Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 638/2022-T
Data da decisão: 2022-04-26  IRS  
Valor do pedido: € 138.307,69
Tema: IRS - Documentos comprovativos de deduções em IRS decorrentes de retenções na fonte no estrangeiro; Art. 128º, nº 1, do CIRS; Portaria nº 404/2015, de 16 de Novembro.
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Sumário:

1-Da norma constante do nº 1, do artigo 128º, do CIRS, resulta  apenas a exigência de  documento para a prova do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, não restringindo a  Lei a  admissibilidade de  prova por qualquer  uma das modalidades de documento escrito, sem prejuízo da diferente força probatória de documentos autênticos e de documentos particulares, face aos artigos  371º do Código Civil e  376º do Código Civil.

2- À luz do artigo  74º, nº 1, da Lei Geral Tributária e do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, tendo os sujeitos passivos provado ter suportado no estrangeiro os montantes de retenção na fonte que alegam, cabia à Requerida o ónus da prova de que algum reembolso, ou acerto,  diminuiu, ou suprimiu,  os valores em causa.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

 

1. No dia 21.10.2022, as Requerentes, A..., casada sob o regime de separação de bens, portadora do cartão de cidadão n.º ...,  titular do número de identificação fiscal..., residente na ..., Estoril, na qualidade de cabeça-de-casal e de herdeira de B... e C..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., titular do número de identificação fiscal..., residente na ..., Estoril, por si e na qualidade de herdeira de B... requereram  ao CAAD, na sequência da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., da liquidação de juros n.º 2019... e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., através dos quais se liquidou o montante adicional de € 138.307,69, e da referida decisão de indeferimento proferida no âmbito daquele recurso hierárquico que os manteve na ordem jurídica

As Requerentes, alegando terem pago o imposto em causa peticionam, ainda, o respetivo reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram  ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 3.01.2023.

 

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

  1. Em 27 de maio de 2016, B... e C... submeteram a declaração modelo 3 de IRS n.º..., por referência aos rendimentos obtidos no ano de 2015.
  2. Na referida declaração de rendimentos, os sujeitos passivos declararam o montante global de € 3.301.133,26, a título de rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro.
  3. Na mesma declaração foi igualmente declarado que sobre tais rendimentos foi sofrida retenção no Estado da fonte, pelo montante global de € 126.945,12.
  4. Na sequência da submissão da identificada declaração, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2016..., na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 843.604,72.
  5. Sucede que, em 2 de julho de 2018, os sujeitos passivos foram notificados para «remeter[em] [à Divisão de Liquidação do Imposto S/ Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa] , no prazo de 15 dias, (…) Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respetivo(s) Estado(s), contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015» ou «[l]iquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final», sob pena de o referido montante de € 126.945,12 de imposto retido no estrangeiro ser desconsiderado.
  6. Em 16 de julho de 2018, os sujeitos passivos remeteram à indicada Divisão duas declarações emitidas, especificamente para efeitos fiscais, pelas entidades bancárias intermediárias das operações subjacentes à obtenção dos rendimentos em causa, sediadas no Principado do Mónaco — em concreto, D... Bär e F... Private Bank (Monaco) SA —, nas quais os rendimentos obtidos e os respetivos montantes de imposto retido se encontram discriminados.
  7. Não obstante, a referida Divisão notificou os sujeitos passivos de que, ainda assim, projetava desconsiderar o indicado montante de € 126.945,12 declarado a título de imposto retido no estrangeiro, por «não ter sido exibida a declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago, emitido pela autoridade fiscal do estado da fonte de onde são provenientes».
  8. Nesse momento, os sujeitos passivos voltaram a diligenciar, junto das identificadas entidades bancárias intermediárias, no sentido de obterem os exatos documentos que a Administração tributária exigia para efeitos de prova do imposto retido no estrangeiro.
  9. Sucede que, em resposta à indicada solicitação, a entidade D... Bär informou os sujeitos passivos da impossibilidade de obter tais específicas declarações junto das autoridades fiscais do estado da fonte dos rendimentos, atestando, contudo, o montante de imposto efetivamente retido no estrangeiro (que havia sido declarado pelos sujeitos passivos).
  10. Por seu turno, o pedido dirigido pelos Requerentes ao F... Private Bank (Monaco) SA não foi objeto de qualquer resposta.
  11. Tanto a solicitação feita pelos sujeitos passivos às identificadas entidades bancárias, como a resposta que lhes foi dirigida pelo D... Bär, foram juntas ao procedimento de correções em 23 de janeiro de 2019
  12. Não obstante o exposto, em 5 de fevereiro de 2019, os sujeitos passivos foram notificados da decisão final proferida no âmbito do indicado procedimento, na qual se concluiu pela desconsideração do montante global de € 126.945,12 declarado a título de imposto retido no estrangeiro por não ter sido «apresentada a declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago, emitido pela autoridade fiscal do estado da fonte de onde são provenientes os mesmos, pelo que os documentos bancários apresentados não são aceites».
  13. Ora, de acordo com o disposto no artigo  75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, «[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei».
  14. Não obstante, o artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS dispõe que «[a]s pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija».
  15. Os sujeitos passivos, não só entregaram à Administração tributária todos os documentos de que dispunham para declarar os rendimentos de capitais obtidos e as respetivas retenções na fonte sofridas (os quais configuravam documentos particulares, emitidos pelas entidades bancárias intermediárias das operações com esse específico propósito), como efetuaram todos os esforços que estavam ao seu alcance para obter a tal «declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago, emitido pela autoridade fiscal do estado da fonte de onde são provenientes» exigida pela Administração tributária.
  16. Sucede que a emissão da tal «declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago, (…) pela autoridade fiscal do estado da fonte de onde são provenientes» não depende da vontade dos sujeitos passivos, nem estes têm o poder, ou a competência, necessários para obrigar um Estado estrangeiro a emitir um documento com uma determinada e específica forma exigida pelo Estado Português.
  17. Ora, de acordo com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (secundado pelo artigo 342.º do Código Civil), eram os sujeitos passivos que tinham de fazer prova do respetivo direito a deduzir os montantes de imposto retido no estrangeiro, cabendo à Administração tributária fazer prova de quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos deste direito que considerasse existir.
  18. Tanto a prova dos direitos, como a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desses direitos, pode ser feita por qualquer meio admitido em direito (cf. neste sentido, vide artigo 72.º da Lei Geral Tributária e artigos 50.º e 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
  19. Com efeito, importa acrescentar que também a norma constante do artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS, segundo a qual «[a]s pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija», não impõe o recurso a meios probatórios específicos, designadamente declarações emitidas pelas autoridades tributárias do Estado da fonte dos rendimentos.
  20. Nem tão pouco se pode referir — como o fez a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Serviços de Relações Internacionais em sede de recurso hierárquico — que o «documento emitido pela autoridade fiscal do país de origem dos rendimentos mencionado na segunda coluna» é exigível por força do disposto nas instruções de preenchimento da declaração modelo 3 de IRS, aprovadas pela Portaria n.º 404/2015, de 16 de novembro.
  21. Com efeito, como bem saberá a Administração tributária, as portarias são instrumentos normativos que visam pormenorizar e complementar as leis ordinárias, com o intuito de viabilizar a sua aplicação ou execução — são, portanto, de grau inferior ao ocupado pelas leis.
  22.  Não pode uma norma prevista em Portaria afastar a aplicação de normas constantes em diplomas de hierarquia superior, como aquelas que se encontram previstas nos artigos 72.º da Lei Geral Tributária, 50.º e 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 128.º, n.º 1, do Código do IRS ou 365.º e 376.º, n.º 1, do Código Civil.
  23. Impõe-se, assim, concluir que não existe qualquer limitação legal dos meios de prova à disposição dos sujeitos passivos para comprovarem o seu direito à dedução do imposto retido no estrangeiro por referência aos rendimentos aí obtidos.
  24. Ora, quanto aos documentos particulares emitidos pelas identificadas entidades bancárias em apreço, impõe-se, desde logo, assinalar que, em momento algum, a Administração tributária manifestou quaisquer dúvidas quanto à respetiva autenticidade ou, bem assim, quanto à veracidade dos elementos neles constantes.
  25. Por essa razão, determina o artigo 365.º, n.º 1, do Código Civil, que tais documentos particulares, emitidos, especificamente para efeitos fiscais, pelas entidades bancárias estrangeiras intermediárias das operações de retenção na fonte, «fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal».
  26. Em suma, não tendo sido arguida e provada a falsidade destes documentos, impõe o artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, que os mesmos façam «prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor».
  27. Significa isto, em suma, que os documentos particulares emitidos pelas entidades bancárias D... Bär e F... Private Bank (Monaco) SA são suficientes para comprovar os rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro pelos Requerentes e as retenções na fonte que sobre estes incidiu, devendo a Administração tributária aceitar o direito dos sujeitos passivos à dedução do montante de € 126.945,12 de imposto pago no estrangeiro, sob pena de violação do disposto nas indicadas normas e, bem assim, dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé que subjazem à atuação da Administração tributária.
  28. Acrescente-se, ainda, que a Administração tributária aceitou, sem contestar, os mesmos documentos para comprovar o montante de rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro que foram declarados pelos sujeitos passivos, pelo que, se tinha alguma dúvida séria quanto aos montantes de imposto retido na fonte constantes dos mesmos documentos, cabia-lhe tentar esclarecê-la através de qualquer meio que tivesse ao seu dispor.
  29. O que a Administração tributária não podia era, em face da impossibilidade de os sujeitos passivos fazerem prova do seu direito à dedução do imposto retido no estrangeiro por qualquer outro meio, aceitar os documentos emitidos pelos Bancos para tributar os rendimentos e negar a qualidade desses mesmos documentos para comprovar os montantes de imposto retidos na fonte e, consequentemente, limitar-se a recusar essa dedução, numa atuação manifestamente abusiva e violadora dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé.
  30. Também por esta razão, a não aceitação dos documentos remetidos pelos sujeitos passivos para comprovar o montante de imposto retido no estrangeiro por referência aos rendimentos de capitais aí obtidos e a consequente recusa do direito à dedução de tal montante, revela-se manifestamente contrária ao espírito do sistema fiscal português e violadora dos princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé que subjazem à atuação da Administração tributária.
  31. Por outro lado, existe jurisprudência unânime segundo a qual a exigência de certidões emitidas pelas autoridades fiscais dos países em que o imposto é retido para atestar os montantes individualmente suportados a esse título consubstancia uma limitação ilegal dos meios de prova dos contribuintes.
  32. Em face de tudo quanto fica exposto, impõe-se concluir ter ficado plenamente demonstrado que sobre os rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro que foram declarados no Quadro 8A do Anexo J da declaração modelo 3 de IRS, os sujeitos passivos suportaram o montante global de € 126.945,12 a título de retenção no país da fonte. Tendo a Administração tributária determinado a desconsideração dos montantes declarados, pelos sujeitos passivos, a título de retenção na fonte de imposto devido pela obtenção de rendimentos de capitais no estrangeiro, por considerar que os documentos juntos não eram suficientes para comprovar tais montantes, os atos tributários de liquidação adicional de IRS respeitantes ao ano de 2015 que refletem tal conclusão são ilegais por violação do disposto nos artigos 72.º, 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, 50.º e 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 342.º, 365.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do Código Civil e 128.º, n.º 1, do Código do IRS e, bem assim, dos princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da legalidade, da descoberta da verdade material, da imparcialidade e da boa-fé.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão das Requerentes, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

  1. Constitui factualidade assente, por não ser minimamente controvertida, que foram exibidas à AT declarações emitidas pelas entidades bancárias intermediárias das operações subjacentes à obtenção dos rendimentos, e às retenções na fonte sofridas, sediadas no Principado do Mónaco, a saber D... BAR e F... PRIVATE BANK (MONACO) SA.
  2. A questão decidenda, que é de facto e de direito, consiste em saber se os documentos exibidos, e constantes dos autos, fazem prova suficiente dos pressupostos que importa demonstrar para que possa ser deduzido o montante de imposto retido no Estado da fonte por  referência  aos  rendimentos  aí  obtidos.
  3. O  entendimento da AT, que se mantém, é o de que  que apenas a autoridade fiscal de um Estado pode certificar o pagamento de imposto, ou certificar que as retenções na fonte efetuadas corresponderam ao imposto pago a final título definitivo.
  4. No caso, face à ausência dessa certificação, não podia nem pode a AT substituir-se aos reclamantes, através da obtenção da prova que a estes competia apresentar, porquanto  o crédito de imposto consubstancia  um direito dos contribuintes, aos quais, por via disso, compete fazer a respetiva comprovação, desde logo em decorrência do que determina o nº 1 do artigo 74.º da LGT.
  5. Não consta minimamente demonstrada a impossibilidade de as Requerentes obterem a declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago, emitida pela autoridade fiscal do Estado da fonte de onde são provenientes exigida pela AT.
  6. De igual modo se impugna  que as declarações exibidas pelas Requerentes sejam suficientes para comprovar os rendimentos  obtidos no estrangeiro e o imposto aí pago com referência a esses rendimentos.
  7. Na verdade, a dedução à coleta do imposto pago no estrangeiro, para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional, tem como pressuposto que o contribuinte cumpra o dever de declarar a totalidade do rendimento auferido no estrangeiro e que demonstre o imposto efetivamente pago a final no Estado da fonte.
  8. Ora, as declarações particulares obtidas junto das referidas entidades bancárias não atestam a totalidade do rendimento obtido no respetivo território, uma vez que cada uma dessas entidades apenas conhece os rendimentos obtidos de que foi intermediária, e as respetivas retenções na fonte,
  9. Desconhecendo, como parece ser de toda a evidência, se existem outros rendimentos auferidos, por exemplo através de outras entidades intermediárias, e, por maioria de razão, qual o imposto pago a final no Estado da fonte, até porque as retenções na fonte poderão não ter natureza liberatória e, por conseguinte, estarem ainda sujeitas a um encontro de contas que reembolse o contribuinte de parte das importâncias retidas.
  10. Assim, e muito embora a lei portuguesa não exija o recurso a meios probatórios específicos, designadamente declarações emitidas pelas autoridades tributárias do Estado da fonte dos rendimentos,
  11. Resulta forçoso concluir, em face da prova que importa fazer quanto à totalidade dos rendimentos auferidos e ao imposto efetivamente pago no Estado da fonte, que apenas a autoridade fiscal competente terá conhecimento da informação que se pretende seja demonstrada.
  12. No caso dos autos não se vislumbra que outra entidade possa ter conhecimento idóneo dessa realidade que se pretende provar para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional a não ser, de facto, a Autoridade Tributária do Principado do Mónaco.
  13. Uma declaração desta entidade afigura-se não apenas necessária, como a única adequada aos fins da prova pretendidos uma vez que a prova exigida pressupõe o conhecimento da situação jurídico-tributária global do contribuinte junto do Estado da fonte
  14. Neste contexto importa salientar que a referência pela AT às instruções de preenchimento das declarações de rendimentos não tem como propósito substituir o legislador fiscal ou exigir mais do que aquilo que é legalmente exigível,
  15. Mas antes, e isso sim, no âmbito da ação administrativa em que a AT se insere, aquelas instruções de preenchimento visam criar as condições necessárias, adequadas e proporcionais aos fins em vista de demonstração dos rendimentos auferidos e do imposto pago no estrangeiro para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional.
  16. A desconsideração controvertida nos autos não traduz uma qualquer “limitação legal dos meios de prova à disposição dos REQUERENTES para comprovarem o seu direito à dedução do imposto retido no estrangeiro por referência aos rendimentos aí obtidos”,
  17. Mas antes resulta, e isso sim, de uma análise dos meios de prova apresentados face à demonstração que se pretende para efeitos de uma dedução que tem com pressuposto o conhecimento da totalidade do rendimento auferido no Principado do Mónaco e o imposto efetivamente pago a final com referência a esses rendimentos, eventualmente expurgado de algum reembolso ou acerto, realidade que aquelas entidades particulares desconhecem,
  18. Como bem afirmam as Requerentes no ponto 48º da sua PI, “Ora, quanto aos documentos particulares emitidos pelas identificadas entidades bancárias em apreço, impõe-se, desde logo, assinalar que, em momento algum, a Administração tributária manifestou quaisquer dúvidas quanto à respetiva autenticidade ou, bem assim, quanto à veracidade dos elementos neles constantes.”
  19. Não é a autenticidade das declarações que está em causa, nem a aplicação do nº 1 do art. 365º ou do art. 376º do CC, mas sim o facto de aquelas declarações apenas poderem comprovar aquilo que declaram, e aquilo que declaram não é suficiente para comprovar a dedução à coleta que as Requerentes pretendem.
  20. Perante a Autoridade Fiscal portuguesa, a força probatória de documentos particulares não é colocada em causa, mas o conteúdo desses documentos ou os factos compreendidos na declaração poderão não ser suficientes para a demonstração que se pretende.
  21. Não existe, por conseguinte, nos presentes autos qualquer “atuação manifestamente abusiva e violadora dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé”
  22. Por fim, importa ainda esclarecer que a AT não agiu segundo critérios diferentes tendo por fundamento os mesmos documentos, aceitando o que esses documentos declaram como rendimento auferido mas não aceitando o que atestam como imposto pago, uma vez que, reiterando tudo quanto supra se disse, os factos a comprovar não respeitam apenas aos rendimentos pagos por aquelas entidades ou às retenções na fonte efetuadas apenas por aquelas entidades, mas antes, e isso sim, à totalidade do rendimento auferido no Estado da fonte e ao imposto efetivamente pago a final.
  23. Nos termos supra expostos, deve o pedido ser julgado improcedente por não provado.

 

 

5. Verificando-se a inexistência de  qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma.

As partes apresentaram alegações nas quais, no essencial,  mantiveram as posições expostas nos articulados.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar  as seguintes questões:

1) Ilegalidade  dos atos tributários objeto do processo.

2) Direito das Requerentes à restituição do imposto pago.

3) Direito das Requerentes a juros indemnizatórios.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

8.1.Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS n.º ...referente ao exercício de 2015, os sujeitos passivos B... e C... declararam o montante global de € 3.301.133,26 a título de rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro (cf. Quadro 8A do Anexo J do Doc. 5 junto com a petição inicial);

8.2.No referido Quadro 8A os sujeitos passivos declararam que os rendimentos de capitais foram auferidos em 36 Estados estrangeiros e que sofreram retenções em 16 desses Estados estrangeiros (cf. Quadro 8A do Anexo J do cit. Doc. 5 junto com a petição inicial)

8.3.Na mesma declaração foi, igualmente, declarado que sobre tais rendimentos foi sofrida retenção nos Estados da fonte, no montante global de € 126.945,12 (cf. Quadro 8A do Anexo J do cit. Doc. 5 junto com a petição inicial);

8.4.Na sequência da submissão da identificada declaração, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2016..., na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 843.604,72 (cf. Doc. 6 junto com a petição inicial);

8.5.No dia 2 de julho de 2018, os sujeitos passivos foram notificados para «remeter[em] [à Divisão de Liquidação do Imposto S/ Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa] , no prazo de 15 dias, (…) Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respetivo(s) Estado(s), contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015» ou «[l]iquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final», sob pena de o referido montante de € 126.945,12 ser desconsiderado (cf. Doc. 7 junto com a petição inicial);

8.6.Em 16 de julho de 2018, os sujeitos passivos remeteram à indicada Divisão duas declarações emitidas, especificamente para efeitos fiscais, pelas entidades bancárias intermediárias das operações subjacentes à obtenção dos rendimentos em causa, sediadas no Principado do Mónaco — em concreto, D... Bär e F... Private Bank (Monaco) SA —, nas quais se encontravam discriminados os rendimentos obtidos e o imposto retido por referência aos mesmos (cf. Doc. 8 junto com a petição inicial);

8.7. Em 5 de fevereiro de 2019, os sujeitos passivos foram notificados da decisão final proferida no âmbito do indicado procedimento, na qual se concluiu pela desconsideração do montante global de € 126.945,12 declarado a título de imposto retido no estrangeiro por não ter sido «apresentada a declaração oficial de rendimentos obtidos e imposto pago, emitido pela autoridade fiscal do estado da fonte de onde são provenientes os mesmos, pelo que os documentos bancários apresentados não são aceites» (cf. Doc. 14 junto com a petição inicial);

8.08.Posteriomente, os sujeitos passivos foram notificados (i) da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., na qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 981.912,41, (ii) da liquidação de juros n.º 2019..., no valor de € 13.053,85, e (iii) da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., na qual se apurou imposto adicional no montante de € 138.307,69 (cf. cit. Docs. 2 a 4 juntos com a petição inicial);

8.09.O referido montante de € 138.307,69 foi pago pelos sujeitos passivos em 2 de maio de 2019 (cf. cit. Doc. 4 junto com a petição inicial);

8.10.Em 5 de junho de 2019, os sujeitos passivos apresentaram reclamação graciosa n.º ...2019... que foi objeto de apreciação por parte da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cf. Doc. 15 junto com a petição inicial);

8.11.Em 27 de julho de 2020, os sujeitos passivos foram notificados da decisão final proferida naquele procedimento de reclamação graciosa.

8.12.No dia 26 de agosto de 2020, os sujeitos passivos recorreram hierarquicamente dessa decisão de indeferimento, ao qual foi atribuído, por parte da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Serviços de Relações Internacionais, o n.º de processo ...2020... (cf. Doc. 19 junto com a petição inicial);

8.13.Em 8 de agosto de 2022, os sujeitos passivos foram notificados da decisão final de indeferimento proferida no âmbito do recurso hierárquico,   constando da mesma, além do mais, o seguinte:

Para o ano de 2015, os modelos de impressos da declaração Modelo 3 e respetivas instruções de preenchimento foram aprovadas pela Portaria nº 404/2015, de 16 de Novembro, do Ministério das Finanças.

Consta das instruções [de] preenchimento do anexo J da declaração de rendimentos, que vinculam quer a AT quer os sujeitos passivos, que “Os documentos originais comprovativos dos rendimentos e do correspondente imposto pago no estrangeiro, emitido pela autoridade fiscal  do(s) Estados (s) de onde são provenientes os rendimentos, bem como, se for caso disso, o(s) comprovativo(s)  da natureza pública daqueles, devem ser conservados para que possam ser disponibilizados à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sempre que esta os solicite.

Uma vez que, as instruções do anexo J da declaração de rendimentos foram aprovadas por Portaria,  e das mesmas consta que o documento comprovativo do rendimento e do correspondente imposto pago no estrangeiro, deve ser emitido pela Autoridade fiscal do estado de onde são provenientes os rendimentos, é este o mesmo de prova  legalmente exigido.

É ainda de referir que, de acordo com a interpretação constante do parágrafo 61 dos comentários respeitantes ao método da imputação (crédito de imposto) previsto no artigo 23-B da Convenção Modelo OCDE (In Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal), «O montante do imposto estrangeiro relativamente ao qual deve ser concedida a imputação é o imposto efetivamente pago, nos termos da convenção, no outro Estado contratante.».

Concluindo-se assim, que o crédito de imposto para eliminação da dupla tributação internacional não é atribuído em função das retenções na fonte efetuadas, mas sim do imposto pago a final. Pelo que, deve ser demonstrado, por via de um  documento emitido pela Autoridade Fiscal competente, que o imposto retido corresponde ao imposto pago a final na correspondente jurisdição.

Analisados os diversos documentos apresentados em sede de reclamação graciosa, verificou-se que os mesmos não foram emitidos ou autenticados pela autoridade fiscal competente.

(cf. Doc. 1 junto com a petição inicial)

8.16. os sujeitos passivos sofreram retenção nos Estados da fonte, no montante global de € 126.945,12, referentes aos rendimentos de capitais  referidos no ponto 8.1. deste probatório.

8.17. As Requerentes são as únicas e universais herdeiras de B..., falecido em  19.01.2022 (Cfr. Fotocópia certificada de escritura publica de habilitação de herdeiros junta com a petição inicial).

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo supra referidos relativamente a cada ponto do probatório, que não foram objeto de impugnação pela Requerida, bem como dos documentos constantes do processo administrativo, sendo ainda de observar que, dos articulados apresentados, emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto.

Relativamente ao ponto 8.16., para além do  facto em si constar de documentos juntos aos autos pelas Requerente, emitidos por entidades bancárias,  cuja autenticidade e veracidade de não foi posta em causa, a própria Requerida afirma que “em momento algum, a Administração tributária manifestou quaisquer dúvidas quanto à respetiva autenticidade ou, bem assim, quanto à veracidade dos elementos neles constantes.”

Assim, face à posição da Requerida, e à análise crítica dos documentos em si mesmo e à luz das regras da experiência, o Tribunal firmou a convicção da veracidade deste  facto considerado provado.

Não obstante a posição da Requerida sobre o facto, cuja veracidade não põe em causa, a mesma considera ocorrer no caso uma limitação dos meios de prova a documentos emitidos  pela Autoridade fiscal do Estado de onde são provenientes os rendimentos, o que, no seu entender,  não permite que se considere legalmente o facto comprovado para efeito de dedução à coleta, face ao artigo 128º, nº 1, do CIRS e da Portaria nº 404/2015, de 16 de Novembro. Esta é já uma discordância referente a matéria de Direito, que se tratará de  seguida.

 

-III- O Direito aplicável

 

O artigo  128º, nº 1, do CIRS tem o seguinte teor:

“As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.”

Face a esta norma é inequívoca a imposição da lei de que a prova das deduções tenha que ser feita apenas pela via documental, tratando-se duma limitação à regra da livre admissibilidade dos meios de prova[1], prevista nos  artigos 72.º da Lei Geral Tributária e 50.º e 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

 

Entendeu a Requerida, na decisão que indeferiu o recurso hierárquico, o seguinte:

Consta das instruções [de] preenchimento do anexo J da declaração de rendimentos, que vinculam quer a AT quer os sujeitos passivos, que “Os documentos originais comprovativos dos rendimentos e do correspondente imposto pago no estrangeiro, emitidos pela autoridade fiscal do(s) Estado(s) de onde são provenientes os rendimentos, bem como, se for caso disso, o(s) comprovativo(s) da natureza pública daqueles, devem ser conservados para que possam ser disponibilizados à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sempre que esta os solicite.

Uma vez que, as instruções do anexo J da declaração de rendimentos foram aprovadas por Portaria, e das mesmas consta que o documento comprovativo do rendimento e do correspondente imposto pago no estrangeiro deve ser emitido pela autoridade fiscal do Estado de onde são provenientes os rendimentos, é este o meio de prova legalmente exigido.”

Este entendimento equivaleria, na prática  a que a exigência de  “documentos comprovativos” constante do art. 128º, nº 1, do CIRS, fosse substituída  pela imposição de apresentação de  “documentos originais emitidos pela autoridade fiscal do(s) Estado(s) de onde são provenientes os rendimentos”. Na verdade, enquanto a expressão constante do nº 1, do art. 128º, do CIRS, não exclui a prova  por  qualquer uma das modalidade de documento escrito, a Portaria nº 404/2015, de 16 de Novembro, que aprovou os modelos de impressos  da Declaração Modelo 3 e respetivas instruções, exigiria, no entender da Requerida,  a prova por documentos emitidos pela autoridade fiscal do(s) Estado(s) de onde são provenientes os rendimentos.

Ora, nos termos do art. 7º, nº 1, do Código Civil “Quando não de destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.”

Não podendo a norma constante do nº 1 do artigo 128º do CIRS ser revogada por Portaria, não vigora no Direito Português a regra  de que a prova em causa tenha que ser obrigatoriamente efetuada  por documento emitido pela autoridade fiscal do Estado de onde são provenientes os rendimentos, pois daquela norma   resulta  apenas a exigência de  documento para a prova do facto em causa, não restringindo a admissibilidade da prova a uma das modalidades de documento escrito.

 

Evidentemente que o regime da impugnação da autenticidade  e veracidade do documento particular é uma tarefa manifestamente menos onerosa para a Requerida do que no  caso documento autêntico,  como se pode constatar pela comparação dos regimes dos artigos  374º e 370º do Código Civil.

Por outro lado,  se a prova apresentada for de documento autêntico o mesmo tem a força probatória plena prevista no art. 371º do Código Civil, diferentemente do documento particular que tem a força probatória prevista no art. 376º do Código Civil pois, como escreve Luís Filipe Pereira de Sousa, sobre o valor probatório do documento proveniente de terceiro:

“Os documentos provenientes de terceiros não possuem uma eficácia probatória própria, quer em função do conteúdo quer em função da proveniência.(…).

A jurisprudência nacional tem afirmado que estes documentos provenientes de terceiro são livremente apreciados pelo tribunal nos termos do art. 366º.

Cremos que estes documentos podem ser idóneos a integrar factos-base de presunções judiciais.Conforme já defendemos noutro lugar, num sistema de persuasão racional da prova, a prova por presunção possui igual hierarquia na suscetibidade  de influir na formação da convicção do julgador, ressalvadas as disposições que restringem a prova por presunções/testemunhas (arts. 393º a 395º) e situações de colisão de prova por presunção com um meio de prova legal ou tarifada.”

 (DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL COMENTADO, Almedina, 2020, pags. 165-166).

 

No caso dos autos, a Requerida afirma o seguinte:

“(…) quanto aos documentos particulares emitidos pelas identificadas entidades bancárias em apreço, impõe-se, desde logo, assinalar que, em momento algum, a Administração tributária manifestou quaisquer dúvidas quanto à respetiva autenticidade ou, bem assim, quanto à veracidade dos elementos neles constantes.”

 

Face a esta posição da Requerida, não pode deixar de se considerar estabelecida a autenticidade e  veracidade dos documentos em causa, sendo de observar que, caso a Requerida tivesse dúvida objetiva   sobre a realidade do montante do imposto pago no Estrangeiro declarado pelos sujeitos passivos sempre poderia –e deveria, face ao princípio do inquisitório­–   diligenciar das autoridades fiscais dos Estados em causa, no sentido de obter os elementos que considerasse pertinentes,  não se afigurando razoável, neste contexto, a Requerida efetuar a tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiros  em conformidade com a declaração fiscal dos sujeitos passivos e com  os dados constantes das declarações das entidades bancárias, mas não aceitar estes mesmos dados no que respeita às retenções efetuadas,  ao mesmo tempo que declara não   ter dúvidas quanto à autenticidade e  veracidade dos elementos neles constantes.

 

Por outro lado, improcede, manifestamente, a alegação da Requerida apresentada na resposta de que com os  meios de prova  apresentados pelos sujeitos passivos   se pretende a demonstração “da totalidade do rendimento auferido no Principado do Mónaco e o imposto efectivamente pago a final com referência a esses rendimentos, eventualmente expurgado de algum reembolso ou acerto, realidade que aquelas entidades particulares desconhecem”.

Descontado o facto dos rendimentos em causa não terem sido obtidos apenas no Principado do Mónaco, mas também em outras jurisdições fiscais, há que observar  que não são os sujeitos passivos que têm que provar o facto –negativo– de que os seus rendimentos efetivos  obtidos no estrangeiro não são diferentes do que os constantes da sua declaração fiscal,   mas a Requerida que teria que demonstrar que os sujeitos passivos teriam obtido rendimentos mais elevados do  que fizeram constar da sua declaração fiscal ou que teriam beneficiado de algum reembolso ou acerto que eventualmente  diminuísse  o montante do imposto suportado com as retenções na fonte sofridas,  como claramente decorre dos artigos 75º, nº 1, e 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária. À luz deste última norma e do art. 342º, nº 2 do Código Civil, tendo os sujeitos passivos provado os montantes de retenção na fonte que alegam, cabe à Requerida o ónus da prova de que algum reembolso ou acerto pudesse ter diminuído ou suprimido os valores em causa. Porém, a  Requerida não só não procedeu a tal prova como nem sequer  expressa qualquer alegação objetiva e concreta, sequer a título de  suspeita, de que os sujeitos passivo tenham beneficiado de acerto ou reembolso suscetível de ter determinado a diminuição ou supressão do valor do  imposto suportado com as retenções na fonte, de cuja veracidade expressamente declara não duvidar.

 

Por último, ainda se dirá que não procede o argumento da Requerida, exposto em sede de decisão de recurso hierárquico na invocação da interpretação constante do parágrafo 61 dos comentários respeitantes ao método da imputação (crédito de imposto) previsto no artigo 23-B da Convenção Modelo OCDE, para concluir  que o crédito de imposto para eliminação da dupla tributação internacional não é atribuído em função das retenções na fonte efetuadas, mas sim do imposto pago a final, por um lado, à luz do princípio do inquisitório, conforme supra exposto e,  por outro, à da natureza das normas convencionais para evitar a dupla tributação (e independentemente da questão de saber se o Estado Português celebrou convenção para evitar a dupla tributação com todos os  Estados da fonte em causa) que, como decorre do princípio do “efeito negativo” dos tratados, não podem ser invocadas para fundamentar a tributação, que tem necessariamente de se  alicerçar na lei interna.[2]

 

Face ao exposto e em sintonia com as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 383/2014-T (em 23-01-2015), n.º 552/2016-T (em 13-04-2017), n.º 414/2019-T (em 10-04-2020), n.º 731/2019-T (em 15-06-2020) e n.º 772/2019-T (em 29-11-2020), há que concluir que os atos tributários em causa são ilegais, não podendo, em consequência,  deixar de ser determinada a sua anulação.

 

12. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir ao Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, é procedente a pretensão do Requerente à restituição  por força  do arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice” é manifesto que os atos tributários em causa, praticados pela Requerida, sofrem do vício de violação de lei, da exclusiva responsabilidade da Requerida, conforme supra exposto pelo que  não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios, que devem ser contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento  da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61º, nº 5, do CPPT).

 

 

-IV- Decisão

            Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

a) Decretar a ilegalidade e consequente  anulação dos atos tributários impugnados .

b) Condenar a Requerida a devolver às Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde em 2 de maio de 2019 até integral pagamento.

Valor da ação: € 138.307,69 (cento e trinta e oito mil, trezentos e sete euros e sessenta e nove cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 3 060.00€, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 26 de abril de 2023

 

 

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

(Árbitro Adjunto e Relator)

 

 

Vasco Valdez

(Árbitro Adjunto)

 



[1] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezarra, Sampaio e Nora, MANUAL DE PROCESSO CIVIL, Coimbra Editora, 2ª Ed., 1985, pag. 469.

O  art. 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, estabelece que a livre apreciação do juiz “não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos”.

Sobre a questão refere José Lebre de Freitas que “Outro tipo de exceção ao princípio da livre apreciação da prova é constituído pela imposição legal, direta ou indireta, de que a prova de determinado facto se faça por certo meio probatório, normalmente documental.” (INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2013, pag. 199).

[2] Cfr. Alberto Xavier, DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL, 2ª Ed., Almedina, 2007, pags.121-122.