Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 401/2022-T
Data da decisão: 2023-04-11  IRS  
Valor do pedido: € 10.542,00
Tema: IRS - 2019 – Mais-valias imobiliárias – Reinvestimento – Separação de facto – Habitação própria e permanente – Domicílio fiscal – Terreno para construção.
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SUMÁRIO:

 

1. Para efeitos do artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, não releva a circunstância de os cônjuges estarem “separados de facto”, residindo o Requerente fora do território nacional, porquanto o cônjuge mulher continua a fazer parte do agregado familiar do sujeito passivo.

2. Há lugar à exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias obtidos com a alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo “ou” do seu agregado familiar.

3. Nos casos de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, pode dar-se a afetação do imóvel à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado, dentro dos prazos previstos pelo artigo 10.º, n.º 6, alínea b) do CIRS.

4. Por não permitir a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação efetuada por um sujeito passivo não residente que tenha no território nacional o respetivo agregado familiar, a liquidação ficou inquinada de vício de violação de lei.   


DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO
     
     A...,  (doravante Requerente), residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ...,  sujeito passivo com número de identificação fiscal ..., vem requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), submetendo à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade do ato tributário identificado abaixo.

 

Peticiona que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º com o número ...2020..., datada de 03-12-2020.

 

Peticiona ainda a título mediato, enquanto objeto daquela reclamação graciosa, a declaração de ilegalidade da Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante IRS) n.º 2020..., de 2020-07-17 (documento 2020...), visando a anulação da liquidação de IRS, do ano de 2019, no valor de  € 10.542,00 (dez mil quinhentos e quarenta e dois euros), e a consequente restituição do montante em causa pago pelo Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do número de processo atribuído, em 04-07-2022, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 05-07-2022.


Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.  Em 18-08-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

 

Síntese da posição das Partes:         

 

  1. Do Requerente

 

Tendo sido manifestada a intenção de reinvestimento do VR (valor de realização) de imóvel destinado a constituir habitação própria e permanente do seu agregado familiar, residindo à data, o Requerente em Angola, discorda do facto de o mesmo não ter sido considerado, quando o artigo 10.º, n.º 5 do CIRS admite o reinvestimento na situação em que a habitação alienada tenha servido de habitação permanente ao Requerente ou ao seu agregado familiar, mostrando-se os demais requisitos verificados também no caso da sua mulher e comproprietária. 

 

E acrescenta «O Requerente e sua mulher indicaram que estavam “separados de facto”, pois essa foi informação prestada pelos serviços da AT pelo facto do Requerente estar a viver em Angola. No entanto, o Requerente e sua mulher não estavam separados, nem qualquer um dos dois tinha o propósito de não restabelecer a comunhão. “Separados de Facto” é um conceito jurídico que implica que não existe comunhão de vida entre os cônjuges (Requerente e mulher) e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer. Estas circunstâncias não se verificam no caso concreto, ainda que não vivessem juntos pelo facto do Requerente estar a trabalhar em Angola (o que, aliás, era uma situação temporária).»

 

Ainda de acordo com o Requerente «O imóvel vendido não era a sua habitação própria e permanente, porquanto este alterou o seu domicílio para Bairro ..., Condomínio ..., Luanda, Angola, na sequência de um destacamento profissional por período de 4 anos. No entanto, o imóvel (…) era a habitação permanente do seu agregado familiar, que se manteve em Portugal por razões de ordem familiar. A questão fundamental consiste em saber se se consideram ou não verificados os pressupostos para a exclusão de tributação de mais-valias, sendo que o Requerente era não residente em Portugal aquando a alienação do imóvel, e o cônjuge mulher e filhos menores tinham no imóvel, nessa mesma data, a sua residência própria e permanente, e que o Requerente declarou, na sua declaração de IRS, a intenção de proceder ao reinvestimento das mais-valias».

 

Considera igualmente que «Apesar de o Código do IRS não conter uma definição de agregado familiar, a situação do Requerente não pode deixar de se enquadrar na previsão do seu artigo 13.º, na redação à data dos factos».

 

E conclui «Apesar de um dos sujeitos passivos não ter, à data da alienação do imóvel, a sua residência própria e permanente no imóvel alienado (não obstante aí residir até se mudar para Angola, por razões profissionais), não fica precludido o direito àquele benefício se estiver em causa a transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

 

A norma não refere a transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, sendo mais abrangente: a conjunção “ou” indica alternativa ou opcionalidade, pelo que haverá lugar à exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias obtidos com a alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo “ou” do seu agregado familiar (esta última circunstância verifica-se no caso concreto)».  

 

  1. Da Requerida

 

Os argumentos apresentados pela AT sublinham, no essencial, o seguinte:

 

«(...), a liquidação objeto dos presentes autos arbitrais, tal como a vigente, emitida em razão da apresentação da declaração de substituição de Junho de 2022, foi emitida tendo por suporte a informação veiculada pelo próprio Requerente e que goza da presunção de veracidade (cfr. Artigo 75.º da LGT), concretamente a alienação do direito de propriedade, na respetiva quota parte, de um imóvel, no ano de 2019, na situação de não residente e de separado de facto, sem qualquer identificação de dependentes». 

 

Nas palavras da Requerida, «a liquidação emitida e contestada mais não faz do que traduzir a informação veiculada aquando da entrega da declaração modelo 3 de rendimentos, o mesmo relativamente à declaração de substituição apresentada em 2022, enquadrados os factos com relevância tributária à luz do normativo do CIRS aplicável, não assistindo razão aos argumentos do Requerente».

 

Conclui, assim, «(...) que tendo o Requerente, não residente, vindo declarar os rendimentos auferidos em Portugal, em consonância com o disposto no artigo 15.º, n.º 2 do CIRS, concretamente os rendimentos de mais-valias imobiliárias decorrentes da alienação da sua quota-parte do direito de propriedade do imóvel sito em Odivelas, e, por outro lado, igualmente declarando ser “separado de facto”, então, em sede tributária, tal deve ser ponderado individualmente, não sendo possível considerar que o imóvel seja a sua residência própria e permanente atento a sua não residência em Portugal, tal como o de um agregado no qual não se insere, atendo a informação de separado de facto (facto este confirmado na modelo 3 entregue pela outra comproprietária do imóvel e, para efeitos civis, cônjuge)».   

 

Acrescentando, por fim, «(...) que se a declaração de rendimentos for apresentada junto da AT por um dos cônjuges, sendo que, neste caso verificou-se em ambos os sujeitos passivos unidos pelo vínculo civil do casamento, com a indicação da situação pessoal de “separado de facto”, não será possível admitir-se o regime do benefício da exclusão supra identificado, porquanto o agregado familiar do contribuinte não residente apenas se mostra preenchido por ele próprio, isto é, o agregado familiar nestes caso é composto por cada um dos cônjuges separados de facto e, se houver e assim forem declarados, pelos dependentes a seu cargo».   

 

                                                                        ***

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular, foi constituído em 06-09-2022.

 

Em 12-09-2022, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 06-10-2022, juntando Processo Administrativo (doravante PA).

 

Em 02-11-2022, foram notificadas as partes do despacho, da mesma data, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, convidando-se as partes, querendo, a apresentar alegações escritas por prazo simultâneo, em 30 dias, o que a Requerida e o Requerente efetuaram, respetivamente, em 02-12-2022 e 07-12-2022.

 

 

  1. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.
 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 
   III.  MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados:

 

No período de 2016 a 2020, o Requerente teve residência fiscal em Angola, estando devidamente enquadrado como não residente fiscal em Portugal (desde 2016).

 

No dia 21 de Julho de 2007, o Requerente casou com B..., sob o regime de comunhão de adquiridos.

 

Do casamento, nasceram três filhos.

 

O Requerente é pai da menor C..., nascida a 12 de Janeiro de 2012.

 

O Requerente é pai da menor D..., nascida a 07 de Agosto de 2014.

 

 O Requerente é pai do menor E..., nascido a 17 de Junho de 2020.  

 

Em 2006-06-30, adquiriu, em compropriedade com B..., o prédio urbano sito em ... e identificado com o Artigo ...-fração R, pelo preço total de € 157 000,00 (1/2 = € 78 500,00), negócio para o qual contraíram empréstimo bancário no mesmo montante.

 

Na escritura de compra e venda do referido imóvel, outorgada em 30 de Junho de 2006, foi declarado que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria permanente.

 

O Requerente aí residiu de forma permanente, em conjunto com os restantes membros do respetivo agregado familiar, até se ter ausentado do território nacional, em 2016.

 

O referido imóvel foi, por sua vez, alienado em 2019-11-21, na situação do Requerente como não residente, pelo montante de € 258 000,00 (1/2 = € 129 000,00), negócio este concretizado mediante intervenção de mediação imobiliária, à qual foi paga a comissão de € 492,00, sendo que, se encontrava ainda em dívida o empréstimo de € 113 927,00 (1/2 = € 56 963,00).

 

À data da alienação, o cônjuge mulher e seus dependentes, faziam deste imóvel a sua habitação própria e permanente.

 

De acordo com contrato de empreitada, celebrado a 7 de abril de 2020 (e comprovado nos termos do documento n.º 5, constante dos autos), o Requerente e o cônjuge mulher, declaram-se promitentes-compradores de um lote de terreno para construção urbana, inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo ..., melhor identificado abaixo, com o objetivo de edificação de uma habitação unifamiliar de tipologia V4, naquele mesmo terreno.

 

O limite então estabelecido para conclusão da obra foi de 18 (dezoito) meses, podendo haver prorrogação do prazo por motivo de suspensão de trabalhos não imputáveis ao empreiteiro, ou derivado de caso de “força maior.”

 

Em 2020-06-04, o Requerente e cônjuge adquiriram em compropriedade, o terreno para construção sito em Mafra, registado sob o Artigo ... (lote de terreno para construção, com a área de 396 metros quadrados, designado por lote número 1, sito no ..., freguesia ..., Concelho de Mafra, descrito na conservatória do registo Predial de Mafra sob o número ..., da freguesia do ...), com o objetivo de nele ser edificada habitação destinada a constituir a habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar.  

 

Conforme escritura de compra e venda deste segundo imóvel, o Requerente permanecia casado com B... .

 

O Requerente, conjuntamente com a sua mulher, e conforme contrato de empreitada junto aos autos, encontrou-se a efetuar obras de construção de moradia unifamiliar V4, razão pela qual não residia, tal como o seu agregado, no novo imóvel.

 

Aquando da apresentação da declaração de rendimentos referente ao ano de 2019, o Requerente inscreveu ser não residente e na situação pessoal de “separado de facto” e no anexo G o facto tributário de que resultou rendimento de mais-valia, concretamente a alienação na quota-parte de 50% do imóvel sito em Odivelas, adquirido em 2006, com o valor zero a título de despesas e encargos (para efeitos do disposto no artigo 51.º do CIRS).

 

No quadro Q.5 - campo A, foi manifestada a intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização (VR = € 129 000,00), bem como o empréstimo ainda em dívida no valor de € 56 963,64, tendo esta declaração dado lugar à liquidação ora contestada, datada de 2020-07-17, na importância de imposto de € 10 542,00 (dez mil quinhentos e quarenta e dois euros).  

 

Em junho de 2022, é apresentada pelo Requerente declaração modelo 3 de substituição, na qual é alterado o anexo G, concretamente no campo destinado às despesas e encargos suportados, onde passou a figurar o valor de € 4 066,00 e, para efeitos do eventual reinvestimento, foi inscrito o VR (valor de realização) a reinvestir de € 70 136,83 e a concretização do reinvestimento em € 45 000,00 (aquisição de novo imóvel na quota parte de 50%).

 

Esta declaração de substituição deu lugar à liquidação n.º 2022..., de 2022-06-25, ora vigente, com o imposto apurado no valor de € 9 403,52.

 

A comproprietária do imóvel, alienado em 2019, também apresentou declaração de rendimentos do ano de 2019, na situação de “separada de facto”, no anexo G, e os elementos inscritos mostram-se semelhantes aos declarados pelo Requerente, isto é, os correspondentes à sua quota-parte do direito de propriedade, diferenciando-se apenas em sede de encargos e despesas, onde foi declarado o valor de € 492,00. 

 

Em agosto de 2022, foi também apresentada modelo 3 de substituição, em que a quota-parte do direito de propriedade do imóvel sito em Odivelas e alienado, em 2019, passou a ser de 100% e o VR a reinvestir passou, também, a ser de € 70 136,83, com reinvestimento efetivo de € 45 000,00, tendo sido emitida a liquidação n.º 2022... . 

 

Não tendo na liquidação efetuada ao Requerente sido considerado em 50% do seu valor o saldo apurado relativo às mais-valias imobiliárias, foi, por despacho de 2022-09-13, da Senhora Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, determinado que, mantendo o ato contestado, se proceda à revisão oficiosa da liquidação, em ordem a que a tributação incida apenas sobre 50% do saldo das mais-valias.  

 

No dia 3 de Dezembro de 2020, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa que versou sobre a Liquidação de IRS n.º 2020..., 2020-07-17 (documento 202...) do ano de 2019, tendo como objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2019, no valor de € 10.542,00 (dez mil quinhentos e quarenta e dois euros).

 

O processo da Reclamação Graciosa foi instaurado e distribuído com o número ...2020... .

 

No dia 5 de Abril de 2022, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pelo Chefe de Serviço de Finanças de Odivelas.

 

Em sede de reclamação graciosa, o fundamento no qual assenta a recusa da AT em reconhecer o direito do Requerente à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias do ano de 2019, é o facto de, à data da alienação, o Requerente não ser residente em Portugal, acrescentando esta que «sendo o agregado familiar constituído pelo reclamante, cônjuge e dependentes, devia o imóvel alienado ser a habitação própria e permanente da totalidade do agregando familiar, inclusive do reclamante».

 

  1. Factos não provados:

 

Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado
provados.
 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto:


Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).


Os factos dados como “provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos.

 

Não se deram como “provadas” nem “não provadas” as alegações feitas pelas partes, e
apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
 


   IV.  DO DIREITO

 

  1. A questão a decidir:

 

A questão decidenda, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, consiste, pois, em apreciar a tributação de mais-valias imobiliárias, atento a intenção manifestada e o alegado reinvestimento em imóvel igualmente destinado a constituir habitação própria e permanente do Requerente e/ou do seu agregado familiar, ainda que este não seja residente em Portugal.

 

A resposta à questão suscitada nos presentes autos prende-se, igualmente, com a interpretação dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS (doravante CIRS), em particular sobre como aferir a afetação do imóvel adquirido em segundo lugar, à sua habitação própria e permanente

 

Ora, recordemos alguns dos factos "chave" para a decisão da causa, dados como provados:

 

No período de 2016 a 2020, o Requerente teve residência fiscal em Angola, estando devidamente enquadrado como não residente fiscal em Portugal (desde 2016);

 

No dia 21 de Julho de 2007, o Requerente casou com B..., sob o regime de comunhão de adquiridos;

 

Do casamento, nasceram três filhos,

 

Em 2006-06-30, adquiriu, em compropriedade com B..., o prédio urbano sito em Odivelas e identificado com o Artigo ...-fração R, pelo preço total de € 157 000,00 (1/2 = € 78 500,00), negócio para o qual contraíram empréstimo bancário no mesmo montante,

 

Na escritura de compra e venda do referido imóvel, outorgada em 30 de Junho de 2006, foi declarado que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria permanente;

 

O Requerente aí residiu de forma permanente, em conjunto com os restantes membros do respetivo agregado familiar, até se ter ausentado do território nacional, em 2016;

 

O referido imóvel foi, por sua vez, alienado em 2019-11-21, na situação do Requerente como não residente;

 

À data da alienação, a cônjuge mulher e seus dependentes, faziam deste imóvel a sua habitação própria e permanente;

 

De acordo com contrato de empreitada, celebrado e 7 de abril de 2020 (e comprovado nos termos do documento n.º 5, constante dos autos), o Requerente e a cônjuge mulher, declaram-se promitentes-compradores de um lote de terreno para construção urbana, inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo ..., melhor identificado abaixo, com o objetivo de edificação de uma habitação unifamiliar de tipologia V4, naquele mesmo terreno;

 

O prazo então estabelecido para conclusão da obra foi de 18 (dezoito) meses, podendo haver prorrogação do prazo por motivo de suspensão de trabalhos não imputáveis ao empreiteiro, ou derivado de caso de “força maior”;

 

Em 2020-06-04, o Requerente e cônjuge adquiriram em compropriedade, o terreno para construção sito em Mafra, registado sob o Artigo ... (lote de terreno para construção, com a área de 396 metros quadrados, designado por lote número 1, sito ..., freguesia do ..., Concelho de Mafra, descrito na conservatória do registo Predial de Mafra sob o número ..., da freguesia do ...), com o objetivo de nele ser edificada habitação destinada a constituir a habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar;  

 

Conforme escritura de compra e venda deste segundo imóvel, o Requerente permanecia casado com B...;

 

O Requerente, conjuntamente com a sua mulher, e conforme contrato de empreitada junto aos autos, encontrou-se a efetuar obras de construção de moradia unifamiliar V4, razão pela qual não residia, tal como o seu agregado, no novo imóvel;

 

Aquando da apresentação da declaração de rendimentos referente ao ano de 2019, o Requerente indicou ser não residente e na situação pessoal de “separado de facto” e no anexo G o facto tributário de que resultou rendimento de mais-valia, concretamente a alienação na quota-parte de 50% do imóvel sito em Odivelas, adquirido em 2006;

 

No quadro Q.5 - campo A, foi manifestada a intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização (VR = € 129 000,00), bem como o empréstimo ainda em dívida no valor de € 56 963,64, tendo esta declaração dado lugar à liquidação ora contestada, datada de 2020-07-17, na importância de imposto de € 10 542,00; 

 

Em junho de 2022, é apresentada pelo Requerente declaração modelo 3 de substituição, na qual é alterado o anexo G, concretamente no campo destinado às despesas e encargos suportados, onde passou a figurar o valor de € 4 066,00 e, para efeitos do eventual reinvestimento, foi inscrito o VR (valor de realização) a reinvestir de € 70 136,83 e a concretização do reinvestimento em € 45 000,00 (aquisição de novo imóvel na quota parte de 50%);

 

Não tendo na liquidação efetuada ao Requerente sido considerado em 50% do seu valor o saldo apurado relativo às mais-valias imobiliárias, foi, por despacho de 2022-09-13 da Senhora Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, determinado que, mantendo o ato contestado, se proceda à revisão oficiosa da liquidação, em ordem a que a tributação incida apenas sobre 50% do saldo das mais-valias.

  

Vejamos:

 

Nos termos do  artigo 9.º, n.º 1, do Código do IRS,  «Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte». 

 

De acordo com o disposto no  artigo 10.º, n.º 1, do mesmo diploma «Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;»

 

E acrescenta o n.º 5 do mesmo artigo: «São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;».  

 

Não obstante a exclusão de tributação prevista pelo artigo 10.º, n.º 5, a norma constante do n.º 6 do mesmo artigo vem impor que tal exclusão não ocorra quando: (i) tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente não o afete à sua habitação própria e permanente até decorridos 12 meses do reinvestimento – artigo 10.º, n.º 6, al. a) –, e (ii) nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações, decorridos 48 meses desde a data da realização e não afete o imóvel à sua habitação própria e permanente até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização – artigo 10.º, n.º 6, al. b).


Por sua vez, dispõe o artigo 13.º, n.º 4, que «O agregado familiar é constituído pelos a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respectivos dependentes; b) cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respectivamente, nos casos de separação judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução do casamento, e os dependentes a seu cargo; c) o pai ou a mãe solteiros e os dependentes a seu cargo; d) o adoptante solteiro e os dependentes a seu cargo.»

 

Decorre, por último, da lei fiscal que o conceito de domicílio fiscal não pode ser entendido como sinónimo de residência, ou sequer, sem mais, de residência habitual. Donde, a possibilidade de um contribuinte, em tese, possuir domicílio fiscal num  determinado local e a sua residência habitual, e/ou a sua habitação própria e permanente noutro local.

 

Como vimos, em sede de reclamação graciosa, o fundamento no qual assenta a recusa da AT em reconhecer o direito do Requerente à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias do ano de 2019, traduz-se no facto de, à data da alienação, o Requerente não ser residente em Portugal, acrescentando esta que «sendo o agregado familiar constituído pelo reclamante, cônjuge e dependentes, devia o imóvel alienado ser a habitação própria e permanente da totalidade do agregando familiar, inclusive do reclamante».

 

Recordemos, ainda, as conclusões da Requerida invocadas na Resposta proferida no decorrer do processo arbitral: «(...) que se a declaração de rendimentos for apresentada junto da AT por um dos cônjuges, sendo que, neste caso verificou-se em ambos os sujeitos passivos unidos pelo vínculo civil do casamento, com a indicação da situação pessoal de “separado de facto”, não será possível admitir-se o regime do benefício da exclusão supra identificado, porquanto o agregado familiar do contribuinte não residente apenas se mostra preenchido por ele próprio, isto é, o agregado familiar nestes caso é composto por cada um dos cônjuges separados de facto e, se houver e assim forem declarados, pelos dependentes a seu cargo.

   

Em ambos os casos, não podemos concordar com o argumentário invocado pela AT.

 

Pelos motivos que aduzimos mais abaixo.

 

Sendo que, no caso da Resposta produzida pela AT no âmbito do processo arbitral, estaríamos também a admitir, se assim fosse, uma fundamentação a posteriori da liquidação impugnada.

 

Na verdade, o enquadramento legal em vigor não equipara os "separados de facto" aos contribuintes casados, separados judicialmente de pessoas e bens, que devem declarar os rendimentos próprios e a sua parte nos rendimentos comuns do casal, se os houver, bem como os rendimentos dos dependentes a seu cargo, mas a sua tributação faz-se como "não casados". Também no caso dos contribuintes casados, separados judicialmente de pessoas e bens para efeitos de deduções à coleta e quociente familiar, o seu agregado será composto apenas pelo próprio sujeito passivo e pelos dependentes que estejam a seu cargo.

 

Pelo que, ao contrário do que defende a Requerida, não possui qualquer relevância para o caso que nos ocupa a circunstância de os cônjuges estarem “separados de facto”, residindo o Requerente em Angola, porquanto o cônjuge mulher continua a fazer parte do agregado familiar do Requerente.

 

Com efeito, há lugar à exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias obtidos com a alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo “ou” do seu agregado familiar, o que de forma muito clara, e como abaixo melhor veremos, aparece sustentado pelo elemento literal contante do n.º 4, do artigo 13.º do CIRS.

 

Ademais, é também  entendimento deste Tribunal Arbitral que, conforme resulta dos factos dados como provados, se verificam os três pressupostos elencados em cada uma das alíneas do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, os quais se encontram cumpridos pelo Requerente ou pelo seu agregado familiar, incluindo a circunstância de o Requerente e o cônjuge mulher terem optado por reinvestir na compra do imóvel (cfr. artigo 10.º, n.º 5, alínea a), na sua parte inicial), pelo que deve operar a exclusão de tributação.

 

O mesmo foi já concluído anteriormente pela jurisprudência do CAAD, no âmbito do Processo n.º 596/2018-T, em caso em muito semelhante ao dos autos e onde se pode ler o seguinte: «Ambos manifestaram intenção de reinvestir a mais-valia inscrevendo no quadro 5 “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente” do Anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, no campo “5005 – Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004” o valor de € 69.013,00 e no campo “5006 – Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)” o valor € 100.987,00. Não tendo, contudo, essa intenção de reinvestimento do valor da realização do imóvel sido considerada pela Autoridade Tributária, no que se reporta ao Requerente.   

 

Sucede, contudo, que o Requerente, como sublinha a Autoridade Tributária, declarou ser separado de facto, e reside actualmente na Suíça. É, portanto, manifesto que não se pode considerar que o sujeito passivo residia no imóvel vendido, nem que este irá efectuar um reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel, para a sua habitação. 

 

No entanto, o artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS refere-se a “imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Ora, poderemos, portanto, considerar que B... faz parte do agregado familiar do Requerente, não obstante este ter declarado que são separados de facto? Conforme dispõe o artigo 13º, nº 4 do Código do IRS: “4 – O agregado familiar é constituído por: a) os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respectivos dependentes; b) cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respectivamente, nos casos de separação judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução do casamento, e os dependentes a seu cargo; c) o pai ou a mãe solteiros e os dependentes a seu cargo; d) o adoptante solteiro e os dependentes a seu cargo.” Verifica-se, portanto, que, para efeitos da definição de agregado familiar, nos termos do Código do IRS, não é relevante que os cônjuges estejam separados de facto, mas apenas que se encontrem (ou não) separados judicialmente de pessoas e bens. 

 

Nesses termos, teremos de considerar que B..., independentemente de poder estar separada de facto do Requerente, para efeitos do Código do IRS, faz parte do seu agregado familiar. Como tal, o imóvel vendido terá de considerar-se como destinado à habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente, bem como terá de se admitir o reinvestimento em imóvel com o mesmo destino. Nesses termos, é ilegal o acto tributário de demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por ter tributado indevidamente o valor das mais-valias referentes à venda do imóvel elencado no n.º 1 dos Factos Provados».  

 

A respeito, subscrevemos ainda a douta sentença do CAAD, produzida no Processo n.º 402/2021-T: «A lei não nos faculta diretamente um conceito de habitação própria e permanente para efeitos do artigo 10.º, n.º 5. A razão de ser da consagração do regime do reinvestimento pelo legislador há-de necessariamente ser convocada para a respetiva interpretação. O legislador visou, através do regime, uma finalidade de natureza extrafiscal, qual seja a de incentivar, diminuir ou eliminar obstáculos à aquisição de habitação própria pelas famílias e, em conformidade com a proteção da família e a ponderação das necessidades e rendimentos do agregado familiar que perpassa a nossa Lei Fundamental e, em especial ao que ora nos ocupa, a tributação em IRS. O que seja habitação própria decorre sem dificuldade da lei, por força do regime do direito de propriedade. Os ganhos de mais-valias na transmissão onerosa de bens imóveis hão-de decorrer desde logo da transmissão do direito real de propriedade sobre os mesmos. Será então, o bem imóvel em causa, propriedade do SP. Já o que seja habitação permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar passará por identificar o local - habitação - onde se vive habitualmente, com carácter de estabilidade, regularidade, permanência, onde, se se quiser, seja possível afirmar que se centra a vida pessoal dos indivíduos ou seus agregados familiares, o que significa que é necessário recorrer à verificação de circunstâncias de facto, caso a caso.

 

No mais, e quanto ao momento relevante para aferir da efetiva habitação permanente, também ele não diretamente estabelecido pelo legislador para efeitos do artigo 10.º, n.º 5, sempre se refere que, como quer que seja, nos autos, resulta da matéria de facto consolidada que a mulher do Requerente residia com carácter de habitualidade/permanência/estabilidade no imóvel quer à data da venda quer, igualmente, ao longo de período prolongado durante anos até essa mesma data.

 

Acrescente-se, por fim, que quanto ao conceito de agregado familiar dispõe o legislador, no artigo 13.º, n.º 4, que o mesmo é constituído, desde logo, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os dependentes. E de tudo quanto antecede, haverá que concluir-se, estava reunido o requisito de o imóvel se destinar à habitação permanente do agregado familiar do Requerente. Na verdade, na norma, a conjunção “ou” não deixa dúvidas de que se trata de uma alternativa, bastando, pois, que esteja reunida em relação àquele que se considera ser o agregado familiar do sujeito passivo, mesmo que não ao sujeito passivo individualmente.

 

Assim, por um lado não seria pelo facto de o Requerente não ser residente em Portugal que o requisito se não verificava. E, por outro, sendo o seu cônjuge ali residente com carácter de habitualidade, não poderá entender-se essa materialidade ser de postergar perante a constatação do registo do domicílio fiscal em outra morada.

 

E o que antecede não deixa de ser coerente com o que constitui no nosso Direito o “domicílio fiscal”. Com efeito, como decorre também do artigo 19.º da LGT, devidamente interpretado e contextualizado, sem prejuízo de o domicílio fiscal do sujeito passivo ser ali referido ser - “salvo disposição em contrário” - para as pessoas singulares, o local da sua residência habitual, o conceito é reconhecidamente de cariz sobretudo formal».      

 

Aqui chegados, impõe-se contudo verificar se, algumas das limitações à exclusão da tributação operam nos termos do supra descrito n.º 6, do artigo 10.º do CIRS.

 

Volta-se a lembrar o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS: «Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento; b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização».

 

Como vimos já, e de acordo com contrato de empreitada, celebrado e 7 de abril de 2020 (e comprovado nos termos do documento n.º 5, constante dos autos), o Requerente e o cônjuge mulher, declaram-se promitentes-compradores de um lote de terreno para construção urbana, com o objetivo de edificação de uma habitação unifamiliar de tipologia V4, naquele mesmo terreno, prédio urbano que adquiriram por escritura pública, em 2020-06-04.

 

Ora, o Requerente, conjuntamente com a sua mulher, e conforme contrato de empreitada junto aos autos, encontrou-se a efetuar obras de construção de moradia unifamiliar V4, razão pela qual não residia, tal como o seu agregado, no novo imóvel.

 

Quanto à alínea b), do n.º 6, do artigo 10.º daquele Código «A referência “aos demais casos”, parece-nos equivaler – sem grande margem de dúvidas – aos casos de (i) reinvestimento na aquisição de terreno para construção, e (ii) reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel». (cfr. processo do CAAD n.º 208/2022-T).

 

Somos a concluir que, a situação de facto incorre, assim, na previsão da alínea b), do n.º 6, do artigo 10.º, do CIRS, quando aí se alude aos “demais casos”.

 

Em concreto, estamos perante um caso de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, não tendo sido ultrapassados os prazos previstos na norma para afetação do imóvel à sua habitação ou do seu agregado.

 

Devendo, em consequência, ser excluída da tributação de mais-valias em sede de IRS.

 

Este é um ponto de chegada que acolhe os fundamentos subjacentes à exclusão tributária que nos vem ocupando, relacionados com o direito fundamental à habitação (cfr. artigo 65.º, n.º 1 da CRP). Pretende o legislador fiscal evitar a criação de obstáculos extra à aquisição e mudança de habitação própria, por parte das famílias, reduzindo entraves fiscais à mobilidade entre habitações através da proteção dos rendimentos do agregado familiar.[1] [2]

 

Por último, trazemos à colação o douto acórdão proferido no processo do CAAD n.º 208/2022-T, já acima citado, que a propósito de situação distinta vinca algumas ideias “chave” que podemos aproveitar para o nosso caso: «Por outro lado, qualquer que seja a perspetiva interpretativa da lei, entende este Tribunal que não merece acolhimento a ideia de que a afetação do imóvel a habitação própria e permanente, prevista no artigo 10.º, n.º 6, alínea a) do CIRS, apenas pode ocorrer quando este apresenta condições de habitabilidade. Com efeito, nos termos da referida alínea a), a afetação do imóvel a habitação própria permanente deverá ser efetuada no prazo previsto de até doze meses após o reinvestimento, o que veio a suceder – tal como ficou provado na escritura de compra e venda do referido imóvel e pelo início das obras nesse mesmo período. Sendo certo que, no término das obras de reabilitação do imóvel, o Requerente deverá afetar de facto o imóvel como habitação própria e permanente, passando a utilizá-lo como tal. Afetação que a Autoridade Tributária e Aduaneira poderá posteriormente confirmar, por forma a aferir se o imóvel se traduz, de facto, na habitação própria e permanente do Requerente» (sublinhado nosso).

 

À laia de conclusão: por não permitir a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação efetuada por um sujeito passivo não residente que tenha no território nacional o respetivo agregado familiar, nos termos atrás sobejamente desenvolvidos, antecipa este Tribunal Arbitral que a liquidação ficou inquinada de vício de violação de lei.   

 

  1. Dos juros indemnizatórios

 

Entende o Tribunal Singular que o direito a juros indemnizatórios, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode ser reconhecido no processo arbitral, por força da aplicação do disposto no artigo 24.º,  n.º 5 do RJAT, pelo que se conhece de seguida o pedido.

 

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT, como de resto, manifestamente sucedeu. 

 

Ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em conjugação com o  artigo 61.º, do CPPT, reconhece-se ao Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso.

 

   V.   DECISÃO


Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular: 

 

a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação de IRS de 2019;
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso ao Requerente da quantia paga indevidamente, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor sobre o pagamento efetuado, até efetivo pagamento;

c) De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil
(CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10.542,00 (dez mil quinhentos e quarenta e dois euros), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;

e) Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis à Requerida AT.


Lisboa, 11 de abril de 2023      

 

 

 

A Árbitra

 

 

 

/Alexandra Iglésias/

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro. 
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, pág. 168.

 

[2]  Cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 137.