Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 262/2022-T
Data da decisão: 2023-04-19   
Valor do pedido: € 78.145,41
Tema: IVA – Isenção na exportação de bens; Requisitos de prova da exportação.
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Sumário:

 

1. Estão isentas de IVA as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste.

2. Os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se incluem os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

3. Quando os requisitos materiais da exportação forem cumpridos, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida mesmo que certos requisitos formais tenham sido preteridos pelos sujeitos passivos.

4. Face ao princípio da neutralidade que enforma a Directiva IVA, só existem dois casos em que o incumprimento de um requisito formal pode implicar a perda do direito à isenção de imposto: (i) quando o sujeito passivo tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA; e (ii) se a violação do requisito formal tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo de que depende a isenção.

4. O “documento alfandegário apropriado” não é a única prova admissível de uma exportação de bens, sendo admissíveis outros meios de prova.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (árbitro presidente), Professor Doutor Júlio Tormenta (árbitro vogal) e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitro vogal e relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 23 de junho de 2022, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designado por Requerente, apresentou, em 13 de abril de 2022, pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto os atos de liquidação de IVA n.º ... e n.º..., dos quais resultou uma correção global ao valor de excesso a reportar no montante de € 78.145,41 [resultante da diferença entre o valor de excesso a declarado no período de Dezembro de 2016 (€ 98.145,38) e o valor de excesso a reportar corrigido (€ 19.999,97)], com referência ao exercício de 2016 e praticados pela Exma. Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como a decisão que indeferiu o Recurso Hierárquico interposto pela Requerente contra o Despacho do Exmo. Senhor Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 28 de fevereiro de 2020, que indeferiu a Reclamação Graciosa que antecedeu.

 

2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 14 de abril de 2022 e automaticamente notificado à AT.

 

4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5. Em 3 de junho de 2022, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

6. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 23 de junho de 2022.

 

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).

 

8. Em 16 de dezembro de 2022 realizou-se uma reunião para produção de prova testemunhal, tendo a final, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material, sido deliberado revogar  o anterior despacho de deferimento da substituição do rol de testemunhas e fixada nova data para a inquirição das duas testemunhas inicialmente indicadas pela Requerente.

 

9. Em 9 de janeiro de 2023 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas no prazo de 15 dias.

 

10. As partes apresentaram alegações.

 

11. Em 19 de dezembro de 2022, devido ao sucessivo adiamento da reunião de audição de testemunhas, o Tribunal o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

12. Em 17 de fevereiro de 2023, por cautela, atenta a possibilidade de o processo de finalização e assinatura da versão final da decisão poder exceder o prazo previsto, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

II.        Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral é tempestivo.

 

5. O Tribunal é competente.

 

III. Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

Dão-se como provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a "A distribuição e comercialização de produtos e serviços na área das telecomunicações, das tecnologias de informação, da informática e de software e respetivos equipamentos de suporte, gestão de sistemas de informação, representação de marcas, importação e exportação de produtos alimentares, produtos têxteis, produtos químicos, produtos eletrônicos, cerâmica, artesanato, produtos agrícolas, matérias de construção civil, equipamento médico, metais e bijutarias, representações" (cfr. documento junto com o PA, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. A Requerente é sujeito passivo de IVA, encontrando-se registada no regime normal de periodicidade mensal (cfr. PA, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 14 de julho de 2016, a Requerente adquiriu à sociedade B... S.A. um conjunto de bens farmacêuticos a que atribuiu a referência interna “Factura 36” (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 4 de agosto de 2016, a Requerente vendeu os bens constantes da Factura 36 à C..., sociedade sediada em Timor-Leste (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 29 de julho de 2016, a Requerente adquiriu à  B...S.A. um conjunto de bens farmacêuticos a que atribuiu a referência interna “Factura 37” (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 4 de Agosto de 2016, a Requerente vendeu os bens constantes da Factura 37 à C..., sociedade sediada em Timor-Leste (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 28 de dezembro de 2016, a Requerente adquiriu à B... S.A. um conjunto de bens farmacêuticos a que atribuiu a referência interna “Factura 46” (documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Em 29 de dezembro de 2016, a Requerente vendeu os bens constantes da Factura 46 à C..., sociedade sediada em Timor-Leste (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Com vista a comprovar a efetividade da sua exportação para Timor-Leste dos bens, a Requerente instruiu o processo e juntou aos autos a seguinte documentação: A (i) Faturas de compra dos bens à B..., S.A e correspondentes packing lists; (ii) Faturas de venda dos mesmos bens à C... e respectivas packing lists; (iii) Certificações de saída para o expedidor/exportador ou declaração de expedição (CMR); (iv) Carta de porte (Airwaybill-AWB); (v) Certificados de seguro de transporte, os quais indicam Portugal como país de origem e Timor-Leste como país destinatário, sendo que a transportadora (D..., Lda.) é segurada a cargo da Requerente; (vi) Requerimentos dirigidos pela Requerente junto da Direção Nacional das Alfândegas, por via postal, para emissão do título de transporte internacional modelo “IM8” ou conhecimento de embarque ("bill of lading"- B/L); (vii) Títulos de transporte internacional modelo “IM8” ou bill of lading, emitido pela Direção Nacional das Alfândegas à Requerente; (viii) Comprovativos da chegada dos bens exportados à alfândega de Timor Leste, dos quais consta o carimbo da mesma e da entidade importadora C..., encontrando-se ainda anexadas cópias do título de transporte internacional modelo “IM8” ou bill of lading. (documentos n.ºs 7 a 33 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e PA);

 

  1. Nos documentos de exportação - DAU 2016PT..., DAU 2016PT... e DAU 2017PT... – surge como Expeditor/Exportador a sociedade B... S.A. (cfr. PA, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

  1. No decurso do desenvolvimento da sua atividade, a Requerente foi objeto de uma inspeção tributária de natureza externa, sob as Ordem de Serviço n.º OI 2018...e n.º OI 2018..., de âmbito parcial de IRC e IVA, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016 (cfr. PA, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Através de Ofício da Direção de Finanças de Lisboa, enviado por correio registado em 9 de julho de 2019, foi a Requerente notificada do relatório de inspeção tributária, do qual  resultaram correções ao valor de imposto apurado em sede de IVA (Documento constante do PA, cujo teor se dá como reproduzido), e do qual consta expressamente que:

“ (…)  constata-se, pois que, a A...S.A, não tem na sua posse, qualquer documento alfandegário apropriado, conforme impõe expressamente o n.° 8 do artigo 29.º do Código do IVA, que comprove a exportação, tendo apresentado, sim, como comprovativo a certificação de saída emitida - DAU - em nome do seu fornecedor B..., S.A. Em suma, os documentos apresentados não cumprem os requisitos formais legalmente exigidos, que verificados e preenchidos, permitiriam a isenção de IVA, à luz do artigo 14.° do CIVA. “; e “Da análise documental, concluiu-se que rerativamente às referidas vendas, estas não cumprem do ponto de vista formal os requisitos essenciais, impostos por lei, para a isenção de IVA, invocada pelo sujeito passivo, isto é, as transmissões de bens não reúnem os pressupostos para a isenção a que alude a alínea a) do n.° 1 artigo 14.º do CIVA, tendo em conta o disposto nos números 8 e 9 do artigo 29.º do Código do IVA, pelo que não reunindo as operações, os pressupostos para a isenção invocada pelo sujeito passivo, são as referidas operações/transmissões tributadas para efeitos de IVA, resultando a obrigação legal da liquidação do imposto devido, verificado o facto gerador do imposto, de acordo com o artigo 7.° do CIVA, e cumpridas as regras de exigibilidade, espelhadas no artigo 8.° do CIVA, tendo em conta o valor tributável, determinado de acordo com o artigo 16.º do CIVA, pelo que se impõe a liquidação do respetivo IVA, à taxa legal em vigor à data dos factos tributários, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 18.º do Código do IVA, no valor total de € 78.145,41, nos períodos abaixo indicados. (…);

 

  1. Posteriormente à notificação do Relatório de Inspeção Tributária, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IVA n.º ... (Período 1608M) e n.º ... (Período 1612M), ambos de 2019/07/19, dos quais resultou uma correção global ao valor de excesso a reportar no montante de € 78.145,41 [resultante da diferença entre o valor de excesso a declarado no período de dezembro de 2016 (€ 98.145,38) e o valor de excesso a reportar corrigido (€ 19.999,97)] (documentos n.º 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e PA, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

  1. A Requerente, por discordar do entendimento propugnado pela Administração Tributária,  apresentou, em 15 de novembro de 2019,  Reclamação Graciosa contra os referidos atos de liquidação de IVA, peticionado a sua anulação (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. No âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa, a Requerente foi notificada do Despacho emitido pela Exma. Sra. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, para, querendo, exercer o seu direito de Audição Prévia quanto ao correspondente Projeto de Indeferimento de Decisão da Reclamação Graciosa, o qual a Requerente exerceu, em 21 de fevereiro de 2020, manifestando a sua discordância face ao teor do referido Projeto de Decisão de Indeferimento (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. A Requerente foi notificada do Despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, de 28 de fevereiro de 2020, nos termos do qual foi determinada a convolação em definitivo do Projeto de Indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  1. Inconformada com a decisão da reclamação graciosa, a Requerente interpôs, em 1 de abril de 2020, Recurso Hierárquico da referida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que deu origem ao procedimento nº ...2020... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. Através do Ofício nº ... de 2022-01-14 da Direção de Serviços do IVA, foi a Requerente notificada da decisão da Diretora de Serviços do IVA, ao abrigo de subdelegação de competências, de 6 de Agosto de 2021, de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

  1. Os bens adquiridos pela Requerente à B..., S.A. foram vendidos pela Requerente à C..., sociedade sediada em Timor-Leste, e expedidos pela Requerente para Timor-Leste (documentos n.ºs 7 a 33 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e PA);

 

  1. Os bens adquiridos pela Requerente à B..., S.A. foram expedidos pela Requerente para fora da União Europeia e, no âmbito dessa expedição, ocorreu a saída física dos bens do território da União Europeia (documentos n.ºs 7 a 33 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e DAUs constantes do PA, cujos teores se dão como reproduzidos, bem como o depoimento das testemunhas E... e F...);

 

  1. Nos documentos de exportação - DAU 2016PT..., DAU 2016PT... e DAU 2017PT... – surge como Expeditor/Exportador a sociedade B... S.A., e não a Requerente, uma vez que a Requerente não poderia constar como exportador nos correspondentes documentos aduaneiros por motivos regulatórios, atendendo a que estava em causa a transmissão de produtos farmacêuticos, não se encontrando a Requerente inscrita no Infarmed.

(depoimento das testemunhas  E... e F...);

 

  1. Em 13 de abril de 2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, atrás identificados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no PA, na prova testemunhal produzida e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

A testemunha E... era a contabilista certificada da Requerente à data dos factos (2015/2016), tendo conhecimento direto da matéria em discussão, sendo que tinha um funcionário seu destacado na Requerente sob sua orientação, tendo acompanhado os procedimentos relativamente às exportações em discussão nos autos.

 

A testemunha F... é Diretor de operações numa empresa de logística, tendo evidenciado profundos conhecimentos técnicos sobre os processos de exportação de mercadorias para países terceiros e da documentação envolvida. Já havia trabalhado para a Requerente analisando a documentação e tratando do transporte dos bens.

 

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados.

 

3. Factos não provados e fundamentação

 

Não ficou provado que os bens adquiridos pela Requerente à B..., S.A. tenham sido sido expedidos e exportados direta e materialmente pela própria B..., S.A. para Timor-Leste, apesar de no DAU 2016PT... no DAU 2016PT... e no DAU 2017PT... surgir como Expeditor/Exportador a sociedade B... S.A..

 

Com efeito, inexiste qualquer prova que estabeleça qualquer ligação comercial entre a B..., S.A. e a C... e a transmissão e expedição dos bens aqui em causa para Timor-Leste, para além do fato de surgir como Expeditor/Exportador nos referidos DAUs.

 

Toda a prova documental (atrás referida) e testemunhal (nos termos em que foi valorada e referida no ponto 2. acima) aponta exatamente no sentido de que a B..., S.A. é totalmente alheia às exportações efetuadas para Timor-Leste aqui em discussão, que apenas à Requerente dizem respeito na ligação com a sua cliente C..., dado que foi a Requerente quem transmitiu (vendeu) e expediu tais bens para fora da Comunidade Europeia. 

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

  1.  Matéria de Direito

 

1.  Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

1.1. Posições das Partes

 

Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

- Que os atos tributários praticados não se mostram devidamente fundamentados, por falta de referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente, estando inquinados de vício de forma, o que tem por consequência a anulabilidade dos atos;

 

- Que nos atos de liquidação existe preterição de formalidade essencial uma vez que a Requerente não foi notificada nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, o que, por si só, implicará a anulação dos atos de liquidação ora contestados;

 

- Que a AT proferiu a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico sem ouvir uma testemunha indicada, e sem fundamentar adequadamente o motivo pelo qual terá considerado desnecessária a utilização do meio de prova requerido pela Requerente, sendo a decisão à ilegal por défice instrutório e  por falta de adequada indicação dos motivos que conduziram à decisão de não inquirição da testemunha arrolada;

 

- Que a alegada essencialidade pela AT do documento alfandegário adequado reside na necessidade de provar a efetiva exportação dos bens, sendo que da análise aos documentos alfandegários levada a cabo pela AT resulta inequívoco que o destino final dos bens foi Timor-Leste, não estando em causa, nessa medida e no caso concreto, a existência de uma efetiva exportação;

 

- Que da saída dos bens do território nacional, caso não seja suscetível de ser feita pelos correspondentes documentos alfandegários, poderá ser efetuada recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente através dos documentos comprovativos do transporte, designadamente a declaração de expedição (CMR), a carta de porte (Airwaybill-AWB) ou o conhecimento de embarque ("Bill of lading"- B/L), os contratos de transporte celebrados, as faturas das empresas transportadoras; as guias de remessa, ou a declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respetivo adquirente, de aí ter efetuado a correspondente aquisição;

 

- Que o que releva é a comprovação do destino dos bens, independentemente da entidade que figura como entidade exportadora, sendo certo que, neste caso, tal destino não foi, em momento algum, questionado pela AT;

 

- Que a AT não questiona, nem tão-pouco duvida, que as operações que subjazem às correções em crise dizem respeito à exportação de bens, destinados a Timor-Leste;

 

- Que as operações analisadas pela AT constituem exportações, na medida em que respeitam a vendas de mercadorias expedidas para fora da Comunidade;

 

- Que não pode aceitar o afastamento da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, pelo facto do DAU não fazer referência à Requerente, na qualidade de exportadora, numa situação em que não é questionada a efetiva ocorrência de uma exportação, consubstanciada no envio dos bens com destino a um país terceiro;

 

- Que, no confronto entre a observância de requisitos meramente formais e o princípio da justiça, deve prevalecer este último, nomeadamente nos casos, tais como o presente, em que não se verifica qualquer atuação dolosa por parte do sujeito passivo nem, tão pouco, qualquer prejuízo para o erário público;

 

- Que a Requerente não poderia constar como exportador nos correspondentes documentos aduaneiros por motivos regulatórios, atendendo a que estava em causa a transmissão de produtos farmacêuticos, não se encontrando a mesma inscrita no Infarmed;

 

- Que apenas mediante o procedimento que foi adotado é possível que a entidade constante como exportador no DAU seja idêntica à entidade constante do documento de autorização emitido por parte do Infarmed;

 

- Que existiu uma efetiva exportação, devendo ser aplicada, nas faturas emitidas pela Requerente ao seu cliente em Timor-Leste, a isenção de IVA prevista no artigo 14.º n.º 1, alínea a) do Código do IVA.

 

Na sua resposta, a AT alegou, em síntese, o seguinte:

 

- Que, relativamente à falta de fundamentação dos atos administrativos, o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão;

 

- Que resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato;

 

- Que foi feita uma remissão expressa e anterior às liquidações em apreço, para os fundamentos das mesmas, que são os constantes do RIT que foi notificado à Requerente;

 

- Que não se verifica qualquer falta de fundamentação nos actos de liquidação de IVA;

 

- Que, relativamente à inquirição de testemunhas no procedimento/contencioso administrativo, mostrando-se tal prova desnecessária, tem de se ter por inútil e, assim, proibida, na medida que à AT está vedada a prática de actos inúteis;

 

- Que não tendo a Requerente os documentos alfandegários apropriados, nomeadamente, emitidos em seu nome, ou seja, que figure como exportador e que comprovem a exportação, sempre deveria improceder o pedido;

 

 

1.2.  Ordem de conhecimento dos vícios

 

Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

 

Por isso, não se apreciarão prioritariamente os vícios de falta de fundamentação e de preterição de formalidade essencial invocados pela Requerente, que têm natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do ato com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar o vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação dos atos de liquidação.

 

1.3. Da legalidade das liquidações adicionais de IVA

 

Nos exatos termos em os autos foram delimitados pelas partes no PPA e na respectiva Resposta da AT, o thema decidendum nos presentes autos consiste em saber se existiu uma exportação de bens para país terceiro e se, para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA (CIVA), a prova da exportação deverá ser efectuada exclusivamente através de “documento Alfandegário apropriado” ou se, diversamente, poderão ser utilizados outros meios de prova.

 

No que respeita à fundamentação das liquidações adicionais de IVA, seja no RIT, seja na decisão de indeferimento do recurso hieráquico, a posição da AT poderá sintetizar-se nos seguintes trechos:

 

“Em sede de IVA, relativamente ao ano de 2016, e conforme devidamente explanado e detalhado no capítulo II1.2 do relatório, verificou-se que a A..., SA, faturou vendas, isentas de IVA, no valor total de € 339.762,66 mencionando e invocando nas 3 faturas emitidas a inscrição "Isento 14.º do CIVA".

 

“Da análise efetuada aos documentos comprovativos das exportações/documentos alfandegários, apresentados pelo sujeito passivo, verificou-se que estes indicam expressamente como Expedidor/Exportador, um terceiro, designadamente a sociedade B..., S.A, NIPC..., bem como as faturas e respetivos valores por esta emitidas.”

 

“Da análise documental, concluiu-se que relativamente às referidas vendas, estas não cumprem do ponto de vista formal os requisitos essenciais, impostos por lei, para a isenção de IVA, invocada pelo sujeito passivo, isto é, as transmissões de bens não reúnem os pressupostos para a isenção a que alude a alínea a) do n.° 1 artigo 14.º do CIVA, tendo em conta o disposto nos números 8 e 9 do artigo 29.º do Código do IVA, pelo que não reunindo as operações, os pressupostos para a isenção invocada pelo sujeito passivo, são as referidas operações/transmissões tributadas para efeitos de IVA, resultando a obrigação legal da liquidação do imposto devido, verificado o facto gerador do imposto, de acordo com o artigo 7.° do CIVA, e cumpridas as regras de exigibilidade, espelhadas no artigo 8.° do CIVA, tendo em conta o valor tributável, determinado de acordo com o artigo 16.º do CIVA, pelo que se impõe a liquidação do respetivo IVA, à taxa legal em vigor à data dos factos tributários, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 18.º do Código do IVA, no valor total de € 78.145,41, nos períodos abaixo indicados.”

 

“(…) constata-se, pois que, a A..., S.A, não tem na sua posse, qualquer documento alfandegário apropriado, conforme impõe expressamente o n.° 8 do artigo 29.º do Código do IVA, que comprove a exportação, tendo apresentado, sim, como comprovativo a certificação de saída emitida - DAU - em nome do seu fornecedor B..., S.A.”

 

“Em suma, os documentos apresentados não cumprem os requisitos formais legalmente exigidos, que verificados e preenchidos, permitiriam a isenção de IVA, à luz do artigo 14.° do CIVA.“

 

Cumpre decidir atentendendo à lei aplicável e à jurisprudência nacional e europeia sobre a matéria em discussão.

 

Nos presentes autos, está em causa a isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, que estabelece que estão isentas do imposto:

 

“a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste;”

 

A norma acima referida encontra o seu fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 146.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, que dispõe que:

 

“1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações: a) As entregas de bens expedidos ou transportados, pelo vendedor ou por sua conta, para fora da Comunidade;”

 

Por sua vez, estabelecem os números 8 e 9 do artigo 29.º do Código do IVA que:

 

“8 - As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º (…) devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.

 

9 - A falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.”

 

A isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do CIVA visa garantir a tributação no lugar de destino, ou seja, aquele onde os produtos exportados serão consumidos e foi já objeto de análise pelo Tribunal de Justiça em diversos acordãos.

 

Na decisão arbitral proferida no âmbito do Processo nº 292/2019-T do CAAD, que se acompanha, foi feita uma análise detalhada da jurisprudência comunitária aplicável à matéria em discussão nos presentes autos.

 

Seguindo de perto a mencionada decisão arbitral, cumpre igualmente destacar o Acórdão proferido no âmbito do processo C-563/12 (BDV Hungary Trading kft), de 18 de Outubro de 2012, em que o Tribunal considerou (§.24.º) que a aplicação da isenção prevista no artigo 146.º da Directiva IVA depende da verificação de três requisitos: (i) Transferência para o adquirente do direito de dispor do bem como proprietário; (ii) Demonstração, pelo fornecedor, que o bem foi expedido ou transportado para fora da União; (iii) Saída física dos bens do território da União na sequência dessa expedição ou transporte.

 

Posteriormente, no âmbito do Acórdão proferido no processo C-495/17 (Cartrans Spedition), de Novembro de 2018, o TJUE analisou e decidiu sobre um processo em que estava em causa aferir a compatibilidade com a Direito Europeu de uma disposição legal romena nos termos da qual era recusada a isenção de IVA, respetivamente, para as prestações de transporte diretamente ligadas a exportações de bens e para as prestações de serviços efetuadas por intermediários nessas prestações, caso o devedor não conseguisse provar a realização da exportação de bens em causa através do meio específico e exclusivo que consistia numa declaração aduaneira de exportação.

 

No Acórdão em análise, o Tribunal começa por referir (§37.º) que, “na falta de uma disposição da Diretiva IVA quanto às provas que os sujeitos passivos devem apresentar para beneficiarem da isenção de IVA, cabe aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131º desta diretiva, os requisitos de isenção das operações de exportação com vista a garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos.”

 

Contudo, continua o TJUE dizendo que “no exercício dos seus poderes, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se incluem os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade”.

 

Concretamente no que respeita ao princípio da proporcionalidade, o TJUE refere que: “uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas (Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre, C-21/16, EU:C:2017:106, n.o 34 e jurisprudência aí referida)”.

 

Deste modo, “quando aqueles requisitos materiais forem cumpridos, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida mesmo que certos requisitos formais tenham sido preteridos pelos sujeitos passivos (Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre, C-21/16, EU:C:2017:106, n.o 35 e jurisprudência aí referida).”

 

E, seguindo de perto a posição que já havia sido assumida no Acórdão proferido no processo C-21/16 (Euro Tyr), de 9 de Fevereiro de 2017, o TJUE vem reafirmar que, face ao princípio da neutralidade que enforma a Directiva IVA, só existem dois casos em que o incumprimento de um requisito formal pode implicar a perda do direito à isenção de imposto: (i) quando o sujeito passivo tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA; e (ii) se a violação do requisito formal tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo de que depende a isenção (cfr. §.41.º e 42.º).

 

Com base neste entendimento, considerou o TJUE (cfr. §.49.º e 50.º) que a referida isenção não pode estar sujeita “à condição imperativa de que o transportador ou o intermediário em causa apresente, para demonstrar a realidade da exportação, uma declaração de exportação, excluindo, desse modo, qualquer outro meio de prova que permitisse formar a convicção exigida por parte da autoridade fiscal competente”.

 

E prossegue dizendo que “impor tal modalidade probatória exclusiva de qualquer outra equivaleria a fazer depender o direito à isenção do cumprimento de obrigações formais (…) sem examinar a questão de saber se os requisitos de fundo impostos pelo direito da União foram ou não efetivamente satisfeitos. A simples circunstância de um transportador ou um intermediário envolvido numa operação de transporte não poder apresentar uma declaração de exportação não implica que essa exportação não tenha efetivamente tido lugar.”

 

Neste sentido, o procedimento deverá ser (cfr. §.52.º) “analisar o conjunto de elementos de que dispõem para determinar se deles se pode inferir, com um grau de probabilidade suficientemente elevado, que os bens transportados com destino a um país terceiro aí foram entregues”, sendo certo que não se pode inferir que tal sucedeu “pelo simples facto de o transportador ou intermediário não apresentou uma declaração de exportação dos referidos bens”.

 

Desta forma, e dado que não estava em causa, nesse processo, esquemas de fraude fiscal, nem se provando que a falta de cumprimento desse requisito formal por parte de um desses sujeitos passivos, impedia a comprovação da verificação do preenchimento dos requisitos materiais da isenção, o TJUE concluíu (cfr. §. 54.º) que a prática fiscal romena é incompatível com o Direito Europeu.

 

Na mesma linha de entendimento, no Acórdão proferido no âmbito do processo C-275/18, (Milan Vinš), de 28 de Março de 2019, refere o TJUE (§.27.º) que a qualificação de uma operação como entrega para exportação nos termos do artigo 146º, nº 1, alínea a), da Diretiva IVA “não pode depender da colocação dos bens em causa sob o regime aduaneiro de exportação, cujo incumprimento tenha por consequência privar definitivamente o sujeito passivo da isenção na exportação”.

 

E prossegue o TJUE,  com base na jurisprudência do Acórdão Cartrans Spedition: “(…) em segundo lugar, cabe aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131º da Diretiva IVA, as condições da isenção das operações de exportação com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções previstas por esta diretiva e evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso. No exercício dos seus poderes, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se inclui o princípio da proporcionalidade”

 

E mais adianta o Tribunal (cfr. §.29.º) que: “uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados.”

 

E conclui, relativamente ao caso concreto em análise: “uma condição (…) que impede a concessão de uma isenção de IVA a uma entrega de bens que não tenham sido colocados sob o regime aduaneiro de exportação, ainda que seja ponto assente que esses bens foram efetivamente exportados em conformidade com os critérios recordados no no. 24 do presente acórdão, e que, por conseguinte, esta entrega corresponde, pelas suas características objetivas, às condições de isenção previstas no artigo 146.o , n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, não respeita o princípio da proporcionalidade.”

 

O Tribunal arbitral não pode deixar de concordar em absoluto com a referida jurisprudência do TJUE aplicável à isenção de IVA aqui em discussão e, como tal, irá seguidamente também subsumi-la à matéria de facto dada como provada.

 

Mas não sem antes referir a recente jurisprudência arbitral que se tem vindo a pronunciar sobre a isenção do IVA nas exportações e a prova dos requisitos da exportação.

 

Neste ponto merecem destaque, para além da decisão arbitral  proferida no âmbito do Processo nº 292/2019-T do CAAD, atrás mencionada, também as decisões arbitrais proferidas nos Processos nºs 667/2019-T, de 11 de março de 2020, 265/2020-T, de 10 de maio de 2021 e 201/2021-T, de 21 de fevereiro de 2022.  

 

Recorde-se que está aqui em causa aferir se, como refere a Requerida, a única prova admissível da exportação dos produtos por parte da Requerente será o “Documento Alfandegário apropriado” ou se, porventura, outros meios de prova serão admissíveis.

 

Face à citada jurisprudência do TJUE e à mencionada jurisprudência arbitral, a conclusão do Tribunal é de que a única prova admissível da exportação dos produtos por parte da Requerente não serão os DAUs e as faturas neles referidas.

 

Como resulta da matéria de facto dada como provada, não subsistem dúvidas quanto à verificação, no caso em análise, dos requisitos materiais de que depende a isenção vertida na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, porquanto: (i) a Requerente celebra com o seu cliente contratos de compra e venda translativos da propriedade dos produtos que comercializa; (ii) os bens foram expedidos para fora da União e que; (iii) no âmbito dessa expedição, ocorreu a saída física dos bens do território da União.

 

A exigência ao tempo dos DAUs como documento alfandegário comprovativo da exportação não deixa de constituir a forma mais óbvia e simples de demonstrar a exportação, mas, como se viu,  não poderá deixar de ser considerada uma formalidade de acordo com a jurisprudência do TJUE, sufragada nas decisões arbitrais referidas.

 

É manifesto que nos documentos de exportação - DAU 2016PT..., DAU 2016PT... e DAU 2017PT... – surge como Expeditor/Exportador a sociedade B... S.A.

 

Todavia, os bens adquiridos pela Requerente à B..., S.A. foram vendidos pela Requerente à C..., sociedade sediada em Timor-Leste, e expedidos pela Requerente para Timor-Leste.

 

Os bens adquiridos pela Requerente à B..., S.A. foram expedidos pela Requerente para fora da União Europeia e, no âmbito dessa expedição, ocorreu a saída física dos bens do território da União Europeia.

 

Nos documentos de exportação - DAU 2016PT..., DAU 2016PT... e DAU 2017PT... – surge como Expeditor/Exportador a sociedade B... S.A., e não a Requerente, uma vez que a Requerente não poderia constar como exportador nos correspondentes documentos aduaneiros por motivos regulatórios, atendendo a que estava em causa a transmissão de produtos farmacêuticos, não se encontrando a Requerente inscrita no Infarmed.

 

Com vista a comprovar a efetividade da sua exportação para Timor-Leste dos bens, a Requerente instruiu o processo e juntou aos autos a seguinte documentação: A (i) Faturas de compra dos bens à B..., S.A e correspondentes packing lists; (ii) Faturas de venda dos mesmos bens à C... e respectivas packing lists; (iii) Certificações de saída para o expedidor/exportador ou declaração de expedição (CMR); (iv) Carta de porte (Airwaybill-AWB); (v) Certificados de seguro de transporte, os quais indicam Portugal como país de origem e Timor-Leste como país destinatário, sendo que a transportadora (D..., Lda.) é segurada a cargo da Requerente; (vi) Requerimentos dirigidos pela Requerente junto da Direção Nacional das Alfândegas, por via postal, para emissão do título de transporte internacional modelo “IM8” ou conhecimento de embarque ("bill of lading"- B/L); (vii) Títulos de transporte internacional modelo “IM8” ou bill of lading, emitido pela Direção Nacional das Alfândegas à Requerente; (viii) Comprovativos da chegada dos bens exportados à alfândega de Timor Leste, dos quais consta o carimbo da mesma e da entidade importadora C..., encontrando-se ainda anexadas cópias do título de transporte internacional modelo “IM8” ou bill of lading.

 

Os bens constantes da três faturas e adquiridos pela Requerente à B..., S.A. são os mesmos que foram posteriormente vendidos pela Requerente à sociedade de Timor-Leste, tal como se comprova pela referência à quantidade, género e qualidade dos bens em ambas as transações.

 

Sendo que não ficou provado que os bens adquiridos pela Requerente à B..., S.A. tenham sido sido expedidos e exportados direta e materialmente pela própria B..., S.A. para Timor-Leste, sendo a B..., S.A. manifestamente alheia às relações comerciais (transmissões de bens) estabelecidas com a compradora e importadora C... .

 

Com efeito, inexiste qualquer prova que estabeleça qualquer ligação comercial entre a B..., S.A. e a C... e a transmissão e expedição dos bens aqui em causa para Timor-Leste, para além do facto de surgir como Expeditor/Exportador nos referidos DAUs.

 

Como decorre do citado Acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo C-21/16 (Euro Tyre), o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção do IVA seja reconhecida se as condições materiais previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 146.º da Directiva IVA estiverem preenchidas, mesmo que o contribuinte não tenha cumprido certas formalidades.

 

Aliás, de acordo com o TJUE, tal só não se verificará em duas condições particulares: (i) nos casos de fraude e, (ii) quando a violação dessas formalidades tiver por efeito impedir a produção da prova do cumprimento das condições materiais da isenção. (cfr. 4 §. 38.º, 39.º e 42.º).

 

O Tribunal não desconhece o regime jurídico dos Medicamentos de Uso Humano e o papel do Infarmed com entidade reguladora em matéria de medicamentos e substâncias ativas e restrições existentes em matérias de exportação destes bens. Com efeito, sendo a exportação de medicamentos uma prática legal, para os distribuidores por grosso e fabricantes, esta prática torna-se ilegal quando a exportação compromete o abastecimento regular do mercado nacional de medicamentos, pondo assim em causa a acessibilidade dos doentes aos medicamentos de que necessitam, sendo recorrente o Infarmed proíbir a exportação de medicamentos.

 

Todavia, no caso em apreço, a AT não veio incocar qualquer ilegalidade, do ponto de vista material, na exportação dos medicamentos e inclusivamente aceita que ocorreu uma exportação para países terceiros.

 

No caso em análise, face à ausência do nome da Requerente nos DAUs e a menção das faturas relativas à compra efetuada à B..., S.A., a AT recusou a isenção sem cuidar de analisar se as condições materiais da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA estavam, ou não, efectivamente preenchidas.

 

E a isto acresce que a recusa da isenção pela AT não foi motivada pela existência de fraude, sendo que nada resulta dos autos a esse respeito, nem a AT o alega.

 

No caso dos presentes autos, a Requerente logrou provar, para além de qualquer dúvida, que os bens foram por si expedidos e saíram fisicamente do território da União Europeia com destino a países terceiros (Timor-Leste). 

 

Estes requisitos, a que acresce a transmissão do direito de propriedade para o adquirente dos bens expedidos, determinam a insustentabilidade da posição da AT e, em consequência, a ilegalidade das duas liquidações de IVA em apreço por errónea interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA.

 

Este vício justifica a anulação das duas liquidações impugnadas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

O indeferimento expresso do recurso hierárquico enferma do mesmo vício, já que mantém as liquidações, com os fundamentos que constam do despacho de indeferimento.

 

Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que as duas liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) em crise, são ilegais, devendo ser anuladas, pelo que terá de proceder, na sua totalidade, o pedido apresentado pela Requerente.

 

Dando este Tribunal como procedente o vício de violação de lei invocado pela Requerente, com a consequente anulação das liquidações impugnadas, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.

 

  1. Decisão

 

Em face do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA n.º ... e n.º ..., dos quais resultou uma correção global ao valor de excesso a reportar no montante de € 78.145,41 [resultante da diferença entre o valor de excesso a declarado no período de Dezembro de 2016 (€ 98.145,38) e o valor de excesso a reportar corrigido (€ 19.999,97)], relativas ao ano de 2016;

 

  1. Anular estes atos de liquidação de IVA n.º ... e n.º ...;

 

  1. Anular a decisão de indeferimento expresso do procedimento de recurso hierárquico n.º ...2020... . 

 

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º A n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 78.145,41 (setenta e oito mil, cento e quarenta e cinco euros e quarenta e um cêntimos).

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 19 de abril de 2023

 

Os Árbitros,

 

(Victor Calvete, árbitro Presidente)

 

 

(Júlio Tormenta, árbitro adjunto)

 

(Pedro Miguel Bastos Rosado, árbitro adjunto -Relator)