SUMÁRIO:
I- Para prova da quantificação dos encargos de valorização previstos no art.º 51º n.º 1, a) do CIRS, a Lei não limita os meios de prova à apresentação de faturas, elaboradas nos termos do art.º 36.º, n.º 5 do CIVA.
II- Os custos têm de ser analisados em função da concreta edificação empreendida e há que relevar, para o efeito, tudo o que tenha sido incorporado na habitação construída e todas as despesas verificadas no processo de construção.
DECISÃO ARBITRAL
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 01-08-2022, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 07-10-2022.
I – RELATÓRIO
1- A..., contribuinte n.º 2..., residente na ..., N.º ..., ...-... Porto, Portugal, e B..., contribuinte n.º ..., residente na ..., N.º ..., ...-... Porto, Portugal, casados entre si, apresentaram um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
1.1- Os Requerentes pedem, neste processo, sejam anuladas, na parte ilegal, a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2022..., relativa ao ano de 2019, e respetivos juros compensatórios, condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido até ao seu efetivo reembolso.
2- Alegam, entre o mais, (e, em síntese), que...
2.1- Adquiriram, num estado de assinalável degradação, um imóvel, tendo sido integralmente reabilitado para nele constituírem a sua habitação própria e permanente, sendo que as despesas suportadas, foram desconsideradas pela Requerida, por não consubstanciarem «encargos com a valorização dos bens» na aceção do artigo 51.º, n.º1, alínea a) do CIRS.
2.1.1- Sendo que, face á extrema degradação do imóvel, as despesas suportadas com as obras de reabilitação deveriam ter sido consideradas para efeitos de apuramento do valor de aquisição, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3 do CIRS.
2.1.1- E, estando em causa o artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, jamais a Requerida
poderia emitir as Liquidações com o fundamento de que os custos de construção a que a norma alude teriam de ser comprovados através de documentos emitidos sob a forma legal que cumpram os requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.
2.1.2- De facto, o artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, no que aos custos de construção diz respeito, refere somente que estes deverão estar «devidamente comprovados», não exigindo, porém, que a prova dos mesmos seja efetuada imperativamente através da apresentação de documentos emitidos sob a forma legal que cumpram os requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.
2.2- De todo o modo, sempre as Liquidações enfermariam de vício de erro sobre os pressupostos de direito determinante da sua anulabilidade.
Efetivamente, o artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS consagra uma dedução específica aplicável no contexto de mais valias imobiliárias realizadas na esfera dos contribuintes.
2.3- Trata-se, pois, de uma exigência de tributação do rendimento líquido, enquanto corolário do princípio da capacidade contributiva.
Pelo que dúvidas não subsistem de que as Liquidações de IRS e de juros compensatórios impugnadas no presente processo, tendo sido emitidas com o fundamento único de que os encargos a que se refere o artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS devem ser imperativamente comprovados através da apresentação de documentos emitidos sob a forma legal que cumpram o disposto no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, padecem de um vício de erro sobre os pressupostos de direito, que determina a sua anulabilidade, não podendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica.
3- Por seu turno, refere a AT, também, em síntese…
3.1- Para efeitos do disposto na al. a) do art.º 51.º do CIRS, são dedutíveis os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, comprovadamente suportadas pelo titular do direito de propriedade do bem objeto de alienação onerosa que, pela sua natureza, se mostrem indissociáveis do mesmo, considerando-se como tal, as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, nomeadamente, obras de beneficiação/reabilitação.
3.2- Por sua vez, da leitura do n.º 3 do art.º 46.º do CIRS, decorre que esta norma apenas se aplica às situações em que o imóvel não é adquirido, mas sim construído pelo próprio sujeito passivo.
Assim sendo, uma vez que uma vez que os encargos que estão em causa foram efetuados com obras de beneficiação/reabilitação de imóvel adquirido pelos requerentes e não com a construção de imóvel pelos próprios sujeitos passivos, uma vez que o imóvel já existia (como se retira dos documentos juntos, nomeadamente da caderneta predial emitida em 2007), não se aplica o disposto no n.º 3 do art.º 46.º do CIRS, pelo que o argumento dos requerentes não tem qualquer provimento, não tendo assim qualquer relevância os encargos estarem ou não suportados através de documentos emitidos sob a forma legal que cumpram os requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.
3.3 - No entanto, para que tais encargos possam ser aceites e dedutíveis, os requerentes têm que demonstrar, para além de que aqueles materiais e mão-de-obra foram efetivamente utilizados naquele imóvel, que suportaram aqueles custos, juntando as faturas/recibos comprovativos desses pagamentos, devendo as mesmas cumprir os requisitos formais contidos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, e só assim os custos e as despesas se mostram devidamente comprovados.
3.3.1- Ora, na situação em apreço não está em causa que foram realizadas obras de
beneficiação/reabilitação do imóvel alienado, mas sim, a prova do custo das mesmas, uma vez que dos documentos apresentados pelos requerentes não consta qualquer fatura/recibo ou outro documento, que comprove o montante exato e sem margem para dúvidas, dos custos suportados nas obras em questão.
3.4- Efetivamente, independentemente da questão da comprovação dos encargos a que se refere a al. a) do nº 1 do art.º 51.º do CIRS poder ser feita através de quaisquer meios de prova legalmente admitidos em direito, os requerentes não cumprem o ónus de prova que sobre si impendia, nos termos do nº 1 do art.º 74.º da LGT, de apresentarem documentos emitidos pelos prestadores de serviços que efetuaram as obras em causa, bem como, documentos bancários, fossem cheques ou transferências bancárias, através dos quais fizessem a prova do montante efetivamente despendido com a realização das obras, porquanto, não é através de autos de medição per si, que se comprova os custos em causa.
3.4.1-...Não tendo os requerentes apresentado um único documento comprovativo das despesas e encargos efetuados respeitantes ao imóvel alienado, sejam documentos emitidos pelos prestadores de serviços, sejam documentos bancários comprovativos dos pagamentos efetuados, nem tão pouco justificando a razão para a sua não junção, não podem ser aceites as despesas e encargos apresentados pelos requerentes e não aceites pela AT.
II- PROVA
1. Os Requerentes, residentes fiscais em Portugal, venderam, em 29.03.2019, o prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ... e ..., ...-... Porto, inscrito sob o artigo matricial n.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... (“Imóvel”), por um valor de EUR 575.000,00.
1.1- O referido Imóvel foi adquirido pelos Requerentes em 23.07.2004 pelo valor de EUR 174.580,00.
1.2- O Imóvel em questão foi adquirido pelos Requerentes em visível estado de degradação.
1.3- A realização de obras no Imóvel teve em vista a reabilitação do Imóvel, por forma a tornar possível a sua ocupação e habitação.
1.4- A realização das obras foi licenciada através da emissão de alvará de obras n.º ALV/.../07/DMU, datado de 06.06.2007, emitido em nome da Requerente B... .
1.5- As obras foram executadas pela sociedade “C..., Lda.”
1.6- Foram realizadas intervenções no Imóvel:
a. Trabalhos de demolição de edifício pré-existente;
b. Edificação da estrutura do Imóvel;
c. Edificação e demais trabalhos nas paredes do Imóvel;
d. Revestimento de pavimentos, paredes, tetos e fachadas do Imóvel;
e. Trabalhos de cantaria;
f. Impermeabilização de terraços e coberturas;
g. Trabalhos de carpintaria ao nível de portas, rodapés e portadas;
h. Colocação de pavimentos em madeira;
i. Trabalho de serralharia em caixilharias, claraboias, guardas de escada, portas;
j. Fornecimento e aplicação de vidros;
k. Trabalho de pintura em paredes, tetos, pavimentos, escadas e carpintarias;
l. Execução de infraestrutura destinada ao abastecimento de água, drenagem de
águas residuais domésticas e de águas pluviais, bem como sistema de rega do
jardim;
m. Fornecimento e instalação de sistema de aquecimento central;
n. Instalação de rede de distribuição de gás;
o. Fornecimento de instalação elétrica, telefónica e circuito de televisão;
p. Fornecimento e execução de sistema de aspiração central;
q. Instalação de campainhas, detetores de movimento, armaduras de iluminação,
sistema CCTV;
r. Fornecimento e instalação de equipamento sanitário.
1.7- Todos os serviços adjudicados e executados, bem como os respetivos valores, constam de forma detalhada dos autos de medição
1.8- Nos auto de medição/orçamento, consta a indicação expressa de que o valor global dos trabalhos correspondeu a €250.578,76
1.9- Dos autos de medição, consta o local onde a obra foi executada: Rua Fonte da Moura, n.º 194, Porto, que corresponde à morada do Imóvel em causa.
1.10- o empreiteiro responsável remetia periodicamente aos Requerentes, na pessoa do Requerente Rui Folhadela, um email com o auto de medição relativo à fase da obra em questão, acompanhado da indicação dos valores da obra e resumos de pagamento/declarações de quitação.
1.11- No âmbito do procedimento administrativo que originou as Liquidações impugnadas, os Requerentes apresentaram os autos de medição, resumos de pagamentos, alvará de obras e levantamentos fotográficos relativos às obras de reabilitação realizadas,
1.12- Os Requerentes apresentaram em 18/06/2020, a declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano de 2019, a qual foi acompanhada pelos anexos e, F, G, H e J, tendo optado pela tributação conjunta dos rendimentos (declaração nº ...-2019-... -...).
1.13- No campo 4001 do quadro 4 do anexo G, foi mencionada a alienação do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ..., ... e ..., concelho do Porto, artigo matricial..., sendo os montantes declarados:
Valor de alienação (Março de 2019): € 575.000,00;
Valor de aquisição (Julho de 2004): € 174.580,00;
Despesas e encargos: € 261.839,27.
1.14- Esta declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, entregue em 18/06/2020 foi declarada em estado “Não liquidável”.
1.15- Os requerentes submeteram em 2020/10/09 declaração de substituição mod.3 do IRS relativa ao ano de 2019, na qual declararam no anexo G, quadro 4, a alienação de um imóvel em 2019/03 pelo montante de € 575.000,00, o qual tinha sido adquirido em 2004/07 com um custo de aquisição de € 174.580,00, e despesas e encargos no montante € 268.869,07.
1.16- A declaração foi alvo de procedimento de divergências instaurado no SF do Porto-..., com os códigos de análise D12-Rendimentos de Capitais-Divergência de retenção, e D39-Alienação de imóveis.
1.17- No âmbito desse procedimento, foram notificados, os Requerentes, para a necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação e data de aquisição do imóvel alienado.
1.18- A AT, apenas considerou como justificado € 18.290,31.
1.19- Foram notificados (ofício 2021... de 2021/11/19 –registo CTT RF...PT), para substituírem a declaração de rendimentos mod.3, e querendo, exercer o direito de audição conforme prescreve o art.º 60.º da LGT, sobre o projeto de decisão de alterar o valor de € 268.869,07 declarado na coluna “despesas e encargos” do quadro 4 do anexo G, para o valor de € 18.290,31.
1.20- Os requerentes exerceram o direito de audição, direito, juntando em complemento dos documentos já apresentados, levantamento fotográfico comprovativo das despesas suportadas.
1.21- A AT decidiu manter a proposta de alteração dos elementos declarados, conforme despacho proferido em 2022/01/28 pelo Chefe da Divisão de liquidação dos impostos sobre o rendimento e sobre a despesa da DF do Porto (por subdelegação de competências).
1.22- Foi elaborado documento de correção (DC), alterando o valor declarado de €268.869,07 para o valor de €18.290,31, nos termos do nº 4 do art.º 65.º do CIRS, conforme despacho proferido em 2022/03/17 pelo Chefe da Divisão de Liquidação dos impostos sobre o rendimento e sobre a despesa da DF do Porto (por subdelegação de competências), e daí resultando a liquidação oficiosa do IRS n.º 2022..., em análise.
1.23- Os Requerentes apresentaram o presente pedido arbitral em 29/07/2021, tendo procedido ao pagamento, no valor de EUR 39.762,76, em 16.05.2022.
2 - Factos não provados
Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3- Fundamentação da matéria de facto provada:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3.1- Refira-se, no respeitante aos factos elencados sob os nºs 1.5 a 1.10... e, como melhor se desenvolverá no âmbito da apreciação de direito...
Sendo certo que não se contesta a verificação de obras no imóvel, afigura-se que a prova produzida, vista no seu conjunto, (e atentas as regras da experiência comum), é suficiente no sentido de comprovar, de forma plausível, face às circunstâncias do caso concreto, que tais obras foram efetuadas pela empresa "C..., Lda", e que envolveram os montantes descritos nos autos de medição/orçamento e mails trocados a propósito da sua quitação.
III- DO DIREITO/MÉRITO
1- O dissenso controvertido no presente processo, que impõe apreciação, prende-se com a questão de - pressupondo, por provada, a verificação das obras no imóvel e termos da efectivação das mesmas - saber se os montantes envolvidos, a títulos de encargos, podem ser aceites e dedutíveis, quando não são apresentados as facturas/recibos comprovativos dos pagamentos efectuados, em cumprimento dos requisitos formais previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.
Pois, no entendimento da Requerida só assim os custos e as despesas se mostram devidamente comprovados.
Vejamos
2- Atenta a similitude das situações, seguimos, com a devida vénia, (adaptando, em parte), o entendimento seguido na decisão 191/2021-T de 19-10-2021, com o qual concordamos, de forma segura, na sua essência:
2.1- Tendo a AT, solicitado aos Requerentes que comprovassem os custos alegados, foi apresentada uma lista que, os discriminava, quantificava e orçamentava, suportada em documentos que, que de forma muito verosímil, os demonstravam, bem como o seu pagamento.
2.1.1- Sendo certo que, em momento algum, resulta ter a Requerida posto em causa que a obra teve efectivamente lugar. Sabia-se, portanto, que os Requerentes haviam... recuperado, no terreno de que eram proprietários não uma habitação em tese considerada, mas a habitação que alienaram e aqui está em causa. A habitação recuperada é uma realidade física apreensível pelos sentidos, mensurável e a administração tributária e aduaneira, querendo, teria oportunidade de verificar se os custos de construção alegados eram ou não compatíveis com a realidade física que foi alienada. Não consta que o tivesse feito. O que não pode a Requerida é optar por ignorar o enquadramento e o contexto da realidade que pretende analisar. Bastou-se com a análise que fez dos documentos, como se fossem os documentos, eles próprios, o fim último dessa análise.
2.2- Os documentos que titulam as despesas são meramente instrumentais. E a sua instrumentalidade cinge-se à demonstração de que as despesas que titulam dizem efectivamente respeito à construção em causa.
...Se o sujeito passivo apresenta documentos, referentes a materiais que sempre seriam precisos numa obra daquela natureza, e não se lhe conhecendo outra qualquer obra que tivesse estado simultaneamente a realizar, então, o mais certo, é que à dita obra respeite.
2.3- Acresce que, no caso, ainda que não haja provas do efectivo pagamento, a verdade é que são mencionadas nas comunicações entre a empresa construtora e os Requerentes, contas correntes de pagamentos e quitação.
Não vemos, pois, como absolutamente necessário, a demonstração documental, (formal) do efectivo pagamento, por recibos ou extractos bancários, por exemplo. A lei, da leitura que dela fazemos, não o exige nestes precisos termos.
...Uma vez mais, é útil reportarmo-nos a um ambiente de normalidade, de razoabilidade. É normal e razoável que o sujeito passivo para demonstrar custos de construção que alegadamente suportou exiba autos de medição e planos de pagamentos e quitação de trabalhos que não tiveram lugar? Não, não é normal nem razoável. E, portanto, não sendo normal nem razoável, não fará sentido rechaçar liminarmente direitos dos contribuintes com uma exigência como esta, ignorando toda a prova produzida.
2.4- O que, nesta matéria, a Lei exige, é que os custos de construção sejam comprovados de maneira a não oferecerem grandes dúvidas quanto ao facto de terem sido despendidos na edificação que se indica. O que, entendemos verificado no presente caso.
2.5- Assim, é entendimento deste tribunal arbitral, que a liquidação de IRS/2019, objecto dos presentes autos enferma de erro nos pressupostos de facto, nos termos e com os fundamentos supra expostos. Na verdade, não se mostra consentânea com a ordem jurídica a tributação valores auferidos a título de mais-valia que tome por valor de aquisição que ignore as despesas necessárias e efectivamente praticadas com a aquisição e alienação do imóvel.
2.6- Só, assim, damos por cumpridos os ditames impostos pelos princípios da capacidade contributiva, da tributação sobre o lucro real e o deste recorrente, da prevalência da substância sobre a forma, que vigoram no nosso direito.
2.6.1- O Tribunal terá de analisar todos os pressupostos fundamentadores, incluindo os elementos não valorados, em sede própria, pela AT, em ordem ás exigências probatórias legalmente previstas, decidindo, se for o caso, pela ilegalidade da liquidação, quando tais pressupostos de tributação não se têm por demonstrados.
3- Procedem, assim, os analisados fundamentos da Requerente, ficando prejudicados os outros fundamentos e segmentos do pedido, (nomeadamente a aplicação ao caso do art.º 46.º, nº 3 do CIRS), face á decisão que se profere.
Juros compensatórios
4- Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
4.1- Sendo que, no que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
4.2- No caso em apreço, conclui-se que há erro na liquidação imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que há direito a juros indemnizatórios contados desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada, até ao integral reembolso do montante pago.
IV- DECISÃO
Em face do exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:
a- Julgar procedente o pedido de anulação do acto tributário de liquidação de IRS/2019.
c- Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios,
d- Condenar a Requerida nas custas do processo.
V- VALOR DO PROCESSO
Não tendo sido impugnado o valor indicado pela Requerente, em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €37.630,07
VI- CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €1.836,00 que fica a cargo da Requerida.
Lisboa, 06 de Abril de 2023
O Árbitro
______________________________________
(Fernando Miranda Ferreira)