Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 681/2021-T
Data da decisão: 2023-04-26  Selo  
Valor do pedido: € 91.421,35
Tema: IS - Verba 17.3.4 da TGIS; comissões pela comercialização de unidades de participação em fundos de investimento; comissões de gestão cobradas a fundos de investimento; art. 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho; infração ao Direito da União Europeia
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SUMÁRIO: A tributação em imposto do selo, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões cobradas pela comercialização de unidades de participação de fundos de investimento é ilegal por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais

 

 

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Conselheira  Fernanda Maçãs, Árbitro Presidente, Maria Antónia Torres e João Menezes Leitão, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório[1]

 

1. a… - SGOIC, S.A., a seguir designada por “Requerente” ou A…, pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua … Lisboa, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, com as alterações subsequentes (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), apresentou, em 20.10.2021, pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticionou a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento proferida em sede de procedimento de reclamação graciosa e dos atos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao período de 2020 comprovados pelas faturas de pagamento do imposto, incidentes sobre as comissões de comercialização cobradas por entidade comercializadora de unidades de participação em fundos de investimento e sobre as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento por si geridos, bem como o reembolso do montante de €91.421,35 do Imposto do Selo que, em consequência, pagou em excesso no referido período de 2020, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10.12.2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em consonância com a al. c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 28.12.2021.

 

3. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir, petição inicial ou PI), a Requerente peticionou a anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo relativos ao período de 2020 evidenciados pelas faturas juntas como documentos 1 e 2 à PI, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que contra eles formulou, para o que invoca, em súmula, os seguintes fundamentos:

- considerando o disposto na Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, foi indevidamente liquidado Imposto do Selo sobre (i) as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras à Requerente resultantes de serviços de comercialização das unidades de participação dos fundos por si geridos e (ii) as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos;

- entende a Requerente não ser admissível a sujeição a Imposto do Selo daquelas comissões por isso não se encontrar em conformidade com a referida Diretiva 2008/7/CE e, consequentemente, não respeitar o Direito da União Europeia cuja aplicação na ordem interna está constitucionalmente consagrada nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);

- de forma a evitar tributações indiretas sobre operações relacionadas com as reuniões de capitais, mais concretamente em torno dos títulos ou valores mobiliários representativos dos capitais reunidos, foram instituídas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE adicionais proibições de tributação indireta;

- tendo em consideração que, para efeitos daquela Diretiva, os fundos de investimento são equiparados a sociedade de capitais (cfr. artigo 2.º), deve ser-lhes igualmente aplicável a proibição de qualquer tributação indireta sobre a atividade de colocação e negociação de unidades de participação (mormente, a atividade de comercialização);

- nos termos daquela Diretiva, as comissões de comercialização, estando inequivocamente enquadradas na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não podem ser sujeitas a Imposto do Selo, porquanto respeitam à remuneração pelo exercício da atividade de comercialização (entenda-se de subscrição) das unidades de participação dos fundos de investimento, já que visando a comissão de comercialização remunerar o serviço prestado pelos intermediários financeiros relativo à  subscrição e distribuição das unidades de participação dos fundos de investimento, é pacífico que o Imposto do Selo que sobre a mesma incide nos termos da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) tem claro cabimento na norma acima referida, enquanto imposto indireto que visa tributar a “criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu”;

- de igual modo, terá de se concluir relativamente às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de investimento por si geridos, porquanto aquelas comissões consubstanciam a remuneração pelo exercício da atividade de gestão dos fundos de investimento, atividade essa que inclui a comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento sob gestão (cfr. alínea c) do n.º 1 do art. 66.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - RGOIC), pois embora o artigo 5.º da Diretiva não mencione expressamente o exercício da atividade de gestão dos fundos de investimento, as comissões de gestão integram no seu cômputo – na maioria das vezes, é a parcela mais significativa – a remuneração de uma operação de reunião de capitais (a comercialização) nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, sendo, por isso, igualmente enquadráveis em tal norma, pois, de outro modo, estar-se-ia a promover a tributação indireta das comissões de comercialização enquanto operação relativa à reunião de capitais, objetivo esse claramente contrário ao prosseguido pela Diretiva;

- o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio admitir a exclusão de tributação de operações que, embora não estando expressamente previstas na Diretiva, equivaliam a tributar uma operação por si visada, o que é o caso das comissões de gestão uma vez que estas incorporam aquelas comissões de comercialização, sendo claro da jurisprudência do TJUE que o artigo 5.° da Diretiva 2008/7/CE (tal como os artigos 10.º e 11.º da Diretiva 69/335) deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, pela qual se abrangem não apenas as situações previstas, mas as operações globais onde se integram, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil;

- as liquidações de Imposto do Selo supra identificadas são, pois, ilegais e inválidas, por assentarem em lei nacional que viola o direito comunitário;

- sem conceder, a A… cobra comissões de gestão aos fundos de investimento por si geridos que, como se disse, integram a componente relativa à comercialização a pagar à entidade comercializadora, que têm vindo a ser sujeitas a tributação em sede do Imposto do Selo nos termos da verba 17.3.4. da TGIS; ora, como as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras também se encontram, por sua vez, sujeitas a Imposto do Selo isso dá origem a uma dupla tributação económica em sede de Imposto do Selo dessas comissões de comercialização que é inadmissível à luz dos princípios que enformam o Direito Fiscal;

- no caso concreto da Requerente, para além de se ter aplicado uma tributação inadmissível (contrária ao direito comunitário), verificou-se uma dupla tributação em sede de Imposto do Selo, na medida em que este tributo recaiu sobre as comissões cobradas pela A… (nas quais se inclui a comissão de comercialização) e pelas entidades depositárias (uma e outra vez), pois pese embora o encargo do imposto não recair sobre o mesmo sujeito passivo (caso em que o disposto no Código do Imposto do Selo determina que se aplicaria a taxa mais elevada – cfr. n.ºs 2 e 3 do seu artigo 22.º), a verdade é que foi liquidado Imposto do Selo sobre a mesma realidade duas vezes, porquanto a comissão de gestão incorpora uma parte que é correspondente àquela comissão de comercialização;

- caso a anterior argumentação não seja acolhida, destaca-se que, não prevendo a legislação fiscal uma definição dos conceitos “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira”, deverá atender-se ao disposto no n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), e, como tal, recorrer-se às definições previstas nos ramos de direito dos quais provenham aqueles conceitos, designadamente do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, único diploma no ordenamento jurídico português que define os conceitos de “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”;

- especificamente no que concerne às comissões de gestão, é necessário atender a que, até 31 de Dezembro de 2019, não restavam dúvidas que as Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo (SGOIC) preenchiam o conceito de instituições financeiras e sociedades financeiras, pois o art. 2.º-A, sob a epígrafe “Definições”, na redação vigente até àquela data, estabelecia expressamente essa qualificação ao referir que eram instituições financeiras “[a]s sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário e as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário na aceção, respetivamente, dos pontos 6.º e 7.º do artigo 199.º-A” e o artigo 6.º incluía as SGOIC na lista de entidades que assumiam a natureza de sociedades financeiras; porém, o Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, procedeu à eliminação da referência expressa às SGOIC na definição de instituição financeira e de sociedade financeira e o art. 6.º, n.º 5 passou a afirmar que: “[n]ão são sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Jurídico da Titularização de Créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, na sua redação atual, no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual, e no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015, de 4 de março, na sua redação atual”;

- a perda de qualificação das SGOIC enquanto sociedades financeiras e instituições financeiras determina que as comissões de gestão por elas cobradas deixam de se encontrar sujeitas a Imposto do Selo.

 

4. A Requerida, na sua resposta, invoca a verificação de exceção dilatória no que concerne à parte da instância que respeita ao montante de € 5.748,99, referente a Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora, e a improcedência, por não provado, do pedido arbitral, para o que alega o seguinte, convocando em grande medida a fundamentação acolhida no despacho emitido em sede de reclamação graciosa:

- quanto ao montante de € 5.748,99, referente a Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora, in casu, a B…, à Requerente, não foram disponibilizadas as respetivas guias de retenção na fonte ou declaração da respetiva entidade bancária onde sejam as mesmas identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante, diferentemente do que sucedeu com o imposto do selo liquidado pela Requerente aos Fundos por si geridos sobre as comissões de gestão, dado que nesta sede a Requerente entregou cópias das guias de imposto por si emitidas;

- embora a AT tenha o dever agir em nome da descoberta da verdade material, que constitui uma das vertentes do princípio do inquisitório, nesta situação em concreto a identificação do número das guias não é suficiente para provar quando e quanto de imposto foi liquidado pela entidade comercializadora à Requerente, pois as guias de pagamento de Imposto de Selo emitidas pela B… agregam por rubrica a totalidade dos montantes de imposto entregues num determinado período, contendo informação relativa a todos os clientes, não permitindo identificar em concreto o imposto que a Requerente considera ter-lhe sido indevidamente liquidado e se esse imposto que lhe foi repercutido foi efetivamente entregue nos cofres do Estado e quando; estando-se perante um imposto auto-liquidado pelos sujeitos passivos, isto é, a referida instituição bancária, assentando em informação coberta pelo sigilo bancário cuja identificação pessoal dos clientes é omitida na contabilidade, a AT não consegue confirmar quais as guias de imposto que a Requerente pretende impugnar, sendo habitual nestas situações as instituições bancárias emitirem uma declaração a pedido do cliente onde indicam o número da guia de entrega do imposto, a data do pagamento e o valor liquidado e cobrado ao titular do encargo que quer fazer valer a sua pretensão junto da AT;

- este valor de € 5.748,99, referente a Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras à Requerente, deve ser expurgado do presente pedido, atenta a procedência da exceção que se configura por a não junção das respetivas guias de retenção na fonte ou de declaração da respetiva entidade bancária onde sejam as mesmas identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante – tendo presente que, como o ónus de identificação dos atos impugnados é legalmente imputado à Requerente, nos termos do referido artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, a sua falta é causa de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e que, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), quando seja deduzida pretensão impugnatória, a petição inicial deve ser instruída, com documento comprovativo da emissão da norma ou do ato impugnado – determinar, nos termos dos artigos 87.º, n.º 7 e 89.º, n.º 4, b), ambos do CPTA, e bem assim dos artigos 18.º, n.º 1 e 576.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC) e ainda do artigo 98.º, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), todos aplicáveis ex vi artigo 29.° do RJAT, a absolvição da Requerida da instância no que ao montante referido respeita;

- de qualquer modo, ainda que a exceção não proceda, a Requerente não conseguiu provar de forma cabal e inequívoca como lhe competia, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o pagamento do imposto por referência à situação concreta em discussão nos autos e guias por si identificadas, razão pela qual, quanto ao valor de € 5.748,99, referente a Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras à Requerente, deve o pedido arbitral ser julgado improcedente por não provado;

- não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva, e a tributação das comissões cobradas pela comercialização de Fundos, que é a realidade aqui sob apreço, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais;

- não se está a tributar as unidades de participação propriamente ditas, como a Requerente quer dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos intermediários financeiros à A…, a título da genericamente denominada comissão de comercialização, em consequência do seu trabalho de intermediação na transmissão/venda de unidades de participação efetuadas junto de investidores e clientes daqueles;

- a tributação ocorrida resulta de uma opção voluntária da Requerente, que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as unidades de participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito que, como é obvio, e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o Imposto do Selo legalmente devido;

- a Requerente não estava obrigada a fazê-lo, podendo ela própria ter vendido/comercializado as unidades de participação dos Fundos que gere, porquanto em sítio nenhum o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC) impõe às SGOIC a obrigação de contratar serviços de intermediação financeira a instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras instituições financeiras com vista à venda das unidades de participação dos Fundos por si geridos; aliás, em primeira linha, a comercialização das unidades de participação pertence às SGOIC;

- não pode, por isso, considerar-se que as comissões de comercialização (acrescidas do devido Imposto do Selo) cobradas pelas instituições de crédito à Requerente, decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados para a venda das unidades de participação por si geridas, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, pois o que foi tributado foi a remuneração de um serviço de intermediação financeira contratado pela Requerente que teve em vista a venda, isto é, a transmissão das unidades de participação dos Fundos por si geridos junto dos clientes das instituições de crédito contratadas para o efeito, remuneração (comissão) essa que preenche os pressupostos de incidência objetiva e subjetiva previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo;

- o raciocínio exposto vale de igual modo para o Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos por si geridos, porque também neste caso se trata de tributar uma remuneração pela prestação de um serviço financeiro que preenche todos os pressupostos da norma de incidência sob apreço;

- inexiste qualquer desconformidade das autoliquidações de Imposto do Selo incidentes sobre as comissões de comercialização cobradas pelos bancos (intermediários financeiros) à Requerente, bem como das comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos por si geridos, com o preceituado na Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade;

- na situação sub judice estão em causa duas operações económicas, a cobrança de dois tipos de comissões, traduzidas em duas manifestações de riqueza perfeitamente autónomas e distintas, reveladoras de capacidade contributiva, a ter em consideração, a saber: i. a gestão de Fundos por parte da Requerente, serviço financeiro remunerado por via de uma comissão de gestão; ii. a comercialização dos Fundos geridos pela Requerente, por parte de instituições de crédito subcontratadas para o efeito, serviço de intermediação financeira remunerado por via de uma comissão de comercialização destinada a pagar os serviços prestados por aquelas entidades comercializadoras, não existindo nenhuma situação de dupla tributação, nem nenhuma tributação em “cascata” sobre a mesma realidade, isto é, sobre a prestação do mesmo serviço financeiro, uma vez que estamos perante dois fluxos económicos e de rendimento distintos e paralelos, geradores de factos tributários completamente distintos e com valorações tributárias em sede de Imposto do Selo também elas distintas, para o que basta ter presente que, apesar de em ambas as comissões a tributação ocorrer nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, o sujeito passivo e o respetivo titular do encargo são completamente distintos entre si, já que no fluxo económico representado pela comissão de comercialização, o sujeito passivo do imposto são as instituições de crédito e o titular do encargo a Requerente; e no que respeita ao fluxo económico, representado pela comissão de gestão, o sujeito passivo do imposto é a Requerente e os titulares do encargo os diversos Fundos por si geridos;

- acresce que, nem formalmente nem materialmente, as duas comissões se reportam ao mesmo ato, pois resultam de dois contratos completamente distintos, sendo que (i) o celebrado entre a Requerente e os diversos Fundos por si geridos, e que está na origem da cobrança da comissão de gestão, é obrigatório e advém do Regulamento de Gestão, um dos documentos constitutivos dos OIC, conforme estipula o RGOIC, nomeadamente nos seus artigos 2.º/1, f), 25.º/1, b) e f), 67.º e 159.º/2, s); (ii) e o celebrado entre a Requerente e as instituições de crédito, e que está na origem da comissão de comercialização, que é facultativo, isto é, decorre de uma opção exercida pela Requerente, conforme disposto no n.º 3 do artigo 129.º do RGOIC;

- ainda que se considerasse, o que não se concede à luz dos critérios atrás referidos, que poderia existir aqui uma sobreposição de imposto, importa referir que não há qualquer obstáculo de cariz jurídico-constitucional à dupla tributação, o que significa na prática que a mesma não só não é ilegal como pode ser até desejada pelo legislador;

- como sustentado na informação vinculativa solicitada pela Requerente que foi objeto da ficha doutrinária referente ao processo n.º 2020… - IV n.º …, com despacho concordante de 2021.04.15, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira: i) as Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo (SGOIC) exercem atividades financeiras e são instituições financeiras; ii) são assim consideradas pelo regime jurídico das instituições e da atividade financeira vigente no nosso país, e de forma expressa pelos Regulamentos que instituíram o sistema de supervisão prudencial da União Europeia; iii) o RGICSF não é o único diploma legal que regula o sistema financeiro português, mas apenas aquele que regula a atividade financeira submetida ao regime de supervisão prudencial do Banco de Portugal; iv) a norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF tem por efeito apenas a exclusão das SGOIC da supervisão do Banco de Portugal e transportá-la para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), como é reconhecido diretamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23.09; v) sendo as SGOIC instituições financeiras estão sujeitas ao Imposto do Selo, nos termos previstos na Verba 17.3.4 da Tabela Geral;

- estando-se perante procedimento de reclamação graciosa cujo objeto respeita a atos de autoliquidação de IS, os juros indemnizatórios são devidos a partir do indeferimento expresso, objeto do pedido de pronúncia arbitral, ou seja, a partir de 07-07-2021.

 

5. Por despacho arbitral de 08.02.2022, foi determinada a notificação da Requerente para exercer, querendo, o contraditório em relação à exceção invocada pela Requerida, o que foi concretizado por requerimento de 18.02.2022, em que, a respeito da exceção dilatória por falta de demonstração da liquidação do Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização, declarou o seguinte:

- “a Requerente, para além de ter identificado as guias de retenção na fonte subjacentes à liquidação de Imposto do Selo efetuada pelas entidades comercializadoras (no caso em concreto, o Banco B…) sobre as comissões de comercialização objeto do pedido, juntou ainda cópia das faturas emitidas por aquelas entidades nas quais constavam os valores cobrados à Requerente a título de comissões de comercialização e o respetivo Imposto do Selo subjacente”;

- o entendimento da AT de que a Requerente deveria ter obtido uma declaração do Banco B… no sentido de comprovar os montantes liquidados a título de Imposto do Selo nunca foi antes invocado em sede de procedimento administrativo e, em qualquer caso, tal informação não deveria ser exigida à Requerente porquanto “consubstanciando as entidades comercializadoras o sujeito passivo da relação em apreço, é-lhes incutida a responsabilidade da liquidação do Imposto do Selo e consequente pagamento ao Estado” e o “estatuto jurídico-tributário do repercutido torna inoponível à Requerente a prova do pagamento do imposto que lhe foi repercutido, sendo-lhe exigido somente comprovar que suportou aquele encargo, o que sucedeu, visto ter disponibilizado as faturas relativas ao pagamento das comissões de comercialização com indicação do montante de Imposto do Selo liquidado”;

- em face da documentação apresentada pela Requerente, o objeto do pedido no que concerne ao Imposto do Selo suportado sobre as comissões de comercialização encontra-se demonstrado, pelo que não procede a exceção dilatória por falta de identificação dos atos impugnados.

 

6. Em 25.04.2022 foi proferido despacho arbitral no qual se decidiu o seguinte:

“Uma das causas de pedir que a Requerente invoca, no pedido de pronúncia arbitral, consiste na «violação da proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais», no sentido em que a referida Diretiva «proíbe a tributação indireta das reuniões de capital, e tributações de alguma forma conexas» e «coloca naturalmente o seu primeiro foco na proibição de tributação indireta incidente sobre as próprias entradas (reuniões) de capital – cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva».

Acontece que, no processo 87/2021-T, no qual se discute questão idêntica, os Requerentes vieram aos autos dizer «ter sido proferida decisão de reenvio prejudicial com respeito à mesma questão discutida nestes autos, no processo n.° 88/2021-T, pelo que a requerente sugere ser de elementar prudência suspender a presente instância até que o TJUE se pronuncie no citado reenvio».

Este Tribunal decidiu, no processo n.º 87/2021-T, suspender a instância arbitral até à prolação de decisão, pelo TJUE, sobre o pedido de reenvio prejudicial suscitado no processo n.º 88/2021-T, deste CAAD.

Tendo em vista a boa e uniforme aplicação do direito entende este Tribunal suscitar também nos presentes autos, a título oficioso, a suspensão da presente instância até à decisão daquele pedido de reenvio.

Ficam as partes notificadas para exercer, querendo, contraditório, no prazo de dez dias”.

 

Por despacho de 19.05.2022, após se observar que as partes nada disseram sobre a intenção do Tribunal em suscitar, a título oficioso, a suspensão da presente instância até à decisão daquele pedido de reenvio, e considerando-se que: não existem dúvidas de que a decisão de reenvio prejudicial indicada diz «respeito à mesma questão discutida nestes autos», pelo que se verifica identidade de questões, em ambos os processos; que na presente instância, se verificam os pressupostos da prejudicialidade entre causas conforme previsto no art. 272.º, n.º 1 do CPC; e que não se justifica suscitar nos presentes autos novo reenvio sobre a mesma questão enquanto se encontra pendente um anterior, foi decidido, “tendo em vista assegurar a conformidade da pronúncia arbitral a proferir com a interpretação do direito europeu realizada pelo Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional competente para esse efeito”, “ao abrigo do artigo 272.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, suspender a presente instância arbitral até à prolação de decisão, pelo TJUE, sobre o pedido de reenvio prejudicial suscitado no processo n.º 88/2021-T, deste CAAD”, devendo a secretaria, oportunamente, juntar a estes autos cópia da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no processo n.º 88/2021-T.

 

7. Em 22.12.2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia prolatou no processo C-656/21, IM Gestão de Ativos e outros, acórdão que decidiu que: “O artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização”.

Junto aos autos este acórdão, foi dada às partes oportunidade para se pronunciarem sobre a sua aplicação ao caso dos autos, tendo a Requerente declarado, em requerimento de 06.01.2023, a pertinência do acórdão do TJUE quanto à causa de pedir invocada no pedido de pronúncia arbitral respeitante à sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização de unidades de participação cobradas pelas instituições financeiras.

 

8. Dado que, por despacho de 18.02.2022, tinha sido previamente dispensada a reunião prevista no art. 18.º do RJAT e a produção de alegações escritas, por despacho de 05.02.2023, em atenção, designadamente, ao facto de o processo ter estado suspenso entre 19.05.2022 e 08.01.2023, foi prorrogado, nos termos do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, o prazo da arbitragem e fixada como data para a prolação da decisão o dia 15.04.2023.

 

9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em conformidade com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03).

Para além da exceção invocada pela Requerida, que será apreciada na sequência da fixação da factualidade relevante, o processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

II. QUESTÕES A DECIDIR

 

10. O objeto fulcral do litígio concerne à legalidade da decisão de indeferimento proferida em sede de reclamação graciosa e, bem assim, da legalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao período de 2020, sobre (i) as comissões de comercialização cobradas por entidade comercializadora à Requerente, no montante de € 5.748,99; e (ii) as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos por si geridos, no valor de € 85.672,36.

Conforme resulta da descrição acima realizada no n.º 3, são suscitados à apreciação deste Tribunal como fundamentos de ilegalidade dos atos impugnados os seguintes vícios:

i) a sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização cobradas por entidade comercializadora à Requerente, resultantes da prestação de serviços de comercialização dos Fundos por si geridos a clientes daquela entidade, e das comissões de gestão cobradas pela Requerente aos Fundos por si geridos, configura uma ilegalidade por violação do direito da União Europeia, em concreto do disposto no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais;

ii) a sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização implica uma dupla tributação económica, porquanto as comissões de comercialização estão incluídas (são uma parte) da comissão de gestão, igualmente sujeita a Imposto do Selo, o que é inadmissível à luz do direito fiscal;

iii) a verba 17.3.4 da TGIS não se aplica às comissões de gestão cobradas aos Fundos geridos pela Requerente, porquanto, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23.09, que ocorreu a 01.01.2020, que alterou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a Requerente não preenche o conceito de “instituição financeira”.

 

11. A ordem do conhecimento dos vícios na decisão encontra-se regulada pelo art. 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, que determina que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Estando aqui em causa vícios conducentes à anulação dos atos controvertidos, há que aplicar o disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, que impõe que, quando o impugnante indica uma ordem de conhecimento dos vícios, estabelecendo entre eles uma relação de subsidiariedade (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), o Tribunal deve seguir a priorização indicada. Como se afirmou no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.

Ora, verifica-se que a Requerente estabeleceu uma relação de subsidiariedade no conhecimento dos vícios invocados (cfr. art. 101.º do CPPT) como o evidenciam as referências constantes dos n.ºs 70, 111 (“Sem conceder”, “gostaria ainda a Requerente de tecer algumas considerações adicionais a respeito da dupla tributação económica”) e 112 (“caso a argumentação aduzida acima não seja acolhida”) da PI, pelo que há que apreciar os vícios pela ordem estabelecida pela Requerente conforme apresentada no ponto antecedente.

 

12. Para além da apreciação, em conformidade com a relação de subsidiariedade indicada, das causas de pedir atinentes às ilegalidades imputadas aos atos impugnados, cabe julgar prioritariamente a exceção dilatória, configurada pela Requerida nos termos acima indicados no n.º 4, de ineptidão da petição inicial por falta de identificação do ato impugnado e de junção do documento dele comprovativo em razão da não demonstração da liquidação e pagamento do Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização.

A resolução de todas estas questões pressupõe o apuramento e fixação da factualidade relevante, o que se passa a realizar.

 

III. Fundamentação de Facto

 

A. Factos provados

 

13. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

I. A Requerente é uma sociedade gestora de organismos de investimento coletivo (SGOIC), que, no âmbito da sua atividade, gere diversos fundos de investimento imobiliário como seja C…-F.I.I. Aberto, D…, E…-FIISP, F…-FIISP, G…, H…-FIIAH I, I…FIIAH II, J…-FIIAH III, K…-FIIF (cfr. as faturas respeitantes às comissões de gestão juntas agregadamente no doc. n.º 1 à PI e a identificação dos destinatários aí constante).

II. Em virtude da sua atividade, a Requerente cobrou, no ano de 2020, nos meses de Janeiro a Setembro, comissões de gestão aos fundos de investimento acima identificados que gere, sobre as quais liquidou, no ano de 2020, Imposto do Selo, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS (cfr. as faturas respeitantes às comissões de gestão juntas agregadamente no doc. n.º 1 à PI).

III. A Requerente recorreu, para a comercialização e subscrição das unidades de participação dos fundos de investimento, como entidade comercializadora, à instituição de crédito B…, que atuou enquanto intermediário financeiro, tendo pagado, nesse circunstancialismo, à entidade comercializadora uma remuneração, denominada de “comissão de comercialização e colocação”, conforme faturas emitidas pelo “B…” juntas agregadamente no doc. n.º 2 à PI e n.ºs 4 e 5 da PI).

IV. Essa entidade comercializadora sujeitou as comissões de comercialização cobradas à Requerente a Imposto do Selo, à taxa de 4%, conforme indicado nas faturas emitidas relativamente a essas comissões juntas como doc. n.º 2 à PI.

V. No período de 2020, o Imposto do Selo liquidado sobre as referidas comissões de comercialização foi no montante de €5.748,99, e sobre as comissões de gestão foi no montante de €85.672,36 (cfr. as faturas juntas como docs. n.ºs 1 e 2 à PI, bem como guias de retenção na fonte juntas conjuntamente como doc. n.º 8 à PI), perfazendo o montante total de € 91.421,35, conforme tabela abaixo:

 

VI. As liquidações de Imposto do Selo relativas ao período de 2020 acima indicadas foram pagas (cfr. as guias de retenção na fonte juntas em conjunto como doc. n.º 8, o reconhecimento constante do art. 25.º da resposta e as faturas juntas como doc. n.º 1 à PI).

VII. A Requerente apresentou pedido de informação vinculativa quanto a saber se as comissões de gestão por si cobradas aos Fundos que gere deixaram de estar sujeitas a imposto do selo desde 01.01.2020, em virtude da alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) operada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23.09, com efeitos a 01.01.2020, relativamente ao qual foi prestada a informação objeto da ficha doutrinária referente ao processo n.º 2020… - IV n.º …, com despacho concordante de 2021.04.15, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme doc. n.º 1 junto à resposta da Requerida, na qual se concluiu que: “apesar das alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, com efeitos a 1 de Janeiro de 2020, ao RGICSF, e legislação análoga, as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos FUNDOS por si geridos continuam a estar sujeitas a imposto do selo, conforme determinam as disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS”.

VIII. Por considerar ilegais os atos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao período de 2020, com fundamento em que as comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora e as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento por si geridos não deveriam ter sido sujeitas a Imposto do Selo por violação das disposições da Diretiva 2008/7/CE, bem como, no caso das comissões de comercialização, por dupla tributação económica, a Requerente apresentou contra os mesmos reclamação graciosa, conforme requerimento datado de 12 de Novembro de 2020 que constitui o doc. n.º 3 junto à PI e que se mostra igualmente junto a fls. 2 e seguintes do procedimento administrativo (PA), que aqui se dá por reproduzido.

IX. A Requerente foi notificada em 26 de Maio de 2021 do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º …, sustentado na informação n.º …-ISCPS1/2021, conforme documento n.º 4 à PI e fls. 61 e seguintes do PA, em que, para além de se terem rejeitado os vícios de violação de lei alegados na reclamação, se assinalou que a Requerente não apresentou as guias de retenção na fonte, subjacentes ao valor reclamado, documentos tidos como indispensáveis.

X. Em sede de audiência prévia, por requerimento entrado em 25.06.2021, conforme doc. n.º 5 à PI e fls. 86 e seguintes do PA, que se dá por reproduzido, a Requerente, para a AT confirmar os valores reclamados por consulta dos seus registos internos, disponibilizou:

a) os seguintes números das guias de retenção na fonte referentes ao Imposto do Selo retido sobre as comissões de comercialização cobradas pela B… à Requerente:

 

declarando que os montantes a que as guias referidas dizem respeito “são montantes genéricos, i. e., aqueles valores incluem todas as realidades sobre as quais foi liquidado Imposto do Selo e não apenas o Imposto do Selo referente às comissões de comercialização”.

b) os seguintes números das guias de retenção na fonte respeitantes ao Imposto do Selo liquidado pela própria Requerente sobre as comissões de gestão:

 

declarando que os montantes dessas guias dizem respeito “a todas as operações ocorridas sujeitas e não isentas daquele imposto e não apenas o valor do Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de gestão”.

XI. A reclamação graciosa foi objeto de decisão final de indeferimento datada de 06.07.2021, conforme doc. n.º 6 à PI e fls. 105 e seguintes do PA, notificada à Requerente, nos termos do n.º 10 do art. 39.º do CPPT em 22 de Julho de 2021, conforme doc. n.º 7 à PI.

XII. A referida decisão de indeferimento, conforme doc. n.º 6 à PI e fls. 105 e seguintes do PA, cujo teor se dá como reproduzido, sustentou-se nos seguintes fundamentos essenciais constantes da Informação n.º …-ISCPS1/2021:

“80 (...) não é possível retirar da predita Diretiva da Reunião de Capitais, mormente o disposto no artº 5 nº 2, alínea b) da mesma, a não sujeição de imposto de selo das comissões de colocação pela verba 17.3.4 da TGIS.

81. Na verdade, está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo caráter definidor tem de ser certo, objetivo e estar “desenhado na lei de forma suficientemente determinada”, sendo que na letra da refenda diretiva, não se encontra prevista a não sujeição de tributação das comissões por serviços financeiros de colocação de valores imobiliários.

82. Necessário será distinguir entre "as formalidades conexas (...) à admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” previstas na Diretiva de Reunião de Capitais, e a as operações financeiras que “gravitam” em redor dessas mesmas operações financeiras, expressão essa de resto utilizada pelo ora Reclamante no ponto 67º da sua PI.

83. Operações essas, como é o caso das aludidas comissões de colocação cobradas no âmbito da emissão de títulos negociáveis, que de resto preenchem o requisito de incidência de natureza objetiva que permite o enquadramento das comissões na sub-verba 17.3.4, porquanto cabem na categoria “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", não estando abrangidas por nenhuma isenção. (...)

98. (...) os fundos de investimento geridos pela ora Reclamante, e que recorreram aos serviços dos intermediários financeiros, não se encontravam impedidas por si só, de proceder diretamente à emissão de papel comercial, beneficiando nesse caso, de forma inequívoca da não tributação em sede de imposto de selo.

99. Reitera-se que tal resulta de forma clara (sendo a única sujeição com interesse para o caso sub judice que se pode efetivamente retirar) do disposto no artº 5 n.º 2 da Diretiva em questão, quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão das obrigações ou outros títulos negociáveis “independentemente de quem os emitiu (...).

100. Caso os fundos de investimento tivessem optado por proceder diretamente à emissão de obrigações/papel comercial, beneficiariam da não sujeição de IS, não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, eventuais autentificações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão.

101. É justamente a parte final do artº 5º nº 2 da Diretiva 2008/7/CE que corrobora este entendimento, quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público.

102. No caso sub judice, como a ora Reclamante refere, através de intermediários financeiros, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, tendo nesse âmbito, os depositários ou intermediários financeiros presta[do] serviços de colocação dos títulos em mercado, prestações de serviços essas, pelas quais cobrou comissões de comercialização/colocação, e sobre as quais foi liquidado o imposto de selo devido.

103. Mais se refere, que optaram por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial - apesar de, conforme acima se referiu, o Cód. das Soc. Comerciais o permitir - tendo contratado para o efeito, no âmbito de um contrato de prestações de serviços, verbi gratia serviços de intermediação financeira.

104. A ser como é, não se poderá por isso considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime as comissões cobradas pelos intermediários financeiros, se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, uma vez que prestou o serviço e colocação dos títulos em mercado, tendo por isso, cobrado as comissões de colocação/comercialização.

105. Pelo que se conclui, que os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, prestou o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo por isso cobrado as ditas comissões de colocação/comercialização, são tributados em sede de imposto uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no nº 1 do artigo 1º do CIS. (...)

107. (...) Há que fazer a destrinça entre as comissões de comercialização cobradas pelas entidades financeiras e as comissões de gestão cobradas ao fundo pela sua sociedade gestora (no caso a A…).

108. Neste contexto, cabe a liquidação, cobrança e entrega do imposto apurado nos cofres do Estado à ora Reclamante, na qualidade de sujeito passivo, de acordo com o disposto no artº 2º do CIS, sendo encargo das instituições financeiras referidas, enquanto titulares do interesse económico.

109. A proibição da dupla tributação económica do mesmo facto tributário, está relacionada com o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, tal como prevê o texto constitucional, no artº 103º nº 4. (...)

118. A dupla tributação jurídica ou económica coloca-se sobretudo ao nível da coerência do próprio sistema fiscal e a sua proibição não parece ter expressão como princípio constitucional individualizado. Embora não se deva menosprezar a sua importância, crê-se, seguindo Casalta Nabais, que a existência de dupla tributação não constitui vício que afete a validade da lei fiscal. Com efeito, nem a doutrina dominante nem a jurisprudência do TC têm afirmado a existência ao nível constitucional, de princípio ou norma proibitivas da dupla tributação, não obstante ser reconhecido que não é situação desejável, do ponto de vista da organização do sistema fiscal. (...)

167. Mais se acrescenta que nos autos não foram apresentadas as guias de retenção na fonte, subjacentes ao valor peticionado, sendo estes documentos indispensáveis.

168. As regras do ónus da prova visam resolver o problema da demonstração de factos, que caso não seja feita, tem por consequência a questão ser decidida contra a parte onerada com o ónus da prova. No direito tributário as regras do ónus da prova encontram-se no art. 74º da LGT, não se aplicando as regras de ónus da prova previstas no Código Civil”.

 

XIII. Em 20.10.2021, conforme indicação constante do sistema de gestão processual do CAAD, foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

B. Factos não Provados

 

14. Com relevo para a decisão da causa em face das alegações das partes, o Tribunal julga como não provada a seguinte factualidade:

 

A. As comissões de gestão reportadas nas faturas emitidas pela Requerente juntas como doc. n.º 1 à PI incorporam a componente da comissão de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento por si geridos.

 

C. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

15. A convicção do Tribunal fundou-se no exame e análise crítica dos documentos juntos aos autos com a PI e constantes do PA e no reconhecimento de factos realizado pela Requerida, como indicado em relação a cada facto julgado provado.

No que concerne, em particular, à factualidade provada no n.º VI, explicite-se, dada a impugnação realizada pela Requerida (cfr. supra n.º 4) quanto ao pagamento do valor de € 5.748,99, referente a Imposto do Selo liquidado sobre as comissões de comercialização cobradas à Requerente, que o Tribunal julgou aqueles factos como provados com base no meio de prova consistente nas faturas juntas como doc. n.º 1.

O Tribunal entende, com efeito, que, na ausência de qualquer outro elemento em contrário e tendo em conta as regras da experiência comum, as faturas emitidas pela entidade comercializadora B… (que a Requerida não só não impugnou, como explicitamente aceitou, como a seguir se refere) permitem fundar suficientemente a inferência factual de que a Requerente suportou o encargo do Imposto do Selo referente às comissões de comercialização indicado nessas faturas.

Acresce, em consonância com o que se vem de assentar em termos de juízo de realidade reiterada de verificação comum, que a Requerida reconhece expressamente (arts. 61.º e 62.º da resposta) o seguinte: “a opção voluntária da Requerente, que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as unidades de participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito (sic) que, como é obvio, e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o Imposto do Selo legalmente devido” e que “no caso em análise a Requerente subcontratou serviços de intermediação financeira com o objetivo de estas promoverem a venda das unidades de participação dos Fundos por si geridos”.

Por outro lado, não tem pertinência, para os efeitos da presente impugnação arbitral tal como deduzida pela Requerente, verificar se o imposto assim cobrado pela entidade comercializadora foi efetivamente entregue por esta nos cofres do Estado, como parece sustentar a Requerida ao exigir a junção aos autos das guias de retenção na fonte do imposto da entidade comercializadora ou de declaração desta onde sejam identificadas, com indicação do título a que foram cobradas e respetiva data de pagamento e montante. Com efeito, a Requerente, neste âmbito das comissões de comercialização, assume a posição de entidade que suporta o encargo do imposto por repercussão legal nos termos dos art. 3.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e do art. 18.º, n.º 4 da LGT (como a seguir se analisa).

 

16. O facto que foi dado como não provado resultou de não ter sido produzida qualquer espécie de prova a seu respeito, tudo se limitando a alegações indeterminadas constantes da PI, por exemplo, com o seguinte teor: “Cumpre referir que aquelas comissões de gestão incorporam, ainda, a componente da comissão de comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento por si geridos” (n.º 3 da PI); “A bem da verdade, a comissão de gestão cobrada pela REQUERENTE aos fundos de investimento por si geridos integra, nestes casos, também a remuneração inerente à subcontratação da atividade de comercialização, verificando-se, assim, a repartição daquela comissão entre a entidade responsável pela gestão (vulgo, a A…) e as entidades comercializadoras (vulgo, os intermediários financeiros)[2]” (n.º 7 da PI); “aquelas comissões consubstanciam a remuneração pelo exercício da atividade de gestão dos fundos de investimento, atividade essa que inclui a comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento sob gestão, cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 66.º do RGOIC” (n.º 44 da PI); “as comissões de gestão integram no seu cômputo – na maioria das vezes, é a parcela mais significativa – a remuneração de uma operação de reunião de capitais (a comercialização) nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva” (n.º 45 da PI); “a comissão de gestão incorpora no âmbito do seu todo uma parte que é correspondente àquela comissão de comercialização” (n.º 99).

Efetivamente, para além do carácter genérico, senão indefinido, daquelas alegações (vd. as formulações sem qualquer especificação: “integram no seu cômputo – na maioria das vezes, é a parcela mais significativa”; “uma parte”), impugnadas pela Requerida nos arts. 69.º, 75.º e 86.º da resposta, a Requerente não convoca nem junta qualquer prova documental ou outra que comprove que nas “comissões de gestão” que foram cobradas aos fundos de investimento por si geridos identificados nas faturas juntas como doc. n.º 1 à PI (cfr. facto provado n.º II) se integraram montantes devidos como comissões por serviços de comercialização.

Estas faturas respeitantes às comissões de gestão juntas agregadamente no doc. n.º 1 à PI apenas referenciam, no que aqui releva (abstraindo da identificação do Fundo e do mês pertinente), “C.GESTÃO - [FI]”, “Comissão de Gestão [FI] referente a [mês]/2020” e Imposto do Selo “17240-Outras Comissões”, não constando, pois, qualquer indicação que permita concluir que incluíram no seu cômputo a remuneração de serviços de comercialização.

No requerimento de 18.02.2022, a Requerente dá mesmo a entender que não desenvolve qualquer atividade de comercialização – vd. respetivo n.º 34: “a Requerente é apenas uma entidade gestora de fundos, pelo que se desenvolvesse uma atividade própria de comercialização aquela seria manifestamente insuficiente, dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público sem necessidade de recorrer também à banca, a subscrição das unidades de participação dos fundos cujo património é por si gerido”.

Saliente-se, nesta sede, que o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC), aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24.02 (com as alterações posteriores), depois de definir “Comercialização” como “a atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em organismo de investimento coletivo, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação” (art. 2.º, n.º 1, al. c)), prevê no art. 66.º, n.º 1 que: “No exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete à entidade gestora: a) Gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial: i) A gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; e ii) A gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento; b) Administrar o organismo de investimento coletivo, em especial: i) Prestar os serviços jurídicos e de contabilidade necessários à gestão dos organismos de investimento coletivo, sem prejuízo da legislação específica aplicável a estas atividades; ii) Esclarecer e analisar as questões e reclamações dos participantes; iii) Avaliar a carteira e determinar o valor das unidades de participação e emitir declarações fiscais; iv) Cumprir e controlar a observância das normas aplicáveis, dos documentos constitutivos dos organismos de investimento coletivo e dos contratos celebrados no âmbito da atividade dos mesmos; v) Proceder ao registo dos participantes na condição prevista no n.º 4; vi) Distribuir rendimentos; vii) Emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação; viii) Efetuar os procedimentos de liquidação e compensação, incluindo o envio de certificados; ix) Registar e conservar os documentos; c) Comercializar as unidades de participação dos organismos de investimento coletivo sob gestão”, referindo o art. 67.º que: “O exercício da atividade de gestão de organismo de investimento coletivo é remunerado através de uma comissão de gestão, podendo esta incluir uma componente variável calculada em função do desempenho do organismo de investimento coletivo, nos termos previstos em regulamento da CMVM”. Por outro lado, o n.º 1 do art. 129.º do RGOIC estabelece que: “Podem ser entidades comercializadoras de unidades de participação: a) As entidades responsáveis pela gestão; b) os depositários; c) Os intermediários financeiros registados junto da CMVM para o exercício das atividades de colocação com ou sem garantia ou de receção e transmissão de ordens por conta de outrem; d) Outras entidades como tal previstas em regulamento da CMVM, mediante autorização desta”, sendo que: “As relações entre a entidade responsável pela gestão e as entidades comercializadoras regem-se por contrato escrito” (n.º 3 do mesmo artigo)

A entidade gestora não tem, pois, que assegurar diretamente a comercialização das unidades de participação (cfr. n.º 4 do art. 66.º e n.º 1 do art. 71.º-D do RGOIC).

Neste contexto legal, cabia à Requerente (art. 74.º da LGT) produzir prova cabal se, em que medida e em que montantes, as comissões de gestão cobradas nos termos das faturas juntas como doc. n.º 1 à PI e sujeitas a imposto do selo compreenderam a remuneração por serviços de comercialização prestados pela própria Requerente e/ou pela entidade comercializadora, o que não foi realizado, razão pela qual não se deu essa factualidade como provada.

 

IV. Da exceção alegada

 

17. Cabe principiar por conhecer a exceção dilatória invocada pela Requerida em relação ao imposto do selo respeitante às comissões de comercialização cobradas pela B…, a qual assenta na invocação da falta de cumprimento pela Requerente do ónus de identificação dos atos impugnados prescrito pelo art. 10.º, n.º 1, al. b) do RJAT e de falta de junção do documento comprovativo da emissão do ato impugnado imposto pelo art. 79.º, n.º 3 do CPTA, a saber, as guias de retenção na fonte do imposto ou declaração da respetiva entidade bancária onde sejam identificadas, com indicação do título a que foram cobradas, respetiva data de pagamento e montante liquidado e cobrado ao titular do encargo, o que, na visão da Requerida, implicaria ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e logo uma irregularidade geradora da nulidade de todo o processado quanto a esse pedido nos termos do art. 186.º, n.º 1 do CPC e do art. 98.º, n.º 1, al. a) do CPPT, conducente à absolvição da instância (art. 89.º, n.º 4, al. b) do CPTA e art. 576.º, n.º 2 do CPC).

Carece manifestamente de fundamento a exceção assim configurada.

 

18. Desde logo, cabe notar que os atos impugnados indicados no pedido de pronúncia arbitral são a decisão final de indeferimento datada de 06.07.2021 proferida em sede de procedimento de reclamação graciosa com o n.º … e os atos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao período de 2020 comprovados pelas faturas de pagamento do imposto juntas como docs. n.ºs 1 e 2.

Não se vê, pois, como se pode afirmar que não foi satisfeito o ónus de identificação dos atos impugnados, em conformidade com o art. 10.º, n.º 2, al. a) do RJAT, até pelo motivo de que sempre estaria em causa, como objeto processual em relação ao imposto do selo sobre as comissões de comercialização cobradas pela B…, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Aliás, a própria Requerida afirma o seguinte no art. 3.º da sua resposta: “pretende a Requerente impugnar a legalidade dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo efetuadas ao abrigo da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), melhor identificados no artigo 9.º do ppa, e, bem assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, cujos termos correram sob o n.º …2, junto da UGC”.

Depois, tais atos impugnados mostram-se suficientemente comprovados pelos documentos que se indicam nos pontos de facto n.ºs III, IV e XI, constando das faturas juntas como doc. n.º 2 a indicação do Imposto do Selo aplicado pela B…, sendo ainda que a Requerente procedeu à identificação das guias de retenção na fonte subjacentes à liquidação do imposto do selo cobrado pela B… como indicado no n.º X do probatório.

Por fim, cabe notar, a respeito deste Imposto do Selo incidente sobre as comissões de comercialização, que o mesmo é suportado pela Requerente por repercussão legal (art. 3.º do Código do Imposto do Selo), sendo as suas liquidação e pagamento da responsabilidade do sujeito passivo que é a B… (cfr. n.º 1 do art. 2.º, n.º 1 do art. 23.º e art. 41.º do Código do Imposto do Selo), pelo que não se pode reputar documento imprescindível para o exercício do direito à impugnação reconhecido pelo art. 18.º, n.º 4 da LGT a apresentação das guias de retenção na fonte ou de declaração do sujeito passivo com discriminação do título a que foram cobradas e respetiva data e montante.

Termos em que se julga improcedente a exceção dilatória alegada pela Requerida, pelo que se procede, de seguida, ao exame da questão suscitada pela Requerente quanto à ilegalidade da aplicação do imposto do selo em relação às comissões de comercialização que lhe foram cobradas conforme doc. n.º 2 à PI.

 

V. Do Mérito. Fundamentação de Direito

 

a) Infração do Direito Europeu

 

19. Dada a ordem de conhecimento indicada pela Requerente (vd. supra n.º 11), importa começar por apreciar se a sujeição das comissões de comercialização e das comissões de gestão a Imposto do Selo nos termos da verba 17.3.4 da TGIS implica ilegalidade por desconformidade com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

Consabidamente, o art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo estabelece que: “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”. Na Tabela Geral, a verba 17 da TGIS, sobre operações financeiras, prevê o seguinte:

17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %”.

Pelo seu lado, a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, determina no art. 5.º, n.º 2, al. a) o seguinte:

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu”.

 

20. Pois bem, quanto à questão substancial da legalidade da sujeição a imposto do selo das operações financeiras de comercialização de unidades de participação em fundos de investimento em atenção ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a), da referida Diretiva 2008/7/CE, impõe-se a este Tribunal dar aplicação à proibição instituída pelo referido art. 5.º, n.º 2, al. a) nos termos da interpretação fixada pelo acórdão do TJUE de 22 de Dezembro de 2022, C-656/21, IM Gestão de Ativos, que foi proferido no reenvio prejudicial suscitado no processo arbitral n.º 88/2021-T (vd. supra n.º 7), dado o carácter vinculativo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem para os Tribunais nacionais no âmbito de questões pertinentes ao Direito da União Europeia (cfr. art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), o que envolve que a interpretação jurisdicional europeia faz corpo com a disposição interpretada, assumindo a própria força da norma interpretada.

Vejamos, então, a orientação hermenêutica estabelecida por este acórdão do TJUE quanto ao sentido da referida disposição da Diretiva 2008/7/CE.

 

21. O primeiro ponto assinalado por este acórdão respeita à qualificação dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários e à sua inclusão no âmbito de aplicação da Diretiva.

Como se assinala nos n.ºs 25 e 26 do mencionado aresto, “um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva”, do que decorre que “fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7”.

Depois, quanto ao sentido do art. 5.º, n.º 2, al. a) da Diretiva, o acórdão (n.ºs 27 e 28) assinala que essa disposição “proíbe os EstadosMembros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu” e que, dado o objetivo prosseguido pela Diretiva, o artigo 5.° “deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais”.

Nesta decorrência, o Tribunal de Justiça observa, em relação à situação em causa, o seguinte (n.ºs 31 a 37):

- “uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais”;

- “sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.º, n.ºs 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.º da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.

Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.

A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os EstadosMembros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (...).

Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7”.

- “Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa”.

Em consequência, como já acima transcrito (n.º 7), o Tribunal de Justiça, neste acórdão C-656/21, decidiu que:

O artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização”.

 

22. Ficando, assim, definido pelo Tribunal de Justiça que o art. 5.º, n.º 2, al. a) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, obsta à tributação em imposto do selo das comissões cobradas à entidade gestora por serviços de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento mobiliário, bem como ao redébito dessas comissões aos fundos mediante a sua inclusão nas comissões de gestão cobradas pela entidade gestora, cabe decidir que as liquidações de imposto do selo no montante total de € 5.748,99 incidentes sobre as comissões de comercialização cobradas à Requerente pela entidade comercializadora de unidades de participação em fundos de investimento, objeto das faturas juntas como doc. n.º 2 à PI, conforme factos provados n.ºs III, IV e V, são ilegais, por, nesse âmbito, a aplicação da verba 17.3.4. da TGIS infringir a proibição estabelecida pelo art. 5.º, n.º 2, al. a) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho.

Na verdade, por força do princípio do primado do Direito da União, nas suas relações com o Direito interno dos Estados‑Membros, ressalvados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático, entre nós consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, e dada a força vinculativa para resolução do caso de espécie da interpretação fixada pelo TJUE, há que recusar a aplicação do disposto na referida verba 17.3.4. da TGIS quanto às comissões de comercialização de unidades de participação em fundos de investimento por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE, o que acarreta vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, na liquidação e cobrança do imposto do selo reportado nas faturas juntas como doc. n.º 2 à PI no montante de € 5.748,99.

Em suma, as liquidações subjacentes à cobrança do Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização objeto das faturas juntas como doc. n.º 2 enferma de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, o mesmo valendo para a decisão da reclamação graciosa quando manteve estas liquidações impugnadas.

 

23. O que assim se decidiu não tem aplicação em relação às comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos que são objeto das faturas juntas como doc. n.º 1 à PI e surgem indicadas no facto provado n.º II.

Como acima exposto, o critério normativo que resultou da interpretação feita pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão C-656/21 estabelece que o art. 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais se opõe à incidência do imposto do selo sobre os montantes que uma sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

Em consequência, a incompatibilidade com o art. 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE da liquidação do imposto do selo ao abrigo da verba 17.3.4. da TGIS em relação às comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos depende de a comissão de gestão incluir a remuneração pelos serviços de comercialização de unidades de participação, não abrangendo, pois, todos os outros serviços e funções de gestão dos organismos de investimento coletivo que sejam exercidos pela SGOIC (cfr. os arts. 66.º, n.º 1 e 67.º do RGOIC acima citados no n.º 16).

Ora, não ficou provado (vd. facto não provado A) que as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos, conforme faturas juntas como doc. n.º 1 à PI, incorporem uma componente remuneratória de comercialização das unidades de participação desses fundos.

Improcede, por isso, a ilegalidade invocada pela Requerente em atenção ao disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 quanto à liquidação do imposto do selo em relação às comissões de gestão por si cobradas aos fundos que gere (cfr. facto provado n.º II).

 

b) Da alegada dupla tributação económica das comissões de comercialização

 

24. A segunda causa de pedir alegada pela Requerente em sustentação do seu pedido prende-se com a invocação de que a sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização implica uma dupla tributação económica, porquanto as comissões de comercialização estão incluídas (são uma parte) da comissão de gestão, igualmente sujeita a Imposto do Selo, o que é inadmissível à luz do direito fiscal.

Dado que, como acabou de se dizer, não ficou provado (vd. facto não provado A) que as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos, conforme faturas juntas como doc. n.º 1 à PI, incorporem, como parte, as comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora não pode proceder, in casu, a violação de lei assim suscitada.

Em qualquer caso, sempre cumpriria notar, como se assinala no acórdão de 08.01.2023 proferido no processo arbitral tributário n.º 88/2021-T, que:

não é invocada pelos Requerentes, nem existe no nosso ordenamento jurídico, qualquer norma legal que afaste a possibilidade de dupla tributação do mesmo facto tributário, designadamente qualquer norma de hierarquia superior às do Código do Imposto do Selo (CIS), como sucede com as normas constitucionais (artigo 112.º, 5, da CRP), pelo que mesmo que se esteja perante uma situação de dupla tributação, não se pode concluir daí pela existência de ilegalidade.

Mas, dessa dupla incidência de impostos do selo sobre as comissões cobradas pelos bancos e sobre o seu redébito não resulta uma situação de dupla tributação, desde logo por serem diferentes os sujeitos passivos e serem também distintos os titulares dos interesses económicos em cada tipo de situações.

Na verdade, o Imposto do Selo incide «sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral» (artigo 1.º do CIS) e a incidência, no caso em apreço, tem por base «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» e as «comissões ... por serviços financeiros» (verba 17.3 e 17.3.4. a TGIS).

Neste caso, em cada uma das situações referidas pelos Requerentes há duas operações por serviços financeiros distintas, uma realizada pelo banco, que presta um serviço à A..., e outra realizada por esta, que presta um serviço a cada um dos Fundos.

Cada uma das operações cabe no âmbito de incidência da verba 17.3.4., tendo sujeitos passivos distintos: a A... quanto à comissão cobrada pelo banco; cada um dos Fundos quanto às comissões cobradas pela A... .

São também diferentes os titulares dos interesses económicos, pois, como resulta da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nas operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o titular do interesse económico é cliente destas: isto é, a A... é considerada o titular do interesse económico quanto ao Imposto do Selo relativo às comissões cobradas pelos bancos, que lhe prestam um serviço, e os Fundos são considerados titulares do interesse económico quanto ao Imposto do Selo cobrado relativamente à comissão de gestão cobrada pela A..., pois são os clientes desta”.

 

Nestes termos, julga-se improcedente, por não provada, a alegada ilegalidade das liquidações impugnadas com fundamento no pretenso vício de dupla tributação económica das comissões de comercialização.

 

c) Da alegada inaplicabilidade da verba 17.3.4 da TGIS às comissões de gestão cobradas pela Requerente

 

25. A Requerente invoca, por fim, a título subsidiário, “no que respeita em particular à sujeição a Imposto do Selo das comissões de gestão, e caso a argumentação aduzida acima não seja acolhida pelo Tribunal”, que a verba 17.3.4 da TGIS não se aplica às comissões de gestão que cobra aos Fundos por si geridos, porquanto, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23.09, que ocorreu a 01.01.2020, pelo qual se alterou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, já não se trata de uma “instituição financeira” ou “sociedade financeira”.

Para o efeito, como se descreveu supra no n.º 3, a Requerente alega que, não prevendo a legislação fiscal uma definição dos conceitos “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira”, deverá recorrer-se, atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, às definições previstas no RGICSF, único diploma no ordenamento jurídico português que define os conceitos de “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”, sendo que, desde o Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23.09, foi eliminada a referência expressa às SGOIC na definição de instituição financeira e de sociedade financeira e o art. 6.º, n.º 5 passou a afirmar que: “[n]ão são sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Jurídico da Titularização de Créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, na sua redação atual, no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual, e no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015, de 4 de março, na sua redação atual”.

A Requerida, como se deu conta no n.º 4 acima, sustenta, pelo seu lado, que as SGOIC exercem atividades financeiras e são instituições financeiras, não constituindo o RGICSF o único diploma legal que regula o sistema financeiro português, mas apenas aquele que disciplina a atividade financeira submetida ao regime de supervisão prudencial do Banco de Portugal, sendo que a norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF tem por efeito apenas a exclusão das SGOIC da supervisão do Banco de Portugal e a sua sujeição à CMVM, como é reconhecido no preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 144/2019.

Vejamos, pois, esta questão.

 

26. Já se transcreveu acima que a verba 17.3 da TGIS se reporta às “Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”.

Atenta esta disposição legal, diga-se, antes de mais, que os termos do enunciado normativo assim consagrado não envolvem qualquer intenção delimitativa ou restritiva, como resulta seja da formulação alternativa a “por ou com intermediação”, seja do apelo às entidades “legalmente equiparadas”, seja da referência vasta e não distintiva ou especificativa a “quaisquer outras instituições financeiras”. Por outro lado, a indicação aberta destas “quaisquer outras” instituições financeiras encontra-se em correspondência com a genérica menção a “operações financeiras” que preside à verba 17 da TGIS.

Isto posto, para a concretização deste conceito amplo de “quaisquer outras instituições financeiras”, não se podem considerar decisivas as definições constantes do RGICSF. O RGICSF tem como fito a regulação do “acesso à atividade e respetivo exercício por parte das instituições de crédito e das sociedades financeiras” e o “exercício da supervisão das instituições de crédito e das sociedades financeiras, respetivos poderes e instrumentos” (art. 1.º do RGICSF) e o art. 2.º-A, n.º 1 explicitamente declara que as definições aí estipuladas (cfr. al. ee) do n.º 1 do art. 2.º, bem como art. 6.º, n.º 5 onde se declara que “[n]ão são sociedades financeiras as entidades reguladas” “no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual”) são “[p]ara efeitos do disposto no presente Regime Geral”.

Cabe, também, reconhecer, na sequência do apontado pela Requerida, que as alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, pelas quais se procedeu, em relação ao RGICSF, à eliminação da referência expressa às SGOIC na definição de instituição financeira e de sociedade financeira e se introduziu o citado n.º 5 do art. 6.º, não tiveram como fito excluir para todos os efeitos e em todo o sistema jurídico as SGOIC da noção de instituição financeira ou da sua colocação como entidade do sistema financeiro e ainda menos qualquer específica finalidade em termos de regulação fiscal. O objetivo do Decreto-Lei n.º 144/2019 foi atribuir à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a competência para a supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento, retirando-a do Banco de Portugal, como expressamente indica o seu Preâmbulo onde se  pode ler o seguinte: “O presente decreto-lei transfere as atribuições e competências de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento e de fundos de titularização de créditos do Banco de Portugal para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). /A CMVM já é atualmente responsável pela supervisão dos organismos de investimento coletivo sob gestão daquelas sociedades gestoras, entre outros veículos de investimento coletivo. /A concentração das vertentes prudencial e comportamental da supervisão elimina as áreas de sobreposição regulatória e permite à CMVM ter uma visão de conjunto, mais completa e integrada, destas entidades e das atividades desenvolvidas pelas mesmas. /Ao concentrar as competências de supervisão possibilita-se uma atuação mais rápida e uma fiscalização mais intensa do supervisor, tendo em vista melhorar a eficácia da supervisão./Em resultado da transferência de competências, os agentes do mercado passam a relacionar-se apenas com um supervisor, o que permite reduzir a necessidade de atos autorizativos e a diminuição dos custos regulatórios em geral.”. Não é possível, pois, extrapolar hermenêuticamente da ratio legis deste diploma a exclusão da SGOIC da incidência subjetiva da verba 17.3.4 da TGIS.

 Depois, não assiste razão à Requerente quando invoca que é o RGICSF o único diploma no ordenamento jurídico português que define os conceitos de “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”. Basta convocar a Lei n.º 83/2017, de 18.08 (com as alterações posteriores), relativa às medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, para se verificar que aí se define, do mesmo modo para os efeitos da “presente lei”, “instituição financeira” (art. 2.º, n.º 1, al. v)), noção que compreende “Uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, realiza uma ou mais das operações mencionadas no anexo I à presente lei, da qual faz parte integrante”  e “Um organismo de investimento coletivo que comercialize as suas ações ou unidades de participação”.

Decorre daqui que a citação do disposto no art. 11.º, n.º 2 da LGT e a convocação de normas que respeitam à disciplina da atividade financeira ou que cuidam do acesso à atividade financeira ou à supervisão prudencial de instituições financeiras não legitima considerar que uma SGOIC não se subsume ao conceito de “instituição financeira” para os efeitos da verba 17.3.4 da TGIS.

Bem se observa, a este respeito, nos acórdão proferidos neste CAAD nos processos arbitrais n.ºs 303/2017-T e 352/2017-T, que, se do art. 11.º, n.º 2 da LGT resulta a importância de analisar o artigo 6.º do RGICSF, onde são enumerados os tipos de sociedades financeiras, isto não impede que estas sejam consideradas “sociedades financeiras” para outros efeitos, pois o “artigo 6º do RGICSF não tem uma preocupação doutrinal, de determinação exaustiva da conotação e denotação dos conceitos de sociedade financeira ou de instituição financeira, mas sim de demarcação do âmbito de aplicação do regime geral em causa”, pelo que é possível “encontrar instituições financeiras ou sociedades financeiras para além do âmbito de aplicação do RGICSF”.

Justamente, assume particular significado, atento os objetivos que presidem à tributação em Imposto do Selo, o facto de a classificação portuguesa das atividades económicas, estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14.11, enquadrar a atividade das SGOIC em sede de “atividades financeiras e de seguros” (Secção K) e na Divisão 66, de “Atividades auxiliares de serviços financeiros e dos seguros”.

Deste modo, e considerando as funções e serviços desenvolvidos pelas SGOIC nas suas relações com os OIC que gerem, nos termos citados do art. 66.º do RGOIC (vd. supra n.º 16), entende-se que estão em causa, para os efeitos da verba 17.3.4 da TGIS, “operações financeiras” realizadas por “instituição financeira”.

Em consequência, as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos que gere nos termos que resultam das faturas juntas como doc. n.º 1 à PI (cfr. ainda factos provados n.ºs I, II e V), estão incluídas no âmbito subjetivo e objetivo de incidência da verba 17.3.4 da TGIS.

Julga-se, pois, improcedente o vício de violação de lei a este respeito invocado pela Requerente quanto às autoliquidações de Imposto do Selo efetuadas em relação às comissões de gestão identificadas nos doc. n.º 1 à PI.

 

VI. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

27. Peticiona a Requerente o reembolso do Imposto do Selo pago em excesso no período de 2020 acrescido dos correspondentes juro indemnizatórios.

Tendo este Tribunal decidido anular as liquidações subjacentes à cobrança do Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização objeto das faturas juntas como doc. n.º 2, no montante de € 5.748,99, tem a Requerente direito a ser reembolsada dessa quantia.

Relativamente a juros indemnizatórios, é sabido que, segundo jurisprudência consolidada do TJUE, a cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia tem como consequência a “obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União”, sendo que, “na falta de legislação da União, compete à ordem jurídica interna de cada EstadoMembro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o seu modo de cálculo”, devendo tais condições “respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes, baseadas em disposições de direito interno, nem ser organizadas de modo a, na prática, impossibilitar o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União” (cfr., por exemplo, recentemente, o acórdão do TJUE de 13.10.2022, HUMDA, C-397/21, n.ºs 32 e 33).

Nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1 da LGT, os juros indemnizatórios são devidos desde a data de 06.07.2021 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. facto provado n.º XI), porquanto, tendo, assim, mantido as liquidações impugnadas, verifica-se, então, erro sobre os pressupostos de direito imputável aos serviços.

Termos em que se condena a Requerida no reembolso do montante de € 5.748,99 e nos juros indemnizatórios contados desde a data de 06.07.2021 até integral reembolso da quantia indevidamente paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT.

 

VII. Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. julgar improcedente a exceção invocada pela Requerida;

b) julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade, com consequente anulação, dos atos tributários impugnados referentes ao Imposto do Selo cobrado sobre as comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora relativos ao período de 2020 no montante total de € 5.748,99, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte que se lhes refere;

c) condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente suportado e no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa legal, desde 06.07.2021 até integral reembolso;

d) julgar em tudo o mais improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

e) condenar ambas as partes nas custas processuais na proporção do decaimento, correspondendo 93% a cargo da Requerente e 7% a cargo da Requerida.

 

VIII. Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no art. 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do CPPT, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em €91.421,35 (noventa e um mil quatrocentos e vinte e um euros e trinta e cinco cêntimos), que constitui a importância do imposto que foi indicada como objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

IX. CUSTAS

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção do decaimento, correspondendo 93% à Requerente e 7% à Requerida, em atenção aos termos parciais da procedência do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Abril de 2023

 

 

 

A Presidente do Tribunal Arbitral, mantendo embora, quanto à questão de fundo analisada pelo TJUE, as dúvidas vertidas na declaração de voto aposta no processo n.º 87/2021-T, concordo com a solução encontrada neste caso.

 

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

 

 

A Árbitro vogal

 

 

(Maria Antónia Torres)

 

 

 

O Árbitro vogal

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 



[1] Segue-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, com atualização, em conformidade, da grafia constante das citações efetuadas.

[2] A Requerente adota várias vezes (vd. n.ºs 4, 6, 7, 8, 30 da PI) uma referência plural a “entidades comercializadoras (usualmente instituições de crédito devidamente autorizadas para o efeito) que atuam enquanto intermediários financeiros”, mas da prova produzida (cfr. doc. n.º 2) resulta que só recorreu a uma única entidade comercializadora, a saber, a B…, como se deu como provado no n.º III do probatório. Trata-se, pois, também aqui, de alegações indeterminadas sem correspondência com os factos concretos em causa nos autos.