Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 630/2022-T
Data da decisão: 2023-04-03  IRC  
Valor do pedido: € 265.407,06
Tema: IRC - Aplicação da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT, para efeitos do cálculo do lucro tributável de IRC e valor a deduzir no campo 772 do quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC
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SUMÁRIO:

 

  1.     No respeitante aos imoveis adquiridos ao Estado, Regiões
    Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou
    administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processes de insolvência
    ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que
    serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o
    preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC
    em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do
    CIMT (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 77/22.8BALSB, 19/10/2022, Uniformização de Jurisprudência);
  2.   Em consequência, no caso de bens adquiridos por arrematação judicial e em processo de insolvência, o valor a deduzir, no campo 772 do quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC, não é a diferença positiva entre o VPT do imóvel, à data da aquisição, e o valor de aquisição do imóvel alienado, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, mas sim o valor de aquisição.

 

DECISÃO ARBITRAL

O Tribunal Colectivo formado pelos árbitros, Fernanda Maçãs, (árbitro-presidente), o Dr. José Coutinho Pires e o Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 2/1/2023, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A...- SUCURSAL EM PORTUGAL, (adiante designada por “Requerente”), com representação permanente na Avenida ..., ..., ..., …, ...-... Lisboa, titular do número de identificação de pessoa coletiva ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos números 1 e 2 do artigo 10° do Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria, (RJAT), previsto no Dec.-Lei n° 10/2011, de 20 de Janeiro, e nos artigos 1° e 2° da Portaria n° 112-A/2011, de 22 de Março, com vista à anulação das liquidações o qual terá por objeto o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2022... que incidiu sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) por si autoliquidado e vertido na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao período de tributação de 2019, com pedido de declaração de ilegalidade da liquidação mencionada, bem como, da decisão que indeferiu a reclamação graciosa e em consequência seja a Requerente ressarcida dos montantes de imposto indevidamente pagos em excesso, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 24/10/2022.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Colectivo, a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, (árbitro-presidente), o Dr. José Coutinho Pires e o Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais), que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 16/12/2022 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 02/01/2023.

 

  1. A Requerida, tendo para o efeito sido devidamente notificada, veio deduzir Resposta por requerimento impetrado no dia 06/02/2023, juntando o respectivo processo administrativo.

A Requerida defendeu-se por impugnação, advogando assim a improcedência do pedido.

 

  1. Em 06/02/2023, foi proferido despacho arbitral a convidar o Requerente a indicar, no prazo de dez dias, a matéria de facto sobre a qual pretende produzir o depoimento testemunhal e que não seja suscetível de prova documental, que o mesmo deu cumprimento por requerimento impetrado em 22/2/2023,  indicando os artigos do seu requerimento inicial aos quais pretendia que as testemunhas fossem inquiridas, informando que caso o Tribunal entendesse que a matéria de facto em causa não era controversa, atendendo à resposta apresentada pela Requerida, a Requerente não via qualquer inconveniente que a mesma fosse dispensada.

 

  1. Por despacho arbitral exarado, no dia 24/02/2023, foi decidido que, considerando que não há controvérsia quanto à matéria de facto, mas sim quanto à aplicação do direito, dispensa-se a realização da audiência de julgamento., tendo mais decidido que não havendo lugar à produção de prova constituenda, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foi decidido notificar ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo, designando-se o dia 2 de Julho de 2023 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

  1. A Requerente veio apresentar as suas Alegações por requerimento impetrado em 17/03/2023. Por sua vez, a Requerida apresentou também contra-alegações reiterando o teor da Resposta. 

 

  1. POSIÇÕES DE REQUERENTE E REQUERIDA

 

  1. POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente indica que, no dia 19 de junho de 2020, submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC do período de tributação de 2019, identificada com o n.º..., na qual foi apurado um lucro tributável no valor de € 265.407,06 (duzentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e sete euros e seis cêntimos), tendo sido emitida no dia 19 de agosto de 2020, a respetiva Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2020... .

Não concordando com a mesma liquidação e por força da reclamação necessária prevista no art.º 131.º do CPPT (aplicável ex vi n.º 2 do art.º 137.º do CIRC), a Requerente deduziu reclamação graciosa, a qual foi objeto de uma decisão de indeferimento, que foi recebida pela Requerente no dia 25 de julho de 2022.

Da decisão de indeferimento consta que: “… não existem razões válidas que sustentem a pretensão da Reclamante no sentido de proceder à dedução do montante de € 265.407,06, por consideração do valor patrimonial tributário para efeitos de apuramento da matéria coletável em sede de IRC, nos termos do n.º 3 do art.º 64.º do respetivo Código.”

A Requerida entendeu que: “ … a interpretação patenteada no referido acórdão (Processo n.º 105/2019-T) viola o princípio da tributação pelo rendimento real das empresas, prevista no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, ao permitir que os sujeitos passivos de IRC, no apuramento do seu lucro tributável, adotem valores de aquisição de direitos reais sobre bens imóveis superiores àqueles que efetivamente suportaram.”

A Requerente entende que em função do disposto no n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, na determinação do lucro tributável os sujeitos passivos alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação do IMT, ou que serviriam, no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto. Por sua vez, o n.º 2 do supramencionado artigo acrescenta que, sempre que, nas transmissões de imóveis, o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, pelo que é sempre aplicável a alínea b), do art.º 64.º do CIRC, mesmo em caso de aquisição de imóveis por arrematação judicial.

Por isso, o Requerente, na condição de alienante de direitos reais sobre bens imóveis, deve, sempre que aplicável, (i) acrescer, no campo 745 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, a diferença positiva entre o VPT e o valor de alienação do imóvel, constante do contrato, nos termos previstos na alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, e (ii) deduzir, no campo 772 do quadro 07 da mesma declaração, a diferença positiva entre o VPT do imóvel, à data da aquisição, e o valor de aquisição do imóvel alienado, nos termos da alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo.

 

  1. POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

A Requerida entende que em função da questão principal que é, saber se, nas aquisições previstas na regra 16.ª, n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, em que o IMT incide sobre o preço constante do ato ou contrato e não sobre o valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis adquiridos, ainda que este seja maior que aquele, poderá o adquirente, para efeitos da determinação do lucro tributável do IRC, proceder à correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, através da dedução a inscrever no campo 772 do Quadro 7, da declaração modelo 22 de IRC, do montante correspondente à diferença positiva entre o VPT dos imóveis e o preço do ato ou contrato, não é aplicável o VPT mas sim o valor do contrato, não lhes sendo aplicável a correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC.

Pugna assim pela total legalidade da liquidação de IRC que resultou da entrega da Modelo 22 por parte da Requerente.

 

  1.  DO SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO:

 

  1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sucursal de uma instituição de crédito com sede e direção efetiva fora de território português, que exerce a atividade de instituição financeira de crédito (CAE 64921), sendo, para todos os efeitos legais, considerada "contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, nos termos do art.º 68.º - B da LGT.

 

  1. Para efeitos fiscais encontra-se registada junto do serviço competente, estando sujeita a IRC por força do preceituado na norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, conjugado com o disposto nos artigos 3.º a 5.º do mesmo diploma legal

 

  1.  No decurso do ano de 2019, e no âmbito da sua atividade de concessão de crédito, a Requerente alienou imóveis, localizados em território português, que haviam sido adquiridos por via de arrematação judicial.

 

  1. A 19-06-2020, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de rendimentos Modelo 22 IRC referente ao período de tributação de 2019, não tendo efetuado qualquer dedução no campo 772 do respetivo quadro 07, apesar de ter alienado, em 2019, um total de 25 prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (“VPT”), à data de aquisição, era superior ao respetivo valor de aquisição, por mera cautela, em função da interpretação jurídica da Requerida.

 

  1. Efetivamente, tendo alienado, em 2019, um total de 25 prédios urbanos que tinham sido por si adquiridos, no âmbito da respetiva atividade, por arrematação judicial e em sede de insolvência, a Requerente entende que deveria ter sido considerada, no campo 772 do quadro 07 da sua declaração de rendimentos Modelo 22 daquele exercício, uma correção a seu favor/dedução, no montante total de € 265.407,06, respeitante à diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição de cada um desses imóveis, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, como se detalha na tabela seguinte (montantes expressos em €):

 

 

  1. A 19-08-2020, foi emitida a respetiva demonstração de liquidação de IRC n.º 2020..., a qual deu origem ao pagamento em autoliquidação no montante de 769.775,34€.

 

  1. A 17-06-2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa, alegando que a correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC é aplicável a quaisquer imóveis alienados - incluindo, os que tenham sido adquiridos por via de arrematação judicial - como os que adquiriu no ano em causa nos presentes autos, pelo que considera que deveria ter procedido a essa correção, uma vez que o Valor Patrimonial Tributário (de ora em diante VPT) à data da aquisição dos prédios urbanos que alienou no ano de 2019 era superior ao respetivo valor de aquisição

 

  1. A Requerida elaborou projecto de indeferimento da reclamação graciosa A reclamação graciosa notificada através do oficio n.º ...-AR1/2022 de 27-06-2022 para o exercício do direito de audição prévia nos termos do art.º 60.º da LGT, não tendo a Requerente exercido esse direito, pelo que foi o projecto convertido em definitivo através da informação n.º ... – AIR1/2022 sancionada a 21-07-2022 pelo Chefe de Divisão do Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências, notificada à ora Requerente através do oficio n.º ...-DJT/2022 datado de 21-07-2022.

 

  1. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelo processo administrativo junto pela Requerida, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Estando assim em causa “declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a questão que lhe é submetida.

 

  1. DO DIREITO

 

As questões a dirimir nos presentes autos são as seguintes:

 

  1. Se a  Requerente teria direito a inscrever no campo 772 do quadro 07 da sua declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao ano de 2019, uma correção a seu favor/dedução, no montante total de € 265.407,06, respeitante à diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição de cada um dos imóveis, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC,  porquanto tal norma é aplicável a quaisquer imóveis alienados - incluindo, os que tenham sido adquiridos por via de arrematação judicial e em processo de insolvência.

 

  1. Em caso de procedência da questão anterior se a Requerente tem direito a ser ressarcida dos montantes de imposto indevidamente pagos em excesso, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Com efeito, a questão substancial a dirimir na presente ação arbitral reconduz-se a saber se, nas aquisições previstas na regra 16.ª, n.º 4, do artigo 12.º do CIMT, em que o IMT incide sobre o preço constante do ato ou contrato e não sobre o valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis adquiridos, ainda que este seja maior que aquele, ou seja, no caso de aquisição por arrematação judicial e em processo de insolvência, poderá o adquirente, para efeitos da determinação do lucro tributável do IRC, proceder à correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, através da dedução a inscrever no campo 772 do Quadro 7, da declaração modelo 22 de IRC, do montante correspondente à diferença positiva entre o VPT dos imóveis e o preço do ato ou contrato?

 

Esta questão essencial no presente processo, já foi objecto de uniformização de jurisprudência por unanimidade no Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo número 77/22.8BALSB,[1] de onde se retira essencialmente o seguinte:

“…a primeira das normas apontadas - art. 64° do CIRC - afasta-se da contabilidade e do preço declarado pelos contribuintes, na medida em que dispõe que o preço de venda (para cálculo das mais valias imobiliárias do vendedor) será o maior entre o VPT e o preço declarado (mesmo que real, evidentemente).[2]

Na verdade, como é sabido os factos tributários em IRC assentam, em geral, nos preços reais e efectivos das transações, tal como são declaradas pelas partes - e documentadas pela contabilidade, não podendo escamotear-se que em relação aos imoveis há uma enorme distorção a esta regra geral, até porque deparamos, em geral, com transações que envolvem valores elevados e, sobretudo, porque nas transmissões de imóveis, comprador e vendedor podem ter um interesse alinhado em potencialmente defraudar o Estado, através da manipulação do preço, declarando no contrato um preço inferior ao real, que permite ao vendedor poupar IRC e ao comprador poupar IMT.

Nesta sequência, surge o modelo descrito no art. 64° do CIRC para ambos os contraentes, de acordo com o qual o VPT (quando superior ao preço do contrato) prevalece, em imposto de rendimento (CIRC), para o “alienante e adquirente” (n° 1 e 3 da norma apontada).”

Como é sabido a relação entre a contabilidade e a fiscalidade, que assenta numa diferenciação entre o resultado contabilístico – aquele que é p.ex. o comunicado pelas cotadas à CMVM no âmbito das obrigações de reporte financeiro, é diferente do resultado fiscal que é declarado à Autoridade Tributária, podendo mesmo este ser positivo e aquele negativo, modelo que podemos designar de dependência parcial, de acordo com o qual o resultado contabilístico é tomado como ponto de partida para a determinação do lucro tributável mas sujeito a ajustamentos contabilísticos.

“Pois bem, no que concerne à aplicação do modelo no caso dos autos importa notar que o n.º 2 da norma em apreço determina que para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imoveis referidas no n.º 1, sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT definitivo, então é esse o que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante, sendo que o sujeito passivo deve efectuar “uma correção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato” que, por força do corpo no n.º 1 do art. 64.º, tem que ser o valor que serviu ou serviria de base para a liquidação do IMT.”

Temos então que para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC seria o VPT, caso este fosse superior ao valor de aquisição do bem em causa.

No entanto, para esta discussão não se pode deixar de se trazer a norma decorrente do art.º 12.º do CIMT que prevê na regra 16ª do n.º 4 que para efeitos desse imposto (IMT) o valor a considerar nos casos de aquisição de imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processes de insolvência ou processes de revitalização sob controlo judicial, é o valor do contrato, pelo que para efeitos do art. 64° do CIRC temos que aceitar como valor patrimonial definitivo o que serve ou serviria de base à liquidação de IMT na alienação destes imóveis (cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág. 549, em anotação ao art. 64.º).

“Assim sendo, referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contem qualquer conceito de valor patrimonial tributário definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correcções do art. 64.º.

Deste modo, em termos de determinação do valor para efeito de IRC, temos de concluir que no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processes de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT.”

O próprio Supremo Tribunal Administrativo já tinha no âmbito do Ac. de 21-11- 2019, Proc. n° 0816/08.0BECBR 0558/17, www.dgsi.pt, entendido que se justificava a aplicação do disposto no paragrafo 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor a atender ao preço constante do contrato, para efeitos de IMT e, consequentemente, para efeitos de IRC.

 

Termos em que, por aplicação da jurisprudência supra reproduzida se conclui pela total improcedência do pedido, com as legais consequências.

 

Fica prejudicado o conhecimento quanto ao reembolso de qualquer quantia a título de imposto paga e de juros compensatórios.

 

  1. DECISÃO

 

Nestes termos decide o Tribunal Arbitral Colectivo

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral, com a consequente manutenção da decisão de indeferimento expresso da reclamação;
  2. Condenar a Requerente no pagamento integral das custas por total decaimento;

 

  1. VALOR DA CAUSA

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de €265.407,06 € (duzentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e sete euros e seis cêntimos), que não foi contestado pela Requerida pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

  1. CUSTAS

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, que ficam a cargo da Requerente.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de abril de 2023

 

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

 

Fernanda Maçãs

 

 

 

Dr. António Pragal Colaço (Árbitro vogal- relator)

 

 

 

Dr. José Coutinho Pires (Árbitro vogal)

 

 

 



[1] De mencionar que o Acórdão da CAAD número 105/2019-T, mencionado pelo Requerente como justificando a sua tese, foi invocado como Acórdão fundamento no âmbito da uniformização de jurisprudência mencionada, não tendo obtido procedência a sua interpretação;

[2] Seguiremos muito de perto o que se encontra escrito no mencionado Acórdão de Uniformização;