Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 399/2022-T
Data da decisão: 2023-04-28  IMT  
Valor do pedido: € 29.008,50
Tema: IMT e IS – Caducidade das isenções; Regime jurídico aplicável aos FIIAH.
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DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

1. A..., LDA. sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ... (doravante, designada por Requerente), com sede na Rua ..., n.º..., ... - ... Lisboa, sucessora, por transmissão global do património, dos direitos e obrigações do B...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL (doravante, designada por Fundo), titular do número de identificação fiscal..., apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados nos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) e juros compensatórios, melhor identificados na Tabela A que se junta como documento n.º 1, referentes à propriedade dos prédios urbanos aí descritos, no montante total de € 27.986,56, referente aos anos de 2012 e 2013, e relativo ao ato tributário de liquidação do Imposto do Selo (“IS”) e juros compensatórios, melhor identificado na Tabela B que se junta como documento n.º 2, referente à propriedade do prédio urbano aí descrito, no montante total de € 1.021,94, relativo ao ano de 2013, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 18 de agosto de 2022.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 6 de setembro 2022.

B) História Processual

4. A Requerente formulou o presente pedido de pronúncia arbitral, requerendo a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de imposto (cfr. Documento n.º 3):

  • Liquidação de IMT e respetivos juros compensatórios, de 21-02-2022, no valor total de € 1.337,91 (sendo de imposto € 1.015,93 e de juros € 321,98), respeitante à aquisição da fração autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano, sito em ..., Lote ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º ... da freguesia e concelho de ... .
  • Liquidação de IS e respetivos juros compensatórios, de 21-02-2022, no valor total de € 1.021,94 (sendo de imposto € 776,00 e de juros € 245,94), respeitante à aquisição da fração autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano, sito em ..., Lote ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º ... da freguesia e concelho de ... .
  • Liquidação de IMT e respetivos juros compensatórios, de 28-04-2022, no valor total de € 22.457,26 (sendo de imposto € 20.732,75 e de juros € 1 724,51), respeitante à aquisição da fração autónoma designada pelas letras “AJ” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o n.º..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto.
  • Liquidação de IMT e respetivos juros compensatórios, de 22-04-2022, no valor total de € 4.191,40 (sendo de imposto € 3.540,77 e de juros € 650,63), respeitante à aquisição das frações autónomas designadas pelas letras “AX” e “AZ” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o n.º..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto.

5. Em causa, está a aplicação das normas isentivas previstas nos números 7 e 8 do artigo 8.º do Regime Jurídico aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“FIIAH”) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“SIIAH”), às aquisições de imóveis efetuadas em 2012 e 2013 pelo Fundo B..., constituído em 06.06.2012, dissolvido e liquidado por escritura pública de 06.04.2017, ao qual sucedeu, por transferência global de direitos e obrigações, a ora Requerente.

6. Para fundamentar a ilegalidade das liquidações, a Requerente invoca, em síntese, a errónea interpretação do Regime Jurídico aplicável aos FIIAH e SIIAH e a falta de fundamentação dos atos de liquidação e do apuramento dos juros compensatórios.

7. A Requerida foi notificada por despacho arbitral de 6 de setembro de 2022, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova.

8. A 10 de outubro de 2022, a Requerida apresentou o seu articulado de resposta, no qual essencialmente defendeu-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de liquidação impugnados, com a sua consequente absolvição do pedido.

9. A Requerida considera que as correções foram corretamente aplicadas face ao estatuído no artigo 8.º, números 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH, salientando que não estavam verificados, “ab initio”, os pressupostos de que dependia a aplicação da referida norma isentiva, na redação original da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

10. Por despacho de 4 de abril de 2023, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

11. Decidiu o presente Tribunal Arbitral Singular convidar as partes, querendo, a produzir alegações finais, no prazo de 10 dias, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou como prazo limite para a decisão arbitral o dia 5 de maio de 2023.

12. Na sequência do aludido despacho, a Requerente optou por produzir alegações finais, mantendo a sua posição inicial.

13. A Requerida, optou, de igual modo, por produzir alegações finais, reproduzindo o alegado na sua Resposta.

14. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

C) Saneamento

15. As partes do presente processo gozam de personalidade e capacidade judiciárias nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT.

16. A cumulação de pedidos formulada pela Requerente é admissível nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, estando a procedência dos pedidos dependente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

17. Em conclusão, o processo não enferma de nulidades.

II. Questão a decidir

18. A questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, prende-se com saber se é aplicável às aquisições dos imóveis identificados no ponto 4, as isenções de IMT e IS previstas no n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH consagrado na Lei n.º 64- A/2008, de 31 de dezembro.

19. Por outro lado, cumpre apreciar se houve violação do princípio da legalidade, do princípio da tipicidade e ainda do dever de fundamentação que recai sobre a Requerida.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

20. No que concerne à matéria de facto, importa salientar que, segundo o artigo 607.º números 3 e 4, do Código de Processo Civil (“CPC”) e o artigo 123.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, o tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os factos alegados pelas partes, antes, cabe-lhe selecionar os factos que considera relevantes para a causa, distinguindo os que estão provados dos que não estão.

A) Factos provados

21. Com efeito, examinada a prova documental produzida pelas partes, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

a. A Requerente é uma sociedade por quotas enquadrada em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) no regime normal mensal, que tem por objeto a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, bem como outras atividades de consultoria para os negócios e gestão em diversas áreas, a que fez corresponder os CAE 68100, 70220 e 68200 conforme resulta do cadastro das pessoas coletivas da AT.

b. No âmbito da sua atividade, a Requerente, sucedeu, por transferência global, aos direitos e obrigações do Fundo B... (liquidado), constituído em 06.06.2012, dissolvido e liquidado por escritura pública de 06.04.2017.

c. O referido “Fundo B...” era um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional, constituído a 06-06-2012, e era representado e gerido pela sociedade E...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, SA. (doravante designada por “E...”).

d. Com vista a integrá-los no património do aludido Fundo, a sociedade E... adquiriu, em 2012 e 2013, os seguintes prédios urbanos, afetos à habitação:

  • A fração autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano, sito em ..., Lote ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º ... da freguesia e concelho de ..., adquirida em 20-03-2013.
  • A fração autónoma designada pelas letras “AJ” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o n.º..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, adquirida em 14-11-2012.
  • As frações autónomas designadas pelas letras “AX” e “AZ” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o n.º..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, adquiridas em 27-12-2012.

e. Estas aquisições beneficiaram das isenções de IMT e IS consagradas no Regime Especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) para as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, ao abrigo dos n.ºs 7 e 8 do art.º 8.º do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional.

f. Em 2018, teve lugar um procedimento inspetivo interno, realizado pelos serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Lisboa, ao antedito Fundo a coberto das ordens de serviço n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018... .

g. No dia 7 de janeiro de 2019, a Requerente, em representação do Fundo, foi notificado do relatório de inspeção tributária, conforme consta do Documento n.º 6.

h. No relatório de inspeção, a AT concluiu pela caducidade das isenções concedidas para os prédios adquiridos por falta de verificação dos pressupostos face ao regime jurídico dos FIIAH, propondo-se em consequência a liquidação do IMT e IS.

i. De acordo com a fundamentação constante do relatório de inspeção acima mencionado, os serviços de inspeção tributária verificaram que as aquisições foram efetuadas pelo Fundo ao Banco C..., S.A.

j. Com efeito, o Fundo não adquiriu os imóveis “a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO C..., SA, que também é o depositário dos ativos do FUNDO e a entidade comercializadora responsável pela colocação das unidades de participação do FUNDO junto dos investidores (…)” (cfr. pág. 22 e 23 do Documento n.º 6).

l. Consequentemente, concluíram os serviços de inspeção tributária que “não se cumpre um pressuposto primordial da lei, o pressuposto de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros dos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras, auxílio previsto no Relatório OE2009 (Orçamento do Estado para 2009), que está na génese do Regime Especial aplicável aos FIIAH e na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro. Nestes termos propõe-se que seja liquidado o IMT, o IS e o IMI relativamente a todos imóveis que viram a sua isenção caducar, face ao disposto no Regime Especial aplicado aos FIIAH.” (cfr. página 23 do Documento n.º 6).

m. Em março e abril de 2022, a Requerente, na qualidade de representante do Fundo, foi notificada nos seguintes dos atos tributários consubstanciados nas liquidações de IMT e IS referentes à propriedade dos aludidos prédios urbanos, (cf. Documento n.º 3):

  • Por ofício do SF de ...:
  • Liquidação de IMT e respetivos juros compensatórios n.º..., de 21-02-2022, no valor total de € 1.337,91 (sendo de imposto € 1.015,93 e de juros € 321,98);
  • Liquidação de IS e respetivos juros compensatórios n.º ..., de 21-02-2022, no valor total de € 1.021,94 (sendo de imposto € 776,00 e de juros € 245,94); referentes à aquisição pelo “Fundo”, em 20-03-2013, da fração autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano, sito em ..., Lote ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º ... da freguesia e concelho de ... .
  • Por ofício do SF do Porto ...:
  • Liquidação de IMT e respetivos juros compensatórios n.º ..., de 28-04-2022, no valor total de € 22.457,26 (sendo de imposto € 20.732,75 e de juros € 1 724,51), referente à aquisição da fração autónoma designada pelas letras “AJ” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o n.º..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto.
  • Liquidação de IMT e respetivos juros compensatórios n.º ..., de 22-04-2022, no valor total de € 4.191,40 (sendo de imposto € 3.540,77 e de juros € 650,63), referente à aquisição das frações autónomas designadas pelas letras “AX” e “AZ” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o n.º ..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e..., concelho do Porto.

n. Foi a Requerente quem efetuou o pagamento das referidas importâncias (cfr. Documento n.º 7).

o. Sem prejuízo do pagamento voluntário a Requerente apresentou pedido de pronúncia junto do presente Tribunal Arbitral em 01.07.2022.

B) Factos não provados

22. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

23. Fixada a matéria de facto, cumpre analisar as questões de direito colocadas pela Requerente e Requerida.

A) Quadro jurídico

24. A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, aprovou um regime especial aplicável a Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional.

25. Este regime contempla um conjunto de isenções tributárias, nomeadamente, em sede de IMT e IS, que visaram a dinamização do mercado de arrendamento habitacional, atendendo ao contexto de crise económico-financeira que presidiu à criação deste regime.

26. Para além da fomentação de investimento por parte dos fundos, pretendeu-se ainda que famílias com empréstimos à habitação e dificuldades no pagamento da prestação do seu crédito, pudessem converter as respetivas prestações, no pagamento de uma renda através da venda do respetivo imóvel a um FIIAH, seguida da celebração com a entidade gestora do fundo de um contrato de arrendamento sobre o mesmo imóvel.

27. Vejamos em melhor detalhe os preceitos relevantes para apreciar o caso sub judice, contidos nos números 7 e 8 do artigo 8.º do referido regime:

“7 - Ficam isentos do IMT: a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1; b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.”

28. Resulta da leitura das disposições anteriormente indicadas, que a eficácia da isenção de IMT concedida aos FIIAH ao abrigo destes preceitos, fica dependente da verificação dos seguintes pressupostos:

  1. Aquisição efetuada por FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores;

 

  1. Objeto da aquisição serem prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

29. No que respeita ao IS, a isenção aplicada depende do cumprimento dos seguintes requisitos:

  1. Os atos praticados têm de estar conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente;

 

  1. A referida transmissão tem de ocorrer por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.

B. Posição das partes

30.  Para afastar as isenções supra mencionadas, a Requerida utiliza como primeiro argumento o facto de os imóveis terem sido adquiridos ao Banco C..., S.A. e não a famílias oneradas com empréstimos, não se preenchendo, no entender da Requerida, um dos pressupostos primordiais do regime - “o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros dos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras” (cfr. página 23 do relatório de inspeção junto sob o Documento n.º 6).

31. Argumento que a Requerente não aceita, na medida em que o artigo 8.º não exige que para beneficiar das isenções de IMT e IS, o Fundo tenha de adquirir os imóveis a famílias oneradas com prestações dos empréstimos à habitação.

32. Assim, para a Requerente, a AT procedeu a uma errónea interpretação do Regime Jurídico dos FIIAH pois “expande a letra da lei para nela fazer caber situações e critérios que não estavam expressamente previstos no aludido regime”.

33. Procurando aprofundar o motivo das liquidações em causa, a AT sublinha na resposta ao PPA, não ter sido demonstrada a afetação dos imóveis em causa ao arrendamento habitacional, tendo os mesmos sido alienados pelo Fundo sem que tenha sido feita prova dos pressupostos de que depende a aplicação do regime:

- Prova de que os imóveis foram efetivamente disponibilizados para arrendamento habitacional após a aquisição e antes da alienação, “ainda que nenhum contrato de arrendamento tivesse sido celebrado por razões inerentes ao próprio funcionamento do mercado”, conforme consta do articulado n.º 50 da Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral.

- Prova de que a alienação foi a única alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização.

34. Na tentativa de desenvolver um pouco mais este raciocínio, a AT realça que a mera intenção de arrendar o imóvel não é suficiente para provar a disponibilização do mesmo para efeitos do regime, sem, contudo, concretizar, em que medida se dá por verificada a disponibilização do imóvel.

35. Facto ressaltado pela Requerente, quando refere que a AT não demonstrou que os imóveis não tinham sido destinados ao arrendamento habitacional permanente, apenas tendo constatado que não foi celebrado qualquer contrato de arrendamento e que os mesmos foram alienados – o que segundo a Requerente é insuficiente para preencher o ónus probatório que sobre a administração tributária impende por força do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

36. Com efeito, a Requerente defende ter-se verificado tudo o que se impunha como condição para o benefício das isenções em sede de IMT, IS e IMI: a aquisição, por parte dos FIIAH, de imóveis que se destinassem, única e exclusivamente, ao arrendamento habitacional, sendo que, apenas por impossibilidades alheias à entidade gestora do Fundo, não foi possível arrendar os imóveis em apreço.

37. Mencionando ainda que “em recando algum da redação original do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH se descortina a existência de uma qualquer sanção ou consequência legal pela falta de arrendamento efetivo do imóvel (ou a fixação de um período para a efetivação do arrendamento após a aquisição do imóvel pelo Fundo), que pudesse condicionar a atuação do administrado – no caso as entidades gestoras dos Fundos” (cfr. Artigo 148.º do Pedido de Pronúncia Arbitral).

38. Ademais, a Requerente invoca a ilegalidade dos atos de liquidação comunicados pelos Ofícios do Serviço de Finanças de Porto-... datados de 19.04.2022 e de 26.04.2022, juntos no Documento n.º 3., por violação do princípio da fundamentação.

39. Em causa, está a fundamentação, incoerente e incongruente, utilizada pela AT nos referidos ofícios face à exposta no relatório de inspeção; em concreto, nos primeiros a AT invoca a caducidade de isenção nos termos do n.º 14 do artigo 8.º da Lei 64-A/2008, com a redação conferida pela Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, enquanto que, no relatório de inspeção, afasta a aplicação dos referidos preceitos legais.

C) Apreciação

40. A questão principal que integra o objeto do presente litígio consiste em saber se as aquisições efetuadas pelo fundo devem ou não beneficiar das isenções em sede de IMT e de Imposto do Selo ao abrigo do regime tributário aplicável aos FIIAH e às SIIAH previsto na Lei n.º 64-A/2008.

41. Para responder a esta questão, importa proceder à aplicação concreta do quadro jurídico acima exposto e aos argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posições.  

42. Em primeiro lugar, o presente tribunal não pode acompanhar o argumento da Requerida respeitante à exigibilidade da aquisição dos imóveis ser efetuada a famílias oneradas com empréstimos à habitação.

43. De facto, para além deste pressuposto não resultar do elemento literal da lei, não é possível extrair qualquer intenção implícita do legislador em condicionar a concessão da isenção à identidade do alienante, mormente, famílias oneradas com empréstimos bancários.

44. Em segundo lugar, importa verificar se de facto, como a Requerida alega, não foi demonstrada a afetação dos imóveis em causa ao arrendamento habitacional, tendo os mesmos sido alienados pelo Fundo sem que tenha sido feita prova dos pressupostos de que depende a aplicação do regime.

45. A este respeito, concordamos com a explicação do Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 175/2018, quanto à caracterização das isenções em apreço:

  • “A primeira é a de que os benefícios fiscais consagrados naquele artigo 8.º são, não estáticos, mas dinâmicos, no sentido em que visam incentivar a prática do sucessivo conjunto de atos que integram o iter necessário à colocação no mercado de arrendamento habitacional de frações adquiridas pelos fundos imobiliários para esse fim, através do estabelecimento entre as vantagens fiscais em cada momento atribuídas e a atividade em concreto estimulada de uma relação de causa-efeito.

 

  • A segunda é a de que, no que toca aos benefícios consagrados na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro — isenções de IMT e Imposto do selo —, a causa do benefício só pode residir na efetiva disponibilização do imóvel adquirido para arrendamento habitacional.”

46. Com efeito, é seguro afirmar que a concessão dos benefícios fiscais em causa depende da efetiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, não bastando uma mera manifestação de intenção, antes, exige-se “a adoção de um comportamento revelador da vinculação do imóvel adquirido ao fim legalmente prescrito” (cfr. Acordão n.º 175/2018 do Tribunal Constitucional).

47. A consequência da não verificação de tal pressuposto, em momento posterior ao facto tributário, determina a caducidade da isenção e o renascimento da obrigação tributária; não obstante, os fundamentos da caducidade têm de ser provados pela entidade que a invoca, neste caso, a Requerida.

48. Como a Requerente ressaltou, o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre o ónus da prova nesta situação, no âmbito da decisão arbitral que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral que teve por base o mesmo relatório de inspeção tributária ora em análise; falamos da decisão arbitral proferida no processo n.º 318/2019-T, datada de 02.03.2020.

49. Acompanhamos de perto a posição deste tribunal, quando refere, “tendo a AT fundado a sua actuação na caducidade das isenções de IMT, IS e IMI previstas nos n.º 6, 7 e 8 do art.º 8.º Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, incumbe àquela o ónus de demonstrar e provar os pressupostos de tal caducidade, i.e., e no que para o caso interessa, a não destinação dos imóveis adquiridos pelo Fundo a quem a Requerente sucedeu, ao arrendamento habitacional.”

50. Da leitura do relatório de inspeção junto aos autos, verifica-se que a Requerida não concretizou as razões pelas quais concluiu que não existiu a disponibilização dos imóveis em causa para arrendamento.

51. A única constatação feita pela Requerida, surge na página 21 do relatório, quando conclui pelo seguinte:

“Portanto, considera-se que apenas 151 imóveis destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente foram efetivamente arrendados pelo Fundo, para o fim em causa.

Assim, para além destes imóveis identificados como tendo sido arrendados, o sujeito passivo não arrendou os seus outros imóveis, para os quais não se verificou um requisito primordial da isenção, no período compreendido entre os anos de 2012 a 2017, ano em que vendeu os últimos imóveis que ainda estavam em sua posse.”

52. No entanto, ao abrigo da versão original da Lei n.º 64-A/2008, a celebração de contratos de arrendamento não constituía pressuposto condicional da aplicação da isenção de em sede de IMT, pelo que, não poderia a AT utilizar tal argumento para determinar a caducidade da isenção em causa.

53. Só com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o regime passou a prever a condição da celebração de contratos de arrendamento, através do respetivo artigo 235.º, que veio aditar ao referido artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, os seus atuais números 14 a 16:

“14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

54. Paralelamente, a mesma Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, no seu 236.º estabeleceu um regime transitório para o regime especial aplicável aos FIIAH:

“1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”

55. Em suma, estas alterações resultaram em novos pressupostos para os FIIAH beneficiarem da isenção de IMT e IS ao abrigo do regime em apreço, de seguida indicados:

  • Os prédios urbanos serem objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente;
  • O contrato de arrendamento deve realizar-se no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo;
  • Caso os prédios sejam alienados, antes de decorrido o prazo de 3 anos deve o sujeito passivo deve proceder à liquidação do imposto.

56. A aplicação retroativa das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, através deste regime transitório, foi apreciado pelo Tribunal Constitucional, através do Acórdão 175/2018, datado de 05.04.2018.

58. O Tribunal Constitucional, julgou inconstitucional no Acórdão 175/2018 “(…) por violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto do Selo previstas nos n.os 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014.”

59. Como explica o douto Tribunal, “Ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção - destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente - os novos pressupostos resultantes do aditamento ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n.ºs 14 a 16 -  a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo -, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao benefício, que vinha do passado, originando, com isso, um caso de retroatividade inautêntica.”

60. Com efeito, por força da mencionada inconstitucionalidade, não tem aplicabilidade para o caso da Requerente, a condição de os imóveis adquiridos terem ou não sido efetivamente arrendados, sob pena de caducidade das isenções, dentro daquele prazo de três anos.

61. Conforme bem refere o CAAD, na decisão arbitral de 06-04-2021, proferida no processo n.º 375/2020-T:

“O Tribunal Constitucional já apreciou, pelo menos, três vezes o disposto n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH (Ac. do TC n.º 175/2018 de 05.04.2018; Ac. n.º 489/2018 de 09.10.2018 e Ac. n.º 622/2019 de 23.10.2019). Nos três Acórdãos foi proferido um juízo de inconstitucionalidade.

É verdade que no caso em apreço não está em causa o disposto no n.º 16 do artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, mas sim o disposto no n.º 15 do art. 8º deste regime. Não obstante, os fundamentos materiais e formais jurídicos que conduziram ao juízo de inconstitucionalidade nos Acórdão citados, não divergem do caso em apreço, razão pela qual, não encontramos motivos para nos afastar do sentido decisório dos três Acórdãos do TC citados.”

62. Com efeito, entende o presente Tribunal que a Requerida não fez prova que os imóveis em causa não tenham sido disponibilizados para arrendamento habitacional permanente, não relevando o facto de relativamente a parte deles não ter sido celebrado contrato de arrendamento.

63. O objeto do Fundo prendia-se com a aquisição dos imóveis com a única finalidade de celebrar contratos de arrendamento habitacional, sendo que em alguns casos esse arrendamento veio efetivamente a suceder conforme consta do relatório de inspeção.

64. Tendo em conta o texto da lei em vigor à data da prática dos factos, a Requerida deveria ter provado que os imóveis cuja aquisição beneficiou da isenção em sede de IMT, não estiverem disponíveis no mercado de arrendamento durante os anos que precederam à respetiva alienação, o que não sucedeu.

65. Cumpre agora apreciar o caso concreto da liquidação de Imposto do Selo, cuja anulabilidade também é requerida pela ora Requerente.

66. Em concreto, está em causa o ato tributário de liquidação do Imposto do Selo e juros compensatórios, no montante total de € 1.021,94, que recaiu sobre a aquisição da fração autónoma designada pela letra “O” do prédio urbano, sito em ..., Lote ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º ... da freguesia e concelho de ... .

67. A respeito da isenção em sede de Imposto do Selo, o artigo 8.º, n.º 8 do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão que vigorava à data da prática dos factos tributários, dispunha que a isenção de Imposto do Selo recaía sobre “todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.” os atos que cumprissem os seguintes requisitos”.

68. Com efeito, ao contrário do que sucedia com a isenção de IMT, para que os fundos pudessem beneficiar da isenção em sede de Imposto do Selo, a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, teria de resultar de um dos dois seguintes eventos:

  1. A conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos;
  2. Exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.

69. Daqui não restam dúvidas que estamos perante um benefício de natureza condicional estruturado para beneficiar os sujeitos passivos que revistam a qualidade de transmitentes/adquirentes do direito ao arrendamento nas condições previstas no regime.

70. Não tendo ocorrido qualquer dos mencionados eventos que despoletam a aplicação da isenção do Imposto do Selo prevista no artigo 8.º, n.º 8 do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, a Requerente não poderia beneficiar da isenção ao abrigo deste artigo.

71. No entanto, afigura-se que a Requerente tem razão quando invoca a violação do dever de fundamentação por parte da AT, porquanto esta não logrou cumprir com uma correta fundamentação do ato.

72. O dever da fundamentação dos atos por parte da AT é classificado, pela sua importância, como uma garantia do contribuinte, na expectativa de assegurar uma defesa adequada do contribuinte, funcionamento também como um mecanismo de controlo da atuação da AT.

73. O artigo 268.º, n.º 3 da CRP determina que os “atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses”.

74. Na LGT, a determinação dos requisitos da fundamentação está prevista no artigo 77.º, referindo o n.º 1 que “a decisão do procedimento é sempre fundamentada” e o n.º 2 que a “fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

75. Por outro lado, o artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo esclarece o seguinte: “2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”

76. Note-se que, em qualquer uma das mencionadas situações, estamos perante um ato ilegal, por estar ferido de um vício de forma, cuja consequência é a anulabilidade do mesmo.

77. Várias foram as falhas cometidas pela AT na fundamentação dos atos sindicados, entre elas, a fundamentação constante da notificação da liquidação de Imposto do Selo, com a referência ...2005... (junto neste processo sob o Documento n.º 3), datada de 21.02.2022, que refere o seguinte: “O prédio foi adquirido mediante Escritura Pública lavrada no Cartório Notarial a cargo de D..., lavrada no dia 20/03/2013, tendo beneficiado de isenção de IMT nos termos da alínea a) do n.º 7 do artigo 8º do Regime aplicável aos (…) FIIAH (…) e de Imposto do Selo nos termos do n.º 8 do artigo 8 do regime atrás referido, tendo a isenção caducado por incumprimento do disposto no n.º 16 do artigo 8º do regime em causa.”

78. Ora, para além de a aplicação da mencionada disposição legal a factos tributários ocorridos antes de 1 de janeiro de 2014 ter sido julgada inconstitucional (cfr. Acordão n.º 175/2018 do Tribunal Constitucional), a AT no Capítulo III.3.1 “Legislação aplicável” refere:

- “Este do n.º 2 do artigo 236.º foi julgado inconstitucional pela 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 175/2018, de 29 de maio, o que em nada afeta a presente proposta de correcções”.

79. Esta fundamentação não é congruente com a mencionada liquidação de Imposto de Selo, em que a AT refere que as isenções de IMT e IS caducaram pelo artigo 8.º n.º 16 do Regime dos FIIAH.

80. Também os Ofícios do Serviço de Finanças de Porto-... datados de 19.04.2022 e de 26.04.2022, referem que o motivo da caducidade das isenções de IMT resulta do incumprimento do n.º 14 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e SIIAH.

81. Em face deste confronto de fundamentos, fica por responder qual foi, afinal, o raciocínio utilizado pela AT para emitir as liquidações em causa?

82. Considerando que o dever de fundamentação, constitucionalmente consagrado como uma garantia do contribuinte, proíbe uma argumentação contraditória, conforme dispõe o artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, é forçoso concluir que também a liquidação de Imposto de Selo é ilegal e deve ser anulada.

83. Acresce que a fundamentação dos atos tributários deve ser contemporânea, isto é, coincidir com o momento da notificação, pois caso assim não fosse, a garantia do contribuinte estaria desprovida de qualquer utilidade.

84. Assim, a invocação de novos fundamentos pela AT, nomeadamente em sede do articulado de Resposta, não pode ser valorizada quando o tribunal está a apreciar o cumprimento do dever de fundamentação do ato tributário.

85. Veja-se no Acórdão do STA, no âmbito do Processo n.º 0324/15, de 27-01-2016: “não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais”.

86. Outro Acórdão do STA, proferido no processo 0406/13, de 04-10-2017:

“É certo que ulteriormente, como bem refere a sentença recorrida, já em sede de reclamação graciosa, na informação n.º 115-AJT/05, que foi apropriada pela decisão de indeferimento proferida no âmbito daquele meio de impugnação graciosa (cfr. pontos 4. e 6. da factualidade dada como assente), a AT veio dizer que o comprovativo da “qualidade de não residente” era exigido pelo n.º 1 do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 215/89, bem como, no que se refere aos emigrantes, pelo n.º 1 da Portaria n.º 1476/95, de 23 de Dezembro. No entanto, como ficou já dito e a sentença judiciosamente registou, esta fundamentação a posteriori não pode ser relevada quando estamos a sindicar a legalidade da liquidação sob a óptica do cumprimento do dever legal de fundamentação”.

87. Quanto à ilegalidade das liquidações de juros compensatórios, cumpre referir que os artigos 35.º e 77.º, ambos da LGT, impõem que a AT demonstre, no apuramento dos juros compensatórios, a indicação das datas de início e do fim do cálculo dos juros, bem como a taxa aplicada e o número de dias contabilizados.

88. Uma vez que o presente Tribunal Arbitral concede razão à Requerente, a ilegalidade e anulação das liquidações em causa acarreta naturalmente a anulação dos juros compensatórios apurados pela AT.

89. Ademais, a Requerente solicitou o pagamento de juros indemnizatórios, que, nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT, são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

90. No caso em análise a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações em causa, vendo-se privada desse montante por causa de um erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de uma dívida legalmente indevida.

91. Com efeito, a Requerente tem direito não só a ser reembolsada dos montantes que indevidamente liquidou (cfr. artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT), como ainda tem direito a ser indemnizada através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento do IMT e IS, até ao seu reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil.

Decisão

92. Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido da Requerente no que respeita à ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IMT e IS e correspondentes juros compensatórios;
  2. Condenar a Requerida a restituir o imposto pago pela Requerente em sede das liquidações de IMT e IS anuladas, acrescido de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

Valor do processo

93. De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 29.008,50 (vinte e nove mil e oito euros e cinquenta cêntimos).

Custas

94. Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 28 de abril de 2023

O Árbitro

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(Sérgio Santos Pereira)