (cfr. RIT, III.1.1.2 e ss. e IX.4.2., 77 e ss.)

 

s) As FCs de 2016 que a Requerente relevou no exercício de 2017, no número de três, têm datas, respectivamente, de 30.06.2016, 30.09.2016 e 31.12.2016, no valor total de € 165.807,09, e dizem respeito, conforme descritivos, a serviços prestados à Requerente em 2016, respectivamente nos segundo, terceiro e quarto trimestres de 2016, foram recebidas pela Requerente em 11 e 12 de Abril de 2017, e as correcções tiveram por base essencialmente os encargos referentes a 2016 deverem influenciar os rendimentos desse exercício e não os de 2017 cfr. art.º 18.º do CIRC; (cfr. RIT, III.1.1.4 e IX.5.2, e PPA)

 

t) No âmbito do Procedimento de Inspecção, perante dúvidas suscitadas após análise das declarações da Requerente e cruzamento com declarações de terceiros, os SIT notificaram a Requerente de vários pedidos de esclarecimentos e para apresentação de prova da efectividade das prestações de serviços e do carácter não anormal e montante não exagerado; (cfr. RIT e PA10)

 

u) O primeiro pedido de esclarecimentos notificado pela Requerida à Requerente (v. al. anterior) teve lugar por Ofício daquela de 26.02.2021 - aí se lendo, entre o mais, “Entre outros documentos que achem pertinentes, deverão juntar: (...) A descrição das operações a que respeitam esses documentos/pagamentos; (...) A demonstração da importância real das vantagens auferidas com os montantes despendidos; (...) A prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado; (...)” - e concedendo prazo de trinta dias para o efeito, a que se seguiram o de 28.06.2021 e o de 26.08.2021 a solicitar, dentro dos prazos aí fixados, esclarecimentos adicionais e que a Requerente justificasse e comprovasse registos contabilísticos e dúvidas; (cfr. RIT e PA 10, p. 32 e ss)

 

 v) Do RIT consta, entre o mais, o que segue (tudo se dando por integralmente reproduzido):

“II.3.11. NOTIFICAÇÕES

Após análise às declarações apresentadas pelo contribuinte e respetivos cruzamentos com o declarado por terceiros, levantaram-se algumas dúvidas que deram origem a pedidos de esclarecimentos endereçados ao sujeito passivo em inspeção. / Em conformidade, no dia 02/03/2021, foram enviados para a sede do inspecionado dois ofícios (...), ambos datados do dia 26 de fevereiro, notificando o S.P. para prestar esclarecimentos nos termos do n.º 4 do art.º 59.º da LGT – Lei geral Tributária e artigo 48.º do RCPITA – Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira. / Conforme se comprova pelos avisos de receção arquivados no processo, os ofícios foram rececionados no dia 03/03/2021, pelo que o S.P. foi notificado do seu teor nesse mesmo dia. / No dia 28 de junho (...) e no 26 de agosto de 2021 (...) foi novamente o S.P. notificado para prestar esclarecimentos adicionais bem como para melhor justificar e comprovar registos contabilísticos e dúvidas entretanto levantadas. / Algumas das questões levantadas ficaram devidamente esclarecidas e justificadas, contudo, outras ficaram aquém do solicitado e/ou levam-nos a propor correções aos lucros tributáveis bem como (...), conforme melhor se explica no capítulo III deste relatório.

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Conforme já se referiu, no dia 3 de março foi o (S.P.) sujeito passivo notificado para prestar alguns esclarecimentos (...). / Seguiram-se algumas trocas de correios eletrónicos com esclarecimentos adicionais. / Nos dias 28 de junho e 28 de agosto de 2021, foi novamente o S.P. notificado para (...).

Durante os anos de 2017 e 2018, o S.P. A... (...) (designado A...) efetuou transferências bancárias, comunicadas pelas entidades bancárias (modelos 38) (...) a favor de entidades residentes fora do território português e, em alguns casos, aí sujeitas a regimes fiscalmente mais favoráveis, sendo que, a maior parte destes territórios encontram-se listados na portaria 150/2004, de 13/2, alterada pela portaria n.º 292/2011, de 8/11. / Juntam-se os quadros retirados das declarações modelos 38, de cujo conteúdo o S.P. foi notificado para justificar. (...)

Em 28 de junho de 2021, ainda notificámos o S.P. para justificar as comissões pagas à entidade “G... CO (...)”, sediada na China, no valor de € 136.914,40, o qual não consta nas referidas modelos 38.

(...) Notificado para justificar tais transferências e, caso tivessem influenciado os resultados fiscais, provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado, nos termos da al. r) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, o S.P. enviou-nos os comprovativos efetivos das transferências, os registos das mesmas, as faturas/documentos que estão na sua génese e alguns contratos.

Ainda solicitámos que o S.P. confirmasse e justificasse documentalmente as transferências cujos beneficiários não residem num território listado, bem como que comprovasse e justificasse as transferências que não influenciaram os resultados fiscais, para efeitos dos n.ºs 1 e 8 do artigo 88.º e/ou do n.º 1 do artigo 23.º, ambos do CIRC, tendo o S.P. enviado faturas e outros documentos.

(...)

III. 1. EXERCÍCIO 2017

III. 1.1. IRC 2017 – CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL

 

III.1.1.1. Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais (Territórios listados)

Relativamente às transferências realizadas para os territórios listados na portaria (...) que deram origem ao reconhecimento de gastos, solicitou-se a sua justificação, nos termos do n.º 8 do artigo 23.º-A do Código do IRC, no prazo de 30 dias, bem como que a devida prova referida na alínea r) do n.º 1 do mesmo artigo fosse prestada[10], enviando os respetivos documentos de suporte, nomeadamente faturas, contratos, escrituras e/ou outros documentos achados por convenientes.

Relativamente aos 5 destinatários[11] inscritos no quadro 1, entendemos que o S.P. não carreou provas que comprovassem o solicitado, isto é, não comprovou “que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”[12]

Quadro 1

Transferências (2017)         (...)

Território                               Destinatário

(...) Hong-Kong                                  D1. B…

(...) Koweit                                         D2. KK... (...)

(...) Emirados Árabes Unidos            D3. D… LLC

                                                           D4. LL… (...) 

 

(...) no lado direito os montantes reconhecidos pelo S.P. como gastos, os quais consideramos excessivos, referentes a estas transferências, igualmente em 2017.

(...) Estes registos aqui referidos, espelham a contabilidade do S.P. em 2017, conforme diários, extratos e documentos de suporte juntos em anexos 6 a 9.

(...)

III.1.1.1.1. Gastos registados na conta “6225100000 Comissões”

(...) A primeira parte deste quadro 2 (...) resume os conteúdos destas faturas referentes a comissões pagas a entidades sediadas em territórios listados na portaria acima referida, com percentagens 6 ou 7 vezes superiores às pagas no território nacional. (...)

Acresce-se que, em todas as escrituras públicas relacionadas, as quais se encontram anexas (...) consta averbado que as partes declaram ter havido intervenção da mediadora imobiliária “B..., Unipessoal Lda.” e não consta a intervenção de mais nenhuma mediadora imobiliária.

Ainda, nas colunas (...) do mesmo quadro 2, se enumeram os n.ºs das faturas emitidas pela B... para efeitos de cobrança destas comissões, bem como a percentagem cobrada.

(...)

Em nenhuma destas situações, o S.P. justificou e/ou comprovou o motivo pelo qual paga comissões a duas entidades para a mesma venda, porque motivo as comissões cobradas pelas entidades sediadas em territórios fiscalmente claramente mais favorável são 6 ou 7 vezes superiores às cobradas pela entidade portuguesa, não comprova que tais serviços foram efetivamente realizados pelas duas entidades estrangeiras, que não têm caráter anormal e não são de montante exagerado.

 

(...) O número 1 do artigo 23.º do CIRC estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis: (...)

Os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo estabelecem, respetivamente, que os gastos devem estar (...)

Contudo, este princípio da dedutibilidade dos gastos, sofre um acréscimo de rigor no caso de pagamento a entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições fiscalmente claramente mais favorecidas, como forma de obviar e prevenir a erosão fiscal.

(...)

Visando a redução destes desvios, foi adicionada ao Código do IRC a alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º A, que se transcreve: (...)

Esta norma determina o princípio geral da não dedutibilidade dos gastos suportados com este tipo de pagamentos/transferências, cujo destino se situa num dos territórios listados na portaria (...) consagrando, não obstante, uma cláusula de salvaguarda que se opera mediante a prova, que cabe ao sujeito passivo, a quem caberá demonstrar o cumprimento cumulativo de duas condições:

- Os gastos correspondem a operações reais; e

- Os gastos não têm caráter anormal ou um montante exagerado.

 

(...) Cabe ao S.P. prestar esta dupla prova, de modo a demonstrar que os gastos se efetivaram, não bastando a apresentação dos contratos, das faturas e dos meios de pagamento, que os gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis no mercado num contexto de plena concorrência. (...)

O que deverá ser demonstrado e provado é a realização efetiva do serviço (...)

Deverá ser igualmente comprovado pelo S.P. a normalidade do valor pago (...), o de mercado.

Torna-se imprescindível demonstrar, por parte do S.P., a veracidade do contrato, que o serviço descrito nas faturas se realizou em conformidade e que o valor cobrado é equilibrado e crível, que os encargos estabelecidos constituem justa remuneração dos serviços contratados.

(...) o S.P. não comprovou factualmente estes gastos, não evidenciou o conjunto de ações levadas a cabo pelos prestadores de serviços, em conformidade com a legislação em vigor atrás citada, de forma a afastar quaisquer dúvidas sobre a efetiva realização dos mesmos.

 

(...) Em suma, os contratos exibidos preveem trocas de informação entre as partes, atualização dos dados referentes aos imóveis e aos negócios agendados, entre outras evidências que os serviços foram prestados, os gastos a cargo das partes, e o S.P. não se predispôs a partilhar nenhuma desta informação com a AT.

Pelas razões descritas, conclui-se pela inexistência de provas de que os serviços foram efetivamente realizados por estas entidades e levantam-se sérias dúvidas quanto à efetiva realização das mesmas prestações de serviços.

Quanto ao caráter normal e não exagerado dos gastos, não foi igualmente comprovado, aliás, caso o S.P. tivesse provado a substância do gasto, com facilidade conseguimos afirmar que os montantes em causa são efetivamente exagerados face às comissões pagas em Portugal pelo próprio. À sua parceira B... o S.P. paga 2% de comissão a estas entidades sediadas em “paraísos fiscais” paga 14% ou 12%, 7 ou 6 vezes mais. (...) cabia ao S.P. comprovar que estes 12% ou 14% são comissões normais e não exageradas (...)

Conclui-se então pela não aceitação dos gastos (...) por não ter sido comprovado que os serviços foram efetivamente realizados por aquelas entidades e por o S.P. não ter igualmente comprovado o seu caráter normal e montante não exagerado, conforme determina a alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.

 

III. 1.1.2. Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais (Territórios não listados)

Tal como solicitámos esclarecimentos e provas referidas e explicadas no ponto III.1.1.1., para as transferências realizadas para os territórios listados na portaria, também o solicitámos para os territórios não listados.

De igual forma, o S.P. justificou essas transferências com as faturas, comprovativos de pagamento, relato contabilístico e, em alguns casos, com contratos de prestação de serviços.

(...)

III.1.1.2.1. F... (...)

(...) relativamente a estes serviços, o S.P. não junta qualquer contrato (...)

Assim, à semelhança e com os argumentos análogos aos invocados para as 4 entidades descritas em III.1.1.1., também para esta entidade “F... (...)”, com residência em Macau, conforme informação retirada das faturas anexas, se conclui que os documentos e argumentos exibidos pela A... se mostram insuficientes para aferir que os montantes pagos correspondem, em tipo e valor, a serviços efetivamente realizados.

Aqui não se aplica a alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, uma vez que as transferências tiveram como destino Macau (...), mas os n.ºs 1 e 3 do artigo 23.º do CIRC, referem o seguinte: “1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. 3 – Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente(...).” / Ora, havendo dúvidas fundadas de que as operações foram efetivamente realizadas e não tendo o S.P. comprovado o contrário, propõe-se a não aceitação destes gastos, registados na conta “6222100000-Publicidade e propaganda”, no montante de € 362.400,00.

 

III.1.1.2.2. E... LIMITED

(…) Notificada para justificar aquela transferência (...) o S.P. juntou duas faturas de 2017, contabilizadas igualmente neste ano, os comprovativos das transferências e um contrato de prestação de serviços (...).

Ainda que o território de Macau não se encontre referido na portaria n.º 292/2011, de 8/11, foi igualmente o S.P. notificado (vide anexo 3) para fazer prova efetiva de que os serviços foram prestados por esta entidade e que os montantes em causa não têm caráter anormal ou não são de montante exagerado.

(...) Ora, entre outras clausulas, refere o contrato (...) que a E... tem de colaborar na elaboração de um plano de marketing e vendas, que este tem que ser aprovado pela A... e que a A... tem de estar a par das propostas de compra. / Contudo, mais uma vez a A... não juntou qualquer documento que comprove nem estas colaborações, nem estes planos nem mesmo estas aprovações (...).

(...) mais uma vez extravasam muito os 2% cobrados pela B..., empresa portuguesa, que igualmente cobrou comissão nas vendas destes dois imóveis, vede faturas (...) (esta de junho de 2018). (...)

Pelo que, nos termos [d]o número 1 do artigo 23.º do CIRC, havendo dúvidas que estes tenham efetivamente servido para a obtenção dos réditos invocados, propomos a sua não aceitação para efeitos do apuramento do lucro tributável de 2017.

 

III.1.1.2.3. G… CO

(…) Notificada para justificar aquela transferência (...) juntou a fatura n.º CC20170915, de 2017/09/15, contabilizada igualmente neste ano, o comprovativo da transferência, a escritura pública de compra e venda (OS306), o certificado fiscal chinês e o contrato de prestação de serviços celebrado com a entidade em causa, tudo anexo 12.

A fatura em causa, refere-se “Real Estate Consultancy Services”, no montante de € 136.914,40, e no fim da mesma encontra-se manuscrito “Comissão (OS306)”. Supostamente, tratar-se de uma comissão sobre o preço de venda daquele imóvel.

(...) Analisando a escritura pública associada (...), este imóvel foi alienado pelo preço de € 855.000,00, sendo que no mesmo documento consta exclusivamente a “B..., Sociedade Unipessoal, Lda.” como mediadora do negócio.

(…) consta um contrato (...) Assim, este contrato, obriga a uma comunicação escrita entre as partes, e esta evidência não nos foi facultada. Aliás, nem esta nem outra qualquer que indubitavelmente nos levasse a concluir que os serviços foram efetivamente realizados. (...)

Ainda que estes tivessem mesmo sido realizados, questionamos e pomos em causa o seu valor: (...) 16% sobre o preço de venda do imóvel (...) 8 vezes superior aos 2% pagos à B... (...) a escritura pública, mais uma vez omite a intervenção destes operadores.

Pelo que, nos termos [d]o número 1 do artigo 23.º do CIRC, havendo dúvidas fundadas de que este gasto tenha efetivamente servido para a obtenção dos réditos invocados, propomos a sua não aceitação (...).

(...)

“(...) IX- Direito de Audição – Fundamentação

(...) 77. Relativamente a estas 4 entidades, sediadas em Macau e na China, ainda que não se encontrem referidos na Portaria n.º 292/2011, de 08/11, os documentos de suporte fornecidos deixaram-nos algumas dúvidas, pelo que se notificou o S.P. para comprovar a efetiva realização, por parte dos mesmos, dos serviços em causa.

  1. Refira-se ainda que, embora a Região Administrativa de Macau não se encontre na citada Portaria, segundo o Banco de Portugal (anexo III do aviso n.º 8/2016 do Banco de Portugal), é um ordenamento turístico offshore.
  2. Assim, uma vez que tais dúvidas se levantaram e levantam, foi o S.P. notificado para comprovar a realização efetiva das operações pelas entidades em causa, bem como, para comprovar que os valores envolvidos não são anormais nem de montante exagerado.
  3. A A... unicamente nos facultou os documentos a que nos referimos nos pontos III.1.1.2.1, III.1.1.2.2 e III.1.1.2.3 , suprareferidos, pelo que, em nosso entender, a prova não foi prestada, pois a requerente não nos exibiu nem nos vem agora exibir documentos que atestem condignamente nem a dedutibilidade dos gastos nem do IVA que deduziram.
  4. Neste sentido, a presunção referida no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, fica afastada nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo 75º, uma vez que a A... não demonstrou que os indícios de que a sua contabilidade poderia não revelar exatamente a sua realidade não se verificavam.
  5. Os registos contabilísticos não valem só por si, é necessário que o contribuinte os justifique e os comprove com documentos que não deixem dúvidas, motivos pelos quais, foi notificado para apresentar provas.
  6. Por fim, somos de opinião que não era necessário acionar os acordos com aqueles territórios, para apurar (ou não) a efetiva realização dos serviços, uma vez que antes de serem acionados estes acordos deveremos esgotar os esforços internos, nomeadamente junto dos S.P. em inspeção.
  7. Sendo a A... uma empresa efetiva, “devidamente organizada”, a operar no território Português, uma vez notificada pela AT, possuindo as provas solicitadas, tinha todo o interesse em as ter exibido. Uma vez que assim não procedeu, concluímos que as ditas provas não existem e que os valores em causa influenciaram indevidamente as declarações entregues à AT.

/(...).”

 

w) A Requerente exibiu contratos de prestação de serviços entre si e as entidades referidas na al. j) supra n.ºs 1., 2., 3. e 5., que são redigidos na língua inglesa - “Contract for the provision of services” -, todos de conteúdo idêntico, e na respectiva cláusula primeira, 1., sob a epígrafe “Objecto”[13], lê-se: “Under the terms and conditions set out in this Contract, A… engages [“B”][14] to provide, and [“B”] agrees to provide to A…, all services relating to the advertisement, marketing and promotion of the units owned by A… and described in the document attached hereto as Appendix 1 (the “Available Units”) with the sole purpose of finding a third parties interested in acquiring such units from A... .”, e nos Considerandos B) e C) indicam-se os mercados imobiliários em que as entidades [“B”] operam e nos quais deverão promover os imóveis da Requerente, a saber (indicando-se as entidades com os números cfr. al. j) supra): os mercados, respectivamente, 1. (C..._) da China, Taiwan e Singapura, 2. (D..._) do Médio Oriente e Ásia; 3. (E..._) da Ásia, e 5. (G..._) da China Taiwan e Singapura; (cfr. doc.s 9, 16, 21 e 33 juntos pelo SP)

 

x) Dos contratos (cfr. al. anterior) consta cláusula de não exclusividade, a saber a cláusula primeira, 2.2., onde se lê “A…is free to engage other parties for the advertisement, marketing and promotion of the Available Units, [“B”] hereby accepting and recognizing that [“B”] does not hold any exclusivity in respect of the Available Units”; (cfr. docs. 9, 16, 21 e 33 e depoimento de ambas as testemunhas)

 

y) Nos contratos (cfr. alíneas anteriores) lê-se ainda, entre o mais, que:

(i) são despesas da exclusiva responsabilidade da [“B”]  (“segunda contratante”), as referentes a “promotion and marketing of the Available Units, including the production of the necessary marketing collateral (all marketing collateral needing to the express and written approval of A… prior to any production, printing and publications); costs and expenses of whatever nature incurred by [“B”] in the provisions of the services agreed under this contract; costs and expenses of marketing fly buys including all travel costs and administrative expense[s] related to visas, taxes and or any other administrative costs”, cabendo por outro lado à A… as despesas com deslocação dos Clientes da segunda contratante entre o Aeroporto e o Q…, bem como as despesas de alojamento, alimentação e bebidas neste (cfr. cláusula oitava),

(ii) os Anexos 1 e 2 constituem sua parte integrante, a saber, Anexo 1 - lista das Unidades disponíveis, com os termos, preços e condições, e indicação das Unidades sob exploração turística, e Anexo 2 - formulário de registo de Cliente da [“B”] (cfr. cláusula décima sétima),

(iii) a segunda contratante deve colaborar com a A... na preparação de um plano de marketing e vendas, a aprovar pela A..., e não deve produzir, publicar e/ou facultar material de marketing sem a prévia aprovação escrita da A...; (cfr. cláusula primeira)

(iv) a segunda contratante pode recorrer a serviços de terceiros na execução do contrato mediante prévia autorização escrita da A...; (cfr. cláusula segunda)

(v) a A... obriga-se a entregar à [“B”] toda a informação necessária ou conveniente para a correcta promoção e marketing das Unidades (“Available Units”) nos mercados [“(...)”[15]], e a facultar-lhe toda a respectiva documentação de modo a permitir-lhe preparar um ficheiro relativamente às mesmas, bem como a informar-lhe por escrito de quaisquer alterações às características, preços e/ou situação legal das Unidades tal como descritas no Anexo 1 aos contratos; (cfr. cláusula quarta[16])

(vi) as partes acordam em implementar, para os fins da prestação de serviços, um procedimento de registo de Clientes (a procedure of “Registration of Clients”) sujeito a uma série de regras, e que inclui o registo pela [“B”] do potencial interessado na compra das Unidades de acordo com o formulário que constitui o Anexo 2 aos contratos e que depois será submetido, uma vez preenchido, à A... para aprovação prévia do Cliente; (cfr. cláusula quinta)

(vii) a segunda contratante terá direito, pela prestação de serviços, a receber uma comissão (“fee”) apenas em caso de conseguir a venda da(s) Unidade(s), - que será calculada numa proporção determinada por referência ao respectivo preço de venda, e que era, consoante o caso, de 12%, na D..., de 14% ou 16%, passíveis de incremento em mais 1% cada na C... e também assim na G..., de 12%, 14% ou 16% na E..., - que é devida pagar aquando da Escritura Pública de compra e venda de cada Unidade e desde que a totalidade do preço tenha sido recebida pela A..., ou – no caso das ... Suites Units – é adiantada num valor correspondente a uma proporção do depósito não reembolsável pago pelo Cliente à A... nos termos do contrato promessa de compra e venda (cfr. cláusula sétima);

(viii) a segunda contratante deverá adquirir seguro de viagem de saúde e de acidentes para o seu pessoal e para potenciais clientes durante a estada em Portugal (cfr. cláusula nove), e no termo do contrato deverá devolver à A... toda a informação, materiais e qualquer outra documentação que lhe seja entregue pela A... ao abrigo do contrato (cfr. cláusula dez);

(ix) o contrato constitui, em relação ao assunto, a totalidade do acordo entre as partes, e quaisquer alterações/aditamentos só serão válidos e eficazes se feitos por escrito e assinados por aquelas (cfr. cláusulas doze e treze), quaisquer notificações ou comunicações previstas ou permitidas pelo contrato deverão ser feitas por correio registado com aviso de recepção ou por DHL para as moradas ou números ali indicados, ou para outras moradas ou números de fax para o efeito comunicados por escrito por uma parte à outra (cfr. cláusula dezasseis); (cfr. docs. 9, 16, 21 e 33)

 

z) A Requerente celebrava contratos promessa de compra e venda (“CPCV”) com os futuros compradores dos imóveis; (cfr. PPA - 72; cláusula sete dos contratos referidos nas al.s anteriores; depoimento da testemunha W...)

 

aa) Nas Escrituras Públicas (EPs) de compra e venda de imóveis (“Unidades”) que outorgou na qualidade de vendedora e cujas cópias carreou nos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, a Requerente declarou que as transacções se realizaram com a intervenção da mediadora imobiliária “B..., Unipessoal, Lda.”, e não declarou a intervenção de qualquer outra empresa,  mediadora ou outra; (cfr. doc.s 10, 17, 18, 19, 22, 23, 28, 29, 30 e 34 juntos pelo SP; RIT e PPA)

 

bb) A sociedade de mediação imobiliária “B..., Lda.” (v. al. anterior) pertence ao Grupo de empresas da Requerente; (cfr. RIT e depoimento de ambas as testemunhas)

 

cc) A Requerente vendeu em 2017 (e, quando não nesse ano, nos anos abaixo indicados), no que aos autos releva, as Unidades assim identificadas (“designação comercial”, cfr. também constante das Escrituras Públicas de compra e venda):

- OS220;

- OS101 (comprador: “H... Lda.”, com sede em ... (...) Albufeira), OS301 e OS302;

- S721, S802 (esta última, EP de 25.01.2018);

- OS209, OS407 (esta última, EP de 30.12.2016) e OS309 (esta última, EP de 21.12.2016; comprador: I... S.A., com sede em Lisboa);

- OS306;

(cfr. PPA; EPs - v. também infra, e PA)

 

dd) Na EP respeitante à Unidade OS220, outorgada a 02.03.2017, lê-se, entre o mais, quanto ao pagamento do preço que: “cento e noventa e nove mil seiscentos e setenta e cinco euros serão pagos em dez prestações semestrais de dezanove mil novecentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos, vencendo-se a primeira em dois de Agosto de dois mil e dezassete e as restantes em igual dia dos semestres seguintes.”; quanto a intervenção de mediador imobiliário que: “PELOS OUTORGANTES FOI DITO nas qualidades em que outorgam: Que o negócio que titula esta escritura foi objecto de intervenção de mediador imobiliário, cuja denominação social é “B... UNIPESSOAL, LDA.”, licenciada sob o n.º ... -AMI, tendo-os advertido de que incorrem na pena prevista para o crime de desobediência, se omitirem ou se falsearem depoimentos ou informações sobre a intervenção de mediador imobiliário. Assim o disseram e outorgaram.”; a adquirente da Unidade é J..., de nacionalidade Chinesa, representada na EP por Advogado português; (cfr. doc. 10 junto pelo SP)

 

ee) Por emails trocados a 1 e 2 de Dezembro de 2015 entre utilizadores de endereços de email da Requerente (...com; ...s@...com) foram solicitadas e confirmadas reservas de alojamento para “Investor Ms J...” e “Agente Ms X...”,  com entrada a 4 e saída a 7 de Dezembro de 2015, e do print da Requerente respectivo - “Arrival with Email” - consta quanto à primeira (J...), na coluna Nacionalidade, “CN”, e quanto à segunda (X...), na mesma coluna, “PT”, e quanto a ambas na coluna “Company Name” consta a Requerente; (cfr. doc. 11 junto pelo SP)

 

ff) Na EP referente à Unidade OS101, outorgada a 27.06.2017, lê-se, entre o mais, que a morada da sede da sociedade que adquire a Unidade é nessa mesma Unidade: a sociedade adquirente tem a denominação “H... Lda.” e sede em ..., Apartamento OS101, ..., Albufeira, e “Que nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 40.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, e tendo sido advertidos de que incorrem no crime de desobediência, declaram que neste acto houve intervenção da mediadora imobiliária “ B..., Unipessoal, Lda.”, titular da licença (...). Assim o disseram e outorgaram.” (cfr. doc. 17 junto pelo SP, e PPA - 116); e na EP referente às Unidades OS301 e OS302, outorgada a 19.04.2017, lê-se, entre o mais, que os adquirentes, K... e L..., têm, ele nacionalidade britânica, e ela indiana, residem no Dubai, estão representados na EP por Advogado português, e que todos os outorgantes declararam, devidamente advertidos, o negócio ter tido a intervenção de “B..., Unipessoal, Lda.”; (cfr. docs. 18 e 19 juntos pelo SP)

 

gg)  Por emails entre 29 de Março e 4 de Abril de 2016 de utilizadores de endereços de email da Requerente (...com; ...@...com), e após email, de 29 de Março (2016) de S...@...com (uma mensagem com logotipo “D...” em rodapé e indicação de localizações de Offices por diversos países além do Dubai) a solicitá-lo, foi confirmada reserva de alojamento para “T...” e “Agente Mr S...”, com entrada a 23 e saída a 25 de Abril de 2016, e do print da Requerente respectivo - “Arrival with Email” - consta quanto ao primeiro, na coluna Nacionalidade, “GB”, e quanto ao segundo (“S...-A...-S...”), na mesma coluna, nada consta, e quanto a ambos na coluna “Company Name” consta a Requerente; na comunicação por email de S... é também pelo mesmo solicitado, entre o mais, aceder a informação sobre preços e sobre disponibilidade de Unidades, assim: “We have a number of enquiries currently for Golden visa clientes and would like access to price lists and availability of units. (…)”; (cfr. doc. 20 junto pelo SP);

 

hh) Na EP referente à Unidade S721, outorgada a 17.11.2017, em que o adquirente é de nacionalidade Chinesa, representado por Advogada portuguesa, lê-se, entre o mais, que o remanescente do preço que fica por pagar, de duzentos e sete mil e vinte e cinco euros, será pago em dez prestações semestrais de vinte mil setecentos e dois euros e cinquenta cêntimos, vencendo-se a primeira em um de Julho de dois mil e dezoito e as restantes em igual dia dos semestres seguintes.”; na EP referente à Unidade S802, outorgada a 25.01.2018, os adquirentes são de nacionalidade Chinesa, representados por Advogada portuguesa, e aí se lê que o preço já foi pago por transferências de Julho, Outubro e Dezembro de 2017; em ambas as EPs se lê que “PELOS OUTORGANTES FOI DITO, (...) Que este contrato foi objecto de intervenção de mediador imobiliário, cuja denominação social é “B..., Unipessoal, Lda.” (...) tendo os mesmos sido advertidos do dever (...) e da cominação (...).” (cfr. doc.s 22 e 23, respectivamente,  juntos pelo SP);

 

ii) Nas EPs respeitantes (i) à Unidade OS209, outorgada 27.03.2017, com compradora de nacionalidade Chinesa, representada por Advogada portuguesa, (ii) à Unidade OS407, outorgada em 30.12.2016, com comprador de nacionalidade Chinesa (Y...), representado por Advogado português, e (iii) à Unidade OS309, outorgada em 21.12.2016, sendo compradora a sociedade “I... , S.A.” com sede em Lisboa, representada por Advogada portuguesa, lê-se, entre o mais, “DISSERAM, AINDA, EM CONJUNTO: Que, no presente negócio, houve intervenção da empresa de mediação imobiliária “B..., Unipessoal, Lda.”, titular (...), tendo eu, Notário, advertido que incorrem na pena de desobediência prevista no artigo 348.º do Código Penal, se tiverem omitido informação relativa à intervenção de empresa de mediação imobiliária neste negócio.” (cfr. doc.s 28, 29 e 30 juntos pelo SP)

 

jj) Por e-mails internos da Requerente (e-mail de JJ... aos Colegas em  Q... Reservations) foi solicitada reserva para a “Investidor Ms Y...”, e “Agentes Z.../AA...”, com entrada a 10 e saída a 11 de Fevereiro de 2016, e do print da Requerente respectivo - “Arrival with Email” - consta quanto ao primeiro, na coluna Nacionalidade, “CN”, e quanto ao segundo (“Z...”), na mesma coluna, “PT”, e quanto a ambos na coluna “Company Name” a Requerente; (cfr. doc. 31 junto pelo SP)

 

kk) Na a EP respeitante à Unidade OS306, outorgada em 22.03.2017, com compradora de nacionalidade Chinesa (BB..., casada com CC...), representada por Advogado português, lê-se, entre o mais, “DISSERAM, AINDA, EM CONJUNTO: Que, no presente negócio, houve intervenção da empresa de mediação imobiliária “ B..., Unipessoal, Lda.”, titular (...), tendo eu, Notário, advertido que incorrem na pena de desobediência prevista no artigo 348.º do Código Penal, se tiverem omitido informação relativa à intervenção de empresa de mediação imobiliária neste negócio.”; (cfr. doc.  34, junto pelo SP)

 

ll) Por email de 15.06.2015 enviado entre funcionários da Requerente é solicitada estadia para “Investors: Mr. DD... & Mrs. EE... (casal), Mdm. FF... (sogra)” e “Agent: GG...”, com entrada a 19 e saída a 21 de Junho de 2015, e do print da Requerente respectivo - “Arrival with Email” - consta quanto ao primeiro (DD...), na coluna Nacionalidade, “CN”, e quanto ao segundo (“GG...”), na mesma coluna, consta “CA”, e quanto a ambos na coluna “Company Name” consta a Requerente; (cfr. doc. 35 junto pelo SP)

 

mm) A Requerente obriga-se, entre o mais, pela assinatura de um mandatário dentro dos limites do respectivo mandato; (cfr. RIT, e Certidão Permanente anexa ao mesmo – Insc. 6, al. f) AP 99 e 101/...)

 

nn) Nas FCs emitidas pelas entidades não residentes à Requerente são facturados valores que correspondem a entre 12% (neste caso quanto a FCs da D... ocorre em 2017 serem facturados montantes inferiores aos 12% e discriminados como correspondendo a 25% da comissão de 12%[17]) e 16% dos preços de venda dos imóveis aí identificados, ou aí simplesmente a manuscrito, ou tão só relacionados com as FCs pela Requerente nos articulados nos autos; (cfr. FCs e EPs, supra; RIT e PPA)

 

oo) Com referência às vendas dos mesmos imóveis referidos na al. anterior foram emitidas à Requerente FCs pela “B..., Unipessoal, Lda.” por valores correspondentes a 2% do respectivo preço de venda, a título de comissão por intermediação imobiliária; (cfr. RIT, III.1.1.1. e III.1.1.2.)

 

pp) A Requerente dispunha na sua equipa de imobiliário, ao tempo dos factos, de funcionários de nacionalidade Chinesa, falantes de Mandarim; (cfr. depoimento da testemunha W...)

 

qq) A Requerente tinha, ao tempo dos factos, parcerias com as empresas de mediação imobiliária HH... e U...; (cfr. depoimento da testemunha W...)

 

rr) A Requerente havia sido alvo de Procedimento Inspectivo que tivera por objecto o exercício de 2016, e relativamente ao actos de liquidação adicional decorrentes das correcções à matéria colectável aí apuradas interpôs Pedido de Pronúncia Arbitral, que tramitou no CAAD como Proc. n.º 282/2021-T, e cujo Acórdão Arbitral, de 29.11.2021, juntou aos autos como doc. n.º 36; 

 

ss) A Requerente havia sido alvo de Procedimento Inspectivo que tivera por objecto os exercícios de 2013 e 2014, cujo RIT juntou aos autos como doc. n.º 38;

 

tt) A 04.11.2021 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que às facturas emitidas - cfr. alínea m) supra - à Requerente pelas entidades não residentes corresponde uma efectiva prestação de serviços, seja de angariação de clientes, seja de promoção e marketing ou qualquer outra.

 

Não se provou que as comissões facturadas à Requerente pelas entidades não residentes não têm carácter anormal nem se provou que traduzem um montante não exagerado.

 

Não se provou que os gastos com o pagamento das facturas emitidas pelas entidades não residentes tenham sido incorridos pela Requerente para obter ou garantir os seus rendimentos sujeitos a IRC.

 

Com relevo para a decisão da causa não existem outros factos não provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados, e bem assim os dados como não provados, foram-no com base nos documentos juntos aos autos pela Requerente e no Processo Administrativo (“PA”), todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, factos não questionados, e depoimentos das testemunhas, tudo devidamente concatenado e criticamente apreciado.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[18]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC[19]).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

Seguimos, na análise a que procedemos, as regras da lógica e da experiência comum. Na análise dos documentos tivemos também em consideração que os mesmos não foram impugnados pela Requerida. E que apesar da informalidade de algumas facturas, a sua genuinidade não foi impugnada.

Com relação à prova testemunhal produzida, oferecida pela Requerente nos autos, prestaram depoimento duas testemunhas. A primeira, W..., é Director Geral do departamento de imobiliáro do Grupo da Requerente, A... Portugal, e embora exerça essas funções formalmente apenas desde 2015/2016, actuava já como Director interino acompanhando a Divisão de Imobiliário desde 2008.

A segunda testemunha, II..., é Director Financeiro da Requerente e pertence aos quadros da mesma desde Dezembro de 2014, já então com essas funções. Esclareceu, quanto ao seu conhecimento sobre os factos, não ter contacto directo com os falados agentes, e a sua função ser a validação da documentação em questão, e uma vez a mesma validada, fazer o pagamento.

Ambas as testemunhas aparentaram procurar transmitir ao Tribunal o conhecimento que tinham quanto aos factos sobre os quais foram questionadas, porém sem que a sua prestação se tenha revelado de total espontaneidade, isenção e distanciamento. Com efeito, e como é compreensível tendo em consideração as posições que ocupam e funções que desempenham no seio da Requerente, o seu depoimento não se pautou, na livre apreciação do Tribunal, por um total descomprometimento em relação à causa. Em vários momentos tendo transparecido nos seus depoimentos esse mesmo, compreensível, envolvimento com a causa.

 

*

Não deixará de se notar, neste contexto e num breve parêntesis, que quem outorgava nas EPs em representação da Requerente e, bem assim, assinou os contratos de prestação de serviços carreados nos autos[20] era a primeira testemunha, W... (cfr. EPs juntas pelo SP como doc.s 10, 17, 18, 19, 22, 23, 28, 29, 30 e 34, e depoimento testemunhal do mesmo; e, quanto aos contratos, doc.s 9, 16, 21 e 33 juntos pelo SP e depoimento de W...), que trabalha no Grupo há 15 anos (cfr. depoimento do próprio). Pessoa da confiança, pois, da Administração, que actua como procurador com poderes gerais na matéria em questão, ramo imobiliário, e que acompanhou indirectamente o Procedimento (i.e., como também explicou no seu depoimento, tratou com o Director Financeiro, II...), tendo sido “o intermediário para obter a informação no que respeita aos pagamentos a agentes externos” (cfr. depoimento do próprio).

Por seu lado, no mesmo Procedimento de Inspecção, que originou as liquidações em crise, foi representante da Requerente para as relações com a Autoridade Tributária a segunda testemunha, II... (cfr. RIT, p. 6), que não só acompanhou a inspecção directamente, como depois acompanhou a preparação das peças processuais da Requerente nos presentes autos (cfr. depoimento do próprio).

Ambas as testemunhas, assim, da especial confiança, e proximidade aos interesses, da Parte. O que, muito embora compreensível, explica em alguma medida os seus depoimentos não se terem revelado tão espontâneos e credíveis como o seriam se de alguém total, ou mais cabalmente, alheio aos interesses da Requerente se tratasse. E tendo em conta também os demais elementos de prova nos autos.

Diga-se, ainda neste parêntesis, que, tendo a Requerente ao seu serviço funcionários de nacionalidade Chinesa (cfr. supra, factos provados), que comunicavam no mesmo idioma que parte dos potenciais compradores (os de nacionalidade Chinesa), sempre teria sido útil, e aparentemente possível, à pretendida realização de prova, a Requerente ter indicado como testemunha alguns, ou pelo menos algum, deles.

Como assim, também de notar, não foi indicada qualquer testemunha independente da Requerente - ou junta documentação de entidade independente, que as há, em matéria de mediação imobiliária - que pudesse atestar quanto à prática habitual no que respeita a percentagens das comissões por intermediação imobiliária nos Mercados em questão, e tendo já no procedimento administrativo sido solicitado à Requerente prova a respeito – cfr. al. u) supra.

*

 

Assim, regressando onde estávamos, e como exemplo do que se referira, quando a primeira testemunha ao longo do seu depoimento, em relação ao facto com que foi sendo confrontada de não ter sido apresentado, por exemplo, o formulário de registo de Clientes previsto nos contratos exibidos, começou por dizer, primeiro, que “muitos” não preenchem o formulário, seguido de “a maioria” não preenche o formulário e, mais adiante no seu depoimento, “nenhum” deles preenche aqueles formulários.

Ou quando, tendo-lhe sido perguntado como é que então os agentes, não havendo nada escrito, não havendo um Plano de Marketing, como é que eles sabem, a cada momento, quais os imóveis que estão a ser comercializados, afirmou que “circulamos sempre que há actualizações à lista de inventário, é circulado por todos os nossos agentes”, “circulamos para toda a nossa rede de agentes a lista de imóveis actualizada”, e respondido, depois, que o fazem por e-mail, também respondeu – confrontada com o facto de nenhum desses e-mails ter sido facultado – respondeu, dizíamos, que “Aquilo que estava em questão era demonstrar que efectivamente aquela agência prestou o serviço, que fez a venda, que emitiu uma factura e que nós pagamos. Agora se me quer e-mails a enviar para os agentes a dizer olha está aqui a lista de imóveis disponíveis, eu disponibilizo, não há problema”. Ou quando afirma, mais adiante, “Se os nossos parceiros nos disponibilizam o contacto das pessoas, o número de identificação, a morada, o país de origem, através de corpo de e-mail, é um bocadinho preciosismo estar a dizer não me mandes assim, preenche lá a folhinha”.

Sendo que nenhuns e-mails como tal descritos pela testemunha - seja e-mails da Requerente a agentes com a lista de inventário, seja de agentes à Requerente com aqueles referidos elementos das pessoas - foram juntos aos autos.

Ou quando a mesma testemunha responde ter ideia de que “alguns parceiros em alguns empreendimentos chegaram a cobrar 20% e 22% em imóveis que estavam em construção”, - e mais atrás no seu depoimento também tendo dito “Até porque eu já tive agentes que me queriam 25% de comissão, e eu 25% de comissão não estava disposto a pagar. Há outros que pediam 20%” – depois perante a pergunta quanto a se sabia de alguma empresa em concreto, respondeu: “Não. Soube na altura. Nessa altura.”

Ou quando, a certo passo do seu depoimento, confrontada com o facto de nas EPs apenas ser declarada a intervenção da mediadora imobiliária do Grupo, explicou que “o agente, seja nacional, seja externo, ele estabelece um acordo de parceria com essa entidade”, então B..., Unipessoal, Lda., “e essa entidade é quem faz a mediação”.  E questionada, mais adiante, pelo Tribunal – “parecerias com quem?” – responde “nós temos a nossa própria mediadora, faz parcerias com outros agentes”; “a A... é detentora desses imóveis e delega na B... sempre que possível o estabelecimento dessas relações com agentes externos”. Sem nunca se referir, neste contexto, aos contratos carreados nos autos. E mais adiante, sendo-lhe notado que os contratos carreados são, não com a B..., mas sim com a Requerente (ao que responde “há essa possibilidade sim”): “o mercado nacional e agências que sejam requisitadas nacionalmente são sempre feitas através da B...; a agências externas no início podiam ser feitas através da A...   [Requerente] no sentido porque a relação era directa, os imóveis são da A..., e a relação era estabelecida porque era uma entidade externa ao mercado nacional e como tal havia questões de RFIs, retenções na fonte e aí fazia sentido fiscalmente fazer através da A... .” O que também não aporta, na livre apreciação do Tribunal, a necessária coerência ao todo do seu depoimento.

Ou, ainda a título de exemplo, quando por sua vez a segunda testemunha declara que em sua opinião foi apresentado aquilo que era necessário apresentar (como também no mesmo sentido depôs a primeira testemunha): “Estamos a falar de Escrituras, Escrituras essas que deixam completamente clara a nacionalidade dos respectivos intervenientes; as facturas, que também reflectem o link à transação em si; e naquelas situações em que ocorreu alojamento no próprio empreendimento, o que nem sempre acontece, também foi possível juntar esse comprovativo.” “Do ponto de vista financeiro tenho o agente, tenho a identificação, tenho a factura, tenho a execução da venda, o pagamento é validado, e portanto o comprovativo das transferências, (...) e portanto essa documentação foi facultada.” E - quanto às despesas de que a Requerida solicitava fosse exibida prova - sendo despesas “que estão do lado dos agentes” “não temos acesso a elas e não temos como aceder a elas”. E - quanto a, tal como confirmou ter sucedido, não terem solicitado outros elementos às entidades parceiras - “A minha opinião é não os solicitámos nem temos que os solicitar”; “(...) Entendemos essa é a parte do agente”. E continua, defendendo provada a ligação entre as entidades e os pagamentos/a efectividade dos serviços, assim: “tenho o contrato, tenho a Escritura, tenho a factura, a factura refere-se àquele Cliente e àquela transacção, o pagamento em si vai referir-se à factura “y”, portanto no fundo é este o link. Transversal a todas as entidades. Adicionalmente, para outras situações em que esse alojamento existiu, também foi adicionado.”

 

Ora esta não junção, nem tentativa de obtenção, de qualquer outra documentação, desde logo comprovativa de qualquer despesa incorrida pela entidade não residente na invocada execução das alegadas prestações de serviços – sendo que estas decorreriam num contexto de muita reciprocidade, estabilidade, lealdade e já longa duração de relações com esses mesmos agentes, como ambas as testemunhas descrevem ser o caso – não convence no sentido de essas invocadas prestações de serviços terem tido materialidade, terem ocorrido. Na verdade se é a própria Requerente quem afirma (e se alonga a desenvolvê-lo, nos seus articulados) que às entidades não residentes em questão cabia incorrer numa multiplicidade de despesas, avultadas e manifestamente superiores às despesas em que incorrem as empresas de mediação imobiliária nacionais, torna-se algo difícil de compreender, e estranho, que, no meio de tantas, não se tenha conseguido juntar aos autos uma única de tais despesas, de uma única das ditas entidades não residentes (sendo que se fala, nos autos, ao todo, de cinco distintas dessas entidades). Não é plausível, segundo as regras da experiência comum, que - sendo as ditas despesas de tanta relevância e monta, sendo as relações de prestações de serviços invocadas não só com uma mas sim com cinco distintas entidades parceiras, cujas comissões que se invoca terem sido pagas a título de remuneração por tais serviços são de valores em média superiores 6 a 7 vezes ao que são os valores praticados no mercado nacional pela própria Requerente, - não se conseguisse, a ser o caso, juntar o comprovativo de uma única dessas tão relevantes e diversas despesas. Sobretudo quando tal foi sendo solicitado à Requerente pela Autoridade Tributária, a quem competem poderes, precisamente, de verificação da situação para esclarecimento de dúvidas relativas às declarações ou documentos dos contribuintes. E sobretudo, ainda, tendo em consideração que tal aportar de elementos seria no seu próprio interesse, da Requerente. E que, dos próprios contratos que exibiu, consta uma extensa identificação da multiplicidade de tais despesas possíveis, a par de autorizações e comunicações por escrito devidas (v. al. y) do probatório).

É notório, não só no depoimento das testemunhas, como evidenciado pela Requerente ao longo de todo o processo - seja nos presentes autos, seja em sede de procedimento administrativo - o entendimento no sentido de que não tinham que ser juntos outros elementos de prova. De que o que se juntou é o suficiente.

Todo o contexto de solicitação pela Requerida de documentação prevista nos contratos como sendo parte e/ou sendo a existir em conexão com os mesmos, e de a Requerente não apresentá-la e/ou informar que nesse particular o constante dos contratos não era levado à prática, também não auxilia o Tribunal a formar uma convicção no sentido da efectividade das operações.

As próprias comprovantes de despesas solicitadas pela Requerida à Requerente ao longo do procedimento, por exemplo como as de deslocações de avião, seriam aptas a contribuir para a prova que se pretendia fazer. E não se compreende bem como tal, a existir, fosse total e irremediavelmente impossível de obter por parte da Requerente, a pedido a tais entidades.

Essas e/ou outras despesas em que tais entidades pudessem ter incorrido, e uma vez que são, segundo se afirma, inúmeras e de avultados montantes e, isto, num contexto, que se afirma também, de lealdade entre as partes e de longa e estável permanência dessas relações de parceria (parcerias que se mantiveram históricas, que se provaram leais, também foram expressões da primeira testemunha). Quando é conhecido da Requerente, como nem poderia deixar de o ser, o que nosso legislador solicita tendo em vista a prova, desde logo, da efectividade das invocadas prestações de serviços quando na relação com empresas offshore.

Nem se compreende como não ser importante à Requerente, num contexto de relações de intermediação imobiliária internacional, acautelar-se ... tendo em consideração, mesmo até, a possibilidade de intervenção de terceiros que seriam subcontratados pela entidade parceira (v. al. y), iv) ) – dir-se-ia ser do interesse da Requerente ter todas essas situações devidamente (ou minimamente) comprováveis, tendo presente a possibilidade, que existe, de litígios com referência à cobrança das comissões.

 

Detectam-se, ainda, incongruências entre o depoimento das duas testemunhas, como quando relativamente ao registo dos Clientes, em que a primeira testemunha afirma, aparentemente com toda a convicção, processarem esse registo num sistema de bases de dados, “o V-Tiger”, e, depois, a segunda testemunha refere que não tem de memória que ao tempo esse sistema estivesse a funcionar.

Com o que coexiste a constatação, entre os elementos nos autos, de contradições e insuficiências. Entre o mais, se confrontarmos os elementos constantes das EPs, com os constantes das FCs invocadas em conexão e, bem assim, nos casos aplicáveis, com os contratos exibidos, e tudo conforme relacionado pela Requerente, concluiremos que a fundamentação de facto em que a mesma sustenta a sua posição não tem solidez.

 

Como apenas exemplos, passemos a dar nota, iniciando agora pelas Invoices:

 

Þ Primeiro, com referência às entidades listadas:

- A FC da C...e_ (v. al. m), 1., factos provados), de 10.03.2017, EP de 02.03.2017. Desta EP se retira que ficaram, então, por pagar, do preço, prestações semestrais, de montante relevante, até 2022 (al. dd) factos provados). Sendo que, não obstante, nos termos do contrato exibido em conexão consta - cfr. cláusula sete, 3. – que o pagamento da comissão apenas se fará desde que a totalidade do preço da venda tenha sido recebido pela A... ou, havendo CPCV, no caso das Unidades OS seria aí paga uma parte da comissão. Assim tendo sido o pagamento (da comissão) feito em momento bastante anterior (c. cinco anos) ao do integral pagamento do preço - em contrário do estipulado no contrato convocado; pagamento que foi feito então pela totalidade dos 14% (constantes do mesmo contrato) correspondentes ao preço de venda da Unidade (cfr. EP e FC); de notar também a denominação da entidade, que nos articulados da Requerente vem referida como C... (seja assim abreviadamente seja com as correspondentes palavras por extenso), sendo que, na FC junta, consta como C..., parte final da denominação que poderá indiciar no sentido de uma actividade mais financeira que do ramo imobiliário;

 

- A FC da D...­_ (v. al. m), 2., factos provados):

a) com a referência, apenas legível a manuscrito, à Unidade OS101, é de 12.07.2017, e pela leitura da EP de transmissão desta Unidade, EP de 27.06.2017 (al. ff) factos provados), se verifica que a compradora é afinal, aparentemente, não um Cliente angariado por entidade parceira no mercado do Médio Oriente e Ásia (v. al. w) factos provados), e sim uma sociedade portuguesa, por quotas, com sede no próprio empreendimento Q... (na dita Unidade); acresce que os descritos 25% dos 12% (descritivo da FC) seriam no montante de € 41.850,00, e não de € 47.250,00 como na FC (o preço de venda foi €1.395.000,00);

b) com a referência, apenas legível a manuscrito, às Unidades OS301 e OS302, a mesma é por montantes – descritos como 25% dos 12% - que igualmente não correspondem a essas percentagens quando aplicadas aos respectivos preços de venda dessas Unidades ali indicadas  - preços de venda, respectivamente, de € 2.385.000,00 e de € 945.000,00 - cfr. EPs, e também PPA 116, a que corresponderiam, respectivamente, a comissões de € 71.550,00 e € 28.350,00, e não os valores nas FCs; valores estes que embora correctos na tabela apresentada pela Requerente no seu PPA (116) não têm correspondência nas FCs;

 

Þ Agora, com referência às entidades não listadas:

- As FCs da E..._ (v. supra al. m), 3. factos provados): não têm data de emissão expressamente indicada como tal e têm como número (“Invoice NO”) uma data antecedida da palavra “U...” (“NO.: U... 20171127” e “NO.: U... 20171221”); conforme depoimento da primeira testemunha, a Requerente fazia também parcerias com a U...;

o montante facturado corresponde, em qualquer delas, a 16% do preço de venda das Unidades;

no caso da primeira (“NO.: U...20171127”) a venda da Unidade ali indicada teve lugar por EP de 17.11.2017, e a essa data o preço não ficou pago, mas sim ficou por pagar uma parte do mesmo ainda por dez prestações semestrais, assim até Janeiro de 2023 – v. supra al. hh); no caso da segunda (“NO.: U... 20171221”) a venda da Unidade ali indicada teve lugar por EP de 25.01.2018; das facturas (uma por cada Unidade) emitidas pela B... à Requerente para estas mesmas Unidades, uma é de Junho de 2018;

 

- As FCs da F..._ (v. al. m), 4. factos provados): não contêm qualquer referência a quaisquer Unidades, ou a uma qualquer percentagem de uma qualquer comissão, a Requerente no PPA (art 182) fazendo, numa tabela, uma correspondência com determinadas três Unidades vendidas, cujas EPs são uma de 27.03.2017 (OS209), e duas de finais de Dezembro de 2016 (OS407 e OS309) - (v. al. ii) factos provados), enquanto as datas das FCs são, todas elas, consideravelmente posteriores (v. al. m) 4. factos provados) – uma é três meses posterior, outra seis meses posterior e a última dista 12 meses da data da EP de compra e venda convocada. Sendo que nas ditas EPs se constata que o pagamento ficou, à data das EPs, concluído. Acresce que a compradora de uma das ditas Unidades (OS309) aparentemente não será um Cliente eventualmente angariado num mercado distante (no caso, não consta contrato) sendo uma sociedade portuguesa com sede em Lisboa (v. al. ii) factos provados); os valores facturados correspondem nas duas primeiras a 12% do preço de venda das Unidades cuja venda a Requerente relaciona, e na última a um montante que excede os 12% em eur. 600,00; a sequência numérica nas três FCs, sendo seguida, e a última FC distando 6 meses da anterior, não deixa também de notar-se;

 

- A FC da G..._ (v. al. m), 5. factos provados): é de data cerca de seis meses posterior à da EP de venda da Unidade – que vem referida na FC apenas a manuscrito (OS 306) – v. kk) factos provados – tendo o preço sido integralmente recebido à data da EP (seis meses antes da factura, portanto); o montante facturado corresponde a 16% do preço da venda da Unidade ali a manuscrito e relacionada pela Requerente no PPA (art 205); vem indicado como número da factura a respectiva data antecedida de “CC”; o descritivo é simplesmente “Real Estate Consultancy Services”;

 

A acrescer, em todas as EPs a Requerente e os compradores das Unidades (estes representados por Advogados), embora advertidos por Notário sobre as consequências em caso de omitirem informação sobre intervenção de mediadora, o certo é que declararam ter intervindo no negócio apenas e só a já identificada empresa do Grupo da Requerente. E nenhuma outra.

 

O próprio facto de se tratar de entidades offshore, no que se reporta às duas referidas em primeiro lugar - al. j) do probatório - será sempre de molde a suscitar, desde logo, várias questões. Como a da efectividade das próprias, que em geral são criadas com propósitos fiscais. Donde, mais uma razão para a Requerente, a ser o caso, se precaver e munir de elementos de prova da efectividade dos serviços que invoca.  Valorações estas que decorrem da lei, do quadro normativo em vigor, e que não podem deixar de ser consideradas.

 

Por outro lado, nem também dos suportes com imagens carreados pela Requerente nos autos resulta provado que as entidades não residentes tenham desenvolvido serviços de publicidade, divulgação ou outros em relação aos imóveis da mesma. Com efeito, esses documentos – doc.s 12, 13 e 14 – em parte alguma atestam serem entidades que não a própria Requerente a fazer a publicidade ali pretendida documentar. É sempre e só da Requerente a pouca identificação dali constante perceptível. E não será pelo facto de daí constarem abundantes caracteres aparentemente Chineses que o que acaba de se dizer fica prejudicado.

Também não se provou que as entidades indicadas na al. j, 1., 2. e 3. supra, e bem assim qualquer outra entidade não residente cfr. al. j), tenha intervindo de alguma maneira para a concretização das vendas de imóveis da Requerente. Seja para as realizadas no ano de 2016, seja para as realizadas nos anos de 2017 e 2018, que vêm referidas nos autos – não obstante, e entre o mais, a tabela junta pela Requerente como doc. 15, em que sob o título “vendas concretizadas em 2016” indica aquelas primeiras três entidades e, à frente de cada uma, um “valor total das transações realizadas”, um “valor total das comissões pagas”, seguidos de um “valor líquido das transações, após dedução do montante das comissões pagas à referida entidade”, sendo a tabela desprovida de quaisquer outros dados ou qualquer outra informação. (cfr. doc. 15 junto pelo SP)

 

Os próprios contratos carreados nos autos, na conjugação com os demais elementos, como resulta do percorrido, revelam múltiplas insuficiências com vista à pretendida prova. Com efeito, não só grande parte do ali estipulado - v. al. y) factos provados - não será praticado, como, além do mais, mesmo no que respeita ao teor das cláusulas que dos mesmos estariam a ser executadas - as da estipulação da comissão, cláusula sétima – em diversos casos, como se vem de ver, elas não estariam a ser cumpridas. Pagamentos de comissões antes de o preço da Unidade ter sido pago; pagamentos de comissões em momento muito ulterior (em um caso chegando a distar doze meses) ao pagamento do preço; valores facturados que não correspondem às percentagens dos preços conforme constantes dos contratos; as Unidades disponíveis e respectivos preços não constando do contrato, contrariamente ao ali estipulado (estipula-se que terão que constar de Anexos que constituem parte integrante dos contratos);

Mesmo o único email junto aos autos com origem externa aos endereços de email da própria Requerente - de S... (v. al. gg) supra) - revela alguma incongruência com o teor do clausulado dos contratos (no caso seria o contrato com a D..._) se se tiver em consideração o que consta dos mesmos quanto aos elementos sobre Unidades disponíveis e preços, e que acabámos de referir. Efectivamente não se compreende como – a ser o caso de estar em execução o contrato aportado – o agente/funcionário da entidade parceira em questão não tivesse ainda ao seu dispor acesso à informação das Unidades disponíveis e aos preços. E que também está em contradição com o declarado pela primeira testemunha quanto a que circulavam por e-mail as listas de inventário e preços (cfr. supra).

Ainda neste ponto, dos contratos, de realçar a muito relevante quantidade de obrigações de comunicações e formalidades por escrito constantes do clausulado dos mesmos (v. al. y) factos provados) sem que nada, de entre tudo isso, tenha sido junto pela Requerente, mesmo a Requerida o vindo sucessivas vezes a solicitar.

Por outro lado, as testemunhas insistiram - confrontadas que foram ao longo da inquirição com a falta de terem sido exibidas comunicações escritas - que as comunicações eram feitas sobretudo por telefone. Como aliás também assim alegado pela Requerente nos articulados. Porém sem que tenha sido carreada qualquer prova da efectiva realização de comunicações telefónicas, o que poderia em alguma medida, sem grande dificuldade, a ser o caso, ter sido feito. Pense-se, por hipótese, em facturação de telecomunicações discriminada (e note-se como, em parte das facturas - a saber, nas das entidades listadas - constam números de telefone).

As incongruências na identificação da nacionalidade e de outros elementos dos “agentes” nos prints juntos com referência a reservas de alojamento e em face do alegado pela Requerente - v. al.s ee) (“PT” na nacionalidade da agente), gg) (o agente com a referência “A...” junto ao nome), jj) (“PT” na nacionalidade da agente), ll) (“CA” na nacionalidade da agente, logo após na nacionalidade do investidor, Chinês, constar “CN”); e também o facto, por outro lado, de a Requerente ter funcionários de nacionalidade Chinesa. Mais, das próprias reservas de alojamento que a Requerente vem procurar provar serem conexas com as vendas que refere, e por sua vez com a alegada intermediação/efectiva prestação de serviços de entidades parceiras, também resultando dúvidas quanto à pretendida prova, no confronto de datas - entre as datas das ditas reservas de alojamento e as das invocadas vendas - no probatório, as als. dd) e ee); ff) e gg); ii) e jj); kk) e ll). Este último caso – kk) e ll) - sendo o mais notório: reserva para alojamento em Junho de 2015 a relacionar com venda de Unidade em Março de 2017, quase dois anos após.

 

A própria tese da Requerente no sentido de não lhe ser possível vender os imóveis em questão sem recorrer aos serviços de intermediação imobiliária invocados, perante todo o contexto vindo de ver, bem assim o facto de haver Unidades vendidas aparentemente que não a compradores oriundos dos tais mercados, o facto de não haver exclusividade concedida, e bem assim a própria Requerente dispor de mediadora imobiliária no Grupo, tendo parcerias com outras empresas de mediação imobiliária no país (a primeira testemunha identificou além da U..., a HH..., confirmou que as Unidades são também vendidas no mercado nacional, disse que já há empresas de mediação nacionais que fazem as parcerias com entidades não residentes), e entre o mais, dispondo na equipa de elementos de nacionalidade Chinesam perde, na livre apreciação do Tribunal, sustentação.

 

Note-se ainda que, como a própria Requerente reconhece nos seus articulados, e a primeira testemunha refere, e dos contratos de prestação de serviços consta, - e v. factos provados - eram celebrados Contratos Promessa de Compra e Venda (“CPCV”). Ora, também não deixa de se notar que, sendo tantas (dez, no total) as operações de transação de imóveis invocadas, não tenha sido junto pela Requerente um único CPCV, o que potencialmente aportaria elementos pertinentes à prova pretendida fazer (ou não).

 

Não se compreende bem a recusa da Requerente em aportar mais elementos, ou sequer tentar obtê-los, como resultou também reforçado pelos depoimentos das testemunhas. Quando tanto lhe vinha sendo já solicitado pela Autoridade Tributária em sede de procedimento administrativo. Teria sido fácil à Requerente apresentar um acervo documental demonstrativo da efectividade dos serviços, como e-mails trocados (como os falados pela primeira testemunha, e nunca juntos), os Anexos aos contratos (que, cfr. teor dos mesmos, são sua parte integrante), comprovativos de despesas que poderiam ser muito diversas (como alega a Requerente, e v. al. y) do probatório), planos de marketing, comprovativos de deslocações, fotografias, comprovativos de comunicações telefónicas (de que se falou, mas não provou – também aqui não podendo o Tribunal bastar-se com os depoimentos das testemunhas, por tudo o já exposto) ou outras, como até comunicações com os Advogados dos compradores. Questionada a primeira testemunha pelo Tribunal, ainda referiu a lei da protecção de dados, e de pronto reconheceu que perante o Tribunal tal não se colocaria. E assim é, não se aplica, seja ao Tribunal, seja à AT, que já lho havia solicitado.

Tudo contextualizado, a prova carreada não é a que seria expectável para a situação.

No mais, e no todo percorrido, a descoordenação factual ressalta evidente, da análise crítica a que se procedeu de todos os elementos probatórios carreados nos autos.

E os registos constantes da contabilidade da Requerente (cfr., entre o mais, constante do RIT e seus anexos – v. al. v) do probatório), relativos a estes gastos, não convencem – na concatenação com todos os elementos percorridos a respeito dos mesmos gastos.

Certo é que, se por um lado não é habitual uma repartição de comissão sendo para empresa do grupo 2% e para fora do grupo 14% ou mesmo 16%, por outro lado uma obrigação de resultado, como vem descrito tratar-se no caso - o pagamento de cada uma das comissões era devido apenas em caso de sucesso da concreta prestação de serviços, i.e., em caso de ser vendido o imóvel por via da intervenção da entidade parceira -, até por definição, num contexto como o desenhado, levaria a exigências de maior cautela, por parte da Requerente, com o munir-se de prova de ter ou não sido certo agente (entidade parceira) aquele através do qual lhe adveio este ou aquele Cliente comprador. Como bem se compreende. Num contexto de relações de não exclusividade, e nas quais inclusive poderia, segundo os contratos, haver subcontratação de serviços por parte das entidades parceiras (v. al. y) iv do probatório), esta inexistência de documentação adicional não aponta no sentido da efectividade da prestação de serviços em cada caso. Pense-se: havendo uma disputa entre duas entidades parceiras da Requerente, e com a Requerente, quanto a quem lhe trouxe o Cliente comprador, como se acautela a mesma e evita riscos de lhe ver ser exigida uma Comissão que não seria devida? Sem que disponha de toda e qualquer prova quanto à efectiva prestação de serviços por parte de qualquer delas? E como se dispõe a pagar preços tão elevados, correndo tais riscos? Mesmo que se admita como possível, haveria que ser provado.

 

*

Por fim e concretizando ainda quanto especificamente aos factos dados por não provados. Como já resulta claro, e aproveitando de tudo o que ficou percorrido na compatibilização da matéria de facto adquirida:

 

Quanto à efectividade das operações, resulta da conjugação de tudo o que vimos de percorrer, - analisando criticamente as provas carreadas nos autos, conciliando todos os documentos, ponderando datas na relação entre eles e tudo o mais que se viu, como se fez, - resulta, dizíamos, não provada a materialidade das operações que vêm invocadas pela Requerente. A prova produzida não foi suficiente para permitir ao Tribunal ficar convencido quanto a terem sido efectivamente prestados por parte das entidades não residentes os serviços que a Requerente invoca. Não resultou provado que as invocadas operações tenham sido reais. Como melhor se verá caso a caso.

 

Quanto ao carácter não anormal e montante não exagerado também a Requerente não o demonstrou. O que também com facilidade poderia ter sido feito, poderia ter aportado prova dos usos do comércio na matéria. Através de uma Câmara de Comércio, por hipótese, ou outra entidade independente, especificamente no ramo imobiliário.  Não se podendo o Tribunal bastar a respeito com as declarações das testemunhas, cujos depoimentos apresentam as limitações supra expostas, e tendo em consideração a inexistência de outros meios de prova a esse respeito nos autos. Como também já referido supra. Sempre se note, ainda, como também, e em qualquer caso, a este respeito não convence o depoimento das testemunhas (e com respaldo na argumentação da Requerente): se por um lado se afirma que o valor elevado em questão (e v. al.s nn) e mm) do probatório) se justifica por as entidades parceiras não residentes terem que incorrer, para prestar os alegados serviços, em múltiplas e avultadas despesas (o que, referem, contrasta com o volume daquelas em que normalmente incorre uma mediadora nacional, cfr. mais desenvolvidamente no depoimento da segunda testemunha, não sendo por isso estas duas realidades comparáveis), por outro lado não se conjectura (a segunda testemunha diz mesmo que se fosse pedir um tal tipo de comprovativos às entidades parceiras lhe responderiam “de que estás a falar?”) carrear nos autos a prova de uma só que seja de entre todas essas alegadas despesas em que incorrerão todas e cada uma dessas entidades parceiras na prestação dos serviços que afirmam as testemunhas foram prestados à A... . A primeira testemunha reconhecendo (e era já dado assente) que a Requerente dispõe de mediadora imobiliária no seu Grupo de empresas, que através desta são feitas parcerias com entidades não residentes, que fazem também parcerias com a HH... e com a U..., as quais, confirmou também, por sua vez têm também parcerias com entidades não residentes. Não concedendo a Requerente exclusividade aos seus agentes (conforme depoimentos de ambas as testemunhas, e também assim no clausulado dos contratos exibidos). Neste contexto a Requerente promovendo as mesmas Unidades no mercado nacional. E, como se viu, algumas das Unidades alegadamente vendidas por via da intermediação das entidades não residentes tendo sido vendidas no mercado nacional (a sociedades com sede em Portugal, sem que nada conste nos autos a afastar tal conclusão).

Como quer que seja, os elevados preços constam das facturas e as transferências bancárias por tais elevados montantes foram efectivamente realizadas. Isso sim, resultou provado. Já o carácter não anormal e não serem os montantes exagerados não resultou provado. 

 

Quanto ao propósito económico entre gastos e rendimentos, resulta igualmente da conjugação de tudo o que vimos de percorrer que não se provou que ao a Requerente ter incorrido nos gastos com os pagamentos em questão o tenha feito com vista a obter ou garantir rendimentos da actividade. Desde logo, não se tendo provado a materialidade das operações, - o que sucedeu não num caso isolado, mas sim em todos e cada um deles, não se identificando uma única das invocadas operações em que os elementos probatórios carreados revelem a necessária consistência e solidez que permitiriam ao Tribunal formar a sua convicção quanto à realidade da operação, - fica também inquinada a aderência à realidade da possível tese de que as mesmas operações (rectius as transferências bancárias em questão) se tenham destinado à obtenção (ou garantia) dos rendimentos sujeitos a IRC.

O desacerto e incoerência entre elementos de prova carreados revelou-se evidente, seja em relação às invocadas operações com as entidades listadas, seja no caso das invocadas operações com as entidades não listadas. Tudo como supra, e como também adiante retomaremos. Veja-se como também no caso dos gastos com as entidades não listadas as facturas em questão -  E..., F..._, e G..._ - na sua conciliação com os demais elementos, desde logo as EPs (e elementos destas, seja referentes ao preço e seu pagamento, seja à nacionalidade de compradores, seja às datas, desde logo), e, no caso da primeira e da terceira, contratos (seja a percentagem da comissão versus os montantes dos preços constantes das EPs, seja o momento do pagamento do preço versus a data do pagamento da comissão nos termos da factura e versus a cláusula contratual respectiva), revelaram inconsistências, contradições e insuficiências (tudo como supra) que não são ultrapassáveis. Não são ultrapassáveis seja por recurso a – quando existentes – elementos dos poucos emails juntos pela Requerente, e que respeitam a reservas de estadias (que, como vimos, também se revelam inconsistentes, seja por razão de datas, seja de elementos nos conexos prints quanto à nacionalidade quer dos Clientes quer dos invocados agentes, tudo como supra. Mesmo o email que é exterior à Requerente e que potencialmente traria uma maior solidez probatória contém inconsistências (como a supra visto). Seja com recurso a os compradores serem de nacionalidade de países dos mercados em que operarão as entidades parceiras (com efeito, não só tal facto só por si sempre seria insuficiente para a pretendida prova da efectividade de uma operação - não deixa de ser possível, hoje em dia, um nacional por hipótese Chinês adquirir um imóvel por exemplo em Portugal sem que tenha intervindo uma entidade não residente, ainda que tal não seja o mais comum, admite-se, não deixa de ser uma realidade também possível), como, afinal, como se viu, há casos em que as Unidades foram adquiridas por sociedades portuguesas.

A própria nacionalidade dos alegados agentes/funcionários das entidades parceiras como também se viu, conforme prints de emails não é consistente com o que vinha alegado pela Requerente – não se detectando, também por aí, a pretendida prova da ligação às entidades não residentes, tudo como se viu. Neste contexto se aproximando também as insuficiências probatórias documentais com as da prova testemunhal produzida, que também vimos não conduzir à prova da materialidade das operações, por tudo o que apreciámos.

Não há racionalidade ou consistência na documentação junta em relação com os gastos. Muito pelo contrário. E isto viu-se suceder de modo transversal a qualquer um dos gastos – a qualquer uma das transferências. E, neste contexto, sendo - como também resulta provado (v. als. c), d) e v) do probatório) - os registos contabilísticos da Requerente consistentes com uma realidade que ficou longe de resultar provada.

 

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questão prévia – Autoridade de caso julgado

 

A Requerente invoca verificar-se, no caso, autoridade de caso julgado. Que, segundo defende, resulta de Acórdão Arbitral, de 29.11.2021, transitado em julgado, proferido no Proc. n.º 282/2021-T, que julgou parcialmente procedente o PPA que deduzira contra acto de liquidação adicional em IRC reportado ao exercício de 2016.

 

Segundo defende, a decisão em questão deve ser atendida pelo presente Tribunal, na medida em que, com o trânsito em julgado, faz caso julgado material relativamente ao presente processo. Em seu entender, a livre apreciação da prova pelo Julgador segundo a sua prudente convicção (cfr. art.º 607.º, n.º 5 do CPC e art.º 29.º, n.º 1, e) do RJAT) resulta limitada em determinadas circunstâncias. Como será, em seu entender, no caso dos autos.

 

Por já ter transitado em julgado a referida decisão arbitral, a mesma adquiriu, expõe, força vinculativa dentro e fora do processo em virtude do disposto nos art.ºs 619.º e 621.º do CPC. Verifica-se, refere, autoridade do caso julgado relativamente à matéria de facto provada noutro processo. O presente Tribunal deve, nestes autos e a seu ver, consagrar um sentido decisório idêntico ao do Tribunal que julgou o processo n.º 282/2021-T sob pena de violação da autoridade do caso julgado e, ainda, das demais normas que a respeito também invoca. Refere os art.ºs 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (Constituição ou CRP), o art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil (CC), e o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) em conjugação com o art.º 8.º da CRP. 

 

A Requerida, de seu lado, não acompanha o entendimento da Requerente e defende que as correcções à matéria colectável se devem manter. Os supostos serviços tiveram por objecto diferentes imóveis e diferentes potenciais clientes angariados. E as correcções tiveram por base os documentos apresentados pela Requerente, que após análise se constatou não fazerem prova de que os montantes em causa tenham sido suportados com vista à angariação de compradores das Unidades.

 

A decisão arbitral invocada pela Requerente assenta fortemente em elementos de prova não apresentados no decurso do procedimento administrativo e em prova testemunhal produzida em audiência, refere. E em matéria de IRC prevalece, em importância, nota, a prova documental, e a prova testemunhal tem carácter meramente acessório.

 

Vejamos.

 

Dispõe o art.º 619.º, n.º 1 do CPC[21], sob a epígrafe “Valor da sentença transitada em julgado", assim: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º (...).”

 

A norma diz respeito - delimitando-os - aos contornos do caso julgado que se forma relativamente à decisão que, decidindo sobre o mérito, define a relação ou situação jurídica deduzida em juízo (a relação material controvertida). Assim, aos contornos do caso julgado material. Conferindo-se (dentro dos limites dali também constantes) força obrigatória à decisão naqueles termos (“dentro do processo e fora dele”) impede-se que a mesma relação material[22] venha a ser definida em moldes diferentes pelo Tribunal.

 

É, assim, a concreta relação material controvertida, aquela que foi objecto da decisão, que não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes e deverá ser respeitada.

 

Sendo que os efeitos do caso julgado material, o caso julgado assim formado e delimitado, podem impor-se por duas vias distintas. Numa vertente positiva, e numa vertente negativa. Aquela por via da denominada autoridade de caso julgado; esta por via da excepção de caso julgado. “Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos, e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda. (...) Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção (...) devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.”[23] É a referida vertente positiva, o efeito positivo do caso julgado material, que a Requerente aqui convoca.

 

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se verá já por aqui que a mesma não ocorre.  O objecto da presente acção não se encontra numa relação de dependência com o objecto definido naquela outra acção. Como se lê em douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (de 11.06.2019, no proc.º n.º 355/16.5) que com a devida vénia passamos a transcrever: “(...) ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir – cfr. artigo 580.º, n.º 1, do CPC), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir. Isto não significa, porém, que a autoridade do caso julgado possa valer fora dos limites definidos pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir, sendo certo que, conforme resulta do disposto no artigo 619.º do CPC, é apenas dentro desses limites que a decisão adquire a força de caso julgado. Aquilo que se impõe por força da autoridade do caso julgado é a definição – feita por decisão transitada em julgado – da concreta relação jurídica que aí foi delimitada pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir. Mas a definição dessa concreta relação jurídica – assim delimitada – impõe-se e é vinculativa para os respectivos sujeitos no âmbito de qualquer outro litígio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como pressuposto ou condição aquela relação e por isso se afirma que o funcionamento da autoridade do caso julgado não exige a identidade de pedido e causa de pedir; tal autoridade pode, de facto, impor- se no âmbito de acção posterior com pedido e causa de pedir diversas nas circunstâncias supra mencionadas, vinculando as partes e o Tribunal e evitando, dessa forma, que a relação ou situação jurídica já definida por decisão transitada em julgado seja novamente apreciada para o efeito de decidir o objecto da segunda acção.”

 

A autoridade de caso julgado tem, nestes termos, como pressuposto uma relação de prejudicialidade que opera quando o fundamento da decisão transitada em julgado condiciona a apreciação do objecto de uma relação posterior.

 

Tendo estas considerações em mente, analisemos a situação dos autos.

 

Aquilo que está em apreciação nos presentes autos é a legalidade (ou não) das correcções à matéria colectável que havia sido apurada pela Requerente no seu exercício de 2017. A Requerente relevou como gastos para efeitos de apuramento de lucro tributável certos e determinados gastos, que depois a Requerida entendeu não reunirem as necessárias condições para serem fiscalmente dedutíveis. Gastos incorridos pela Requerente neste mesmo exercício, de 2017. E o que estava em apreciação naquela outra acção arbitral, que deu origem ao Acórdão Arbitral que se invoca neste contexto, era a legalidade (ou não) de correcções à matéria colectável que havia sido apurada pela Requerente no seu exercício de 2016 (rectius de actos de liquidação adicional emitidos em consequência dessas correcções). A Requerente havia, aí, incorrido em certos gastos que relevou como fiscalmente dedutíveis, nesse exercício, e que a Requerida veio, depois, a entender não reunirem as necessárias condições para o serem.

 

A concreta relação jurídica delimitada naquela primeira acção pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e sobre a qual aquele Tribunal se veio a pronunciar, proferindo decisão que transitou em julgado, é, pois, distinta da relação jurídica que nos presentes autos vem definida. Ali estávamos em sede de determinados gastos incorridos pelo SP no exercício de 2016. Aqui estamos em sede de, outros, determinados gastos incorridos pelo SP no exercício de 2017. Por ter entendido que esses gastos em que incorreu em 2016 eram de considerar como fiscalmente dedutíveis (e a Requerida depois, em determinados termos, o não ter aceite) interpôs Pedido de Pronúncia Arbitral. Agora, por entender que determinados, outros, gastos em que incorreu em 2017 devem ser considerados como fiscalmente dedutíveis (interpõe, também, Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

As relações materiais controvertidas são, assim, distintas. Uma, desenhada no exercício de 2016. A outra, a dos presentes autos, no exercício de 2017. Uma configurada por determinados gastos incorridos num determinado exercício, outra por outros distintos gastos incorridos em outro distinto exercício. Pedido e causa de pedir em cada caso (processo com decisão transitada em julgado versus presentes autos) distintos.

 

Descendo mais ao detalhe, é sobre cada uma das invocadas operações concretas em questão que ao Tribunal (a qualquer destes Tribunais) caberá apreciar quanto a estarem (ou não) reunidos os requisitos da dedutibilidade fiscal. Como bem se compreende, as circunstâncias a considerar nessa mesma apreciação serão aquelas que concretamente se verificam por referência a cada um desses incorridos gastos. Caso a caso. Operação a operação.

 

Não se firmou, assim, um pressuposto indiscutível (que a invocada convocada decisão anterior, transitada em julgado, constituiria) de uma outra decisão de mérito (que seria a decisão a proferir nos presentes autos) que elevasse o objecto da primeira decisão a prejudicial na presente acção. Como também bem se compreende, o que ficou definido naquela primeira decisão, que teve por objecto uma relação material controvertida distinta da relação material controvertida nos presentes autos, não poderia vir a vincular o presente Tribunal (ao que ali ficou definido), ao este ser chamado a decidir nesta distinta relação material controvertida diferentemente definida. Certos e determinados gastos, incorridos no exercício de 2017, nos termos em que o terão sido, caso a caso, e que compete ao Tribunal apreciar, para assim ser possível aferir quanto à reunião ou não dos pressupostos de dedutibilidade fiscal in casu. A concreta situação jurídica que foi definida (cfr. anterior decisão) não constitui, assim, pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que ora cabe regular e definir.

 

Desde logo pelo que antecede, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, improcede a invocada autoridade de caso julgado.

 

Ainda neste ponto, e uma vez que é quando invoca verificar-se autoridade de caso julgado que a Requerente apela aos artigos já acima referidos (v. 3.º parágrafo do ponto 3.1. em que estamos) - artigos da CRP, do CC e da CEDH - para alegar que ao não se entender ocorrer autoridade de caso julgado aqueles estarão a ser violados, vejamos.

 

Apela a Requerente, neste contexto, ao Princípio do Estado de Direito Democrático, cfr. art.º 2.º da CRP. Reporta-se ao instituto do caso julgado como corolário da segurança jurídica que decorre, refere, daquele princípio. Seria assim inconstitucional, afirma, a arbitragem tributária ser o único sistema tutelar a apartar-se daquele princípio, sendo inadmissível qualquer entendimento contrário àquele que expõe, entendimento “nomeadamente no sentido em que não se verifica, na situação descrita, a autoridade do caso julgado, relativamente à matéria de facto provada noutro processo”.

 

Deve dizer-se que não se alcança como vê a Requerente, neste desenho, uma violação da Constituição. Que, adiante-se, não ocorre. Os Tribunais Arbitrais, tal como os demais Tribunais, desde logo os Tribunais Administrativos e Fiscais, decidem de acordo com o direito constituído (v. art.º 2.º, n.º 2 do RJAT). E o Direito constituído diz-nos o que vimos de ver. Como não poderia deixar de ser. Não será por numa prévia decisão transitada em julgado ter sido apreciada a matéria de facto reportada a uma determinada operação na qual o SP incorreu em gastos, gastos esses que defende serem fiscalmente dedutíveis, e em face de na mesma decisão se ter considerado provada a materialidade de uma certa e determinada operação (de uma, de várias, e/ou mesmo de algumas de entre várias, como terá sido no caso do Acórdão Arbitral que se convoca) num determinado exercício fiscal, e assim decidido pela dedutibilidade fiscal dos gastos em questão nesse mesmo exercício, e por – depois – numa outra acção arbitral outro Tribunal Arbitral, constituído para apreciar um Pedido de Pronúncia Arbitral tendo por objecto outras operações do mesmo SP num outro exercício fiscal, este Tribunal, - para decidir naquilo sobre que é chamado a decidir, a saber, sobre a dedutibilidade (ou não), fiscal, de gastos incorridos pelo SP num outro exercício fiscal distinto, tendo para isso que  apreciar (entre o mais - como sucede) da materialidade (ou não) das operações (de uma e cada operação) em questão - não tomar como pressuposto indiscutível para a sua decisão o anteriormente decidido por aquele outro Tribunal sobre a matéria de facto apurada e decidida naquele outro processo em que estão em questão outras operações que - não será, dizíamos, por tal, que - o invocado Princípio do Estado de Direito Democrático, e a Segurança Jurídica que dele decorre, resultaram beliscados. Muito pelo contrário, como facilmente se compreende. Se as operações em questão são outras, que não as mesmas, como já suficientemente aproximado, como poderá pretender-se a matéria de facto a apreciar (para decidir, entre o mais, quanto à sua materialidade) com vista à solicitada decisão ser a mesma? Não estaria ao fazer-se isso, e aí sim, a atentar contra a segurança jurídica e, se se quiser, o invocado princípio? Parece-nos claro que sim.

Não assiste, pois, razão à Requerente também quando invoca resultar violada a Constituição - o seu art.º 2.º - por esta via, de se concluir pela não ocorrência de autoridade de caso julgado.

 

Por sua vez, quanto a uma, também por esta via invocada, violação do Princípio da tutela jurisdicional efectiva, cfr. art.º 20.º, n.º 4 da CRP, e em conexão com o art.º 8.º, n.º 3 do CC. Invoca a Requerente que “os fundamentos de facto de uma decisão assumem, mesmo quando autonomizados da sentença de que são pressupostos, o valor de caso julgado.” Também aqui, não se alcança (e tendo em conta também as considerações sobre os efeitos do caso julgado material, supra) como vê a Requerente a invocada violação aqui ocorrer. Que não ocorre.

É que a Requerente parece até olvidar que, nestes autos, vem invocar (entre o mais) a efectividade/materialidade de certas e determinadas operações traduzidas em prestações de serviços de intermediação imobiliária que terão (segundo invoca) originado/dado causa à venda de certos e determinados imóveis (na presente também, por facilidade, “Unidades”). Que pretende ver provada. Melhor, que defende ter logrado provar. Nestes autos. Nos presentes autos. Em simultâneo pretende, parece, ver provada essa efectividade/materialidade por recurso ao que foi decidido - à matéria de facto considerada provada - em outro processo. E não ao que vier a ser decidido aqui, como compete ser feito, com base nos elementos de prova carreados nos presentes autos. Referentes às concretas operações em questão nos mesmos (operações que terão conduzido, segundo a Requerente alega, caso a caso, à venda de distintos imóveis, no total – nos presentes autos – de dez). Como é devido, em aplicação do direito constituído, diga-se.

Nem se está – contrariamente ao alegado pela Requerente – perante a mesma situação de facto do processo que convoca (Proc. 282/2021-T), como bem deveria a Requerente conhecer, nem “a solução a dar ao caso teria de ser idêntica, em pleno cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil (...) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua vertente do processo equitativo” conforme art.º 20.º, n.º 4 da CRP.

Com efeito, o invocado Princípio (tutela jurisdicional efetiva), que implica, com determinadas exigências, o direito de acesso aos Tribunais para defesa de direitos individuais, exige também, desde logo, que o Tribunal que julgue a causa seja independente - cfr. art.ºs 203.º e 216.º da CRP, e v. também, art.º 9.º, n.º 1 do RJAT -, que a sua competência esteja previamente definida - v. art.º 32.º, n.º 9 da CRP -, e que as partes no processo disponham de poderes processuais que lhes permitam influir na decisão, dispondo o legislador ordinário de razoável margem de discricionariedade de atribuição de tais poderes, mas devendo o mesmo sempre mover-se na órbita do direito a um processo equitativo e no respeito pelo princípio do contraditório. Ainda no âmbito do mesmo princípio se exige, entre o mais, o respeito do caso julgado – como se faz ao concluir-se como vem de se concluir.

Quanto, por sua vez, ao n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil[24], e com todo o respeito por opinião divergente, vemos a norma como a interpretar no contexto dos demais números do artigo. Acompanhamos Pires de Lima e Antunes Varela[25] ao comentarem o referido n.º: “A doutrina do n.º 3 é, pode dizer-se, complementar da do número anterior. É precisamente contra a equidade (justiça do caso concreto em desacordo com a justiça do princípio geral) que o legislador reage, procurando evitar desacordos na aplicação das leis.” O que se não coloca. E, além disso, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, entendemos que a norma deve ser interpretada sistematicamente, no nosso Ordenamento Jurídico, que consagra a independência dos Tribunais, que estão sujeitos à lei e ao Direito, “cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”.[26] Não pretende o mesmo artigo determinar-nos a decidir como em outro Tribunal Arbitral se decidiu, e tomar a matéria de facto ali adquirida como um pressuposto indiscutível, ou sequer um pressuposto, aqui – tudo como acima já se deixou melhor exposto, pelas razões ali sumariamente vistas, para aí se remetendo.

Também por aqui não assiste razão à Requerente quando invoca resultar violada a Constituição - o seu art.º 20.º, n.º 4 (e o invocado normativo do Código Civil) por esta via, de se concluir pela não ocorrência de autoridade de caso julgado.

 

Por fim, ainda neste ponto - autoridade de caso julgado -, apela a Requerente à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), para defender que, a não se entender ocorrer autoridade de caso julgado, estar-se-á a violar o seu art.º 6.º, e o primado do Direito Internacional Convencional, sendo a Convenção aplicável por força do art.º 8.º da CRP. Invoca que ao consagrar-se naquele normativo Convencional (art.º 6.º) o direito ao processo equitativo, e tendo já o TEDH concluído pela responsabilidade civil do Estado Português por violação do disposto no art.º 6.º, n.º 1 da CEDH por, refere, a posição dos Tribunais portugueses ter sido manifestamente distinta em situações similares, então - invoca, dizíamos - um dever do presente Tribunal de consagrar um sentido decisório idêntico ao constante do Acórdão Arbitral convocado. Sob pena de violação do art.º 6.º, n.º 1 da CEDH e dos art.ºs 8.º e 20.º, n.º 4 da CRP.

 

Deve dizer-se que, pela consagração de um direito a um processo equitativo visa o Direito Internacional proteger os indivíduos contra tratamentos arbitrários. Vindo desde sempre o TEDH a associá-lo ao primado do Direito e sua efectividade. Processo equitativo será o processo que possibilita a ambas as partes processuais idênticas condições ou mecanismos para tutelarem as suas posições jurídicas e interesses legalmente protegidos, cfr. vasta Jurisprudência do TEDH[27].

Pergunte-se, então, e tendo em consideração tudo o mais já referido acima quanto às relações jurídicas em questão delimitadas num (já transitado) e no outro (o presente) processo, como pretende a Requerente considerar violado o princípio em questão precisamente ao considerar-se não ser de ter por pressuposto inabalável a matéria de facto fixada numa decisão transitada em julgado sobre matéria, de facto, que não a destes autos.

Igualdade de armas, desde logo, ameaçada, a se seguir o entendimento pugnado pela Requerente, parece-nos. Entre o mais, a Requerida, que é parte no processo, nesse outro processo há-de ter exercido os seus direitos de defesa e procurado aí fazer prova em função de uma determinada fundamentação de um determinado acto – que não o acto nestes autos e sua fundamentação.

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, mais uma vez e em conclusão, não assiste razão à Requerente quando invoca também resultar violada a Constituição - art.ºs 8.º e 20.º, n.º 4 (bem assim quanto ao art.º 6.º da CEDH) por esta via, de se concluir pela não ocorrência de autoridade de caso julgado.

 

Posto isto, avancemos.

 

3.2. Questões a decidir

 

As principais questões a decidir nos autos, de facto e de direito, podem sumariar-se assim:

  1. Devem ou não considerar-se fiscalmente dedutíveis os gastos incorridos pela Requerente com pagamentos às entidades não residentes,
  1. no caso das entidades listadas?
  2. no caso das entidades não listadas?
  1. Incide ou não TA sobre os valores pagos pela Requerente às entidades não residentes listadas (cfr. art.º 88.º do CIRC, n.ºs 1 e 8)?
  2. Devem ou não, no caso, considerar-se fiscalmente dedutíveis em 2017 gastos incorridos pela Requerente por serviços que lhe foram prestados e facturados em 2016?

 

Em função do que vier a responder-se às questões acima, assim se deverá responder quanto à verificação, ou não, da(s) alegada(s) ilegalidade(s) das correcções em crise.

 

No que ao caso dos gastos com pagamentos a entidades não listadas se refere:

  1. Foi violado do Princípio do Inquisitório?
  2. É aplicável o art.º 100.º do CPPT?
  3. Há vício de falta de fundamentação, por na apreciação de direito de audição a Requerida não ter feito menção ao art.º 100.º do CPPT?

 

Por fim, haverá ainda que apreciar quanto à invocada violação do Princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, e do princípio da legalidade, por alegada contradição de entendimento da Requerida face a anteriores inspecções à A...- exercícios de 2013 e de 2014 - e em conexão com informações solicitadas em relação ao exercício de 2015, invocando-se assim violação do art.º 2.º da CRP.

 

Como segue.

Enquadrando e recapitulando muito brevemente.

 

Coloca-se nos autos essencialmente a questão de saber, num quadro de transferências bancárias para outros países por parte de um sujeito passivo de IRC, se os montantes que assim contabilizou a título de pagamentos por prestações de serviços a entidades aí residentes, são, ou não, gastos fiscalmente dedutíveis.

 

Subdividindo-se a questão em duas distintas, assim abstractamente delimitadas: serem os destinatários das transferências pessoas colectivas sujeitas nesses países ou territórios a um regime de tributação claramente mais favorável (rectius a regime fiscal a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária). Ou, diferentemente, tratar-se de destinatários pessoas colectivas aí não sujeitas a um tal regime.

 

Tendo o SP contabilizado os respectivos montantes como gastos do exercício, coloca-se a questão de saber se se estará, ou não, perante gastos fiscalmente dedutíveis. Numa, e por outro lado, na outra dessas situações.

 

E assim saber se são ou não de anular, e em que termos, as correcções à matéria colectável do sujeito passivo que - em tais circunstâncias, ambas - considerou os montantes em questão, todos eles, como fiscalmente dedutíveis no exercício e, assim, os relevou no apuramento do seu respectivo lucro tributável.

 

Vejamos então, descendo ao caso.

 

A Requerente considera que, quando deduziu fiscalmente aqueles montantes, o fez nos termos legais. Cumpriu, segundo defende, e desde logo, o disposto no Código do IRC[28] com aplicação ao caso. Em ambas as situações que vimos de sumariar. E que são as que se deparam nos autos.

 

A Requerida, de seu lado, entende que a Requerente não poderia, seja numa, seja na outra das situações, tal como configuradas nos autos - e como melhor se verá - deduzir fiscalmente os montantes que assim transferiu.

 

Vejamos, antes de avançarmos, o quadro legal potencialmente relevante.

 

Na LGT,

 

Art.º 58.º - Princípio do inquisitório

A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

 

Art.º 59.º - Princípio da colaboração

  1. Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco.
  2. (...)
  3. A colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, designadamente: (...)

d) A notificação do sujeito passivo ou demais interessados para esclarecimento das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos;

  1. A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros. / (...)

 

 

Art.º 63.º-D –         Países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável

  1. O membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, após parecer prévio da Autoridade tributária e Aduaneira, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável.
  2. Na elaboração do parecer e da lista a que se refere o número anterior, devem ser considerados, nomeadamente, os seguintes critérios: / (...).

 

 

 

Art.º 74.º - Ónus da prova

  1. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. / (...)

 

 

Art.º 75.º - Declarações e outros elementos dos contribuintes

 

  1. Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

 

  1. A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
  1. As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
  2. O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações; /(...)

 

 

Art.º 77.º - Fundamentação e eficácia

  1. A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de (...).
  2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. / (...)

 

 

No Código Civil

Art.º 350.º - Presunções legais

1.    Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.

2.    As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.

 

 

No CPPT

Art.º 100.º - Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos

  1. Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado./ (...)

 

 

No RCPITA,

Art.º 9.º - Princípio da cooperação

  1. A inspecção tributária e os sujeitos passivos ou demais obrigados tributários estão sujeitos a um dever mútuo de cooperação. / (...)

 

 

No CIRC,

Cap. III – Determinação da matéria colectável

Art.º 16.º - Métodos e competência para a determinação da matéria colectável

  1. A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal. (...)

 

Art.º 18.º - Periodização do lucro tributável

  1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
  2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
  3. Para efeitos da aplicação do número 1:
  1. (...)
  2. Os (...) e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, (...);

 

 

Art.º 23.º - Gastos e perdas

  1. Para determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.
  2. Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(...)

  1. Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente (...).
  2. (...).

 

Art.º 23.º-A – Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

  1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. 

(...)

7. O disposto na al. r) do n.º 1 (...)

8. A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.

 

 

Art.º 88.º - Taxas de tributação autónoma

  1. As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A. / (...)

 

8. São sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. 

 

Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fev.,

Que aprova a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis (e em cuja lista se incluem, ao tempo dos factos, no que aos autos releva, Hong Kong e Emiratos Árabes Unidos - cfr. probatório)

 

*

Percorrida que fica a legislação, e em conformidade com o disposto no art.º 124.º do CPPT, que rege quanto à ordem de conhecimento dos vícios, procederemos prioritariamente à apreciação dos vícios de violação de lei (v. questões a), b) e c) supra – 3.2.), por, dos vícios invocados, serem aqueles cuja procedência determina “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”. Como segue.

 

  1. Devem ou não considerar-se fiscalmente dedutíveis os gastos incorridos pela Requerente com pagamentos às entidades não residentes,
  1. no caso das entidades listadas?
  2. no caso das entidades não listadas?

 

No nosso caso, temos que a Requerente é uma empresa que se dedica, entre o mais, à construção e desenvolvimento de projectos imobiliário-turísticos e à aquisição, alienação e administração de bens imóveis. E que, no exercício de 2017, procedeu a transferências bancárias para pagamentos a pessoas colectivas residentes fora do território português, os quais registou como gastos na sua contabilidade, conforme documentação contabilística pertinente. Tendo-os registado na Conta 62251-Comissões e, apenas no caso dos pagamentos a uma das entidades em questão, na Conta 62221-Publicidade e propaganda (tudo cfr. factos provados).

 

Os registos assim constantes da contabilidade da Requerente respeitam a transferências bancárias por si efectuadas em 2017.

 

Parte das mesmas destinadas a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável – nos termos conjugados da al. r) do art.º 23.º-A do CIRC com o n.º 1 do art.º 63.º-D da LGT. Estas no valor total, em 2017, e no que aos presentes autos releva, de € 255.850,00. (cfr. al. c) factos provados).

 

Reporta-se o referido art.º 63.º-D da LGT à Portaria, aprovada após parecer prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, contendo a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável. Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro[29].

 

Outras transferências, por sua vez, destinadas a entidades residentes fora do território português mas não beneficiárias, aí, de um regime fiscal claramente mais favorável. Não localizadas em países ou territórios integrantes da referida lista (da Portaria). Estas no valor total, em 2017, e no que aos autos releva, de € 833.600,00. (cfr. al. d) factos provados).

 

Passemos agora então a tratá-las em separado:

 

  1. no caso das entidades listadas

 

No exercício em questão, 2017, e tudo como resulta provado (cfr. probatório supra), a Requerente procedeu às transferências bancárias aqui enquadradas (i.e., destinadas a entidades listadas) a favor de duas distintas entidades. A C..._ e a D..._[30]. Sediadas, respectivamente, em Hong Kong e nos Emiratos Árabes Unidos. Ambos países constantes da lista aprovada pela referida Portaria, na sua versão aplicável à data dos factos.

 

A Portaria, que aprova a referida lista, integra-se num contexto normativo anti-abuso, e no seu Preâmbulo se lê que “A luta contra a evasão e fraude internacionais passa também pela adopção de medidas defensivas, tradicionalmente designadas por medidas antiabuso, traduzidas em práticas restritivas (...) que têm como alvo operações realizadas com entidades localizadas em países, territórios ou regiões qualificados como “paraísos fiscais” ou sujeitos a regimes de tributação privilegiada.” Nestes normativos com este tipo de preocupações por parte do nosso legislador fiscal, numa reação/prevenção a esquemas de evasão e elisão fiscal, se enquadra também o já referido art.º 23.º-A do CIRC, e o art.º 63.º-D da LGT (v. supra) (cfr. também, entre o mais, o art.º 63.º-A da LGT, reportado a informações relativas a operações financeiras, impondo mecanismos de informação automática e comunicações obrigatórias por parte de instituições de crédito e instituições financeiras[31]).

 

O art.º 23.º-A, sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, - com base no qual a Requerida operou estas correcções - determina, na referida al. r) do seu n.º 1, que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável - mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação - importâncias como as aqui em questão. Importâncias pagas a qualquer título a pessoas colectivas[32] não residentes e submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (cfr. art.º 63.º-D da LGT e lista da Portaria). Não são, como regra, dedutíveis. O que só assim não sucederá se o sujeito passivo lograr afastar a presunção legal aqui contida.

 

Ou seja, presume-se que tais transferências/pagamentos não têm uma substância, que serão simuladas e/ou que não terão ocorrido com base em critérios de racionalidade económica. 

 

Só assim não sucedendo se o SP afastar a presunção, provando que correspondem a operações efectivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

 

Estamos perante uma exigência acrescida de prova ao sujeito passivo. Uma dupla prova. Como condição para a dedutibilidade dos gastos em que assim incorrer. Só nesses termos (logrando fazer tal prova) sendo possível ao sujeito passivo ilidir a presunção de que àquelas transferências/pagamentos - na relação com entidades localizadas em tais jurisdições - não subjazem operações reais, de que não há uma materialidade subjacente. Mais ilidir a presunção de que revestem um carácter que não é de normalidade/racionalidade económica, antes de anormalidade, e/ou de que são de montante exagerado.

 

Inverte-se, assim, o ónus da prova.

 

E a prova que se exige, e que fica a cargo, assim, do SP, é uma prova da materialidade. Não meramente uma prova formal. Como bem se compreende. Com interesse, e entre outros, a respeito da prova neste contexto, v. o Acórdão do TCA Sul de 29/04/2021, proc.º 1410/14., em cujo Sumário se lê: “(...) II. Sendo feitos pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, os mesmos não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, exceto se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. III. Quando se fala em efetividade das operações pretende-se com isso que haja a demonstração de que a intervenção da entidade sedeada num paraíso fiscal não é uma mera intervenção formal, de que houve uma efetiva prestação de serviços.” E, no corpo do Acórdão, assim: “(...) daí que, tal como refere o Tribunal a quo, a mera apresentação de contratos ou de faturas não seja suficiente, porquanto o que está em causa não é uma falta de documentação da operação, mas sim aferir da efetividade da interposição de uma entidade sedeada num paraíso fiscal.”

 

Como também a respeito se lê em Acórdão do mesmo TCA Sul de 19/02/2015, proc. 08126/14: “No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de IRC. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”

 

E regressando ao Acórdão anterior, de 29/04/2021, ainda assim: “Ou seja, nestes casos não está em causa que tenha existido um negócio efetivo, ao contrário do que refere (...). O que exige o art.º (...) é que se demonstre que tal negócio é devido a uma efetiva intervenção da entidade sedeada em país ou território de tributação privilegiada”.

 

Ou como em Acórdão Arbitral de 10.11.2020, no proc.º 871/2019-T, assim: “o que se torna exigível, como se deixou esclarecido, é a prova concreta da actividade desenvolvida em vista a justificar os pagamentos que foram efectuados e que a Autoridade Tributária entendeu ser de desconsiderar, para efeitos fiscais, com fundamento nessa ausência de prova.” 

 

Desçamos novamente ao caso.

 

A Requerente assume nos autos uma posição que se pode assim sumariar: temos os contratos, temos as facturas, as transferências foram feitas, e temos vendas de imóveis (temos as vendas dos imóveis, na argumentação apresentada). Com isto defende provada a efectividade das operações. Também com, quando lhe foi possível, elementos para prova de ter havido clientes (mais adiante no tempo compradores) a ficar hospedado nas suas instalações. E com o elemento “nacionalidade” comprovado nas EPs nos casos em que foi adquirente de Unidade um nacional Chinês, por hipótese.

 

Tanto - na tese da Requerente - sendo o suficiente para provar a materialidade das prestações de serviços que invoca terem efectivamente ocorrido. Juntamente com as explicações que deu/enquadramento que fez da situação. E é assim que, em seu entender, há que considerar provadas as prestações de serviços, considerar provado terem ocorrido. E, em consequência, considerar como gastos dedutíveis para determinação do seu lucro tributável do exercício os montantes que assim pagou/transferiu.

 

Assim se lê, a título de exemplo, nos artigos 45-46 do PPA: “No decurso da inspeção, e não obstante a documentação comprovativa apresentada pela Requerente – v.g., a escritura de venda da unidade de alojamento concretamente em causa, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e a C... e as faturas emitidas por esta última – que, na ótica da Requerente, permite concluir, sem margem para dúvidas, a efetividade das operações realizadas, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que “não basta a apresentação de contratos celebrados entre as partes, nem mesmo adicionado a prova do pagamento, pois este não é posto em causa”.”

 

Pois bem.

 

Nem se alcança com facilidade, como já se deixou dito, o porquê da recusa em exibir elementos adicionais para prova. A não ser se se considerar que de facto inexistem.

 

Nem também, como já exaustivamente percorrido e retiradas as devidas conclusões dos elementos probatórios nos autos, aquilo em que a Requerente se apoia permitiu provar a materialidade das operações. A Requerente não logrou fazer a prova que lhe era exigida a fim de afastar a referida presunção legal. Não logrou provar, desde logo, a efectividade das invocadas operações. Tudo como supra.

 

Na verdade, não há prova nos autos de que as vendas em 2017 dos quatro imóveis que identifica e alega terem ficado a dever-se à intervenção das referidas duas entidades listadas tenham resultado de uma tal intervenção (caso a caso apreciada a operação invocada, como supra). Não há nos autos qualquer prova de uma intervenção de uma nem de outra dessas entidades na venda de qualquer um desses imóveis (v. al. j) 1. e 2., al. m) 1. e 2., al.s dd) e ff), al.s ee) e gg) e v. factos não provados, e sua fundamentação). Há manifesto deficit probatório, a Requerente não cumpriu com o ónus da prova que sobre si recaía de molde a afastar a presunção de não efectividade.

 

Como também, ainda que se tivesse provado - que não se provou - a efectividade, sempre se manteria em qualquer caso operante a presunção, por não afastada. Uma vez que os ditos requisitos de prova são todos eles cumulativos, e sendo que também desde logo quanto à grandeza (ao montante não exagerado) dos valores facturados a título de comissões pelas invocadas (e não reais) operações soçobrou a tentada prova por parte da Requerente. Vimo-lo.

 

Assim sendo, os gastos incorridos pela Requerente com pagamentos às entidades listadas não são fiscalmente dedutíveis. Por não afastada pelo SP a presunção constante do art.º 23.º-A, n.º 1, al. r).

 

  1. no caso das entidades não listadas

 

Após diligenciar sucessivamente com vista à obtenção de documentação e prova da efectividade das operações junto da Requerente, a Requerida considerou, analisando-os e exteriorizando essa análise, que os documentos existentes exibidos pela primeira com respeito às operações com estas entidades não atestam condignamente a dedutibilidade dos gastos.

 

Concluiu, face à documentação existente, e em aplicação do disposto no art.º 23.º, n.ºs 1 e 3 do CIRC, levantarem-se sérias ou fundadas dúvidas quanto à efectiva realização das prestações de serviços e fundadas dúvidas de que os gastos em questão tenham efectivamente servido para obtenção dos réditos invocados.

 

Assim também, haver indícios de que a contabilidade da Requerente poderia não revelar exactamente a sua realidade. E considerou neste sentido afastada a presunção constante do art.º 75.º, n.º 1 da LGT, nos termos do respectivo n.º 2, al.s a) e b).

 

Mais entendeu, pelos motivos explanados e que exteriorizou - cfr. RIT - que a Requerente não veio demonstrar o contrário e que os valores em causa influenciaram indevidamente as declarações entregues à AT.

 

Tudo conforme factos provados – al. v), RIT – e aí entre o mais cfr. em especial III. 1.1.2.1. in fine, III. 1.1.2.2. in fine, III. 1.1.2.3. in fine, e IX.4.2 – 81-84.

 

E assim é. Senão vejamos.

 

No exercício em questão, e tudo como resulta provado, a Requerente procedeu às transferências bancárias aqui enquadradas (i.e., destinadas a entidades não listadas) a favor de três distintas entidades. A E..._, a F..._ e a G..._.[33] Sediadas, respectivamente, na China, Macau e China. Países que não constavam da lista aprovada pela referida Portaria, na sua versão aplicável à data dos factos (tudo cfr. probatório supra).

 

E pretende, neste caso também, os respectivos montantes sejam considerados como gastos fiscalmente dedutíveis (e, assim, sejam anuladas as correcções que os desconsideraram).

 

Agora não estamos já perante uma presunção de não materialidade, e inversão do ónus da prova, como se estava no caso acabado de ver, em que se aplicou o art.º 23.º-A, n.º 1, al. r) – não cabendo Macau nem China na lista da Portaria não se preenche a previsão desta norma.

 

Estamos, porém, em qualquer caso, no contexto de uma única e mesma empresa, sujeito passivo, a Requerente, no decurso de um único e mesmo exercício fiscal, 2017. Tudo, pois, também no seio de uma só e única contabilidade. A contabilidade, os registos contabilísticos, da Requerente.

 

Vejamos, antes de mais, o que nos diz o art.º 23.º (v. supra), com base no qual a Requerida operou estas correcções (cfr. al. v), - RIT, e v. supra al. p) - a), segunda parte e al. r), factos provados). Estabelece o respectivo n.º 1 que - para determinação do lucro tributável - são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

 

Movemo-nos na regra geral de dedutibilidade dos gastos. Qualquer que ele (gasto) seja – é pelo preenchimento dos requisitos constantes desta norma que vai ser dado ser considerado para efeitos de apuramento do lucro tributável. Ser assim considerado – à partida. Porquê à partida? Porque mais adiante, no art.º 23.º-A, já nosso conhecido, e artigos seguintes, muitos desses gastos - que aqui “entram” - são depois corrigidos (como sucedeu quanto aos pagamentos às entidades listadas, afinal).

 

Pois bem. Contrariamente ao enquadramento que a Requerente faz nos seus articulados, na situação – “no caso das comissões pagas às entidades não beneficárias de regime privilegiado” - não se trata de que “é à AT que cabe provar a não efectividade das operações e o carácter anormal/montante exagerado.” Não.

 

É certo que não há, como a Requerente bem refere, inversão do ónus da prova - a inversão do ónus da prova consagrada no já percorrido art.º 23.º-A, n.º 1, al. r), aplicável ao caso dos gastos com pagamentos às entidades listadas - aa. (supra).

 

Porém o que há, aquilo de que se trata, é de estes gastos terem que – para o fim de serem fiscalmente dedutíveis – passar o crivo deste artigo. O artigo 23.º.

 

E, em conjugação com o mesmo, vejamos como dispõe o legislador no art.º 75.º da LGT (v. supra), sob a epígrafe “Declarações e outros elementos dos contribuintes”:

  1. Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

 

Pois bem. Desde logo, não será por força da presunção (esta outra) consagrada no n.º 1 do art.º 75.º da LGT - a presunção de veracidade e de boa-fé de que beneficiam as declarações e a contabilidade dos contribuintes - que os requisitos de que depende a dedutibilidade dos custos deixarão de se aplicar.

 

Rege o princípio da verificação. Princípio que constitui consequência directa, como a respeito observava Saldanha Sanches, do princípio da justiça na distribuição dos encargos tributários[34]. Como bem se compreende. Não só a presunção resulta afastada em circunstâncias determinadas, previstas expressamente pelo legislador desde logo no n.º 2 do mesmo dispositivo legal, como, ademais, a mesma há-de operar sem perder de vista a, sempre pretendida, verdade material.

 

Assim, ainda no mesmo art.º 75.º da LGT:

  1. A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
  1. As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
  2. O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

 

Ora.

Na verdade, vimos como os elementos referentes aos gastos, também aqui, são dificilmente conciliáveis entre si, seja no contido nos documentos respectivos existentes (pensamos agora nas FCs, concretamente as das E..._, F..._ e G..._), seja no seu reflexo contabilístico, ao nível da contabilidade da Requerente.

 

Sumariamente vejamos. As FCs em questão, duas da E..._, três da E..._ e uma da G..._ têm notórias insuficiências. V. supra na fundamentação da matéria de facto pp. 37-37 e em factos provados al. m), n.ºs 3 a 5. E podendo realçar-se singelamente: as FCs E..._ ao invés de data têm um número e que começa pela palavra U..., numa referência que pode razoavelmente suscitar dúvidas; as FCs da  E..._ não contêm qualquer referência seja a uma fracção seja a serviços de mediação imobiliária, são lançadas pela Requerente na Conta 62221-Publicidade e propaganda, mas ao liquidá-las são pagos, segundo a Requerente, montantes a título de comissão por intermediação imobiliária e, ainda, as vendas com que a Requerente as relaciona ocorreram, respectivamente, três, seis e doze meses antes; a FC da G..._ tem por descritivo, tão só, “Real Estate Consultancy Services” e não contém qualquer referência originalmente a qualquer fracção, e, ainda, a venda com que a Requerente a relaciona é c. seis meses posterior. Em coerência lê-se na fundamentação do acto em crise (v. al. v) probatório), entre o mais, inexistirem documentos que atestem condignamente a dedutibilidade dos gastos, o que, evidencia-se, não deixa de ser correcto.

Isto num contexto em que não há prova de que as vendas em 2017 dos seis imóveis que a Requerente identifica e alega terem ficado a dever-se à intervenção das referidas três entidades não listadas (caso a caso apreciada a operação invocada, como supra) tenham resultado de uma tal intervenção. Não há nos autos qualquer prova de uma intervenção de qualquer uma das três dessas entidades na venda de qualquer um desses imóveis (v., entre o mais, al. j) 3., 4. e 5., al. m) 3. e 4. e 5., al.s hh), ii) e kk), al.s jj) e ll) e v. factos não provados, e motivação).

Constatações que surgem e se conjugam com a verificação da realidade da Requerente e sua contabilidade também quanto aos pagamentos que efectuou no mesmo exercício para entidades listadas, e num todo.  Contabilidade da qual constam, assim e como visto, registos / relatos contabilísticos que espelham operações cuja substância não se constata, desde logo pelos documentos existentes, e nem mesmo depois, através da informação recolhida com o SP.

 

Como com razão refere a Requerida também na sua Resposta, os documentos não provam plenamente que os montantes em questão foram suportados pela Requerente com vista à angariação dos compradores das suas Unidades.

 

Pois bem.

 

Perante o que vimos de ver quanto aos documentos e à contabilidade da Requerente, que os processou e registou nos termos também vistos.

Perante o comando do legislador, cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT, ao determinar a presunção de veracidade e boa-fé da contabilidade “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”, e

Dependendo a dedutibilidade dos gastos de os mesmo terem sido incorridos pelo SP “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”,

Mais devendo os mesmos “estar comprovados documentalmente”,

Desde logo não eram os documentos cabalmente idóneos ao preenchimento do requisito de empresarialidade que se exige,

Cfr. art.º 23.º, n.ºs 1 e 3.

 

Acresce que,

 

Tendo-se concluído, no caso dos pagamentos às entidades listadas, pela não materialidade das operações que originaram os gastos (por não serem operações reais, portanto) uma vez que a Requerente não logrou fazer a prova que se exigia para afastar a presunção (art.º 23.º-A),

E tendo as demais invocadas operações tido lugar num contexto em tudo idêntico, como decorre da prova nos autos e como a própria Requerente expõe na posição por que pugna, desenvolvendo nos seus articulados como umas e outras operações se assemelham entre si, e remetendo na sua argumentação de umas para a argumentação desenvolvida quanto às outras (desde logo ao tratar das não listadas remetendo também para o contexto das listadas), suscitam-se dúvidas, que são fundadas, como assim também demonstrado pela Requerida, sobre a efectiva realização das operações, havendo que concluir ter resultado abalada a credibilidade de que à partida beneficiava a contabilidade da Requerente.

 

Estão reunidos indícios fundados, no entender dos árbitros deste Tribunal, de que a contabilidade não reflecte a matéria tributável real da Requerente no exercício de 2017 – cfr. al. a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT. Além de revelar inexactidões, tudo como se deixou apreciado.

Acrescendo que também os deveres de esclarecimento da situação tributária que impendiam sobre a Requerente - e v. art.º 59.º, n.ºs 1 e 4 da LGT (supra) – foram em certa medida preteridos, ao aquela não aportar documentação adicional como lhe foi sendo solicitado (cfr. supra, fundamentação da matéria de facto).

 

Resultou ilidida a presunção de veracidade e boa-fé de que beneficiava a contabilidade da Requerente, pelo art.º 75.º, n.º 1. Por força do preenchimento das al.s a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo.

 

E, ao assim ser, recaía sobre a Requerente o ónus da prova de que incorrera nos gastos em questão para (a fim de) obter ou garantir os seus rendimentos sujeitos a IRC, cfr. art.º 23.º, n.º 1.

 

Assim cumprindo o ónus da prova do direito à dedução dos respectivos gastos, de que se arroga.

 

Sendo que, em harmonia com o disposto no art.º 74.º, n.º 1 da LGT – “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Cfr., também, art.º 350.º, n.º 1 do Código Civil (v. supra).

 

Prova que, também aqui, a Requerente não logrou fazer. Tudo como visto. V., entre o mais, factos não provados supra (terceiro). Recaía sobre a Requerente o ónus de provar os gastos terem sido por si incorridos para obter rendimentos sujeitos a IRC. Prova que permitiria a subsunção dos mesmos à previsão da norma (art.º 23.º). E prova que a Requerente não fez.

 

Falta, assim, por não provado, o propósito económico entre gastos e rendimentos. Consequentemente, também os gastos incorridos pela Requerente com pagamentos às entidades não listadas não eram fiscalmente dedutíveis.

 

*

Andou bem a Requerida quando, em sede de procedimento inspectivo, assim o considerou - que se verificavam indícios de que a contabilidade da Requerente poderia não revelar exactamente a sua realidade (v., entre o mais, al. v) factos provados – IX.4.2), e deu por afastada a presunção de veracidade. Após análise e concatenação de documentos e contabilidade, levantamento de insuficiências e contradições, solicitando à Requerente, como devido, provas de os gastos terem servido para a obtenção dos réditos invocados e/ou da efectividade das alegadas prestações de serviços (que esta última, diga-se, a provar-se abria caminho à prova da primeira; ou, se se preferir: que sobre esta última recaindo fundada dúvida afastada fica a prova da primeira) e concluindo pela não idoneidade dos documentos à dedutibilidade fiscal, fundadas as dúvidas sobre efectividade e sobre o fim da obtenção dos réditos invocados.

E quando após, operou as correcções.

 

No sentido de para a Administração Tributária proceder à correcção do lucro tributável por desconsideração de custos suportados por faturas ser suficiente a prova dos factos suscetíveis de abalar a presunção de veracidade dessas operações, competindo ao contribuinte o ónus da prova do direito de dedução que se arroga, e se dúvidas houvesse, v., entre outros, com as devidas adaptações, o Acórdão do STA de 27.02.2019, no proc.º 01424/05, e também aí, em extracto de ensinamento de Vieira de Andrade, assim: “Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade – estendida aos seus elementos de apoio (art.º 75.º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.”

 

 

  1. Incide ou não TA sobre os valores pagos pela Requerente às entidades não residentes listadas (cfr. art.º 88.º do CIRC, n.ºs 1 e 8)?

 

Tendo-se concluído, mais atrás, pela não dedutibilidade dos gastos com pagamentos às entidades listadas, cfr. art.º 23.º-A, n.º 1, al. r), há que concluir pela sujeição dos mesmos a Tributação Autónoma, cfr. n.ºs 1 e 8 do art.º 88.º do CIRC (v. supra). Que determina a respectiva incidência à taxa de 35%. Como nas correcções em crise.

 

  1. Devem ou não, no caso, considerar-se fiscalmente dedutíveis em 2017 gastos incorridos pela Requerente por serviços que lhe foram prestados e facturados em 2016?

 

Determina o nosso legislador no art.º 18.º, n.º 1, do CIRC, dando guarida ao princípio da periodização dos exercícios, que os rendimentos e os gastos (e outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável) são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento.

 

E que componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (cfr. art.º 18.º, n.º 2).

 

A Requerente contabilizou três facturas que lhe foram emitidas em 2016, por serviços que lhe foram prestados em 2016, no exercício de 2017. As FCs, no valor total de € 165.807,09, foram-lhe entregues a 11 e 12 de Abril de 2017 (cfr. al. s) factos provados) e o prazo de submissão da Declaração Mod. 22 terminou em momento posterior, a 31 de Maio de 2017.

 

A contabilização era, nos termos do referido art.º 18.º, devida no exercício de 2016, como a Requerente reconhece. Em sua defesa alega que não teve intenção de operar transferência de resultados entre exercícios, e que assim os gastos devem ser aceites em 2017, uma vez que o exercício de 2016 já se encontra caduco. Afirma ter-se tratado de “mero lapso contabilístico”.

 

Sucede que a Requerente não só dispunha das FCs em tempo para as ter considerado como devido contabilisticamente, como ainda teve a possibilidade de o fazer posteriormente, em declaração de substituição, declarações que existem também, precisamente, com vista à correcção de lapsos. Cfr. art.º 122.º.

 

A possibilidade de, por motivo de lapsos, passarem os contribuintes a livremente oscilar entre exercícios a contabilização gastos[35], podendo depois simplesmente aguardar a situação se consolidar, bem se vê, não é de admitir. E o princípio da justiça, a que a Requerente apela nesta sede, não o permitiria. Como se lê em Acórdão do TCA Sul, no proc. nº 1011/09.6BESNT: “(…) Por outro lado, é evidente que há que ter em conta o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal prevista no artigo 266°, 2, da CRP e 55° da LGT (vide entre outros Acórdãos do STA n.° 291/08, de 25.06.2008, 830/05 de 25.01.2006 e 1648/02 de 05.02.2003 ) contudo tal principio não pode colmatar as omissões dos contribuintes, a não ser claro está se “eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”. A não ser assim, à luz do princípio da justiça tudo seria permitido.  Pelo exposto, é evidente que de acordo com o apurado e sustentado na dita fundamentação de direito, encontrando-se o contribuinte vinculado contabilística e fiscalmente ao princípio da periodização do lucro tributável, que impõe que, neste caso, os custos sejam imputáveis ao período a que dizem respeito e de acordo com o momento de realização em que os mesmos foram suportados e não do seu pagamento, por obediência ao critério económico subjacente ao apuramento do lucro tributável, e não de qualquer perspetiva financeira (os chamados fluxos financeiros da contabilidade e acolhidos na legislação fiscal ( … ).”

 

A pretensão da Requerente, por lapso seu, não se enquadrando no n.º 2 do art.º 18.º, não procede.

 

As correcções em crise não vêm pois, até aqui, feridas dos vícios que lhe vinham imputados. Vejamos, quanto ao mais.

 

 

No que ao caso dos gastos com pagamentos a entidades não listadas se refere:

  1. Foi violado do Princípio do Inquisitório?

 

A violação do Princípio do Inquisitório vem invocada pela Requerente com referência à desconsideração dos gastos com a E..._ e, depois (por remissão para aí) com referência à desconsideração dos gastos com as demais entidades não listadas (cfr. 144 e ss. do PPA).

 

Porém, sem que proceda. Como se viu também supra, ao longo do procedimento inspectivo – e assim também com referência aos pagamentos às entidades não listadas - a Requerida deu cumprimento aos deveres que lhe incumbem nessa mesma sede, cfr., entre o mais, art.º 23.º-A, n.º 8, do CIRC, art.ºs 58.º e 59.º da LGT, art.º 48.º do CPPT, art.ºs 9.º e 29.º do RCPITA – entre o mais, notificando a Requerente para esclarecimento de dúvidas e disponibilização de informação e documentação, em cumprimento do dito princípio. Como mais exaustivamente se viu acima, não foi por a mesma não procurar junto da Requerente com insistência reunir informação/prova sobre os contornos e questões concretas da situação que a prova se não fez. Satisfez a Requerida o seu ónus probatório também ao fazer o levantamento de insuficiências e contradições documentais e contabilísticas, exercendo a actividade instrutória que lhe competia, cfr. também al.s t), u) e v) do probatório.

 

Não colhe a invocação da Requerente no sentido de que devia a Requerida ter accionado Acordos para troca de informações com a Região Administrativa Especial de Macau, e que, ao assim não proceder, violou o dito princípio. Com efeito, não se compreende como pretende a Requerente não ser ela própria quem estaria em melhor posição para facultar toda a informação sobre a situação que pretendeu provar nestes autos. Estando na posição em que estava não tendo conseguido obter, para facultar à Autoridade Tributária, nenhuma da informação que lhe era solicitada, como poder pretender-se que seria através dos invocados Acordos que terceiros iriam, melhor que a própria Requerente, alcançar fazer a prova do aqui em questão? E tendo em conta os deveres de colaboração que sobre si impendiam (cfr. art.ºs já referidos – art.º 59.º da LGT, art.º 9.º do RCPITA).

 

Referindo a Requerente nesta mesma sede que a Requerida não teria recolhido indícios capazes de concluir pela não efectividade das operações e que teria desrespeitado o disposto no art.º 23.º-A do CIRC sempre se recorde o já atrás exposto – não estávamos em sede desse artigo mas sim do art.º 23.º - tudo como acima (bb.) apreciado. E não ocorre por aqui violação do art.º 266.º da CRP como também a certo passo a Requerente parece invocar. Na actuação da Requerida em questão foram respeitados os princípios fundamentais consagrados no referido dispositivo constitucional – entre o mais, precisamente no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, no respeito pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé.

 

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, improcede a invocada violação do princípio do inquisitório (e não resultam violados, entre o mais, os art.s 55.º e 58.º da LGT, e 6.º do RCPITA) bem como a, se bem entendemos, invocada violação do art.º 266.º da CRP.

 

 

No que ao caso dos gastos com pagamentos a entidades não listadas se refere:

  1. É aplicável o art.º 100.º do CPPT?

 

À cautela vem ainda a Requerente convocar a aplicação do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT (v. supra).

Defende que na dúvida sobre se as operações foram efectivamente realizadas deveria a Requerida AT abster-se de tributar. À AT, segundo afirma, cabe provar a inexistência das operações, aplica-se o princípio in dubio contra fiscum. E sendo em consequência de anular as correcções.

 

Vimos já que assim não sucede. À AT basta-lhe, em desconsideração de custos, provar os factos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade das operações. O que sucedeu – cfr. acima em bb.

 

Mais se diga que o art.º 100.º do CPPT tem aplicação na conjugação com o equilíbrio existente, em cada caso, entre as partes, em matéria de deveres de cooperação. E numa situação como a dos autos sempre impendiam sobre a própria Requerente acrescidos deveres de cooperação – por, tendo em consideração o contexto de operações em questão, ser-lhe, a ela Requerente, mais próxima a informação concreta necessária do que à própria Requerida. Como facilmente se compreenderá. O art.º 100.º do CPPT não era aplicável, também aqui não assistindo razão à Requerente.

 

No que ao caso dos gastos com pagamentos a entidades não listadas se refere:

  1. Há vício de falta de fundamentação, por na apreciação de direito de audição a Requerida não ter feito menção ao art.º 100.º do CPPT?

 

 

A Requerente vem ainda invocar deficiência de fundamentação do acto em crise. Segundo expõe, quando exerceu o direito de audição invocou a aplicabilidade do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT, e a Requerida na apreciação daquele direito não se pronunciou a respeito. Inquinando assim o acto em crise de vício de falta de fundamentação.

 

Invoca-o com referência à desconsideração dos gastos com a E..._ e, por remissão para aí, com referência à desconsideração dos gastos com as demais entidades não listadas (cfr. 162 e ss. do PPA). Apela ao art.º 60.º, n.º 7 da LGT. Determinando este dispositivo a obrigatoriedade de a AT ter em conta na fundamentação da decisão os novos elementos suscitados pelo contribuinte na audição.

 

É certo que a Requerente convocou o art.º 100.º, n.º 1 do CPPT no seu direito de audição, cfr. também se lê no RIT (IX), como também é certo que a Requerida, na apreciação, o teve em consideração (cfr. aí 70, 71, 77-84). Pois que, embora não voltando a indicar expressamente o artigo ao retirar as suas conclusões, destas se apreende que está – ao ali expôr sobre a repartição do ónus da prova – a reiterar a sua posição contrária à da Requerente no ponto. Da repartição do ónus da prova. Não deixou, assim, de se pronunciar sobre o ali invocado pela Requerente ao convocar o art.º 100.º, n.º 1. De forma, quanto a este Tribunal, suficientemente clara e fundamentadora do acto. De molde, aliás, a que à Requerente não tenham restado dúvidas quanto a isto – como se vê pela defesa que apresenta a respeito.

 

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, concluímos que não vem o acto inquinado, também, do imputado vício de falta/deficiente fundamentação e o art.º 60.º, n.º 7 da LGT não foi violado. O “elemento” novo foi ali tido em conta (v. também art.º 77.º da LGT, supra).

 

 

Por fim quanto à invocada contradição de entendimento da Requerida face a anteriores inspecções à Requerente

 

Invoca a Requerente que aos seus exercícios de 2013 e 2014 fez a Requerida inspecções sem que tenha desconsiderado gastos como agora com referência ao exercício 2017. E que por essa via, uma vez que havia também efectuado transferências transfronteiriças e a essas a AT não questionou, ao agora o fazer age em venire contra factum proprium. E semelhantemente quanto ao exercício de 2015 ao terem sido solicitadas pela AT informações às quais a Requerente respondeu.

 

A Requerida explica que os procedimentos inspectivos em questão não analisaram esta matéria, mais expondo que nem faria sentido a Requerida deixar de poder corrigir irregularidades em inspecções posteriores por razões de antes não terem sido detectadas.

 

Assiste razão à Requerida. Como bem se compreende, e sem necessidade de maiores aprofundamentos, não poderiam as funções que a mesma exerce ficar dependentes de procedimentos inspectivos ocorridos no passado, a não ser na estrita medida do imposto por lei. Tanto impõem desde logo os princípios por que se rege o procedimento de inspeção tributária – cfr. art.º 5.º e ss. do RCPITA, e sem prejuízo do disposto no art.º 18.º do mesmo Diploma.

 

Não há, também por aqui, violação dos princípios da segurança jurídica e protecção da confiança, violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, nem do princípio da legalidade. Não resulta violado o invocado art.º 2.º da CRP, nem o art.º 103.º também da CRP em que vem consagrado o princípio da legalidade – invocado pela Requerente. 

 

*

 

A todas as questões a que fomos chamados decidir respondemos negativamente.

 

A pretendida anulação das correcções deve, pois, improceder. Como se decidirá.

 

*

 

4. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

- Indeferir totalmente o pedido de anulação das correcções à matéria colectável de IRC do exercício de 2017 melhor identificadas supra, e

-  Absolver a Requerida do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

5. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 1.344.804,59.

 

6. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 18.054,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 1 de Abril de 2023

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão (presidente)

 

 

 

Sofia Ricardo Borges (relatora)

 

 

Fernando Miranda Ferreira

 



[1] Relatório de Inspecção Tributária

[2] Serviços de Inspecção Tributária

[3] Refira-se que em relação a uma delas a Requerente viria depois a acatar as correcções, que não constituem objecto destes autos.

[4] Alterada pela Portaria 292/2011, de 8 de Novembro.

[5] Em “(...)” constam letras e números não legíveis

[6] V. nota anterior

[7] V. nota 4

[8] V. nota 3

[9] Sempre que no presente nos referirmos a artigos sem indicação do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao Código do IRC (CIRC).

[10] Sublinhado como no original (como sempre assim em transcrições do RIT)

[11] Com relevo para os autos são D1. e D3. [nota deste Tribunal]

[12] Negrito como no original (como sempre assim em transcrições do RIT)

[13] “Object” no original.

[14] Por facilidade utilizamos “B” ou “segunda contratante” para referir a contraparte (cfr. 1., 2., 3., e 5. al. j) );

[15] Aqueles nos quais a segunda contratante actua e se obriga a promover as Unidades da A... (v. al. w) supra).

[16] Esta cláusula, cláusula quarta, bem como as terceira e parte da quinta, não constam no contrato com a D... - em que estão omissas as páginas 4 e 5 (doc. 16 junto aos autos pelo SP), constando em todos os outros (estes não têm páginas omissas).

[17] v. supra, al. m) (ii)

[18]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[19] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT - cfr. nota anterior – como sempre assim quando remetermos para normativos de outros Diplomas aqui aplicáveis.

[20] Em apenas um dos contratos consta, além da sua, uma outra assinatura pela Requerente.

[21] Aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT

[22] Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[23] V. Acórdão do STJ de 26/02/2019, proc. n.º 4043/10.8, disponível em http://www.dgsi.pt (como a demais Jurisprudência que se refira na presente, salvo quando do CAAD, que estará disponível em http://www.caad.org.pt)

 

 

[24] Art.º 8.º – Obrigação de julgar e dever de obediência à lei

1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.

2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.

3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

[25]in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 57

[26]Cfr. art.º 152.º, n.º 1 do CPC e art.º 2.º do ETAF, ex vi art.º 29.º do RJAT; v. também art.º 9.º, n.º 1 do RJAT.

[27]   Pode ver-se, por exemplo, o Ac. Salov, de 06.09.2005, disponível em http://www.echr.coe.int.

[28] Doravante CIRC. Sempre que na presente indicarmos artigos sem indicação do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRC.

[29] Alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro.

[30] Denominações abreviadas por facilidade, e que se encontram completas na al. j) factos provados

[31] Obrigações legais que despoletaram o procedimento inspectivo na origem das correcções em crise (cfr. RIT e prova testemunhal nos autos).

[32] Ao que aos autos releva.

[33] Denominações abreviadas por facilidade, e que se encontram completas na al. j) factos provados

[34] Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 243

[35] Ou de rendimentos.