Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 469/2022-T
Data da decisão: 2023-04-10  Selo  
Valor do pedido: € 255.999,84
Tema: IS - Verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS. Sociedade de capital de risco.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO

 

As sociedades de capital de risco não se caracterizam como instituições financeiras para efeito da incidência de imposto do selo nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

 

Os árbitros Carla Castelo Trindade (Presidente), Jorge Bacelar Gouveia (Vogal) e Augusto Vieira (Vogal-Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo (TAC), constituído em 07.10.2022, acordam o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

 

  1. A..., SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A., NIPC n.º ..., (adiante designada por Requerente) com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, em representação dos seguintes fundos de capital de risco:
  • B…, NIPC n. º…;
  • C..., FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, NIPC n.º...;
  • D…– FCR, NIPC n. º...;
  • E… FUND – FCR, NIPC n. º…;
  • F…– FCR, NIPC n. º…,
  • G…– FCR, NIPC n. º...,
  • H…– FCR, NIPC n. º...,
  • I…– FCR, NIPC n. º ... e
  • J... FUNDO – FCR, NIPC n.º...,

veio ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral (PPA), na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... em que se discutiu a legalidade das autoliquidações de Imposto de Selo sobre as comissões de gestão cobradas pela A... aos FUNDOS DE CAPITAL DE RISCO, entre julho de 2020 e setembro de 2021,  entregues ao Estado entre agosto de 2020 e outubro de 2021, consubstanciadas nas

  • guias de entrega de Imposto do Selo n.ºs ..., ... e ...;
  •  nas declarações mensais de imposto do selo n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...
  • e, bem assim, nas faturas n.ºs FT2020_12/13/14/15/16, FT2020_25, FT2020_27/28/29/30/31/34, FT2021_1/2/3/4/5, FT2021_7/8, FT2021_9/10, FT2021_11/14, FT2021_21/22/23/24, FT2021_25/26/27/28 e FT2021_29/30/31,

requerendo a declaração de ilegalidade e consequente anulação da mencionada decisão de indeferimento e dos referidos atos de autoliquidação de Imposto do Selo entregue ao Estado nos períodos compreendidos entre agosto 2020 e outubro 2021, no valor total de 255 999,84 euros.

 

  1. Termina o PPA referindo o seguinte:

REQUER A CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E A DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS     DE      AUTOLIQUIDAÇÃO ... E DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA QUE OS MANTEVE NA ORDEM JURÍDICA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS

 

  1. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.

 

  1. A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
  1. “... as comissões de gestão que a A... cobra aos FUNDOS DE CAPITAL DE RISCO não são devidas pela prestação de qualquer tipo de serviços financeiros, mas pela gestão e representação desses FUNDOS DE CAPITAL DE RISCO em todos os aspetos da sua atividade económica e jurídica”, uma vez que “... a gestão económica e jurídica dos fundos de capital de risco é uma atividade de gestão de um património autónomo, que em nada difere da gestão de outros patrimónios autónomos como as heranças, ou de pessoas coletivas, como as sociedades” pelo que “não se trata ... de um serviço financeiro”, concluindo que “o pressuposto objetivo da sujeição destas comissões a Imposto do Selo não está verificado, pelo que as autoliquidações aqui contestadas são ilegais e devem ser anuladas, com todas as consequências legais”.
  2.  Contesta a leitura que a AT faz do nº 2 do artigo 1º do CIS referindo que “se este preceito pudesse ser interpretado no sentido que lhe é dado pela Administração Tributária, então as operações não sujeitas/isentas de IVA (como, por absurdo e a mero título exemplificativo, os serviços médicos, as transmissões de órgãos humanos, as prestações de assistência social, o ensino) estariam sujeitas a Imposto do Selo”.
  3. Refere ainda que “mesmo que o pressuposto objetivo da sujeição a Imposto do Selo estivesse verificado, sempre seria necessário que também se verificasse o pressuposto subjetivo da liquidação – o que não acontece na presente situação”, pelo que “não existindo uma definição fiscal de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras, a integração destes conceitos deve fazer-se com recurso à lei do ramo do direito do qual eles são provenientes, nos termos previstos no artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária”, devendo socorrer-se do  Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), publicado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  4. Só que “na sua versão original, o RGICSF previa expressamente na alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º, que as SCR eram qualificadas como sociedades financeiras, previsão expressa que perdurou até ao final de 2002. Sucede, porém, que a referida alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, tendo as SCR perdido a qualificação de sociedades financeiras e, consequentemente, de instituições financeiras”, concluindo-se que “as sociedades de capital de risco não se encontram tipificadas como sociedades financeiras na legislação nacional desde o ano de 2002, razão pela qual as comissões de gestão em causa no presente pedido de pronúncia arbitral têm que se considerar excluídas do âmbito de incidência da verba 17.3.4 da TGIS”.
  5. Invoca em seu favor as decisões arbitrais P. 226/2018-T, P. 399/2019-T e P. 757/2020-T que sufragaram o seu ponto de vista.

 

  1. A Requerida, Autoridade Tributária (AT), apresentou resposta em 14.11.2022 referindo em resumo o seguinte:
  1. a revogação da alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF, operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, que até então qualificava as SCR como “sociedades financeiras”, não tem a virtude de as desqualificar como “instituições financeiras” para efeitos de aplicação da norma de incidência”, uma vez que “o Decreto-Lei n.º 319/2002, apenas veio atribuir à CMVM a competência para a supervisão prudencial das instituições de capital de risco, retirando-as da esfera do Banco de Portugal, na medida que estas deixaram de estar autorizadas a praticar atividades exclusivas de instituições de crédito e sociedades financeiras, e não desqualificá-las como “instituições financeiras”. Ou seja, “como se retira do próprio preâmbulo do diploma, alinhou-se o regime português de capital de risco com o regime vigente noutros estados da União Europeia, transferindo-se a supervisão das SCR do Banco de Portugal para a CMVM”.
  2.  Pelo que “a extração da ilação genérica e conclusiva de que o legislador terá pretendido, com este diploma legal, excluir as SCR do sistema financeiro, num diploma que trata exatamente da supervisão de entidades que operam no sistema financeiro é, salvo melhor opinião, excessiva e contraditória, não podendo em termos literais, teleológicos e sistemáticos proceder”, até porque fica por explicar “porque é que deixando de ser “sociedade financeira” a sua constituição e atividade continua a ser regulada, supervisionada e sancionada, dado o interesse de ordem pública que a mesma representa, pela CMVM, uma das três entidades de regulação e supervisão financeira”.
  3. Quanto à “qualificação das SCR/SGFCR como “instituição financeira” à luz da legislação comunitária” refere que da conjugação dos critérios normativos e interpretativos que estes diplomas comunitários fornecem – Regulamentos (UE) n.º 1092/2010, (UE) n.º 1095/2010, Diretiva 2011/61/UE e ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 – forçoso é concluir que as SCR/SGFCR, enquanto empresas regulamentadas e autorizadas a gerir profissionalmente FCR, são “instituições financeiras”.
  4. Concluindo que “atenta toda a legislação da União Europeia que estruturou o sistema financeiro europeu no pós-crise de 2008 que, como anteriormente referido, é determinante na classificação de uma “instituição financeira”, dúvidas não há sobre o facto de a SCR/SGFCR, como a ora Requerente, continuam a subsumir-se numa das entidades financeiras presentes na verba 17.3 da TGIS para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, só que agora na categoria de “quaisquer outras instituições financeiras””.
  5. Quanto à “qualificação das SCR/SGFCR como “instituição financeira” à luz do RGICSF” refere que “são instituições financeiras, podendo até ser consideradas e continuar a manter o seu “antigo” estatuto de “sociedades financeiras “, por força da sua subsunção legal nesta categoria, conforme expressamente determinam a alínea kk) do artigo 2.º - A e a alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do RGICSF”, pelo que “também à luz do RGICSF, dúvidas não há sobre o facto das SCR/SGFCR, continuarem a subsumirem-se na verba 17.3 da TGIS, para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo”.
  6. Quanto ao “alegado não preenchimento (não verificação) das “comissões de gestão” do elemento de objetivo da verba 17.3.4 da TGIS” refere que “pese embora a inexistência de uma definição concreta para o que se entende por “serviços financeiros”, ...  entende-se que serão todos os serviços prestados ou intermediados por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, que de alguma forma estejam conexos e sejam necessários ao estabelecimento, manutenção e desenvolvimento de uma relação comercial, que tanto pode ser ocasional ou permanente, com os seus clientes”.
  7. Extrai a Requerida (1) da alínea c) do artigo 2º do Decreto-Lei nº 95/2006, de 29 de Maio; (2) dos nºs 4 e 5 do artigo 17º e nº 3 do artigo 45º ambos do regime jurídico do capital de risco, do empreendedorismo social e do investimento especializado (RJCR); (3) e do artigo 66º do regime geral dos organismos de investimento coletivo (RGOIC) que é
  • forçoso concluir que as SGFCR prestam serviços materialmente financeiros aos FCR por si geridos”, uma vez que
  • toda a atividade das SGFCR está orientada para esse fim, conforme se retira, sem grande esforço, das suas várias disposições

pelo que “importa perguntar se são ou não são os serviços prestados pelas SGFCR, remunerados através da comissão de gestão por si cobrada aos FCR, materialmente financeiros.

  1. A resposta à questão colocada, refere a AT “é positiva, sem qualquer margem para dúvidas, porquanto toda a atividade de gestão das SGFCR está na sua essência orientada para o bom desempenho financeiro dos FCR por si geridos, proporcionado aos investidores que neles queiram investir segurança, confiança e um maior retorno possível dos seus investimentos, no estrito cumprimento do quadro legal e regulamentar que lhe é imposto pela Lei e pelas respetivas autoridades de supervisão financeira”.
  2. E conclui que “acolhendo sem sentido crítico o entendimento da Requerente, num exercício paralelo e determinista, no limite todas as comissões cobradas por “entidades financeiras” podiam estar em risco de não ficarem sujeitas a Imposto do Selo, bastando para tal que se questionasse a sua vertente financeira ou se realmente correspondiam na integra à prestação de um serviço financeiro.  Ora, tal entendimento, em termos literais, sistemáticos e teleológicos não pode proceder, por ignorar o contexto em que tais comissões são cobradas e por falta de total aderência à realidade jus-tributária que decorre do CIS e da respetiva TGIS”.
  3. Até porque, refere a AT: “também numa perspetiva sistemática, e pese embora tenha sido especificamente legislado para a atividade bancária, nos termos da alínea f) do artigo 3.º do Decreto-Lei 58/2013, de 8 de maio, «Comissões» são “as prestações pecuniárias exigidas aos clientes pelas instituições como retribuição por serviços por elas prestados, ou subcontratados a terceiros, no âmbito da sua atividade”», conceito que se considera aplicável, com as devidas adaptações, a todas e quaisquer comissões cobradas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”.
  4. Quanto às alegações em torno do IVA – artigos 24 a 28 do PPA – refere que “só se pode concluir que houve uma simplificação na leitura, pois em sítio nenhum dela resulta que a tributação efetuada deriva do facto de haver uma não sujeição/isenção em sede de IVA”, referindo que “a leitura correta é que a AT não considerou que as operações em causa estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas por não serem tributadas em IVA, mas sim que, para além desta condição (delimitação negativa de incidência), era necessária a verificação de incidência resultante de uma previsão geral e abstrata presente na Tabela Geral e respetivo Código. O que, no caso em apreço, sucede, nos termos conjugados da verba 17.3.4 da TGIS com o n.º 1 do artigo 1.º do CIS”.

 

  1. Conclui a AT pela manutenção dos actos tributários impugnados e pela total improcedência do PPA. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, caso forem devidos, refere que “estando-se perante procedimento de reclamação graciosa cujo objeto respeita a atos de autoliquidação de IS, os juros indemnizatórios são devidos a partir do indeferimento expresso da reclamação graciosa, objeto do ppa, ou seja, a partir de 22-04-2022”.

 

  1. A Requerida foi notificada do despacho da Senhora Presidente do Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) de 07.10.2022 para contestar, tendo respondido em 14.11.2022 e juntou PA.

 

  1. Por despacho da Senhora Presidente do Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) de 23.12.2022, foi dispensada a realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT e foram convidadas as partes a apresentar alegações escritas no prazo de 15 dias.

 

  1. A Requerente apresentou alegações em 17.01.2023, mantendo o que já havia referido em sede de PPA e a Requerida também apresentou requerimento sobre a temática em 17.01.2023, referindo “ocorrendo as alegações em simultâneo, e não havendo nada de novo nos autos sobre que a AT se possa pronunciar, sob pena de se incorrer em repetição inútil, tão-somente se remete e se dá por integralmente reproduzido todo o aduzido e peticionado em sede de Resposta. De todo o modo, atento o princípio do contraditório [cf. artigo 16, alínea a) do RJAT], caso nas alegações da Requerente sejam suscitados factos, elementos ou questões jurídicas novas, deve a Requerida ser notificada para se pronunciar, sob pena de violação de tal princípio”. Não foi promovido o contraditório pelo facto já referido de que o Requerente manteve o que já tinha dito no PPA.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo (TAC) os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07 de Outubro de 2022, encontrando-se regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

  1. Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:

 

  1. A Requerente é uma sociedade de capital de risco (“SCR”) regularmente constituída ao abrigo do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado consagrado na Lei n.º 18/2015, de 4 de março e gere diversos fundos, entre os quais os seguintes:
  • B…, NIPC n.º…;
  • C..., FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, NIPC n.º...;
  • D…– FCR, NIPC n.º…;
  • E… FUND – FCR, NIPC n.º …;
  • F… FUND – FCR, NIPC n.º…,
  • G… – FCR, NIPC n.º…,
  • H… – FCR, NIPC n.º…,
  • I… – FCR, NIPC n.º … e
  • J...– FCR, NIPC n.º...,

           

 - conforme artigos 1º e 2º do PPA, Documento nº 22 em anexo ao PPA e artigo 4º da Resposta da AT;

  1. A Requerente, no âmbito desta atividade, cobrou comissões de gestão aos FUNDOS DE CAPITAL DE RISCO atrás referidos, sobre as quais procedeu à autoliquidação de imposto do selo à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, pelo que, entre julho de 2020 e setembro de 2021 emitiu:
  • As Guias de Entrega de Imposto do Selo n.ºs ..., ... e ...;
  • E as Declarações Mensais de Imposto do Selo n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...;

totalizando o montante de € 255 999,84, que pagou ao Estado – conforme artigo 3º e parte inicial – página 2 do PPA e artigos 5º e 6º da resposta da AT, conjugados com os documentos 2 a 11 juntos com o PPA;

  1.  As guias de pagamento e declarações mensais atrás referidas resultaram da emissão das Faturas n.ºs FT2020_12/13/14/15/16, FT2020_25, FT2020_27/28/29/30/31/34, FT2021_1/2/3/4/5, FT2021_7/8, FT2021_9/10, FT2021_11/14, FT2021_21/22/23/24, FT2021_25/26/27/28 e FT2021_29/30/31, conforme a seguinte tabela:

Guia/Declaração

Faturas

Entrega do Imposto

Valor Imposto de Selo

Docs.

...

FT2020_12/13/14/15/16

ago/20

        4 787,13 €

2 e 12

...

FT2020_25

dez/20

        2 104,67 €

3 e 13

...

FT2020_27/28/29/30/31/34

jan/21

      97 995,53 €

4 e 14

...

FT2021_1/2/3/4/5

fev/21

      44 933,20 €

5 e 15

...

FT2021_7/8

mar/21

        4 622,21 €

6 e 16

...

FT2021_9/10

abr-21

        7 985,21 €

7 e 17

...

FT2021_11/14

jun/21

      17 326,25 €

8 e 18

...

FT2021_21/22/23/24

jul/21

      44 512,55 €

9 e 19

...

FT2021_25/26/27/28

Ago-21

      17 257,43 €

10 e 20

...

FT2021_29/30/31

Out-21

  1. 75,66 €

11 e 21

 

- conforme artigo 5º do PPA, documentos nºs 2 a 21 em anexo ao PPA e artigo 6º da Resposta da AT;

  1. A Requerente apresentou 02.02.2022 uma Reclamação Graciosa (RG) contra aqueles atos, pedindo a respetiva anulação, procedimento que tomou o nº ...2022..., tendo, após o exercício de audição prévia, sido indeferida por decisão de 21.04.2022 que lhe foi notificada em 29.04.2022 – conforme artigos 7º e 8º do PPA e artigos 7º a 9º da Resposta da AT, conjugados com os Documentos 1 e 24º juntos com o PPA e teor do PA junto pela AT com a resposta;
  2. O despacho de indeferimento da RG tem a seguinte fundamentação:

“( ...)

36.       No âmbito da atividade desenvolvida pela Reclamante, quanto à gestão dos fundos de capital de risco, a sociedade gestora cobra comissões de gestão, às quais foi aplicada a taxa de imposto do seio de 4%, conforme prevê a verba 17.3.4 da TGIS, é pacifico para a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), que as comissões cobradas, a título dos serviços de administração ou gestão, preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva contidos na verba 17.3.4 da TGIS, conforme Parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, que se transcrevem os seguintes pontos:

“(...)

9.Antes de verificar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras correspondem em todos os seus elementos relevantes - objectivo e subjectivo ao tipo de operações descritas na Verba 17.3 (Operações Financeiras) da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), importa averiguar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras são abrangidas pela isenção do IVA, porquanto esta é uma condição sine qua non para a incidência do imposto do selo (cfr. nº 2 do artigo 1 do CIS).

10.No atinente à isenção de IVA, embora não se tenha conhecimento de qualquer entendimento específico relativo ás comissões cobradas a titulo de gestão ou administração dos FCR, existe doutrina firmada a respeito do enquadramento na alínea g) do nº 27 do artigo 9º do CIVA das remunerações cobradas pela gestão de fundos de pensões, quer a sua gestão seja efectuada pelas companhias de seguros do ramo «Vida» quer por sociedades constituídas exclusivamente com essa finalidade (Cfr. informação nº 1065, Proc.º 1039D de 87.06.26, do SIVA, despacho do Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais de 87.07.23 e Ficha doutrinária relativa a informação vinculativa, Proc.º 1776, despacho do SDG dos Impostos substituo legal do Diretor Geral, 2011-04-08). O entendimento proferido assenta na interpretação de que a isenção da IVA consagrada na alínea g) do nº 27 do art. 9. do CIVA, para as operações de "administração ou gestão de fundos de investimento", na linha da redação da alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º (A redação deste normativo é a seguinte: "A gestão de fundos de investimento, tal como definidos pelos Estados Membros") da Directiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de IVA, é aplicável a qualquer “fundo comum de Investimento”, independentemente da sua natureza e finalidade.

11. E, na verdade, embora a principal finalidade do investimento em capital de risco consista, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 375/2007, na "aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respectiva valorização" (Não obstante, na actualidade, os regimes jurídicos dos fundos de investimento mobiliários e o dos FCR serem regulados de forma autónoma no passado, as similitudes eram expressamente assumidas tanto assim que o diploma que instituiu o regime jurídico dos FCR - o Decreto-Lei nº 187/91, de 17 de Maio - determinou que a constituição e funcionamento dos FCR era regulado, em tudo o que não contrariasse o regime, pelo Decreto-Lei no 229-C/88, de 4 de Julho, que unificou o regime jurídico dos fundos de investimento mobiliários e imobiliários abertos e fechados), a actividade de gestão dos FCR comporta, no essencial, a prática, pela entidade gestora, de actos e operações semelhantes aos praticados na gestão dos outros fundos de investimento, tanto assim que a gestão pode ser assegurada também por sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário fechados, não havendo, por conseguinte, qualquer justificação no plano material para que lhe fosse dado um enquadramento diferenciado, no âmbito do IVA.

12. Considerando, pois, como pacifico, que no campo do IVA, a isenção estabelecida na alínea g) do nº 27 do artº 9º, também se estende á remuneração cobrada pelas SCR aos FCR, resta-nos centrar a atenção na sujeição ao imposto do selo das comissões relativas à administração ou gestão dos fundos de capital de risco, começando por uma breve incursão histórica.

13. Na verdade, ao contrário da regulamentação das SCR, cujo regime fiscal, incluindo os benefícios fiscais cm matéria de imposto do selo, foram definidos pelo Decreto-Lei nº 67/87, de 9 de Fevereiro, posteriormente alargados (o artigo 1º, alínea c) aditou a isenção do imposto do selo a que se refere o nº 2 do artigo 120-A da Tabela Geral do imposto do Selo) pelo Decreto-Lei nº 124/87, de 17 de Março, para os FCR não foi publicado qualquer diploma especifico a estabelecer os benefícios fiscais aplicáveis. Aliás, em matéria de impostos sobre o rendimento, até ser consagrado um regime fiscal próprio dos FCR, foi-lhes aplicável o regime fiscal previsto no EBF para os fundos de investimento mobiliário. No âmbito do imposto do selo, não se conhece qualquer normativo que especificamente tenha estabelecido uma isenção para as operações realizadas no âmbito do funcionamento dos FCR, incluindo as comissões de gestão pagas as entidades gestoras.

14. Todavia, para os fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 20/86, de 13 de Fevereiro e o artigo 8º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, respectivamente, foi prevista uma isenção de imposto do selo para as operações sobre certificados representativos de unidades de participações, a que se referem os artigos 120-A e 141 da respectiva Tabela Geral, emitidos por aqueles fundos.

15. Sobre o alcance da isenção do imposto do selo consagrada no artigo 4º do Decreto-Lei nº 20/86, nomeadamente no tocante a saber se nela se compreendiam as comissões de gestão, apurou-se que, no passado, foram emitidos alguns entendimentos administrativos, segundo os quais todas as comissões, sem exceção, pagas pelos fundos às respetivas sociedades gestoras e, bem assim, aos depositários, beneficiavam da isenção do imposto do selo, tendo tal doutrina sido comunicada à Associação Portuguesa de Bancos, por Ofício da DSISTP, nº..., do 17.02.1999.

16. Embora se desconheça qualquer pronunciamento sobre esta matéria posterior à revisão do Código do imposto do Selo e respetiva Tabela, pela Lei n.º 150/99, de 3 de Setembro, uma conclusão desde já se impõe: tanto na vigência do Código do Imposto do Selo, na versão anterior à Lei n.º 159/99, não se suscitavam dúvidas quanto à sujeição ao imposto do selo das comissões de gestão pagas pelos fundos de investimento ás respetivas sociedades gestoras ao imposto do seio, antes, nos termos da alínea b) do corpo do artigo 120-A da TGIS sob a epigrafo "Operações Financeiras".

17. Sendo assim, cabe agora indagar se foi operada alguma alteração de fundo, na redação da Verba 17.3 “Operações Financeiras” da TGIS, quer no elemento objetivo quer subjetivo do facto gerador, que tivesse implicado a exclusão das comissões de gestão dos fundos de investimento e dos FCR do respetivo âmbito de incidência.

41        Situações estas contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do nº 1 do artigo 1º do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado. Não se vislumbrando assim, a alegada inconstitucionalidade por violação do disposto no nº 2 do artigo 1040 da CRP e violação do Princípio da Legalidade, consagrado no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP) das supracitadas autoliquidações em sede de IS, referentes à verba 17.3.4 da TGIS.

42        As entidades gestoras de fundos de investimento exercem as funções que lhes são atribuídas por lei, podendo exercer de forma autónoma atividades necessárias ou complementares da gestão dos fundos de investimento.

43        Na qualidade de administradoras e gestoras de fundos e como sua legal representante, compete à entidade gestora a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão dos fundos.

44        Assim sendo, a Reclamante A..., deve ser qualificada como intermediária, prestadora de serviços administrativos e de gestão entre diversas instituições financeiras (que realizam operações financeiras) e os fundos de investimento, cobrando as respetivas comissões de gestão aos fundos por si geridos e pagando comissões de comercialização às entidades financeiras. Essas operações estão sujeitas a imposto de selo nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, uma vez que, não estão abrangidas por nenhuma isenção.

45        Nomeadamente a do artº  7º do CIS sob a epigrafe "Outras Isenções" consta no seu no 1 al) e) "Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças; (Redação da Lei n.º 107-8/2003, de 31 de dezembro).

46        É nosso entendimento que do ponto de vista objetivo, nos termos previstos no nº 2 do artº 37º da Lei no 30-C/2000, do artº 7º nº 1 al) a) do CIS consta, tão só, uma isenção que não é aplicável às comissões previstas na verba 17.3.4 da TGIS, mas sim, aplicável às operações que estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida por instituições financeiras e as entidades referidas naquele normativo.

47        Ora como paradigma de tributação indireta temos a tributação em IVA. No que concerne às comissões de gestão pagas pelos fundos à sociedade gestora, desde logo se conclui que as mesmas estão isentas de IVA.

48        Como já foi suprarreferido existe uma doutrina firmada a respeito do enquadramento do artº 9º nº 27 al) g) do CIVA quanto às comissões cobradas pela sociedade gestora dos fundos (Inf. Nº 1065, PO 1039D, de 26-06-1987 do SIVA, com despacho do Secretário dos Assuntos Fiscais de 23-07-1987 e ficha doutrinária relativa à informação vinculativa no Pº 1776, com despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, como substituto legal do Diretor Geral de 08-04-2011.

49        O entendimento proferido assenta na interpretação de que uma isenção de IVA prevista no artº 9º no 27, al.) g) do CIVA para as operações de gestão realizadas pela sociedade gestora, na linha da redação da al) g) do artº 135º da Diretiva 2006/112/CEE, relativa ao sistema comum de IVA, é aplicável a qualquer fundo de investimento independentemente da sua natureza e finalidade.

50        A isenção de IVA é condição "sine qua non" para a incidência de imposto do selo, conforme dispõe o nº 2 do artº 1 do CIS. Assim, o imposto do selo incide sobre atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos, previstos na Tabela Geral, ocorridos em Portugal, e não sujeitos ou isentos de IVA.

51        Carece, pois, de fundamento a alegação da ausência de norma de incidência, dado que se trata efetivamente de tributar em sede de imposto do seio, verba 17.3.4 da TGIS, as prestações de serviços de gestão da atividade dos fundos de investimento de capital de risco, no âmbito da sua atuação no mercado financeiro relativamente aos respetivos títulos de participação

52        Sendo assim, está a Reclamante abrangida sem qualquer dúvida pela incidência da verba 17.3.4 da TGIS, preenchendo cumulativamente os requisitos de natureza objetiva e subjetiva.

53        Nos termos das alíneas u) e aa) do artigo 2º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - Lei nº 16/2015, de 24 de fevereiro (procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo - Decreto-Lei nº 63-A/2013 - e alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e ao Código dos Valores Mobiliários; transpôs parcialmente as Diretivas nºs 2011/61/UE e 2013/14/EU) são definidos, respetivamente, «fundo de investimento», os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral e os «organismos de investimento coletivo» como sendo instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.

54        Pelo que, os «organismos de investimento coletivo» são subdivididos em diferentes tipos de organismos, entre os quais se encontram:

i) Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), que são organismos abertos:

    1º) Cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo de capitais de investidores não exclusivamente profissionais em valores mobiliários ou outros ativos financeiros líquidos referidos na subsecção I da secção I do capítulo II do título III e que cumpram os limites previstos na subsecção II da mesma secção;

     2º) Cujas unidades de participação são, a pedido dos seus titulares, readquiridas ou resgatadas, direta ou indiretamente, a cargo destes organismos, equiparando-se a estas reaquisições ou resgates o facto um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários agir de modo a que o valor das suas unidades de participação em mercado regulamentado não se afaste significativamente do seu valor patrimonial líquido;

ii) «Organismos de investimento alternativo» (OIA), que são os demais, designadamente os previstos na alínea a) do nº 2 do artigo anterior e ainda:

     1º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento coletivo em valores mobiliários ou outros ativos financeiros, designados «organismos de investimento alternativo em valores mobiliários (OIAVM)»;

     2º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados «organismos de investimento imobiliário» (OII);

     3º) Outros organismos fechados cujo objeto inclua o investimento em ativos não financeiros que sejam bens duradouros e tenham valor determinável, designados organismos de investimento em ativos não financeiros (OIAnF)".

Ou seja,

55.       Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo [o artigo 5º da Lei n.º 16/2015 esclarece que os OIC assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário)], sendo que, como dispõe o nº 2 do artigo 6.º , ao fundo de investimento fica reservada a expressão «fundo de investimento», acrescida da expressão «imobiliário» no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação 

56.       No exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete às entidades gestoras gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial, à gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; a gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento, emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação entre outros.

57.       As entidades comercializadoras de unidades de participação podem ser, nos termos do artº 129º do RGOIC:

a)        As entidades responsáveis pela gestão;

b)        Os depositários;

c)        Os intermediários financeiros registados junto da CMVM para o exercício das atividades de colocação com ou sem garantia ou de receção e transmissão de ordens por conta de outrem;

d)        Outras entidades como tal previstas em regulamento da CMVM, mediante autorização desta.

2.         As entidades comercializadoras referidas na alínea d) do número anterior observam as regras impostas aos intermediários financeiros relativas ao exercício da sua atividade, designadamente as de prevenção e resolução de conflitos de interesses, ficando os serviços responsáveis pela comercialização sujeitos à supervisão da CMVM, nos mesmos termos do que aqueles intermediários financeiros.

3.         As relações entre a entidade responsável pela gestão e as entidades comercializadoras regem-se por contrato escrito.

4.         As entidades comercializadoras respondem perante os participantes pelos danos causados no exercício da sua atividade.

5.         Podem ainda comercializar unidades de participação de OIA junto dos trabalhadores as entidades empregadoras ou as entidades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a entidade empregadora, ou as entidades com quem aquelas se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que a participação no OIA esteja reservada aos trabalhadores dessas entidades.

58.       Sendo que constituem encargos do organismo de investimento coletivo a comissão de gestão e a comissão de depósito, destinadas a remunerar os serviços prestados pela entidade responsável pela gestão e pelo depositário do organismo de investimento coletivo, respetivamente.

59.       Assim, os atos inerentes às entidades gestoras e às entidades depositárias dos referidos fundos, cabem na previsão na norma, pois envolvem uma atividade de intermediação financeira justificativa da sujeição a imposto do selo.

60.       Vem a Reclamante alegar que não é considerada uma entidade financeira, para efeito de fundamentar que não existe norma legal que permita a tributação das comissões de gestão cobradas aos FCR geridos pela A... .

61.       No tocante ao RGICSF, é pacífico que as SCR não se inserem no conceito restrito de instituições financeiras do diploma. As SCR têm um regime próprio, regulado pela Lei 18/2015, de 4 de março, estipulando que o seu "objeto principal é a realização de investimento em capital de risco e elenca as respetivas operações que as mesmas podem realizar.

62.       O imposto do selo em apreciação que foi liquidado e pago pela Reclamante, refere-se aos meses de julho de 2020 a setembro de 2021

63.       Assim, embora a sociedade gestora no caso concreto não seja qualificada como entidade financeira, tal argumento não colhe, pois, tributação em sede de imposto do selo, em referência às referidas comissões de gestão nos referidos períodos, tem enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a Imposto do Selo por força do disposto no nº 1 artigo 1º do Código do Imposto do Selo.

64.       A comissão de gestão é um facto sujeito a imposto, nos termos da verba 17.3 da TGIS que incide sobre o "valor cobrado". Em conformidade com esta definição da incidência real, o facto tributário ocorre aquando da cobrança das respetivas comissões, independentemente do seu recebimento,

65.       As comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento pelas respetivas sociedades gestoras são tributadas em sede de imposto do selo, verba 17.3 TGIS, conforme Parecer nº 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995 pelo Centro de Estudos Fiscais e Informação vinculativa nº 10848, esta referida até pela Reclamante.

66.       Todas as comissões de gestão (enquanto remuneração pelos serviços prestados), cobradas pela sociedade gestora aos FCR, tem incidência na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), pois tem cabimento na norma que prevê a tributação «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros (...)”, tal como consta do Parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, que se transcreve novamente:

“(...)

9.Antes de verificar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras correspondem em todos os seus elementos relevantes - objetivo e subjetivo ao tipo de operações descritas na Verba 17.3 (Operações Financeiras) da Tabela Gera! do Imposto do Selo (TGIS), importa averiguar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras são abrangidas pela isenção do IVA, porquanto esta é uma condição sine qua non para a incidência do imposto do selo (cfr. nº 2 do artigo 1º do CIS).

(...)

"O Decreto-Lei nº 187/91, de 17 de Maio - determinou que a constituição e funcionamento dos FCR era regulado, em tudo o que não contrariasse o regime, pelo Decreto-Lei no 229-C/88, de 4 de Julho, que unificou o regime jurídico dos fundos de investimento mobiliários e imobiliários abertos e fechados. A atividade de gestão dos FCR comporta, no essencial, a prática, pela entidade gestora, de atos e operações semelhantes aos praticados na gestão dos outros fundos de investimento, tanto assim que a gestão pode ser assegurada também por sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário fechados; não havendo, por conseguinte, qualquer justificação no Plano material para que lhe fosse dado um enquadramento diferenciado, no âmbito do IVA”.

67.       O foco do actual imposto do selo que, conforme se diz no preâmbulo do CIS “tende a afirmar-se cada vez mais como imposto sobre as operações” e realidades económicas que “independentemente da sua materialização” e dos aspectos jurídicos subjacentes a essas mesmas realidades “revelem rendimento ou riqueza”.

Assim,

68.       Esta declaração é depois traduzida na prática tributária quando o legislador afirma, sem distinguir a forma jurídica, que são sujeitos passivos do imposto do selo quaisquer entidades, instituições, empresas, representantes e ou pessoas singulares que atuem no exercício de uma atividade de comércio, indústria ou prestação de serviços, que, nomeadamente, realizem, emitam e ou intervenham em atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral que se considerem ocorridas em território nacional, conforme as disposições do nº 1 do artigo 1º do CIS.

69.       As comissões de gestão (que consistem em remunerações pelo desempenho das funções de gestão) pagas pelos FCR às sociedades gestoras estão abrangidas pela isenção do IVA. Esta é uma condição sine qua non para a incidência do imposto do selo (cfr. nº 2 do artigo 1º do CIS).

70. Resulta assim, que as comissões em análise preenchem cumulativamente, os elementos de natureza objetiva e subjetiva, previstos na verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a Imposto do Selo por força do disposto no n.º 1 artigo 1º do Código do Imposto do Selo.

71. Em síntese:

a)        As comissões de gestão inerentes à prestação de serviços pelas sociedades gestoras preenchem os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para sujeição de tais operações à tributação em sede de imposto do selo, com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS, a qual refere “(...) outras comissões e contraprestações por serviços financeiros"

b)        De acordo com o Parecer n.0 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995 do CEF e parecer no 25/2013, “não se suscitavam dúvidas quanto à sujeição ao imposto do selo das comissões de gestão pagas pelos fundos de investimento às respetivas sociedades gestoras ao imposto do selo, antes, nos termos da alínea b) do corpo do artigo 120-A da TGIS sob a epigrafe "Operações Financeiras".

c)        Nos termos do disposto no artº 1º nº 1 do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS, as comissões de gestão cobradas pela sociedade gestora, estão sujeitas a imposto do selo, não podendo beneficiar de nenhuma isenção. Não tem fundamento a alegação, de não haver norma de sujeição em sede de imposto do seio.

VI. DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDICÃO PRÉVIA

72.       Analisado o mérito do peticionado, procedeu-se à elaboração do "Projeto de Decisão" junto dos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação nº 71-1SCPSI/2C22, disso se notificando o Contribuinte, ora Reclamante, através de ofício nº ...-DJT/2022 da UGC, de 29-03-2022 para, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer, querendo o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos e efeitos do preceituado na alínea b) do n.º 1 e dos nos 4 a 6 todos do artigo 60º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no artigo 100 do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

73.       No prazo estabelecido, o Reclamante, devidamente notificado do "Projeto de Decisão” da Reclamação Graciosa e no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, nos termos do artigo 40º do CPPT, sob a forma escrita, nem o contribuinte, por um lado, carreou para os autos quaisquer elementos que colocassem em causa o nosso anterior projeto, nem os Serviços apuraram razões que impedissem a convolação em definitivo desse mesmo projeto.

Nestes termos,

74.       Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

75.       Face a todo o exposto, conclui-se pelo indeferimento da pretensão da Reclamante, mantendo-se válidas as autoliquidações em análise, sendo efetivamente legais os montantes de IS liquidados e pagos (€ 255.999,84).

VII. DA CONCLUSÃO E DECISÃO.

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pelo Reclamante, somos de propor o indeferimento do pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no introito desta nossa Informação, com todas as consequências legais”.

- conforme Documento nº 1 em anexo ao PPA e PA junto pela AT;

  1. A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 28 de Julho de 2022 – conforme registo no SGP do CAAD.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.

 

 

 

Motivação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes (considerando ainda a não impugnação especificada dos factos articulados no PPA) e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA que não mereceram reparo pela AT e que integram o PA junto ao processo.

Matéria de direito

 

  1. - Sobre a questão de fundo que se coloca neste dissídio existem decisões proferidas no âmbito dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, conforme artigo 10º do PPA, entre as quais:
  • P. 226/2018 - T;
  • P. 399/2019 - T;
  • P. 791/2019 – T; e
  • P. 757/2020 – T,

todas elas no sentido de sufragar o ponto de vista defendido pela Requerente.

 

12.2 - Configura-se que as normas legais cuja aplicação aqui está imediatamente em causa são as seguintes (sublinhado nosso):

 

Tabela Geral do Imposto do Selo

 

17.3 - Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ................................................4%”

 

Artigo 7º, nº 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo (CIS)

 

“1 - São também isentos do imposto:

...

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

 

  1. - Antes de mais cumpre salientar que estamos perante a interpretação de uma norma de incidência pelo que haverá que ter em atenção, por exemplo, o que refere o acórdão do TCA Sul, Processo 64/14.0BELRS de 25.01.2018 (em www.dgsi.pt) em cuja ponto 3 do sumário se escreveu: “3. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação”.

            Ou seja, vale aqui o princípio de que o elemento literal da norma é o mais relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.

Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz). “(...) Há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador, sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).

Por outro lado, a fundamentação do acto impugnado é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido (referido v.g. na Resposta), não pode ser aqui acolhido, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

Ou seja, a fundamentação do acto de indeferimento que terá aqui de se considerar é a consta da alínea E) da matéria de facto assente.

 

  1. – A única pergunta a que se mostra necessário responder é se as SCR integram o conceito de “outras instituições financeiras” a que se alude na verba 17.3 da TGIS.

De facto, a discussão sobre se as comissões sobradas pelas SCR aos fundos pela sua gestão e representação têm cabimento no elemento literal (previsão) da norma contida na verba 17.3.4: “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, não se configura ter razão de ser, posto que, mesmo que não se considerem “contraprestações por serviços financeiros” são seguramente “outras comissões”.

Vale aqui mais uma vez o que se escreveu v.g. no acórdão do TCA Sul, Processo 64/14.0BELRS de 25.01.2018 (em www.dgsi.pt) em cujo ponto 1 do sumário se refere “O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada” (sublinhado nosso).

Em termos rigorosos não se poderá dizer que a lei fiscal não tem, pelo menos delimitando o conceito, uma definição do que são instituições financeiras. A expressão consta na alínea a) do nº 1 do artigo do artigo 97º do CIRC a propósito do regime de dispensa de retenção na fonte de IRC quanto a rendimentos de capitais auferidos por residentes que sejam instituições financeiras. E o código do IRC é bem claro onde se deve buscar a integração do conceito, como resulta do artigo 142º do CIRC: no CAE Rev3.

O Código do IS e a TGIS a ele anexa, não têm uma norma idêntica ao artigo 142º do CIRC. Do mesmo  não consta uma definição da expressão que aqui nos ocupa, mas afigura-se que nada obsta, face ao nº 2 do artigo 11º da LGT, que se recorra ao Decreto-Lei nº 381/2007 de 14.11 (CAE-REV3) – que no fundo é a transposição do Regulamento (CE) nº 1893/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Dezembro), obtendo-se subsídios para a mais correcta integração do conceito de “outras instituições financeiras” a que se alude na verba 17.3 da TGIS, para além do recurso a outras normas com ligação próxima ao tema em discussão como é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo Decreto‐Lei nº 298/92 de 31.12.

Mas configura-se que o legislador fiscal quis afastar claramente as SCR do conceito de “instituição financeira” para efeito de imposto do selo. Esta conclusão flui da redacção do artigo 7º, nº 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo (CIS) que diz:

São também isentos do imposto:

...

Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

 Ou seja, o legislador do CIS ao autonomizar nesta norma as “sociedades de capital de risco” está a dizer que estas não cabem – para efeitos do Imposto do Selo – na expressão “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”, caso contrário não as teria autonomizado.

 

 

  1. A fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa

 

  • A primeira linha de argumentação da decisão de indeferimento é sustentada em Parecer do CEF que parte de uma análise histórica das normas que tributavam desde o primitivo artigo 120ºA da TGIS em vigor até à vigência da Lei 150/99 de 11.09 que aprovou o actual CIS e a actual TGIS.

Ora, o actual ordenamento jurídico que pode servir de suporte (ex vi nº 2 do artigo 11º da LGT) para integrar o conceito - actual - de “instituição financeira” (o CAE REV3 e o RGICSF) é muito posterior ao período de vigência do artigo 120ºA da antiga TGIS e os conceitos tiveram a sua necessária evolução no tempo, pelo que a evolução histórica das normas que conduziram à actual verba 17 e verba 10, ambas da TGIS, não se configura determinante.

  • Uma segunda linha de argumentação (pontos 42 a 46) parece partir da defesa de que as SCR são “instituições financeiras”, mas para afastar a aplicação da isenção que lhes seria aplicável (alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS) por serem “instituições financeiras”, defende que a isenção afinal só se aplicaria “às operações de concessão de crédito, o âmbito da actividade exercida por instituições financeiras”, ou seja, às instituições de intermediação monetária, como se infere do actual nº 7 do artigo 7º do CIRS.

No entanto, a Requerente não invocou essa isenção, mas apenas a não sujeição face à letra das verbas 17.3 e 17.3.4 ambas da TGIS.

  • Uma terceira linha de fundamentação, parte da interligação entre o nº 2 do artigo 1º do CIS face à isenção de IVA estabelecida no artigo 9º, nº 27º alínea g) do CIVA quanto à administração ou gestão de fundos de investimento.

No entanto, a estreita ligação entre estas normas não dispensa a necessidade das normas de incidência fiscal ao nível do Imposto do Selo comportarem, com certeza e segurança, os factos tributários em concreto que estão sujeitos a imposto, neste caso as verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS.

  • Numa quarta linha, sustenta a AT que com base no Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo – ROIC - (Lei 16/2015 de 24.02) “os atos inerentes às entidades gestoras e às entidades depositárias dos referidos fundos cabem na previsão da norma – verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS – pois envolvem um actividade de intermediação financeira justificativa da sujeição a imposto do selo.”

No entanto, por um lado, existe o CAE REV3 que é a norma por excelência para definir, catalogar e ordenar as actividades económicas, como adiante se verá. Por outro lado, o que aqui está em causa é apurar se as SCR são ou não “instituições financeiras” para efeitos das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, sendo que a AT não refere claramente se as considera ou não, por força deste normativo.

  • Por último é a própria AT que parece reconhecer que afinal as SCR não são “instituições financeiras”, pelo menos num conceito restrito, como se retira dos pontos 61 e 63 da fundamentação. Refere a AT “no tocante ao RGICSF, é pacífico que as SCR não se inserem no conceito restrito de instituições financeiras do diploma”. “Assim, embora a sociedade gestora no caso concreto não seja qualificada como entidade financeira, tal argumento não colhe, pois, tributação em sede de imposto do selo, em referência às referidas comissões de gestão nos referidos períodos, tem enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS”.

 

  1. - O CAE-REV3 enquanto norma que nos termos do nº 2 do artigo 11º da LGT contribui para a resolução do dissídio.

 

Naturalmente será “instituição financeira” a entidade que exerce actividades financeiras como tal reconhecidas na lei, que, no caso, será o Decreto-Lei nº 381/2007 de 14.11 (CAE-REV3 – que no fundo é a transposição do Regulamento (CE) nº 1893/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Dezembro, para o direito interno.

O CAE REV3 indica na Secção K as “ACTIVIDADES FINANCEIRAS E DE SEGUROS”, referindo que nesta secção se “inclui as actividades de intermediação financeira, abrangendo também as actividades de seguros, resseguros, fundos de pensões, investimento em valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, assim como actividades auxiliares de intermediação financeira, dos seguros e dos fundos de pensões. Inclui também as actividades das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), em sociedades financeiras e não financeiras e as actividades dos trusts, fundos e outras entidades”.

De seguida estabelece três divisões:

  1. Divisão 64 – ACTIVIDADES DE SERVIÇOS FINANCEIROS – onde se encontram as instituições de intermediação monetária, o banco central, outra intermediação monetária, SGPS, Trusts, Fundos e outras entidades financeiras similares, outras actividades de serviços financeiros, actividade de locação financeira, outras actividades de crédito, actividades das instituições financeiras de crédito e de aquisição a crédito, factoring e outras actividades de serviços financeiros e serviços financeiros diversos.
  2. Divisão 65 SEGUROS, RESSEGUROS E FUNDOS DE PENSÕES – onde se encontram as empresas de seguros de vida e não vida, outras actividades complementares de segurança social, resseguros e Fundos de Pensões e Regimes Profissionais Complementares.
  3. Divisão 66 - ACTIVIDADES AUXILIARES DE SERVIÇOS FINANCEIROS E DOS SEGUROS – onde se encontram as empresas de administração de mercados financeiros, a negociação por conta de terceiros de valores mobiliários e instrumentos financeiros e actividades auxiliares de serviços financeiros, e seguros e de fundos de pensões, avaliação de riscos e danos, mediadores de seguros, e actividade de gestão de fundos.

Aqui chegados, verificamos que as sociedades gestoras dos fundos de capital de risco constam o CAE REV3 na Divisão 66 Grupo 330, ou seja, autonomizados sob a designação de “ACTIVIDADES DE GESTÃO DE FUNDOS” compreendendo as actividades desenvolvidas pelas sociedades gestoras de fundos de investimento, sociedades de investimento em valores mobiliários, sociedades gestoras de patrimónios, sociedades gestoras de fundos de pensões, sociedades gestoras de fundos de capital de risco e sociedades de fundos mutualistas.

Ou seja, face ao elemento literal do CAE REV3, as SCR exercem actividade de AUXILIARES DE SERVIÇOS FINANCEIROS e não exercem ACTIVIDADES DE SERVIÇOS FINANCEIROS, pelo que, não são (1) instituições de crédito, (2) sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, nem (3) quaisquer outras instituições financeiras (pois estas integram a Divisão 64 da Secção K do CAE REV3), logo não cabem na previsão da norma de incidência do Imposto do Selo tal como se encontra redigida a verba 17.3 da TGIS.

 

  1. – O RGICSF enquanto norma que nos termos do nº 2 do artigo 11º da LGT contribui para a resolução do dissídio.

 

Recorrendo ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo Decreto‐Lei nº 298/92 de 31.12, verificamos que face ao seu artigo 3º (que elenca o tipo de instituições de crédito) e face ao artigo 6º (que elenca o tipo de sociedades financeiras), sendo o RGICSF a norma por excelência a que o intérprete deve recorrer neste caso concreto, por força do nº 2 do artigo 11º da LGT, não resulta que as SCR estejam abrangidas na definição de sociedades financeiras ou de outras entidades a que se refere a verba 17.3. da TGIS, nomeadamente outras instituições financeiras.

E se assim é, não é possível, face à redacção da verba 17.3 da TGIS, onde se estabelece a incidência do imposto aqui em causa, concluir-se que as SCR estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS (taxa ad valorem de 4% sobre as comissões de gestão cobradas a FCR).

Com efeito, percute-se, não sendo as SCR instituições de crédito, também não é possível enquadrá-las nos diversos tipos de entidades sujeitas a imposto do selo, que são

  • As sociedades financeiras,
  • outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras,
  • e quaisquer outras instituições financeiras.

Acrescente-se que não parece a este Tribunal que as SCR caibam no conceito de “instituição financeira” por força da alínea ee) do artigo 2ºA; das alíneas b), h), j) e r) do nº 1 do artigo 4º e da alínea b) do nº 1 do artigo 6º, todos do RGICSF.

 

***

 

Procede, pois, o PPA, porquanto a reclamação graciosa deduzida pela Requerente deveria ser deferida e consequentemente anuladas as autoliquidações que padecem de desconformidade face à norma de incidência do IS que no caso é a verba 17.3 da TGIS.

 

***

 

  1. Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

13.1 - O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

13.2 - Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios adere-se ao decidido no Processo CAAD nº 345/2021-T onde se expressou (alterando-se as datas em conformidade com este processo): “(…) A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. No entanto, os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, em face do preceituado no artigo 43.º da LGT. No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação. No caso em apreço, a reclamação graciosa foi ...apresentada em 02.02.2022 pelo que deveria ter sido proferida decisão até 02-06-2022, (sendo irrelevante para o caso que tivesse sido proferida decisão antes desta data) primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT. Assim, a partir de 03.06.2022, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias retidas na fonte. Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respetiva nota de crédito (…)”.

 

III – Decisão

 

Termos em que, decide o Tribunal:

 

  1. Julgar procedente o PPA e consequentemente anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea D. dos factos assentes e bem assim as autoliquidações referidas nas alíneas B. e C. dos factos provados;
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso de € 255 999,84 pagos indevidamente e ordenar o seu reembolso;
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios contados desde 03.06.2022.

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 255 999,84, que não foi contestado pela Requerida, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em € 255 999,84, o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4 896,00, fica a cargo da Requerida em função do decaimento.

 

Notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2023

 

Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente)

(Vencida parcialmente nos termos da declaração de voto que junta)

 

 

Jorge Bacelar Gouveia  

(Vogal)

 

 

Augusto Vieira

(Vogal-Relator)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de vencido da árbitra Carla Castelo Trindade

 

1. Sem prejuízo de concordar com a posição que fez vencimento quanto ao mérito da causa, não acompanho a posição do Tribunal Arbitral no que em concreto respeita à fixação do dies a quo do cômputo dos juros indemnizatórios.

 

2. Nos casos de tributos autoliquidados apenas se pode considerar que existe um erro imputável aos serviços que determina o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT se a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo tido a possibilidade de apreciar e sanar a ilegalidade dos actos de liquidação que foram praticados pelos sujeitos passivos, tiver optado, expressa ou tacitamente, pela sua confirmação e manutenção como tal na ordem jurídica.

 

3. É este o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, por exemplo, no acórdão proferido em 29 de Junho de 2022, no âmbito do processo n.º 093/21.7BALSB, no qual se determinou o seguinte:

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g.reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”.

 

4. Ora, aplicando este raciocínio mutatis mutandis ao presente caso, resulta que o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios será a data do indeferimento, efectivo ou presumido, da reclamação graciosa, consoante o que se verificar primeiro.

 

5. Uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu expressamente a reclamação graciosa em 21.04.2022 – portanto em momento anterior a 3.6.2022 que corresponde à data na qual se verificaria a presunção de indeferimento tácito –, é aquela a data do termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da LGT. Isto na medida em que a data do indeferimento expresso é a data em que se consolida e torna definitiva a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira que confirma a ilegalidade dos actos liquidados pelo sujeito passivo.

 

6. Pelo exposto, entendo que a decisão arbitral deveria ter determinado que os juros indemnizatórios se contam desde 21.04.2022 e não desde 3.6.2022.

 

 

A árbitra,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente)