Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 134/2013-T
Data da decisão: 2014-02-27  IRC  
Valor do pedido: € 22.054,16
Tema: IRC - Correção ao Preço de Venda de Imóvel
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 134/2013-T

 

Autora / Requerente: A…

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 11-06-2013, a sociedade A..., contribuinte fiscal n.º …, com sede no …, com representação permanente na …, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação das liquidações de IRC n.º … de 24-02-2010 do ano de 2006 no valor de 5.311,32 €, e n.º … de 25-01-2010 do ano de 2007 no valor de 16.742,84 €. Mais requereu o reembolso das quantias pagas acrescidas de juros.

A Requerente defende que as correções efetuadas ao nível do IRC dos anos 2006 e 2007 são ilegais, por o lote … em causa ter sido vendido por 75.000 €, conforme consta da escritura pública celebrada, e não por 125.000 € como defende a Autoridade Tributária. Mais invoca ininteligibilidade da liquidação, falta de fundamentação da liquidação, e duplicação de coleta.

A AT apresentou resposta, em 30-09-2013, onde defende que as liquidações de IRC dos anos 2006 e 2007 não padecem de qualquer vício de violação da lei. Relativamente à ininteligibilidade a AT invocou o regime do art.º 37.º, n.º 1 do CPPT, defendeu que a Requerente não seria um contribuinte “médio”, e que inexistiria duplicação de coleta. 

Foi designada como árbitro único, em 26-07-2013, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-08-2013.

Realizou-se em 06-11-2013 a reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária. Não havendo correções a efetuar às peças processuais nem exceções a conhecer, o tribunal decidiu notificar a Requerida para precisar, em 10 dias, os pontos da matéria de facto sobre os quais pretende inquirir as testemunhas. E foi definido o dia 10-01-2014 para efeitos de inquirição de testemunhas e realização de alegações orais.

Em 13-11-2013, veio a AT indicar que o depoimento versaria sobre os pontos 31 e seguintes da resposta da AT.

Em 06-01-2014 foi proferido despacho no sentido de indeferir a inquirição de … e …, uma vez que os mesmos seriam administradores da Requerente e não poderiam depor como testemunhas. Foi na mesma data deferida a inquirição da testemunha …, tendo sido solicitado ao CAAD a sua notificação. Ficou ainda sem efeito a data de 10-01-2014 para a inquirição da testemunha, por forma a permitir a sua atempada notificação. Em 07-01-2014, foi agendada nova data para a inquirição da testemunha e para a produção das alegações orais, que se fixou em 20-01-2014.

No dia 20-01-2014 verificou-se que a testemunha não havia sido formalmente notificada para comparecer, tendo sido designada nova data para inquirição e alegações orais: o dia 10-02-2014. Foi também prorrogada a data para prolação da decisão final para o dia 27-02-2014.

No dia 10-02-2014 a testemunha ..., notificada para o efeito, não compareceu, tendo sido determinada o prosseguimento dos autos. As partes prescindiram das alegações orais.

Em 13-02-2014, foi remetida ao processo a justificação da falta da testemunha ..., tendo a juíz árbitro optado pela sua não inquirição ao abrigo do princípio da celeridade processual. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias.

Em face do exposto, importa delimitar as principais questões a decidir, a saber:

Se o imóvel inscrito na matriz predial de …, sob o artigo …, lote …, foi vendido pela Requerente por 75.000 €, conforme consta da escritura de compra e venda junta aos autos, ou se foi vendido por 125.000 euros.

Se ocorreu omissão de proveitos na esfera da Requerente, que legitimem valor das liquidações cuja anulação esta requer.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.        Entre finais de 2008 e início de 2009, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção aos exercícios de 2006 e 2007.

2.        Dessa ação de inspeção resultaram para a Requerente correções em sede de IRC, em 2006, no valor de 50.000 €, referentes à venda do imóvel inscrito na matriz predial de …, sob o artigo …, já referido lote ….

3.        Em virtude dessas correções foi alterado o lucro tributável declarado pela Requerente em 2006, de 254.259,06 € para 304.259,06 €.

4.        Mais, em virtude de em 2006, ter ocorrido a dedução de prejuízos fiscais no valor de 219.019,06 €, a matéria coletável da Requerente passou para 35.240 €.

5.        Com a referida correção fiscal foram também corrigidos e anulados 33.678,92 € de prejuízos fiscais, acumulados e que haviam sido deduzidos pela Requerente em 2007.

6.        A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º ...do ano de 2006, no valor de 5.311,32 €.

7.        Foi ainda notificação da liquidação e IRC n.º ...do ano de 2007, no valor de 16.742,84 €.

8.        A Requerente apresentou reclamação graciosa contras referidas liquidações de IRC, reclamação essa que foi indeferida.

9.        Inconformada com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou recurso hierárquico.

10.    Tendo o recurso hierárquico sido indeferido em 13-03-2013.

11.    A Requerente dedica-se à compra e venda de bens imobiliários.

12.    Em 24-03-2006, a Requerente, através do procurador …, celebrou em nome da Requerente, escritura de compra e venda do lote de terreno para construção …, inscrito na matriz predial urbana da …, sob o artigo …, com o Sr …, pelo valor declarado de 75.000 €.

13.    O adquirente … entregou dois cheques, um em nome da sociedade Requerente, no valor de 70.000 €, e outro no valor de outro de 55.000 €, em nome de …, datados de 27-03-2006.

14.    Os dois cheques deram entrada na conta bancária de …, uma vez que o cheque de 70.000 euros lhe foi endossado.

15.    Com referência ao exercício de 2007, foram liquidados à Requerente 9.140,22 € de juros de mora, relativos à liquidação objeto do pedido arbitral.

 

2. 2. Factos não provados

Não ficou provado que a Requerente não tenha recebido qualquer outro valor para além dos 75.000 euros, pela venda do lote … ao senhor ….

Não ficou provada a existência de contrato de mútuo de 55.000 euros entre o sr. … e o sr. ….

 

2.1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e no acordo das partes relativamente aos factos dados como assentes. No tocante aos factos não provados a convicção do árbitro funda-se nos documentos juntos aos autos e no facto de o contrato de mútuo de 55.000 euros ser um contrato sujeito à forma de escritura pública, e não ser admissível prova alternativa por documento particular. 

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a Autoridade Tributária pode fazer correções relativas ao preço declarado de venda de um bem imóvel e presumir como proveito o valor pago pelo adquirente do imóvel ao representante da sociedade.

Quanto ao primeiro ponto é questão amplamente decidida pela jurisprudência e pela doutrina que pode a Autoridade Tributária corrigir o valor declarado em escritura de venda de um imóvel caso tenha indícios da falta de veracidade do valor declarado. Veja-se entre outros, o acórdão n.º 089/03, de 26-02-2003, do STA, e 01757/02, de 19-02-2003, do STA. Neste último pode ler-se que “o artigo 39.º da LGT não impede a AT de, perante uma escritura pública da qual consta determinado preço de venda, tributar em IRS o correspondente provento, considerando, por presunção, um preço superior ao declarado”.

No caso em apreço é necessário ter em conta as regras gerais do ónus da prova resultantes do art.º 74.º da Lei Geral Tributária. Nos termos deste artigo:

“1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

A Autoridade Tributária alegava que estavam verificados indícios da venda um bem imóvel por preço superior ao declarado em escritura pública.

Os indícios recolhidos incluíam a cópia de dois cheques passados em 27-03- 2006, ou seja três dias após a escritura, por … (um no valor de 70.000 €, emitido à ordem da Requerente, e outro de 55.000 €, emitido à ordem de …), bem como a tomada de declarações em sede inspetiva ao referido …. Mais apurou a AT que os dois cheques teriam dado entrada na conta do referido ….

A divergência entre o preço pago pelo adquirente e o valor das quantias entregues a … foi explicada pelo adquirente do terreno em sede de processo de inspeção como tratando-se de um mútuo. No entanto dado tratar-se de negócio sujeito a escritura pública só poderia o mesmo constar deste tipo de documento, e ser provado com a exibição da referida escritura pública, pelo que não logrou a Requerente provar a existência do referido contrato de mútuo entre o adquirente do bem imóvel, e o representante da Requerente. Como resulta do n.º 1 do art.º 364.º do Código Civil “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. Trata-se de uma formalidade substancial e, sem ela, o negócio não é válido, não podendo a escritura ser substituída por qualquer outro meio de prova.

No caso em apreço cabia à Requerente provar que o preço de aquisição do imóvel foi o declarado na escritura pública, mas não o fez. 

Alega a Requerente no seu pedido de constituição de tribunal arbitral que as liquidações são ininteligíveis. Salvo melhor opinião não se nos parece que assista razão à Requerente. A fundamentação das liquidações resulta da análise conjugada do relatório de inspeção e das liquidações e demonstrações de acerto de contas subsequentes, sendo do conjunto desses documentos possível reconstituir as razões de facto e de direito que estiveram na base do valor apurado pela AT.

Por outro lado a alegada falta de inteligibilidade não obstou a que a Requerente formulasse – como fez – um juízo sobre se deveria conformar-se com a decisão em causa ou solicitar a sua apreciação ao tribunal arbitral, demonstrando ter apreendido o seu conteúdo (AC. TCA Norte n.º 731/09.0BEPNF, de 24-05-2012).

Por outro lado, está suficientemente fundamentado o ato de liquidação se as conclusões do relatório de inspeção esclarecem, minimamente, o contribuinte que dele foi notificado das razões de facto e de direito que levaram a AT a liquidar o imposto em causa (nesse sentido ver AC. TCA Norte de 731/09.0BEPNF, de 24-05-2012).

Entendemos assim não estar verificada a ininteligibilidade das liquidações ou a sua falta de fundamentação. Acresce que caso se verificasse falta de fundamentação teria a Requerente que utilizar o mecanismo previsto no art.º 37.º CPPT, o que não ocorreu. Na falta de tal requerimento pela Requerente, o vício ficaria sanado – cfr. acórdão TCA norte n.º 62/06.7BEBCR. de 08-04-2011.

Quanto à alegada duplicação de coleta: a mesma é motivo de oposição à execução (artigo 205.º CPPT) e não de pedido de constituição de tribunal arbitral. Mas não se verifica, a nosso ver, no caso concreto. Com efeito “para que ocorra duplicação de coleta torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais, em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente” (TCA Norte,
01128/05.6BEPRT, de 08-11-2012. A técnica utilizada pela AT para proceder à liquidação adicional é a correta, já que não poderia ter calculado o imposto em falta sem ter em conta os restantes elementos integrativos da base tributável da Requerente relativos ao ano de 2006.

Por outro lado, e quanto à esfera em que ocorreu o enriquecimento. Os cheques emitidos – o de 70.000€ e o de 55.000€ – foram emitidos por ocasião de um só negócio jurídico: a venda do imóvel. O cheque emitido à ordem do procurador da Requerente seria para pagar um alegado negócio de mútuo, não provado. Assim, e recorrendo às regras do ónus da prova e às regras da experiência, afigura-se que o pagamento em questão se terá tratado do pagamento de parte do preço do imóvel transmitido, que deveria ter sido declarado como proveito na esfera da sociedade.

Pelo que entendemos poder a AT presumir que ambos dizem respeito à venda de um imóvel pela sociedade, já que o suposto mútuo entre o adquirente do imóvel e o sr …, sujeito a formalidade ad substanciam, não foi provado.

Quanto à suposta violação do art.º 104.º, 2 CRP. O advérbio “fundamentalmente” permite que existam exceções à tributação das empresas pelo lucro real, desde que fundadas. Assim, o resultado contabilístico que serve de base à liquidação dos impostos pode ser corrigido pela Autoridade Tributária nomeadamente quando existam indícios da falta de veracidade do declarado.

Relativamente aos juros de mora, uma vez que eles se referem às liquidações de IRC de 2006 e 2007, objeto do pedido arbitral, e face ao exposto supra, não devem os mesmos ser anulados.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações de IRC n.º ...de 24-02-2010, do ano de 2006, no valor de 5.311,32 €, e n.º ...de 25-01-2010 do ano de 2007 no valor de 16.742,84.

- julgar improcedente o pedido de reembolso das quantias já pagas acrescidas de juros.

- julgar improcedente o pedido de anulação dos juros de mora, uma vez que os mesmos dizem respeito às liquidações de IRC de 2006 e 2007 que não foram anuladas.

Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas  nos Processos de Arbitragem, Tributária fixa-se o valor da ação em 22.054,16 €.

 

Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 €, sendo devidas pela Requerente.

 

Notifique.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2014.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

(Suzana Fernandes da Costa)