Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 561/2022-T
Data da decisão: 2023-04-10  IRC  
Valor do pedido: € 784.033,67
Tema: IRC - Fiscal do Investimento - Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI). Criação de postos de trabalho.
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Sumário

I – Das disposições dos artigos 22.º do Código Fiscal de Investimento e 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, resulta que a concessão do RFAI, no âmbito da indústria transformadora, só não ocorre em relação a projetos de investimento de transformação de produtos agrícolas que continuem a ser produtos agrícolas, com a exceção a que se refere o artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, que considera não aplicáveis os auxílios nas situações aí especialmente previstas;

II - O ponto 10 das OAR, relativo ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, ao mencionar que a Comissão aplicará as orientações à «transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas», está a referir-se à atividade de transformação de produtos agrícolas adquiridos no mercado primário em produtos que, pela sua natureza, não podem ser qualificados como produtos agrícolas.

III - O processamento industrial de leguminosas secas e concentrado de tomate em alimentos apertizados, entendendo-se como tal os alimentos prontos a consumir, submetidos a processo térmico após embalagem em recipiente hermético para garantir a sua conservação e introdução no mercado, não pode ser tida como uma atividade de transformação de produtos agrícolas na aceção do Capítulo 20 do Anexo I ao TFUE.

 

IV- O requisito de atribuição do benefício RFAI a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal de Investimento não pressupõe a criação líquida de postos de trabalho, mas a criação de postos de trabalho e a sua manutenção pelo período legalmente previsto.

 

                                                          

                                                           Decisão Arbitral

 

  Acordam em tribunal arbitral

 

  I - Relatório

 

  1. A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ...-... ..., município de Alcobaça, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRC n.ºs 2021..., com um montante a pagar de € 1.131.215,23, e n.º 2021..., com um valor a pagar de € 370.956,94, relativos a 2018 e 2019, e os correspondentes de ato de liquidação de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade por quotas que está classificada no CAE 10613 (Transformação de Cereais e Leguminosas) e no CAE 10395 (Preparação e Conservação de Frutos e Produtos Hortícolas por outros Processos).

 

A Requerente procedeu à entrega da correspondente Declaração Modelo 22, referente ao exercício de 2018, em que considerou um investimento realizado em 2018, na parte elegível, como dedução à coleta do IRC, em sede de benefício fiscal RFAI.

 

Todavia, a Autoridade Tributária, no âmbito de uma ação de inspeção, desconsiderou o referido benefício fiscal em virtude de o investimento em causa não se enquadrar no RFAI e corrigiu o valor de dedução à coleta, nos exercícios de 2018 e 2019, a zero.

 

A Requerente tem 3 linhas de produção, sendo que as 1ª e 2.ª linhas de produção dedicam-se à transformação de leguminosas, e a 3ª linha de produção é de polpa de tomate e molhos.

 

No que se refere às leguminosas, recebe matéria-prima (legumes secos) da empresa B..., a maior parte destes provenientes de importação a empresas preparadoras.

 

As leguminosas secas são produzidas nos países de origem e são adquiridas aos produtores por outras entidades que executam as operações de secagem, pré-limpeza, seleção, calibragem, embalamento e preparação para venda.

 

Posteriormente, as matérias-primas são adquiridas pela empresa B..., pelo que o processo de transformação iniciado pela Requerente incide sobre matérias-primas secundárias, e, por isso, os produtos que sofrem a transformação tornam-se num produto composto.

 

No que diz respeito à 3.ª linha de produção relativa à polpa de tomate e molhos apertizados, o principal fornecedor é a sociedade espanhola M...”, que adquire o tomate a produtores de tomate.

 

A primeira transformação do tomate processa-se nas instalações dos fornecedores espanhóis, os quais selecionam os tomates, retiram-lhe as peles, procedem à sua transformação através de um processo de drenagem, tendo em vista a obtenção do concentrado de tomate, que consubstancia a matéria-prima para o processo industrial da 3.ª linha de produção.

 

Seguidamente, nas suas instalações fabris, a Requerente procede à transformação do produto, adicionando água ao preparado, ervas aromáticas e outros temperos, que depois, são colocados em garrafas de vidro ou lata, e são remetidos à capsulagem a uma temperatura quente para posterior pasteurização do produto.

 

Assim sendo, quer no que respeita às leguminosas, que dão origem a conservas em lata e em frasco prontas a consumir, quer no que respeita à polpa de tomate e aos molhos de tomate temperados, a atividade industrial da Requerente não inclui a primeira transformação dos produtos, produtos estes que são submetidos a uma transformação industrial quando chegam às instalações fabris da Requerente, que os altera por completo, sob o ponto de vista físico, químico e fisiológico, não podendo dizer-se que a Requerente comercializa produtos agrícolas.

 

Neste sentido, considera a Requerente que os atos tributários impugnados violam o direito da União Europeia e o direito interno.

 

A Comissão adotou o Regulamento (UE) n.º 651/2014, designado por Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), que, em aplicação do artigo 107.º do TFUE, declara compatíveis com o mercado interno certas categorias de auxílios do Estado, incluindo os auxílios com finalidade regional, e tendo também emitido as orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (OAR) que se destinam a definir as condições ao abrigo das quais poderão ser concedidos esses auxílios.

 

Ora, em consonância com o estabelecido no artigo 38.ºdo TFUE, o artigo 2.º, n.º 10, do RGIC, define como transformação de produtos agrícolas, “qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda”. E, por outro lado, a atividade da Requerente não se encontra abrangida pela exceção estabelecida pelo artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, que se refere apenas aos casos em que o “montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa” ou “o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários”.

 

Acresce ainda que as OAR preveem, expressamente, no ponto 10, que “A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”.

 

De onde se conclui que a Requerente se enquadra no âmbito da atividade de transformação de produtos agrícolas, tal como se encontra definida no RGIC, e obedece às  condições previstas nas OAR, na medida e que os produtos que comercializa são o resultado de um segundo e/ou terceiro estágio de transformação que não podem já ser tidos como produtos agrícolas.

 

No âmbito do direito interno, cabe considerar que o RFAI, nos termos do artigo 22.º do Código Fiscal de Investimento (CFI), é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam atividade nos sectores previstos no n.º 2 do artigo 2.º, onde se inclui a indústria transformadora, com exceção atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR relativas aos auxílios com finalidade regional e do RGIC, podendo concluir-se que a atividade industrial da Requerente, não só se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação dos benefícios fiscais ao investimento, tal como prevê aquele dispositivo do CFI, como também não está excluída do âmbito sectorial do RGIC e das OAR, atendendo aos respetivos considerandos (11) e (10).

 

Por outro lado, o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, ao considerar não elegível para a concessão de benefícios fiscais a atividade de “transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE”, terá pretendido referir-se à produção agrícola primária, bem como às atividades de preparação para a primeira venda na exploração agrícola ou qualquer outra atividade que prepare o produto para primeira venda.

 

Mas ainda que assim se não entenda, a Portaria n.º 282/2014, enquanto diploma regulamentar, não pode afastar o regime constante do artigo 22.º do CFI nem as regras de direito europeu, restringindo, para efeitos da atribuição dos benefícios fiscais, o núcleo de atividades que se encontravam legalmente abrangidas por essas disposições de valor paramétrico superior.

 

No que se refere à correção tributária baseada no incumprimento da condição da criação de postos de trabalho prevista no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, a Requerente constatou, no âmbito do procedimento inspetivo, que não identificou a totalidade dos colaboradores contratados até 31 de dezembro de 2018, tendo procedido, em sede de exercício de direito de audição,  à junção de um contrato de trabalho sem termo celebrado com um trabalhador e três comunicações de conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo de outros três trabalhadores.

 

A Autoridade Tributária desconsiderou o incremento desse número de trabalhadores entre o início do investimento (01/01/2016) e o fim do investimento (31/12/2018) e indeferiu a produção de prova testemunhal requerida no âmbito do processo de reclamação graciosa, com vista a esclarecer cabalmente a questão da criação dos postos de trabalho, incorrendo em violação do princípio do inquisitório.

 

Por outro lado, a Autoridade Tributária interpreta a referência legal à “criação de postos de trabalho” do artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do CFI, como se reportando à “criação líquida de postos de trabalho”, quando é certo que a norma em causa não exige a criação líquida de postos de trabalho mas antes a criação e manutenção de postos de trabalho.

 

Conclui no sentido de que a correção efetuada pelos serviços de inspeção tributária, na parte respeitante ao RFAI, é ilegal por vício de violação de lei interna e de normas de direito europeu, aplicáveis nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a "transformação e comercialização de produtos agrícolas” enumerados no anexo I do TFUE não é elegível para efeitos do RFAI, conforme o disposto no artigo 1.º da Portaria nº 282/2014, aplicando-se, para esse efeito, as definições de atividades económicas do artigo 2.º do RGIC. 

 

Pela conjugação das alíneas 10) e 11) do artigo 2.º do RGIC, conclui-se que a transformação de produtos agrícolas é qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que ainda continua ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no anexo I do TFUE. E, por outro lado, a transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no mesmo anexo estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e não às OAR.

 

Acresce que a lista dos produtos agrícolas constante do Anexo I do TFUE está organizada por capítulos de acordo com a nomenclatura de mercadorias, que tem por base o Regulamento (CEE) nº 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987. Segundo essa nomenclatura, as conservas de legumes (que representam cerca de 90% da atividade da Requerente) estão enquadradas no capítulo 20 – Preparações de produtos hortícolas, de frutas ou outras partes de plantas, posição 2005 (Outros produtos hortícolas preparados ou conservados), ao passo que a polpa de tomate (que representa cerca de 10% do total da atividade) deve considerar-se enquadrada na posição “2002 – Tomates preparados ou conservados, exceto em vinagre ou em acido acético”, do mesmo capítulo 20 da Nomenclatura combinada (Preparações de produtos hortícolas, de frutas ou outras partes de plantas).

 

Por tudo, conclui-se que a Requerente procede à transformação de produtos agrícolas que resultam em produtos agrícolas, enumerados no Anexo I do TFUE, encontrando-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1.º da Portaria nº 282/2014, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22º do CFI, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR. 

 

 Quanto ao incumprimento do requisito do aumento dos postos de trabalho, a Autoridade Tributária reitera o entendimento expresso no Relatório de Inspeção Tributária, considerando dever aplicar-se a definição de aumento líquido do número de trabalhadores do § 32 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que alude a um  "aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo". E ainda a alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º, do mesmo Regulamento, segundo a qual deve ocorrer "um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período".  

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por requerimento de 27 de janeiro de 2023, os Requerentes requereram o aproveitamento da prova testemunhal produzida no Processo n.º  670/2020-T e mantiveram interesse na prestação de declarações de parte e produção de prova testemunhal arrolada quanto à questão factual da criação de postos de trabalho no âmbito do RFAI.

 

Notificada para se pronunciar quanto ao aproveitamento da prova testemunhal produzida no Processo n.º 670/2020-T, a Autoridade Tributária disse nada ter a opor.

 

Por despacho arbitral de 9 de fevereiro de 2023 foi agendada para o dia 2 de março de 2023 a reunião que se refere o artigo 18.º do RJAT também destinada a prestação de declarações de parte e produção de prova testemunhal arrolada.

 

Na reunião, o tribunal proferiu despacho a admitir o aproveitamento da prova requerido. Na sequência, a representante da Requerente declarou prescindir da inquirição das testemunhas C..., D..., E..., F..., G..., H... e I..., bem como das declarações de parte de J... . Tendo prosseguido a diligência com a inquirição das testemunhas K... e L... .

 

Seguidamente, houve lugar à apresentação de alegações por prazo sucessivo em que as partes procuraram fixar a matéria de facto considerada como assente e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições.

 

Com as suas alegações, a Requerente juntou três documentos. A Autoridade Tributária, na sua peça processual, invocando o disposto no artigo 423.º do CPC, considera intempestiva a junção dos documentos e requer o seu desentranhamento.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28 de Novembro de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que de acordo com os requisitos previstos na Recomendação n.º 2003, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003, não é caracterizada como micro, pequena ou média empresa, e está inscrita quanto ao exercício da sua atividade principal no CAE 10395 “Preparação e Conservação de Frutos e Produtos Hortícolas por outros Processos” e quanto ao exercício da atividade a título secundário no CAE 10613.
  2. A Requerente tem três linhas de produção na fábrica, sendo que a 1.ª e 2ª linhas destinam-se à transformação de leguminosas e a 3.ª linha à produção de polpa de tomate e molhos (derivados do tomate).
  3. No que respeita às 1ª e 2.ª linhas de produção, a Requerente adquire as matérias-primas à sociedade B..., S.A., que tem sede no mesmo polo industrial, cujo objecto social é a indústria de moagem, comércio de cereais, descasque e transformação de frutos de casca rija comestíveis.
  4. A atividade da Requerente, em relação à produção de leguminosas, consideradas as 1.ª e 2.ª linhas de produção, ocorre da seguinte forma:
  1. A Requerente receciona diariamente nas suas instalações produtos, designadamente, leguminosas secas, tais como, feijão branco, feijão manteiga, feijão encarnado, grão de bico, adquiridos à sociedade B..., S.A.;
  2. Os referidos produtos são importados pela B..., S.A., e tratam-se de leguminosas cultivadas nos seus países de origem, que passam por um processo que inclui a operação de apanha e corte das plantas, a sua recolha e trilha, assim como, são sujeitas a uma pré-limpeza com o intuito de eliminar raízes e corpos estranhos, sendo, posteriormente, ensacadas para exportação.
  3.  A B..., S.A., aquando da receção das leguminosas importadas procede à primeira transformação desses produtos agrícolas primários em território nacional;
  4. Este processo de transformação abrange as seguintes operações: as leguminosas voltam a ser selecionadas mecanicamente, limpas através da sua limpeza com crivagem e aspiração, máquina despedradora (remoção de pedras), máquina densimétrica (separação por densidade através de almofada de ar), deteção de metais e escolha eletrónica com vista à remoção de corpos estranhos (produto não conforme), bagos escuros, inspeção visual humana (seleção por cor).

De seguida ao chegarem às instalações da Requerente, as matérias-primas (leguminosas secas) são sujeitas às seguintes etapas de transformação:

  1. Processo de hidratação, em silos de elevada capacidade, nos quais os produtos são demolhados em água;
  2. Processo de primeira fase de cozimento/escaldão, que culmina com um processo de arrefecimento;
  3. Processo de inspeção eletrónica (remoção de grãos não característicos);
  4. Enchimento das latas e dos frascos (introdução do produto, do líquido de cobertura e fecho da embalagem em cravadeira ou capsuladora, tratando-se de lata ou frasco de vidro);
  5. Esterilização dos produtos em autoclave a uma temperatura de 120.º graus, (que consubstancia um segundo processo de cozimento à pressão 3 bar);
  6. Controlo de qualidade pela passagem dos frascos e latas por uma máquina de raio x (que procede à verificação da existência de qualquer corpo estranho, expurgando as latas e frascos desconformes);

(vii)Rotulagem automática colocada consoante a marca do produto a comercializar;

(viii)Embalamento automático em tabuleiros de cartão envolvidos com filme plástico retráctil, seguido de acondicionamento em paletes, também envolvidas em filme plástico estirável, e posterior encaminhamento para armazém através de carris e navete;

(ix) Armazenamento em armazém automático através de elevadores, navetes e shuttles para arrumação de produto para futuro carregamento em camiões.

  1. No que que respeita à 3ª linha de produção, o seu principal fornecedor é a sociedade M..., com sede ...– Badajoz, Espanha, que adquire o produto a produtores de tomate
  2. A atividade da Requerente, em relação à polpa de tomate e molhos apertizados, 3.ª linha de produção da fábrica, desenvolve-se da seguinte forma:
  1. A primeira transformação do tomate ocorre nas instalações dos fornecedores espanhóis, os quais selecionam os tomates, retiram-lhes as peles, procedem à sua transformação através de um processo de drenagem, com vista à obtenção do preparado de tomate, que consubstancia a matéria-prima para o processo industrial da 3ª linha de produção da Requerente.
  2. A Requerente receciona concentrado de tomate em pasta que chega às instalações da mesma, acondicionado em bidons de 230 kg, para, posteriormente, produzir polpa de tomate e molhos.
  3. Posteriormente, a Requerente processa o concentrado de tomate, adicionando água ao preparado e, por vezes, adiciona ervas aromáticas ou outros temperos.
  4. Segue-se o enchimento em garrafa de vidro ou lata e capsulagem a quente para posterior pasteurização;
  5. As latas e os frascos de polpa de tomate são rotulados, embalados, acondicionados e armazenados pela Requerente para posterior venda ao cliente final (cadeias de distribuição, retalhistas, hipermercados).
  1. Quer no que respeita às leguminosas, que dão origem a conservas em lata e em frasco prontas a consumir, quer no que respeita à polpa de tomate e aos molhos de tomate temperados, a atividade industrial da Requerente não inclui a primeira transformação dos produtos, mas uma segunda e/ou terceira transformação dos produtos que são rececionados nas suas instalações fabris
  2. No contexto da obtenção de benefícios fiscais, em concreto de um investimento ilegível para efeitos do RFAI, a Requerente apresentou um pedido de esclarecimentos à Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), com o intuito de percecionar a eventual elegibilidade de uma candidatura referente a um projeto por si equacionado, no âmbito do CAE 10613.
  3. No dia 21 de abril de 2015, a AICEP respondeu, por escrito, considerando que reunia as condições necessárias para ter acesso a benefícios fiscais ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, em especial ao RFAI.
  4. A fundamentação da AICEP baseou-se no facto de a Requerente exercer uma atividade com um CAE enquadrável no âmbito da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que define os códigos de atividade económica relativos aos setores de atividade elegíveis para efeitos de concessão de benefícios fiscais, e a atividade da empresa ser de transformação de segundo nível, permitindo, por essa via, enquadrá-la no RFAI.
  5. A Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22, referente ao exercício de 2018, em que considerou o investimento realizado em 2018, destinado ao aumento da capacidade instalada do estabelecimento existente, com uma dotação de € 784.033,6, no âmbito do RFAI, e a consequente dedução à coleta do IRC no montante de € 1.083.103,09.
  6. A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária respeitante ao exercício de 2018, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., destinado a verificar a legalidade da dedução à coleta do benefício fiscal RFAI relativamente ao período de tributação de 2018.
  7. A Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de relatório de inspeção tributária, que propunha a correção do valor do benefício fiscal RFAI, por falta de enquadramento legal, e considerava, subsidiariamente, no que se refere à criação de postos de trabalho, que “não parece ter existido efetiva criação líquida de postos de trabalho resultantes do projeto de investimento da A..., pelo que a condição da criação de postos de trabalho nos termos do artigo 22.º, n.º 4.º, alínea f), do CFI não teria sido cumprida”. 
  8. A Requerente juntou ao procedimento inspetivo, no exercício do direito de audição prévia, o documento n.º 2, que aqui se dá como reproduzido, que se refere às comunicações dirigidas a C..., L... e N..., datadas de 1 de julho de 2018, quanto à sua admissão como trabalhadores permanentes com efeitos desde essa data.
  9. Os trabalhadores mencionados na alínea antecedente mantinham-se ao serviço da Requerente em fevereiro de 2023;
  10. A Requerente juntou ao procedimento inspetivo, no exercício do direito de audição prévia relativamente ao projeto de relatório de inspeção tributária, o documento n.º 3, que aqui se dá como reproduzido, que se refere ao contrato de trabalho celebrado com D..., que, nos termos da sua cláusula 3.ª, tem início em 12 de novembro de 2018 e vigora por tempo indeterminado.
  11. Os documentos n.ºs 2 e 3 a que se referem as antecedentes alíneas N) e O) foram igualmente juntos ao pedido arbitral como documento n.º 14.
  12. No Relatório de Inspeção Tributária final os serviços inspetivos determinaram a seguinte correção aritmética quanto ao valor do benefício fiscal:

 

“Deste modo, o valor do benefício fiscal do RFAI deve ser corrigido nos seguintes montantes:

 

 

 

 

 

 

 

713

Saldo não deduzido no período anterior

664.525,92 €

0,00 €)

714

Dotação do período

784.033,67 €

0,00 €

715

Dedução do período

1.083.10309€

0,00 €

716

Saldo que transita para período(s) seguinte(s)

365.456,50 €

0,00 €

 

 

 

 

Logo, o valor do benefício fiscal deduzido à coleta, inscrito no campo 355 da Declaração de rendimentos – Modelo 22 do período de 2018, deve ser corrigido no seguinte montante:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

355

Benefícios Fiscais

1.083.103,09 €

0,00 €

                     

 

 

NOTA: De igual modo. deverá ser corrigida a declaração modelo 22 do período de 2019, corrigindo o valor reportado de benefício de RFA para 0 €, assim como as respetivas deduções à coleta do período”.

  1. O Relatório de Inspeção Tributária, que consta do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e que aqui se dá como reproduzido, para desconsiderar a aplicação do benefício fiscal RFAI, conclui nos seguintes termos:

Conforme já foi referido anteriormente, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do TFUE encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do CFI, e do próprio n.º 1 do artigo 22.º deste diploma, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

  1. O Relatório de Inspeção Tributária analisa ainda o requisito de atribuição do benefício constante do artigo 22.º, n.º 4, alínea f), relativo à criação de postos de trabalho, nos seguintes termos:

1.º Criação de postos de trabalho

Nos termos do artigo 22.º n.º 4 alínea f) do CFI, podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

(...)

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

De acordo com os elementos apresentados pelo sujeito passivo, quer no âmbito deste procedimento inspetivo, quer no âmbito de procedimentos inspetivos anteriores, os investimentos realizados nos anos de 2016 a 2018 fizeram parte de um projeto de investimento plurianual (de janeiro de 2016 a dezembro de 2018).

Sobre a criação de postos de trabalho, o sujeito passivo afirmou em todos os anos (2016, 2017 e 2018) que a condição prevista no artigo 22.º n.º 4 alínea f) do CFI, já tinha sido cumprida. E em todos esses anos, o sujeito passivo manifesta o seu compromisso em manter o posto de trabalho criado, nos termos que também estão previstos no artigo 22.º n.º 4 alínea f) do CFI.

De assinalar ainda que, para este efeito apenas são relevantes os trabalhadores admitidos com contrato de trabalho sem termo, facto que foi tido em conta pelo sujeito passivo nos seus cálculos.

No quadro seguinte é apresentada a evolução, declarada pelo sujeito passivo, do número de trabalhadores com contrato sem termo, entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, sendo o número de trabalhadores com contrato sem termo a 31/12/2015 de 111:

Aspetos a reter:

a) De fevereiro a dezembro de 2016 inclusive, existem sempre menos trabalhadores com contrato sem termo do que em 31/12/2015 (ano pré- projeto). Esta redução ao longo do ano de 2016, permite apurar em 31/12/2016 um acréscimo face à média dos 12 meses precedentes. No final de 2016, existem 109 trabalhadores com contrato sem termo, quando no final de 2015 eram 111;

b) A 31/12/2016 existiam 109 trabalhadores com contrato sem termo e em 31/12/2017 o sujeito passivo declara que existem 110 trabalhadores nessa condição. Porém, durante metade do ano de 2017, existem menos dos 109 trabalhadores que já existiam no final do ano anterior.

c) Em 2018, em 10 dos 12 meses existem sempre menos trabalhadores com contrato sem termo do que aqueles que existiam a 31/12/2017;

d) Se fizermos a média de trabalhadores nos 36 meses do investimento (2016, 2017 e 2018), obtemos uma média de 106,77 trabalhadores com contrato sem termo, quando existiam 111 trabalhadores nessas condições a 31/12/2015, ano pré projeto.

e) Por fim, a 31/12/2018 o sujeito passivo declara que existem 111 trabalhadores com contrato sem termo, voltando aos números pré projeto (31/12/2015), não se evidenciando qualquer criação líquida entre o antes e o pós-projeto,

Conforme refere o considerando (31) do RGIC, os investimentos devem contribuir para a «criação de emprego num contexto sustentável", o que certamente não foi aqui o caso, pois em 35 dos 36 meses pós-projeto de investimento, o número de trabalhadores com contrato sem termo foi igual (3 meses) ou inferior (32 meses) ao número de trabalhadores (111) que existia a 31/12/2015 (pré-projeto).

Face ao exposto, não parece ter existido efetiva criação líquida de postos de trabalho resultantes do projeto de investimento da A..., pelo que a condição da criação de postos de trabalho prevista nos termos do artigo 22,º n.º 4 alínea f) do CFI, não teria sido cumprida.

  1. No Relatório de Inspeção Tributária final, em resposta ao alegado pela Requerente no exercício de audição prévia, refere, na parte relevante, o seguinte:

[…]

12.º - Deste modo, o sujeito passivo vem apresentar documentos relativos a 4 trabalhadores, 3 deles comunicações emitidas pelo mesmo, com data de 1 de julho de 2018, nos termos do artigo 97.º do Código do Trabalho (Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem), relativo a 3 trabalhadores que apenas evidenciam rendimentos pagos pela A... desde abril/maio desse mesmo ano (informação extraída das Declarações Mensais de Remunerações entregues pela A...), desconhecendo-se se foi celebrado contrato a termo certo ou não, pois os mesmos não foram enviados, alterando assim o seu apuramento relativo ao número de trabalhadores a considerar a 31/12/2018, passando de 111 para 115 e concluindo que se verificou "um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes em todos os anos (...)".

[…]

18.º - Contudo, é relevante assinalar que da análise às 3 comunicações (já mencionadas no ponto 12.º), datadas e assinadas alegadamente em 2018 e remetidas como comprovativos da passagem a contrato sem termo dos 3 trabalhadores aí mencionados nesse mesmo ano, verificou-se que constam em papel do sujeito passivo que já identifica em rodapé o seu capital social atual (9.397.807,14 €). No entanto, o capital social em 2018 era de 1.925.150,58 € e só passou a 9.397.807,14 € através do aumento do capital social que ocorreu em 03/08/2020. De seguida apresentam-se os excertos dessas 3 comunicações:

a) Colaborador N...

b) Colaboradora L...

c) Colaboradora C...

  1. Na sequência das correções levadas a efeito pela Autoridade Tributária, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação n.º 2021..., relativo ao período de tributação de 2018, com um montante a pagar de € 1.131.215,23, e n.º 2021..., relativo ao período de tributação de 2019, com um montante a pagar de € 370.956,94, e dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios e de demonstração de acerto de contas.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido.
  3. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação, que foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Leiria, de 21 de junho de 2022, praticado com subdelegação de competências.
  4. O despacho de indeferimento encontra-se fundamentado por remissão para a informação dos serviços que constitui o documento n.º 1 junto com o pedido arbitral, e que aqui se dá como reproduzido, em que se conclui do seguinte modo:

35.O motivo das correções ao RFAI de 2018 e ao saldo de 2019 pode resumir-se:

"Em suma, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do TFUE encontra-se excluída do âmbito do RFAI, justificando assim, logo numa 1.ª fase de análise, a não aceitação do benefício fiscal invocado pelo sujeito passivo" (RIT)

36.Esta conclusão foi retirada da legislação em vigor, nomeadamente o artigo 22.º, n.º 1 Código Fiscal do Investimento que remete para o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 de 30.12.

37.Quanto à criação líquida de postos de trabalho, a reclamante não apresentou prova idónea, sendo que os contratos apresentados manifestam irregularidades graves quanto à assinatura que ocorreu em 2021 e não em 2018.

38.Nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova cabe à reclamante quanto a esta matéria.

39.Notificada a mandatária da reclamante para exercício do direito de audição, não veio a mesma pronunciar-se tendo, entretanto, terminado o prazo para o efeito.

40.Considero que a presente reclamação deve ser indeferida, mantendo-se as liquidações reclamadas de acordo com os pontos antecedentes.

  1. Tendo sido requerida pelo sujeito passivo, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, a produção de prova testemunhal, a informação dos serviços a que se refere a antecedente alínea Y), pronunciou-se nos seguintes termos:

Da prova testemunhal

27.De acordo com o disposto no artigo 69.º, alínea e) do CPPT, uma das regras do procedimento gracioso de reclamação é a limitação dos meios probatórios a forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo da entidade com poder de decisão, ordenar outras diligências complementares.

28.Trata-se de um preceito especial na medida em que resulta da própria natureza do processo de reclamação - simples e célere - devendo ser rejeitada a petição de reclamação graciosa assente meramente em prova testemunhal invocada pelos reclamantes.

29.O que é exigido, é a prova documental - apanágio do referido processo de reclamação.

30.De facto, não é obrigatório que sejam ouvidas as testemunhas indicadas, por aplicação conjugada de dois princípios estruturantes do contencioso tributário, a saber: o princípio da prova  escrita mitigado por manifestações de oralidade (nomeadamente no âmbito dos atos de inspeção) e o princípio da livre apreciação da prova (margem de discricionariedade que caracteriza a atuação da Administração Pública em geral).

31.Assim, reconhecendo preferência à prova documental, o órgão instrutor não considera ser esta uma diligência complementar indispensável à descoberta da verdade material, no estrito cumprimento dos princípios que regem a instrução, nomeadamente o princípio da liberdade de recolha de prova e de apreciação dos meios de prova.

32. Consideramos que a matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova pretendido utilizar: apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária e essa já foi recolhida pela AT durante o processo inspetivo.

  1. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada por ofício datado de 22 de junho de 2022, enviado pelo correio registado.
  2. O pedido arbitral deu entrada em 20 de setembro de 2023.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada nos depoimentos produzidos no processo arbitral n.º 670/2020-T, ao abrigo do disposto no artigo 421.º, n.º 1, do CPC, e na prova testemunhal produzida presencialmente em audiência, e ainda com base nos documentos juntos à petição inicial, no documento n.º 1 junto com as alegações da Requerente, e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

A Autoridade Tributária, invocando o disposto no artigo 423.º do CPC, requereu o desentranhamento, por intempestividade, dos documentos juntos pela Requerente com as alegações.

 

Nos termos do artigo 423.º, n.º 2, do CPC, “[s]e não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final”, acrescentando o n.º  3 que “[a]pós o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.

 

Por outro lado, o artigo 425.º do CPC, sob a epígrafe “Apresentação em momento posterior”, consigna que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

 

Da interpretação conjugada do n.º 3 do artigo 423.º e do artigo 425.º, resulta que, quando não seja possível a junção de documento superveniente até ao limite dos 20 dias anteriores à audiência de julgamento, a parte pode fazê-lo até ao momento do encerramento da discussão, isto é, até ao momento em que termina a fase de alegações (cfr., neste sentido, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, pág. 239).

 

O documento n.º 1 junto com as alegações da Requerente respeita aos recibos de remunerações dos trabalhadores L..., C... e N..., que se encontram datados de 28 de fevereiro de 2023, e que não poderiam ser apresentados até ao limite temporal previsto no artigo 423.º, n.º 2, do CPC, pelo que nada obsta a que o documento seja admitido, uma vez que foi junto com as alegações, e, portanto, ainda antes do encerramento da discussão.

 

            Os factos dados como assentes nas alíneas N) e P) da matéria de facto resultam dos documentos n.º 2 e 3 juntos na resposta da Requerente, no exercício do direito de audição, ao projeto de decisão notificado no âmbito do procedimento inspetivo, e que constam do processo administrativo. 

 

Matéria de direito

 

Regime Fiscal de Apoio ao Financiamento (RFAI)

 

5. A Autoridade Tributária considerou não elegível, para efeito do Regime Fiscal de Apoio ao Financiamento (RFAI), o investimento realizado pela Requerente no período de tributação de 2018 por considerar que ele teve por objeto uma atividade económica enquadrada no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do artigo 38.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e enumerada no anexo I a esse Tratado sob a nomenclatura “Preparados de produtos hortícolas de frutas e de outras plantas ou partes de plantas” (capítulo 20), e, como tal, se encontra excluída do âmbito de aplicação do benefício fiscal pelo artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.

 

A Requerente contrapõe que por “produtos agrícolas”, para efeito do disposto no artigo 38.º do TFUE, devem entender-se “os produtos do solo”, bem como os “produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos” e que se encontram listados no Anexo I do TFUE, e não incluindo os produtos do segundo, terceiro, ou quarto estádio de transformação que estejam em relação direta com os produtos agrícolas constantes do referido Anexo I. Acrescenta que a sua atividade se encontra inserida no âmbito sectorial do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), como também no âmbito sectorial das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR). Isso porque o artigo 1.º, n.º 3, alínea c), daquele Regulamento apenas exclui do âmbito da sua aplicação “os auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos: i) sempre que o auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade de produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa ou ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores agrícolas primários”. E, por sua vez, o ponto 10 das OAR, referindo-se ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, admite a aplicação dessas orientações à “transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”.

 

A questão em debate é, pois, a de saber se o projeto de investimento realizado pela Requerente no âmbito da transformação de produtos agrícolas se encontra abrangido pelo regime fiscal de apoio ao investimento.

 

Interessa começar por efetuar o necessário enquadramento jurídico da questão.

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

 

Referindo-se ao âmbito objetivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:

 

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

O CFI estabelece igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:

 

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, ostenta a seguinte redação:

 

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

 

O regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respetivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013, e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.

 

O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como atividade económica elegível, à indústria transformadora. Como se observou no acórdão proferido no Processo n.º 545/2018-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo. Em todo o caso, como resulta do proémio desse artigo 2.º, a atividade económica elegível haverá de respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

 

Por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

Em todo este contexto, interessa começar por chamar à colação o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que declara as categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º, que define o âmbito de aplicação do Regulamento.

 

Esse artigo, no seu n.º 1, enuncia um conjunto de categorias de auxílio a que o Regulamento é aplicável, aí se incluindo os auxílios com finalidade regional (alínea a)), e os subsequentes n.ºs 2, 3 e 4 enumeram os auxílios que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação. Pela sua direta conexão com o caso em análise, releva sobretudo o que dispõe o artigo 1º, n.º 3, alínea c), em que se consigna o seguinte:

 

O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

[…]

c) Auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas nos seguintes casos:

(i) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa;

(ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.

 

Para densificar o que se entende por «transformação e comercialização de produtos agrícolas» cabe considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10) e 11):

 

9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos;

 

 
 

 

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

 

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;

 

 

           

Entre os produtos elencados no referido anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constam os “preparados de produtos hortícolas de frutas e de outras plantas ou partes de plantas” (capítulo 20).

 

            Numa aproximação ao caso concreto, resulta de todas estas disposições de direito europeu, interpretadas articuladamente, que a concessão do benefício fiscal só não ocorre, no âmbito da indústria transformadora, em relação a projetos de investimento de transformação de produtos agrícolas que continuem a ser produtos agrícolas, com a exceção a que se refere o artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, que considera não aplicáveis os auxílios nas situações aí especialmente previstas.

 

Revertendo à situação em análise, e como decorre do relatório de inspeção tributária, o que se constata é que a Autoridade Tributária baseou a exclusão do benefício fiscal no disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, no ponto em que aí se refere que não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as “atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, isto é, quando se trate de operações realizadas sobre um produto agrícola que continue a ser um produto agrícola.

 

Ora, resulta, com evidência, de todos os elementos dos autos que a atividade da Requerente não se traduz na transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola.

 

A Requerente procede ao processamento industrial de leguminosas secas e concentrado de tomate que adquire a terceiras empresas, sendo estas que preparam os produtos diretamente provenientes dos produtores agrícolas mediante uma primeira transformação de limpeza, escolha, calibragem, secagem e embalagem e que, no caso do concentrado de tomate, consiste já numa matéria prima secundária na medida em que é objeto de uma transformação primária através de operações de concentração.

 

O processo de transformação realizado nas instalações da Requerente, que se encontra descrito nas alíneas D), E) e F) da matéria de facto, visa a produção de alimentos apertizados, entendendo-se como tal o alimento pronto a consumir, submetido a processo térmico após embalagem em recipiente hermético (lata, vidro, plástico ou outros materiais com resistência térmica), e que deve garantir uma esterilização comercial, ou seja, que o alimento deva ficar estável à temperatura ambiente durante cerca de um ano.

 

A transformação de leguminosas secas origina produtos cozidos, prontos a consumir e com elevado poder de conservação, e, do mesmo modo, a partir do concentrado de tomate adquirido às empresas preparadoras a Requerente processa dois tipos de produtos (polpa de tomate e molhos) que são embalados em lata ou frasco e submetidos a tratamento térmico por forma a garantir a sua estabilidade à temperatura ambiente.

 

A este propósito, importa ter presente o que refere o considerando (11) do RGIC:

 

O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para a primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para a primeira venda, devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização”.

 

            Como daqui se depreende, não podem ser tidas como atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas as atividades de preparação de produtos para uma primeira venda ou para uma primeira venda por um produtor primário a revendedores ou transformadores agrícolas. E é a esse tipo de preparados a que se refere o Capítulo 20 do Anexo I do TFUE.

 

Mas não é nesse o caso quando um empresário adquire produtos preparados, na aceção do Capítulo 20 do Anexo I do TFUE, e os transforma através de um processo industrial em produtos apertizados, embalados hermeticamente e destinados a serem conservados e comercializados por um longo período de tempo.

 

Acresce que, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, há pouco transcrito, só se encontra vedada a concessão de auxílios à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações mencionadas nas suas subalíneas i) ou ii).

 

Ora, de acordo com as regras do direito probatório material, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (artigo 74.º, n.º 1, da LGT).

 

Tendo a Administração desconsiderado o benefício fiscal com o fundamento de que estamos perante a transformação de produtos agrícolas (isto é, a transformação de produtos agrícolas em produtos que continuam a ser produtos agrícolas) - o que não é aplicável ao caso -, cabia aos serviços inspetivos demonstrar que se verificava algum dos requisitos específicos que, nos termos do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, permitia afastar a atribuição do benefício fiscal.

 

Prova essa que não foi realizada nem constitui fundamento da liquidação adicional.

 

Resta referir que a atividade exercida pela Requerente não se encontra também excluída pelas OAR.

 

O ponto 10 relativo ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional estabelece o seguinte:

 

“A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura (10), da agricultura (11) e dos transportes (12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.o do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.”

 

Ao mencionar que a Comissão aplicará as orientações à «transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas» está justamente a referir-se à atividade exercida pela Requerente, que transforma produtos agrícolas adquiridos no mercado primário em produtos que, pela sua natureza, não podem ser qualificados como produtos agrícolas.

           

No sentido anteriormente exposto se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 670/2020-T.

 

Nestes termos, as liquidações impugnadas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

Criação de postos de trabalho

 

6. Nesta parte, a Requerente começa por invocar a violação do princípio do inquisitório porque em sede de reclamação graciosa arrolou quatro testemunhas e a requerida indeferiu a produção de prova testemunhal.

 

O princípio do inquisitório está enunciado no artigo 58.º da LGT que estabelece que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

Importa começar por referir que o artigo 69.º, alínea e), do CPPT, aplicável à reclamação graciosa, limita os meios probatórios deste procedimento à forma documental. Porquanto, sem necessidade de mais considerações, afigura-se-nos que não pode ser apresentada prova testemunhal na reclamação graciosa.

 

No entanto, ainda assim, do princípio do inquisitório não resulta a obrigação, por parte da administração tributária, de realizar todas diligências requeridas pelo contribuinte no decurso do procedimento.

 

O principal efeito jurídico da insuficiência das diligências instrutórias a realizar pela Administração no âmbito do procedimento tributário traduz-se, em sede de impugnação judicial, num non liquet probatório sobre os factos materiais da causa, implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova dos factos, à luz dos critérios de repartição do ónus da prova do artigo 74.º da LGT.

 

No caso em apreço, resulta da decisão da reclamação graciosa que a Administração Tributária disse fundamentadamente por que motivo não procedia à realização das diligências de prova sugeridas pela Requerente. A Administração Tributária disse expressamente que, por um lado, no procedimento de reclamação graciosa só se admite a prova documental e, por outro lado, face à prova já produzida no RIT as diligências de prova sugeridas na reclamação graciosa não se justificavam.

 

Por outras palavras a Administração Tributária entendeu que já tinha reunido prova suficiente para demonstrar a legalidade das correções determinadas no RIT e não se justificava a necessidade de realização de outras provas. O que revela que a Administração Tributária justificou fundamentadamente a não realização das diligências de prova sugeridas pela Requerente, incorrendo no risco de poder ver decretada a ilegalidade das correções e das liquidações impugnadas se o Tribunal entender que essa prova não é suficiente.

 

Daí que tenha de concluir-se que a decisão da reclamação graciosa não padece de qualquer ilegalidade por alegada violação do princípio do inquisitório. Neste contexto, não se demonstram violados os deveres enunciados no artigo 58.º da LGT.

7. Outra questão em discussão é a de saber se a Requerente cumpriu a condição da “criação de postos de trabalho”, nos termos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (CFI), para o que é necessário primeiro determinar aquele conceito, começando pela interpretação das partes.

 

A Requerente começa por referir que o número de trabalhadores no fim do investimento (31/12/2018) era de 115 e não de 111, tal como indicado no relatório da inspeção.

 

Mais refere que “(…) o critério da criação líquida de emprego, não
é aplicável
in casu, porquanto a norma legal em causa não exige a criação líquida de postos de trabalho, referindo-se inequivocamente à criação e manutenção dos postos de trabalho.” Conclui a Requerente que, uma vez que no fim do investimento o número de trabalhadores era superior ao verificado no início, a condição da criação de postos de trabalho está verificada.

 

Já a Requerida entende que o número de trabalhadores no fim do investimento (31/12/2018) era de 111 e o investimento relevante tem que proporcionar a criação líquida de emprego. Conclui a Requerida que, uma vez que no fim do investimento o número de trabalhadores era igual ao verificado no início, a condição da criação de postos de trabalho não está verificada.

 

Para analisar esta questão teremos, desde logo, de verificar as disposições aplicáveis, relativamente ao emprego, a nível comunitário e nacional.

 

O n.º 32 do artigo 2.º do RGIC, no âmbito das definições genéricas, identifica que «aumento líquido do número de trabalhadores» é o “aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respetivas frações de trabalho anual”.

 

Em idêntico sentido, segundo disposto na alínea k) do ponto 1.2 das OAR, que se refere às definições aplicáveis para efeito dessas orientações, entende-se como criação de emprego “um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados.”

 

Mas é de realçar que apenas é feita menção no RGIC, no capítulo específico sobre os auxílios com finalidade regional (subsecção A, da Secção I, capítulo III), às condições relativas ao número de trabalhadores, concretamente no n.º 9 do artigo 14.º, “[q]uando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados”, descritos no n.º 4 (alíneas b) e c)), ou seja, “decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos”.

 

 

Nesse caso:

 

a)  O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;

b)    Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e

c)    Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME”.

 

O artigo 5.º do Anexo I do RGIC define que os efetivos correspondem ao número de Unidades de Trabalho-Ano (UTA), isto é, ao número de pessoas que trabalharam na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado, sendo que o trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, independentemente da sua duração, ou o trabalho sazonal, é contabilizado em frações de UTA.

 

Os efetivos são compostos por trabalhadores, pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a trabalhadores à luz do direito nacional, proprietários-gestores e sócios que exerçam uma atividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma.

 

Em conclusão, no quadro normativo comunitário relevante, apenas podem ser aplicadas as “definições” relativas ao emprego, nos “auxílios regionais” (como o RFAI), quando os custos elegíveis sejam calculados por referência aos custos salariais estimados. Sendo então, só nesse caso, que o investimento deve conduzir ao aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento, preenchido nos três anos seguintes à sua conclusão e mantido pelo mesmo prazo.

 

Dito de outra forma, os critérios determinados em cada definição não são genéricos ou extrapoláveis e só podem ser aplicados quando sejam enquadráveis. Pelo que não podemos invocar uma obrigação, relativamente a algo que não está previsto no contexto específico em causa.

 

No direito interno, relativamente à criação de postos de trabalho, a disposição está exclusivamente no Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e não na Portaria de regulamentação, sendo que, pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º, somente podem beneficiar dos incentivos do RFAI (que é um “auxílio regional”) os sujeitos passivos de IRC quando “Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)” [três anos para as PME e cinco nos restantes casos].

 

Do ponto de vista meramente textual, é, portanto, exigida a:

  i)       criação de postos de trabalho,

 ii)       proporcionada pelo investimento e

iii)       a sua manutenção por cinco anos.

 

Daqui resulta que, de forma literal, estamos a falar da criação de emprego em resultado do investimento relevante, devendo ambos ser mantidos pelo mesmo prazo.

 

Ora, como já vimos, as disposições comunitárias só determinam, por um lado, obrigações no caso de os custos elegíveis, que são a base do incentivo[1], terem uma componente em função da criação de emprego, concretamente dos seus encargos por dois anos (individual ou cumulativa com o investimento).

 

E, por outro, consideram que o emprego diretamente criado por um projeto de investimento é aquele ligado à atividade relacionada com o investimento, incluindo o emprego criado na sequência do aumento da taxa de utilização da capacidade criada pelo investimento.

 

Os custos de emprego não são elegíveis no RFAI. Ou seja, a criação de postos de trabalho proporcionado por investimento relevante é uma condição de candidatura e não de elegibilidade de custos.

 

Relativamente ao contexto contemporâneo nacional, deve ser destacado que o (revogado) artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais identificava que o apuramento do benefício se fazia com base nos encargos com a criação de emprego, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado e indicava que eram apurados em termos líquidos, tudo condições que não se verificam no RFAI.

 

Relativamente à condição da criação de emprego no RFAI, no sentido de a aferição dever ser feita se relacionada com o investimento e não de forma líquida na entidade, citamos a Decisão Arbitral no processo nº 307/2019, de Março de 2020:

 

“Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

Com efeito, o regime legal em questão foi criado pela Lei n.º 10/2009, no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, que visou “promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social”.

No âmbito do programa IIE, incluíram-se medidas de «Apoio especial à atividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da proteção social» (cfr. alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 10/2009).

No quadro daquele programa, o RFAI 2009 foi criado como “um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento”, conforme resulta do art.º 1.º do mesmo Regime.

Foi, assim, o regime em questão, expressamente e no que para o caso interessa, formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, explicando-se dessa forma a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º CFI, que radica na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009, criado pela referida Lei n.º 10/2009.

Neste contexto, a criação de emprego previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º CFI, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei.

[…]

Ora, como se viu já, o RFAI foi sempre um apoio ao investimento, e é calculado com base nos custos de investimento em ativos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.

Daí que não seja fundada, julga-se, a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho do Regulamento em questão, para a interpretação a fazer da alínea f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFAI.

De resto, terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no artigo 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho.

Considerando-se, então, que a alínea f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido artigo 19.º do EBF e as Diretivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance da expressão “criação de postos de trabalho”, ali empregue, tem.

Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efetivo conteúdo prático.

Nessa perspetiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção”.

 

Tudo visto, não defendemos a exigência de criação líquida de postos de trabalho, tendo antes o entendimento de que a criação de postos de trabalho, no âmbito do RFAI, que é um auxílio regional, previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, está especificamente associado à criação de, pelo menos, um posto de trabalho, devendo ser mantido pelo período de cinco anos, considerando que não se trata de uma PME.

 

Já a Requerente identifica no PPA, especificamente, trabalhadores relacionados com o investimento e com contrato de trabalho sem termo que não foram tidos em conta nos cálculos da Autoridade Tributária: D...; L...; C... e N... .

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente, a Requerente juntou ao procedimento inspetivo, no exercício do direito de audição prévia, o documento n.º 2, que se refere às comunicações dirigidas a C..., L... e N..., datadas de 1 de julho de 2018, quanto à sua admissão como trabalhadores permanentes com efeitos a partir dessa data (alínea P) da matéria de facto). E juntou ainda o documento n.º 3, que se refere ao contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado com D... (alínea Q) da matéria de facto).

 

Tendo em consideração esses novos contratos sem termo, convertidos ou outorgados em 2018, o número total de trabalhadores sem termo nesse ano seria de 115 (e não 111, como refere o Relatório de Inspeção Tributária) e superior ao número de trabalhadores sem termo existente em janeiro de 2016, quando se iniciou a execução do projeto de investimento.

 

Quanto a esse ponto, no projeto de Relatório de Inspeção Tributária afirma-se que a Requerente havia declarado, em 31 de dezembro de 2018, 111 trabalhadores com contrato sem termo, número correspondente ao existente em janeiro de 2016, daí concluindo que “não parece ter existido efetiva criação líquida de postos de trabalho resultantes do projeto de investimento” (alínea O) da matéria de facto).

 

Perante a junção ao procedimento inspetivo de documentos que poderiam revelar a conversão de três contratos de trabalho a termo em contratos sem termo e a outorga de um novo contrato de trabalho por tempo indeterminado, o Relatório Inspeção Tributária final limita-se a considerar que se desconhece se foram ou não celebrados os contratos sem termo, e, relativamente às comunicações de conversão em contratos sem termo, datadas de 2018, diz-se que esses documentos se encontram emitidos em papel em que aparece referenciado o capital social resultante do aumento ocorrido em 2020 (€ 9.397.807,14) e não capital social representativo em 2018 (€ 1.925.150,58). Sugerindo-se assim que as conversões dos contratos poderiam não ter ocorrido em 2018, mas em momento posterior (alínea T) da matéria de facto).

 

Em primeiro lugar, cabe fazer notar que a Autoridade Tributária apenas discute a validade dos contratos sem termo relativos a três dos trabalhadores a que se referem as comunicações datadas de 1 de julho de 2018, sem pôr em causa o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado com D..., o que só por si inviabiliza  a conclusão de não ter ocorrido, em 2018, um incremento do número de trabalhadores sem termo.

 

Em segundo lugar, a Autoridade Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade (artigos 58.º e 6.º do RCPITA). Havendo dúvidas sobre a autenticidade das comunicações de conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, incumbia à Administração realizar as diligências complementares que se mostrassem ser necessárias, não podendo bastar-se com meros juízos presuntivos quanto à sua veracidade.

 

Por último, estando em causa uma liquidação corretiva, compete à Administração Tributária, em aplicação do disposto no artigo 74.º da LGT, fazer a prova de que existem indícios sérios da falsidade dos contratos de trabalho sem termo ou da data em que terão sido celebrados. Só feita essa prova indiciária é que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade dos factos que alega (cfr., em situação similar, os acórdãos do TCA Norte de 13 de outubro de 2016, Processo n.º 00388/11, e de 24 de janeiro de 2017, Processo n.º 02905/06).

 

Não tendo a Administração efetuado, em primeira linha, a prova que lhe incumbia, na medida em que basicamente parte de um mero juízo presuntivo, acaba por decidir em sentido desfavorável ao contribuinte com base na inversão do ónus da prova, exigindo que fosse este a comprovar cabalmente que ocorreu uma efetiva criação de novos postos de trabalho.

 

Em conclusão, considera-se demonstrado que a Requerente cumpriu a condição prevista na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Decreto-Lei nº 162/2014, dado que o investimento relevante proporcionou a criação de postos de trabalho e a sua manutenção por mais de três anos.

 

            Juros indemnizatórios

           

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III - Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação adicional de IRC n.ºs 2021..., com um valor a pagar de € 1.131.215,23, e n.º 2021..., com um valor a pagar de € 370.956,94, relativos a 2018 e 2019, e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento da reclamação contenciosa contra eles deduzida;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 784.033,67, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11.322,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 10 de abril de 2023,

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

(Relator)

 

 O Árbitro vogal

 

 

André Festas da Silva

(com declaração de voto)

 

A Árbitro vogal

 

 

Mariana Vargas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto do árbitro André Festas da Silva

 

Concordo com a decisão de julgar procedente a ação, afastando-me, contudo, da respetiva fundamentação.

Por força da aplicação do art. 2º, alínea 11 do RGIC e do anexo I do TFUE afigura-se-me que a atividade desenvolvida pela Requerente deve ser considerada como agrícola.

A art. 1º da Portaria n.º282/2014 de 30.12 não permite a aplicação do RFAI à atividade agrícola. Contudo, tal como decidi no processo n.º 142/2021T de 03.02.222, de cujo coletivo participei e para cuja fundamentação remeto: No que diz respeito à atividade agrícola, a Portaria n.º 282/2014 de 30.12 derrogou totalmente o art. 2º, n.º2, al. d) do CFI, aprovado por Decreto Lei, pelo Governo, com autorização legislativa da Assembleia da República, invadindo por isso, a reserva de competência que é atribuída a este órgão de soberania pelos artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa, enfermando, deste modo, de inconstitucionalidade orgânica e formal.”. Este vício é também invocado pela Requerente no pedido de pronuncia arbitral.

Deste modo, nesta parte, com fundamentos distintos, pugno também pela procedência da ação.

 

André Festas da Silva

 



[1]             Que, por aplicação de uma taxa, determinam o valor que constitui o incentivo.