Sumário:
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Tendo a Autoridade Tributária anulado administrativamente os atos de liquidação impugnados após a constituição do tribunal arbitral, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância nos termos do disposto na alínea e) do Artigo 277.º do CPC.
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A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, em função de anulação do ato de liquidação por parte da Autoridade Tributária ocorrida após a apresentação do pedido arbitral, implica a condenação desta no pagamento das custas de arbitragem, tendo em consideração que foi esta a dar causa a ação.
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O meio próprio para se requerer a concretização das decisões administrativas de anulação de atos de liquidação, maxime o reembolso do imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios, é a ação de execução de julgados (cfr. Artigo157.º, n.º 2, do CPTA).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Dr. Pedro Saraiva Nércio (árbitro-relator) e Dr. António Alberto Franco, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-03-2023, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., S.A., NIPC ..., com sede em ..., ..., ...-..., ..., ..., adiante abreviadamente designada por «Requerente», veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2021..., de Juros Compensatórios n.º 2021... e de Juros de Mora n.º 2021..., com referência ao ano de 2020, no valor total de € 62.866,57.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante abreviadamente designada por “AT” ou por “entidade Requerida”),
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30 de Dezembro de 2022.
Em 15 de Fevereiro de 2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 6 de Março de 2023.
A AT apresentou Resposta em 16 de Março de 2023.
Na sua Resposta, a AT veio informar que “Por despacho de 05/03/2023, da Senhora Subdiretora Geral para a Área do Rendimento, os actos ora impugnados foram anulados, mais se decretando o pagamento de juros indemnizatórios nos moldes ora peticionados em sede arbitral.”, solicitando, nesta medida, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Em 29 de Março de 2023, a Requerente veio informar o Tribunal que “não se opõe à declaração da inutilidade superveniente da lide nesta parte”, peticionando, no entanto, que a AT seja “condenada ao reembolso do valor dos juros compensatórios e de mora em causa, assim como condenada à liquidação e pagamento dos juros indemnizatórios, cujos pressupostos constam
do artigo 43.º da LGT”.
Por Despacho datado de 30 de Março de 2023, o Tribunal Arbitral ordenou a notificação da Requerente para proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente para efeitos de prolação de acórdão.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 2, 6.º, 10.º e 11.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
As Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos legais aplicáveis.
O processo não enferma de qualquer nulidade.
Conforme atrás referido, a AT procedeu à anulação dos atos de liquidação objeto do pedido arbitral em apreço, reconhecendo, igualmente, e conforme peticionado pela Requerente, o direito desta a juros indemnizatórios por pagamento indevido do imposto.
Cumpre, pois, apreciar este pedido à luz da Resposta apresentada pela AT em 16 de Março e, bem assim, do requerimento da Requerente apresentado em 29 desse mesmo mês.
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Fundamentação
Da Inutilidade Superveniente da Lide
Veio a entidade Requerida apelar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, tendo em consideração que a decisão emitida pela Exma. Senhora Subdiretora Geral para a Área do Rendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira determinou a anulação dos atos de liquidação objeto do pedido arbitral apresentado pela Requerente, tendo, igualmente, reconhecido o direito desta a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevido.
Em face desta decisão da entidade Requerida, a Requerente não se opôs ao referido pedido de extinção da instância.
Importa, pois, decidir:
Estabelece o Artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do Artigo 29.º do RJAT), que configura causa de extinção da instância “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Entende este coletivo que a situação em mãos se subsome plenamente no supra citado preceito legal.
Com efeito, atenta a decisão de anulação emitida pela entidade Requerida, não tem este Tribunal sobre que decidir, uma vez que os atos de liquidação objeto do pedido arbitral apresentado pela Requerente já não existem na ordem jurídico-tributária, carecendo, consequentemente, a presente lide de objeto, não podendo a pretensão da Requerente ser mais satisfeita. Ou seja, e em suma, estamos perante a impossibilidade ou inutilidade da lide por desaparecimento do seu objeto.
Neste sentido, ensina o Professor Lebre de Freitas que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” (cfr. Autor citado in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, Almedina, pág. 633) (sublinhado e sombreado nosso).
Em face de todo o exposto, tendo falecido o objeto do pedido arbitral apresentado pela Requerente, em virtude da anulação dos atos de liquidação impugnados por parte da entidade Requerida, determina-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no Artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Do Pedido de Condenação da AT na restituição do valor indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios
Apesar de não se opor à extinção da instância por inutilidade superveniente do presente pedido arbitral - em função da decisão de anulação dos atos de liquidação impugnados por parte da entidade Requerida, no âmbito da qual se reconheceu também o direito da Requerente a juros indemnizatórios -, a Requerente solicitou, através do seu requerimento apresentado em 29 de Março de 2023, a condenação da AT na restituição do valor indevidamente pago e, bem assim, no pagamento dos referidos juros indemnizatórios.
Considera este coletivo que o referido pedido não merece acolhimento, tendo em consideração que (i) a restituição do valor indevidamente pago pela Requerente e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT a calcular sobre aquele mesmo valor são, à luz do Artigo 100.º da Lei Geral Tributária, uma decorrência imediata do despacho da Senhora Subdiretora Geral para a Área do Rendimento, datado de 5 de Março de 2023, já não competindo a este Tribunal pronúncia específica sobre tal pedido.
Com feito, considera este Tribunal que, quer a restituição do valor de imposto indevidamente pago, quer o pagamento de juros indemnizatórios, integram-se no âmbito da execução da decisão proferida pela entidade Requerida, escapando, consequentemente, aos poderes cognitivos deste coletivo.
Destarte, caso a AT não dê concretização à sua própria decisão no prazo legal para o efeito (60 dias a contar da data da decisão administrativa – cfr. 100.º, n.º 2, da LGT), designadamente através do pagamento à Requerente do valor de imposto indevidamente pago e dos juros indemnizatórios, assistirá à Requerente a possibilidade de recurso aos meios de execução legalmente previstos, designadamente a ação de execução prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, também aplicável às decisões administrativas, conforme resulta do disposto no Artigo 157.º, n.º 2, daquele mesmo Código.
Pelo que, quanto ao pedido de condenação da AT na restituição do valor indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios, abstém-se o presente Tribunal da respetiva pronúncia, por escapar ao objeto (declarativo) do pedido arbitral em apreço.
Das Custas de Arbitragem
No que diz respeito às custas do presente processo arbitral, não restam dúvidas a este coletivo que devem as mesmas ficar integralmente a cargo da entidade Requerida, tendo em consideração que foi esta a dar causa à ação, ao emitir os atos de liquidação impugnados, que acabou por anular, reconhecendo a respetiva ilegalidade (cfr. Artigo 536.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do Artigo 29.º do RJAT).
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Decisão
Nestes termos, decide este Tribunal arbitral o seguinte:
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Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em função da anulação dos atos de liquidação objeto do pedido arbitral e do reconhecimento, por parte da AT, do direito da Requerente a juros indemnizatório por pagamento indevido de imposto;
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Condenar a AT no pagamento das custas do presente processo.
Valor da ação
Fixa-se o valor da causa em € 62.866,57 (sessenta e dois mil oitocentos e sessenta e seis Euros e cinquenta e sete cêntimos), correspondente ao valor total dos atos de liquidação impugnados, nos termos do disposto nos Artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas
Custas pela AT, no valor de € 2.448 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito Euros), nos termos do Artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e do Artigo 4.º e da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Abril de 2023
Manuel Luís Macaísta Malheiros
Pedro Saraiva Nércio
António Alberto Franco