Sumário:
Os atos de retenção na fonte, a título definitivo, de rendimentos de capitais por entidades não residentes sem estabelecimento estável em Portugal, que, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, incidam sobre rendimentos ilíquidos, são ilegais por violação do artigo 56.º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., com sede social em ..., Frankfurt, Alemanha, titular do número de identificação de pessoa coletiva ... e o número de identificação fiscal ..., enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos tributários de retenção na fonte em IRC sobre juros auferidos em Portugal, no período de dezembro de 2019 a dezembro de 2020, no valor global de € 231.770,31, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
O Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português e está legalmente autorizado a desenvolver a atividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços.
No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo B..., o Requerente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao C... AG, tendo passado a auferir juros de fonte portuguesa.
Sobre os referidos juros, o Requerente sofreu retenção na fonte, a título definitivo, em regime de substituição tributária, que, nos exercícios de 2019 e 2020, atingiu o montante total de € 980.792,93.
Nesse contexto, o Requerente deduziu, em 23 de dezembro de 2021, reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC e o reembolso do imposto indevidamente retido, por entender que existe uma violação dos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, consequentemente, do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
A Autoridade Tributária, mediante decisão de 28 de junho de 2022, determinou a rejeição por intempestividade quanto às guias de retenção na fonte relativas ao período de janeiro a novembro de 2019 e o indeferimento quanto às demais.
Nesse sentido, o Requerente circunscreve o pedido arbitral ao período de dezembro de 2019 a dezembro de 2020, no valor de € 231.770,31.
As entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, como é o caso do Requerente, apenas são tributadas pelos rendimentos que obtenham em território português (artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC), sendo que, ao abrigo da cláusula residual estabelecida no ponto 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do mesmo diploma, poderia ser tributada por «outros rendimentos de aplicação de capitais», entre os quais se incluem os juros pagos por devedores que tenham residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável aí situado.
Por sua vez, o artigo 87.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, em conjugação com o artigo 94.º, n.º 5, do Código do IRC, estabelece a sujeição daqueles rendimentos a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 25%, sobre o montante bruto dos juros, que poderá ser reduzida para 15%, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da CDT Portugal – Alemanha.
Assim, à luz do referido enquadramento legal, o Requerente sofreu retenções na fonte, à taxa de 15%, muito embora esses atos tributários devam ser tidos como de ilegais por desconformidade com o Direito da União Europeia.
Com efeito, o Código do IRC prevê um tratamento distinto consoante os juros sejam auferidos por entidades residentes ou por entidades não residentes, impondo uma carga fiscal mais elevada para as instituições financeiras não residentes, porquanto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRC, os juros auferidos por entidades residentes não são objeto de retenção na fonte, sendo antes incluídos no lucro tributável do titular dos rendimentos, nos termos gerais do Código do IRC, e, como tal, a respetiva tributação é realizada sobre o montante líquido dos juros.
Ao contrário, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, os juros de fonte portuguesa auferidos por entidades não residentes – qualificação em que se subsume a Requerente – são tributados por via de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25% ou à taxa reduzida que resulte de Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação aplicável, sem possibilidade de dedução de despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade desenvolvida.
Em suma, enquanto as entidades residentes são tributadas sobre os juros líquidos auferidos, considerando os encargos relacionados com a obtenção desses mesmos juros e conexos com a atividade desenvolvida, as entidades não residentes são tributadas sobre os juros ilíquidos, não se prevendo, para o efeito, a consideração de quaisquer encargos relacionados com a obtenção desses juros.
O que implica, desde logo, um tratamento desigual e discriminatório, vedado pelas liberdades fundamentais que enformam o ordenamento jurídico da União Europeia, designadamente à luz da liberdade da prestação de serviços e da liberdade de circulação de capitais, com previsão legal nos artigos 56.º e 63.º do TFUE.
Sendo que, as normas de Direito da União Europeia têm supremacia em relação às normas de direito interno e que, como tal, a norma contida no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, por ser totalmente discriminatória face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC, não deve ser aplicada ao caso concreto da Requerente.
Por fim, caso o Tribunal entenda que subsiste alguma dúvida interpretativa sobre estas disposições do TFUE, o Requerente peticiona o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que, conforme se concluiu o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-18/15, tirado em reenvio prejudicial, o artigo 49º CE opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos num Estado-Membro, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.
Na sequência, o despacho 101/2017.XXI, de 31 de março de 2017, do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, veio determinar que “são dedutíveis até à concorrência dos rendimentos, os encargos necessários para a sua obtenção que estejam direta e exclusivamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português e que tenham sido comprovada e efetivamente suportados pelo sujeito passivo.”
Na apreciação desta questão, ocorreu, entretanto, um conflito de jurisprudência entre a decisão arbitral proferida no processo n.º 744/2019-T, em que o tribunal anulou parcialmente os atos tributários por ter havido lugar à tributação do rendimento bruto obtido pelo sujeito passivo, em território nacional, e não do seu rendimento líquido, e a decisão arbitral proferida no processo nº 535/2019-T, em que o tribunal julgou procedente o pedido arbitral e anulou os atos tributários de retenção na fonte.
Tendo sido interposto recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral tirada no processo n.º 744/2019-T, o STA, pelo acórdão de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21) extraiu a seguinte doutrina: “as retenções liberatórias na fonte relativas a rendimentos de capitais auferidos por não residentes, declaradas ilegais por desconformidade ao Direito Europeu, por não incidirem sobre os rendimentos líquidos, mas apenas sobre os rendimentos brutos, só podem ser objeto de anulação integral.”
Tendo-se entendido que só a Autoridade Tributária reunia condições de proceder ao cálculo do valor líquido mediante a apresentação dos documentos que comprovadamente refletissem os encargos relacionados com a obtenção dos rendimentos em causa.
No caso em análise, só seria possível determinar o valor líquido da retenção na fonte se a Requerente, em sede de reclamação graciosa, tivesse oportunamente entregue os documentos comprovativos dos encargos que poderia deduzir, sendo que, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT o ónus da prova pertence à Requerente.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por requerimento de 14 de fevereiro de 2023, a Requerente prescindiu da produção da prova testemunhal arrolada no pedido arbitral e requereu o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 535/2019-T
Por despacho arbitral de 7 de março de 2023, o tribunal indeferiu o pedido de aproveitamento de prova e remeteu o processo para alegações escritas facultativas por prazo sucessivo de dez dias.
Por requerimento de 16 de março de 2023, a Requerente juntou documento comprovativo da entrega, no dia 1 de agosto de 2022, pela sociedade E..., S.A. da declaração modelo 30 referente a retenções na fonte no período de dezembro de 2019.
Em alegações, as partes pronunciaram-se sobre a prova produzida e quanto à matéria de direito reiteraram as suas anteriores posições.
Nas suas alegações, a Autoridade Tributária responde quanto ao documento apresentado pela Requerente pelo requerimento de 16 de março de 2023, dizendo que, por se tratar de liquidações de retenção na fonte, não imputável à Administração, o direito a juros indemnizatórios não se enquadra no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas antes na alínea c) do n.º 3 desse artigo, pelo que o direito só se constitui um ano após a apresentação da reclamação graciosa, contando-se a partir de 22 de dezembro de 2022.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de dezembro de 2022.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
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A Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português;
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A Requerente está legalmente autorizada a desenvolver a atividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços;
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E nessa condição detém número de identificação fiscal, nomeadamente, para efeitos de retenção na fonte;
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No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo B..., a Requerente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao C... AG;
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No período compreendido entre 1 de dezembro de 2019 e 31 de dezembro de 2020, a Requerente auferiu juros no montante total bruto de € 1.545.135,39 (€ 415.899,07 [2019] + € 1.129.236,32 [2020]);
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Relativamente a dezembro de 2019, o Requerente auferiu juros de fonte portuguesa, no montante total de € 415.899,07, tendo sofrido retenções na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 15%, as quais ascenderam ao montante total de € 62.384,86, de acordo com o quadro que segue:
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2019
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Identificação do mutuário
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NIF
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Guias de retenção na fonte
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Juro
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Retenção na fonte (15%)
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D..., S.A.
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...
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...
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35.889,09
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5.383,36
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E..., S.A.
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...
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...
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380.009,98
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57.001,50
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Total
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415.899,07
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62.384,86
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Relativamente ao período de 2020, desde janeiro até dezembro, a Requerente auferiu juros de fonte portuguesa, no montante total de € 1.129.236,32, tendo sofrido retenções na fonte, com caráter definitivo, que ascenderam ao total de € 169.385,45, de acordo com o quadro que segue:
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2020
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Identificação do mutuário
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NIF
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Guias de retenção na fonte
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Juro
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Retenção na fonte
15%
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D..., S A
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...
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...
...
...
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55.388,07
|
8.308,21
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F..., Lda
|
...
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...
...
...
...
|
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98.866,84
|
G…, S.A.
|
...
|
...
...
...
...
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414.736,01
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62.210,40
|
Total
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1.129.236,32
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169.385,45
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No período de 1 de dezembro de 2019 a 31 de dezembro de 2020, por referência aos juros auferidos nesses indicados valores, a Requerente sofreu retenções na fonte, a título definitivo, no montante total de € 231.770,31 (€ 62.384,86 [2019] + € 169.385,45 [2020]), que resultaram da aplicação da taxa reduzida de 15% por efeito da alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital celebrada entre Portugal e Alemanha;
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Neste contexto, a Requerente deduziu, em 23 de dezembro de 2021, reclamação graciosa contra os atos tributários de retenção na fonte em IRC, efetuados a título definitivo sobre juros e fonte portuguesa, nos exercícios de 2019 e 2020, no valor total de € 980.792,93;
L) Por ofício de 27 de maio de 2022, enviado pelo correio registado, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia quanto ao projeto de decisão em que se propõe que a reclamação graciosa seja rejeitada por intempestividade quanto às guias de retenção na fonte relativas aos períodos de janeiro, fevereiro, abril, maio, julho, agosto e novembro de 2019 e indeferida, quanto às demais;
M) No exercício do direito de audição, a Requerente solicitou a convolação da reclamação graciosa em procedimento de revisão oficiosa quanto aos atos tributários de retenção na fonte referentes ao período de janeiro a novembro de 2019;
N) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 28 de junho de 2022, que é concordante com a informação complementar, elaborada pelos serviços na sequência do exercício do direito de audição, e com a informação dos serviços que deu origem ao projeto de decisão;
O) A informação que originou o projeto de decisão, na parte relevante, é do seguinte teor:
II – Pressupostos processuais
[…]
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Atendendo ao termo do prazo de entrega do imposto retido peias referidas guias de 2019 e 2020 (sendo a mais antiga relativa ao período de janeiro de 2019 e cujo termo de prazo de entrega do imposto retido ocorre a 2019-02-20), bem como à data de apresentação do presente procedimento via eletrónica ao serviço de finanças de Lisboa ... (2021-12-22), a reclamação graciosa é:
a. intempestiva quanto às guias de retenção na fonte dos períodos de janeiro, fevereiro, abril, maio, julho, agosto e novembro de 2019:
b. tempestiva quanto às restantes guias de retenção na fonte, a saber: dezembro de 2019, janeiro, fevereiro, maio, agosto e novembro de 2020.
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Com efeito, será de aplicar o prazo de 2 anos a contar de (...) do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido a fonte (...) (dia 20 do mês subsequente ao da retenção), constante em específico do n.º 3 do artigo 137.º do Código de IRC (face à regra geral do n.º 4 do artigo 132.º do CPPT), por invocar imposto pago indevidamente a título definitivo.
[…]
V - Análise do pedido e parecer
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No que concerne à substância do pedido, a reclamante, não residente fiscal e sem estabelecimento estável em Portugal, é sujeito passivo de IRC, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código de IRC, incindindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (pais da fonte), nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º e n.º 2 do artigo 4.º ambos do Código de IRC, à taxa de 15% (25% previstos no n.º 4 do artigo 87.º do Código de IRC — mas 15% constantes concretamente CDT entre Portugal e Alemanha face à entrega do formulário Modelo 21-RFI), objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da alínea c) do n.º 1, da alínea b) do n.º 3. do n.º 5 e n.º 6, todos do artigo 94.º do Código de IRC.
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Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, cumpre dizer o seguinte:
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A alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Código de IRC estipula claramente que a não existência de efetuar a retenção na fonte de IRC opera apenas quando este tenha a natureza de imposto por conta.
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De facto, os rendimentos de sujeitos passivos não residentes, como é o caso da reclamante e nas condições em análises, são objeto de retenções na fonte a título definitivo (artigo 94.º do Código de IRC), não assumindo a sua retenção a natureza de imposto por conta a final,
25. E só assim fará sentido uma vez que se lhes não aplica as obrigações declarativas, nomeadamente as declarações Modelo 22 de IRC e IES, como sucede aos sujeitos passivos residentes.
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Ademais, a consagração da liberdade de circulação dos capitais e. consequentemente, a proibição de adoção de medida restritiva da mesma encontra-se no artigo 63.º e seguintes do TFUE, concretização do artigo 18.º do mesmo, e é aplicável tanto entre Estados-Membros como entre Estados-Membros e Estados-terceiros (que não integrem a UE).
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Não obstante, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, é permitido que Estados-membros apliquem (...) “as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.
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Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta; embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros. a mesma encontre alguma expressão nos artigos 114.º e 115.º, ambos do referido Tratado.
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Cumpre ainda referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tao pouco apreciar da sua constitucionalidade. realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (STA), atendendo ao disposto no artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT, a AT deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º da CRP.
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Por fim e por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
31. Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo até à data quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade da norma legal especificamente em causa com o TFUE.
32. De salientar que a jurisprudência invocada apenas produz efeitos inter partes e no âmbito do caso concreto, e em quaisquer outros procedimentos administrativos.
33. Porém, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes considerando a Autora que "[a] análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revele, assim, que na perspetiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal ente sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.
34. Por todo o exposto, é de indeferir a restante parcela do pedido em análise.
P) A informação complementar elaborada na sequência do exercício do direito de audição por parte da Requerente, na parte relevante, é do seguinte teor:
12.Já quanto à convolação do pedido considerado intempestivo em revisão oficiosa, há a referir que a reclamante lançou mão do procedimento de reclamação graciosa como reação às guias de retenção na fonte, sendo este um meio idóneo; todavia, fê-lo fora de prazo.
13.Com efeito, há aqui uma correspondência entre o direito a defender e o meio procedimental utilizado para o efeito (reclamação graciosa). Porquanto,
14.sendo a reclamação graciosa o meio próprio para o efeito pretendido (artigo 68.º e seguintes do CPPT), não há possibilidade de convolação no meio adequado, por Inexistência de erro na forma de procedimento aqui apresentado, atento o estatuído no artigo 52.º do CPPT, que regulamenta como deverá ser o processo a seguir no caso de se verificar erro na forma de procedimento - conditio juris.
15. Por outras palavras, a apresentação fora de prazo da reclamação torna a reclamação graciosa intempestiva, mas não a torna imprópria.
16. De outra perspetiva, a convolação no procedimento adequado deve ser precedida da apreciação dos requisitos formais dessa forma (uma avaliação se estão reunidas as condições de legitimidade do requerente, tempestividade do procedimento e, dir-se-á, pese embora perfunctoriamente, do fundamento na pretensão formulada), sob pena de se estar a praticar atos inúteis, em nome dos princípios da celeridade, diligência, eficiência, praticabilidade e simplicidade que devem enformar a atividade da administração (artigo 46.º do CPPT).
17. Ora, consta já do projeto o sentido de decisão e respetiva fundamentação de indeferimento do pedido.
18. Por fim, no que concerne à substância do pedido, analisado o requerimento de exercício do direito de audição prévia, a reclamante em nada contesta o projeto de indeferimento do restante pedido, pelo que este dever-se-á convolar em definitivo.
19. Acrescenta-se, ainda, que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.
Nestes termos, sou de parecer que deve o projeto de decisão da presente reclamação graciosa ser convolado em:
a) Rejeitada por intempestividade quanto às guias de retenção na fonte relativas aos períodos de janeiro, fevereiro, abril, maio, julho, agosto e novembro de 2019,
b) Indeferida, quanto às demais, nos termos supra expostos.
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A mutuária E... submeteu, no dia 1 de agosto de 2022, a declaração modelo 30 referente a retenções na fonte no período de dezembro de 2019.
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O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado por ofício datado de 30 de junho de 2023.
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O pedido arbitral deu entrada em 30 de setembro de 2022.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e com o requerimento de 16 de março de 2023, e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Atento o disposto no artigo 524.º do CPC, nada obsta à admissão do documento junto com o requerimento de 16 de março de 2023, ainda antes de se encontrar encerrada a discussão, e sobre o qual a Requerida teve oportunidade de se pronunciar.
Matéria de direito
5. Em debate está a questão de saber se as instituições financeiras não residentes e sem estabelecimento estável no território português podem ser tributadas pelos rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, sem a possibilidade de deduzirem os encargos diretamente relacionadas com a sua atividade, ao contrário do que sucede com as entidades residentes relativamente às quais a tributação incide sobre o lucro tributável.
Com efeito, nos termos do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos (n.º 2), considerando-se como obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, são especificados nas diversas alíneas do n.º 3, e, entre estes, os rendimentos de aplicação de capitais (alínea c), subalínea e)).
Por sua vez, o artigo 87.º, n.º 4, prevê que a taxa de IRC aplicável a rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável é de 25 %, e o artigo 94.º sujeita a retenção na fonte os rendimentos obtidos em território português que aí se encontram referenciados (n.º 1), estipulando que a retenção na fonte tem carácter definitivo (não podendo, por isso, ser entendido como pagamento por conta do imposto) quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em Portugal (artigo 94.º, n.º 3, alínea b)).
Na situação do caso, está em causa a obtenção de juros no território português por uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em Portugal, e que, por efeito do disposto em Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, foi sujeita a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa reduzida de 15%.
Neste contexto, a Requerente sustenta que, não lhe sendo dada oportunidade de deduzir aos rendimentos obtidos as despesas profissionais e de funcionamento, foi objeto de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes, em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
A Autoridade Tributária, invocando o acórdão do STA de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21), tirado em recurso para uniformização de jurisprudência, contrapõe que, no caso em análise, só seria possível determinar o valor líquido da retenção na fonte se a Requerente, em sede de reclamação graciosa, tivesse apresentado os documentos comprovativos dos encargos que poderia deduzir, constituindo esse um ónus de prova que pertence à Requerente, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.
6. Questão idêntica à que assim vem colocada foi já analisada no acórdão do STA de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 0298/13), na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016 (Processo n.º C-18/15). No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STA de 22 de Março de 2017 (Processo n.º 0165/13) e não há motivo para alterar o entendimento que foi então sufragado.
O Tribunal de Justiça, respondendo às questões prejudiciais que haviam sido suscitadas pelo STA, concluiu nos seguintes termos:
O artigo 49.º do Tratado da Comunidade Europeia (a que corresponde o atual artigo 56º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração paga às instituições financeiras não-residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não-residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objectivo prosseguido.
Todavia, aquela disposição opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não-residentes pelos rendimentos de juros obtidos em Portugal sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, inviabilizando a tributação do rendimento líquido, ao passo que reconhece essa possibilidade às instituições financeiras residentes.
Por outro lado, no que diz respeito ao segundo aspeto do pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça formulou, na parte mais relevante, os seguintes considerandos:
23. […] há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à tomada em consideração das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, que os prestadores residentes e os prestadores não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.º 27; de 6 de julho de 2006, Conijn, C‑346/04, EU:C:2006:445, n.º 20; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).
24. O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.º CE se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas (acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.ºs 29 e 55; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.º 42; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).
[…]
28. Daqui decorre que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual as instituições financeiras não residentes são tributadas pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes ser dada a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em causa, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, por força do artigo 49º CE.
29. Todavia, como decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre prestação de serviços pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Neste caso, é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 36).
[…]
31. A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes.
32. No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman - Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, nº 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C - 498/10, EU:C:2012:635, nº 31).
33. Daqui decorre que uma restrição à livre prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes.
[…]
39. Em terceiro lugar, quanto à necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que esse objetivo constitui uma razão imperiosa de interesse geral que pode justificar uma restrição à livre prestação de serviços (v., nomeadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C-290/04, EU:C:2006:630, nºs 35 e 36, e de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 39), é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 36).
40. Ora, há que constatar que uma restrição como a que está em causa no processo principal não é necessária para garantir a eficácia da cobrança do IRC.
Em suma, o TJUE considera que o facto de a entidade não-residente não poder deduzir em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em causa, inviabilizando a tributação do seu rendimento líquido, constitui um tratamento discriminatório, contrário a uma liberdade fundamental constante de norma de direito europeu, independentemente de quaisquer outras considerações como seja a sujeição a uma taxa de tributação comparativamente mais favorável que a taxa que vigora para as entidades residentes, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
Por outro lado, a TJUE sublinhou que os prestadores de serviços residentes e não residentes se encontram numa situação comparável, não tendo relevo para o caso que as regras de determinação do lucro tributável ou a taxa de tributação aplicável não sejam coincidentes com as que vigoram no Estado de residência do sujeito passivo.
E, por identidade de razão, não é possível opor à exigência de tratamento igualitário das entidades residentes e não residentes as vicissitudes relativas ao crédito do imposto pago em Portugal ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, situação essa que carece de ser analisada à luz do direito convencional.
Torna-se, assim, indiscutível que as instituições financeiras não-residentes devem ser tratados do mesmo modo que as instituições residentes, tendo o direito de ver reconhecidas, perante a administração tributária portuguesa, os encargos e as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, e o direito de as deduzir antes da tributação, isto é, de serem tributadas em Portugal apenas pelo rendimento líquido.
7. A Autoridade Tributária, invocando o acórdão do STA de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21), alega, no entanto, que compete ao interessado o ónus da prova do montante das despesas que pretende que sejam dedutíveis, sendo que a Requerente não apresentou, na reclamação graciosa, os documentos que pudessem comprovar as despesas e encargos que poderiam ser considerados gastos fiscais para efeitos de dedução aos rendimentos obtidos.
No entanto, estas questões foram também analisadas no acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-18/15.
O acórdão assinala que a atividade financeira da entidade não residente origina necessariamente despesas profissionais e de funcionamento a que haverá de atender-se para o cálculo do imposto devido, ainda que possam subsistir dúvidas quanto à relação direta com a atividade ou o montante efetivo que deve ser considerado (parágrafos 48 e 49). E acrescenta que “a simples circunstância de esta prova ser mais difícil de produzir não autoriza um Estado‑Membro a recusar de modo absoluto aos não residentes, sujeitos passivos parcialmente tributados, a dedução que concede aos residentes, sujeitos passivos integralmente tributados, uma vez que não se pode excluir a priori que um não residente esteja em condições de fornecer provas pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza das despesas profissionais cuja dedução é solicitada” (parágrafo 49).
Por outro lado, o acórdão esclarece que “nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao não residente as provas que considerarem necessárias para apreciar se os requisitos de dedutibilidade das despesas previstas pela legislação em questão estão preenchidos e, consequentemente, se há ou não que conceder a dedução solicitada” (parágrafo 50),
O Tribunal de Justiça não afasta, por conseguinte, que possa ser exigido ao contribuinte não residente a prova das despesas relacionadas com os rendimentos obtidos no território português, no pressuposto de que essas despesas são dedutíveis em igualdade de circunstâncias com o regime aplicável aos residentes.
No entanto, como se reconhece no acórdão do STA de 22 de março de 2017, citado, esse é um mecanismo que terá de ser criado por via legislativa, de forma a ser acionado perante a administração tributária em termos de permitir a dedução de despesas a posteriori, não competindo aos tribunais a indagação oficiosa, no âmbito do processo jurisdicional, das despesas passíveis de dedução para efeito do apuramento do imposto devido, visto que é essa é uma atividade que incumbe primariamente à Administração no exercício da sua função administrativa.
E nesse mesmo sentido aponta o acórdão do Pleno do STA de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21) quando refere o seguinte:
“Não é possível extrair da retenção na fonte efetuada a medida exata da ilegalidade, muito menos por “simples operações aritméticas”. Apenas é possível concluir, como fez a sentença recorrida, que a tributação assim calculada incidiu sobre o rendimento bruto, quando deveria ter incidido sobre o rendimento líquido, de modo a respeitar as exigências do Direito Europeu.
Estamos, com efeito, diante de um caso de substituição tributária total, pelo que o substituto tributário não estaria em condições de proceder ao cálculo da base tributável líquida exigida pelos cânones da Não Discriminação – aliás, por alguma razão, os casos de retenção liberatória na fonte incidem, invariavelmente, sobre rendimentos brutos e não líquidos. Ora, se o substituto tributário, numa retenção liberatória na fonte, não o conseguiu, nem está em condições de fazer, muito menos o pode fazer este ou qualquer outro Tribunal Tributário. A conclusão inevitável é a de que só o contribuinte e a AT estariam em condições de o fazer.
Mas, ao passo, que o primeiro não o podia fazer por a tal obstar a legislação nacional, a AT já o podia (e pode) fazer, em conformidade com o Direito Europeu. Simplesmente, para tal, teria de emitir um novo ato de liquidação oficiosa, precedido de um cálculo complexo das despesas diretamente incorridas com a obtenção dos rendimentos brutos, a partir de informação fornecida pelo sujeito passivo e, se necessário, com troca de informações com as suas congéneres germânicas.
Em suma, a AT teria de proceder a um novo ato de liquidação, de acordo com as exigências europeias.”
Assim sendo, sempre seria possível que a Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, e em aplicação do princípio do inquisitório e do princípio da colaboração, independentemente da iniciativa do sujeito passivo, realizasse as diligências necessárias para determinar os gastos incorridos com a obtenção dos rendimentos em território português, ainda que para o efeito se tornasse necessário obter informações que se encontrassem em poder do contribuinte. E, em todo o caso, estando em causa a cobrança do imposto através da retenção na fonte do rendimento, não pode dizer-se que é ao contribuinte que cabe o ónus da prova dos gastos fiscais quando a Administração considera não haver lugar à dedução das despesas profissionais e, nesse sentido, indeferiu a reclamação graciosa.
O que importa reter, por conseguinte, é que as normas dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC são consideradas incompatíveis com o Direito Europeu, por violação do artigo 56.º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia, o que gera a sua inaplicabilidade por efeito da prevalência do direito europeu sobre o direito interno.
E nesse sentido os atos tributários de retenção na fonte e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida são ilegais por violação de artigo 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Juros indemnizatórios
8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
No entanto, em caso de retenção na fonte, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 6 de junho de 2022.
Resta considerar que não tem cabimento a alegação da Requerida no sentido de que o direito a juros indemnizatórios se enquadra no disposto o artigo 43.º, n.º 1, alínea c), da LGT. Esta norma é aplicável quando a revisão oficiosa do ato tributário, por iniciativa do contribuinte, se efetuar mais de um ano após o pedido, caso em que os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada (acórdãos do STA de 27 de fevereiro de 2019, Processo n.º 022/18, de 3 de julho de 2019, Processo n.º 04/19, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21).
Não é esse caso - como se deixou exposto -, quando haja lugar a reclamação graciosa e seja declarado, em impugnação judicial, a existência de erro imputável aos serviços. Por outro lado, o erro não deixa de ser imputável aos serviços pelo facto de a Autoridade Tributária só ter tido conhecimento da retenção na fonte efetuada pela mutuária E..., no dia 1 de agosto de 2022, quando submeteu a declaração modelo 30 referente ao período de dezembro de 2019.
Com efeito, como se depreende das informações dos serviços transcritas nas alíneas O) e P) da matéria de facto, o indeferimento da reclamação graciosa baseia-se em considerações jurídicas que pretendem justificar a retenção na fonte relativamente a rendimentos de capitais ilíquidos auferidos pela Requerente, e nada têm a ver com a circunstância de uma das mutuárias ter apresentado com atraso a sua declaração.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 28 de junho de 2022, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Reenvio prejudicial
9. A Requerente solicitou a título subsidiário o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciar as questões que estão em análise.
No entanto, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da livre prestação de serviços e, como se deixou exposto, existe jurisprudência do TJUE que se pronunciou expressamente sobre as questões de direito que relevam para a apreciação do objeto do processo e de que o tribunal se serviu para fundamentar a sua posição.
Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos tributários de retenção na fonte impugnados, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;
b) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde 28 de junho de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 231.770,31, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 10 de abril de 2023,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
(Relator)
O Árbitro vogal
Jesuíno Alcântara Martins
O Árbitro vogal
Rui Marrana