Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 497/2022-T
Data da decisão: 2023-03-17  IVA  
Valor do pedido: € 64.810,36
Tema: IVA – renúncia à isenção. Direito à dedução de IVA suportado.
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SUMÁRIO:

  1. A renúncia à isenção de IVA permite a dedução do IVA suportado na aquisição, exploração e manutenção dos imóveis adquiridos com destino a revenda.
  2. Para que tal suceda, terão os imóveis de ser afetos a uma atividade sujeita e não isenta de IVA, devendo tal atividade ser exercida diretamente pela entidade que renunciou à isenção de IVA e não por qualquer outra entidade à qual esta tenha cedido a exploração dos imóveis.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.         RELATÓRIO:

A..., L.DA, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação do ato de liquidação de IVA nº 2021..., no valor de € 8.887,09 e demonstração de acerto de contas nº 2021..., no valor de € 2.168,62, bem como a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os mesmos atos, com a consequente restituição à Requerente do imposto indevidamente pago e pagamento dos juros indemnizatórios .

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. Em 02/04/2020, a Requerente, à data sob a denominação “B..., S.A.”, comprou 5 prédios ao “C...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, 2 dos quais com renúncia à isenção de IVA;
  2. Tendo sido adquiridos tendo em vista a sua revenda, beneficiaram da isenção de IMT;
  3. Os prédios encontram-se registados em inventários da Requerente, nunca tendo sido transferidos para imobilizado, por se manter a intenção da sua revenda;
  4. Nos prédios adquiridos está implantado e é explorado um campo de golfe;
  5. A Requerente celebrou com a D..., S.A.” um contrato tendo em vista a exploração do campo de golfe implantado nos prédios adquiridos, bem como um contrato de prestação de serviços de manutenção do campo de golfe;
  6. A Requerente deduziu o IVA pago aquando da aquisição dos prédios adquiridos com renúncia à isenção de IVA, no valor de € 53.053,53, bem como o IVA suportado relativo aos trabalhos efetuados pela “D..., S.A.” nos prédios adquiridos;
  7. Na sequência de procedimento de inspeção tributária, concluíram os Serviços pela dedução indevida de IVA, apurando correções no valor total de € 64.810,36;
  8. A liquidação de IVA impugnada é ilegal.

 

A Requerente juntou 6 documentos e não arrolou testemunhas.

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

O tribunal arbitral foi constituído em 31 de outubro de 2022.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese:

  1. A Requerente confessa que os prédios adquiridos com renúncia à isenção se destinam a revenda;
  2. A atividade de venda de imóveis não confere direito à dedução do IVA, por se tratar de atividade isenta;
  3. A Requerente apenas poderá eventualmente ter direito à dedução do IVA que suportou e que venha a suportar quando, na qualidade de transmitente dos imóveis, vender os imóveis, desde que verificadas as respetivas condições.

 

Conclui, pugnando pela legalidade da liquidação efetuada e peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

 

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

 

Notificadas para apresentação de alegações escritas simultâneas, nenhuma das partes apresentou alegações.

 

II.        SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

Não existem nulidades que invalidem o processado.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

III.      QUESTÃO A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, verifica-se que a questão a decidir é a de saber se a Requerente tem ou não direito à dedução do IVA suportado aquando da aquisição dos prédios adquiridos com destino a revenda, bem como do IVA incluído nas faturas emitidas pela “D..., S.A.” e relativas a serviços prestados nos prédios adquiridos pela Requerente com renúncia à isenção de IVA.

 

IV.      MATÉRIA DE FACTO:

a.         Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como atividade a compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100) e a gestão de instalações desportivas (CAE 93110);
  2. Em 02/04/2020, a Requerente, à data sob a denominação “B..., S.A.”, comprou ao “C... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado” os prédios urbanos sitos na freguesia de ..., concelho de Benavente, inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ..., ..., ..., ... e ...;
  3. Os prédios inscritos sob os artigos ... e ... foram adquiridos com renúncia à isenção de IVA, tendo a Requerente, aquando da sua aquisição, suportado IVA no valor, respetivamente, de € 51.204,93 e € 1.838,60;
  4. Os prédios foram todos adquiridos com isenção de IMT, por se destinarem a revenda;
  5. Os prédios encontram-se todos registados, desde o momento da sua aquisição, em inventário da Requerente;
  6. No prédio inscrito sob o artigo ... encontra-se implantado um campo de golfe;
  7. Em 02/04/2020 a Requerente celebrou com a “D..., S.A.” um contrato de exploração, mediante o qual deu de exploração à referida sociedade o prédio inscrito sob o artigo ... e os edifícios aí implantados e contíguos ao campo de golfe;
  8. O contrato a que se alude em 7. foi celebrado pelo período de 3 meses, renovável por iguais períodos;
  9. Em 03/04/2020 a Requerente celebrou com a “D..., S.A.” um contrato mediante o qual esta sociedade se obrigou a prestar serviços de manutenção do campo de golfe implantado em três prédios urbanos propriedade da Requerente, sitos na ..., freguesia de ..., concelho de Benavente;
  10. O contrato a que se alude em 9. foi celebrado pelo período de 3 meses, renovável por iguais períodos;
  11. A Requerente pagou IVA no montante de € 56.138,98, apurado na 1ª declaração periódica relativa ao período de 202006T;
  12. Em 16/12/2020, a Requerente apresentou declaração de substituição da declaração periódica a que se alude em 11., da qual resultou a pagar o valor de € 245,64; 
  13. A Requerente deduziu o IVA pago aquando da aquisição dos prédios adquiridos com renúncia à isenção de IVA, no valor de € 53.043,53, bem como o IVA incluído nas faturas emitidas pela “D..., S.A.” e relativas a serviços prestados nos prédios adquiridos pela Requerente com renúncia à isenção de IVA, no valor de € 11.766,83;
  14. Na sequência do pedido efetuado pela Requerente, de reembolso do IVA pago em excesso, apurado na 1ª declaração periódica enviada para o período de 202006T, foi emitida a Ordem de Serviço Interna nº OI2021..., datada de 08/03/2021, de âmbito parcial (IVA) e incidente sobre o exercício de 2020;
  15. Na sequência de procedimento de inspeção tributária, concluíram os Serviços pela dedução indevida de IVA, apurando correções no valor total de € 64.810,36, sendo € 53.043,53 relativo ao IVA suportado aquando da aquisição dos prédios inscritos na matriz sob os artigos ...  e ... e € 11.766,83 relativo ao IVA incluído nas faturas emitidas pela “D..., S.A.” e relativas a serviços prestados nos mesmos prédios;
  16. A Requerida apurou imposto em falta no valor de € 8.917,02, correspondente à diferença entre o valor das correções apuradas (€ 64.810,36) e o valor do imposto pago pela Requerida (€ 55.893,34, este correspondente à diferença entre o valor apurado na 1ª declaração periódica relativa ao período de 202006T - € 56.138,98 - e o valor apurado na declaração de substituição da declaração periódica a que se alude em 11. - € 245,64); 
  17. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IVA nº 2021..., no valor de € 8.887,09 e o ato de demonstração de acerto de contas nº 2021..., no valor de € 2.168,62;
  18. A reclamação graciosa veio a ser indeferida por despacho de 16/05/2022, notificado à Requerente por ofício datado de 20/05/2022;
  19. O pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral deu entrada em 22/08/2022;
  20. A Requerente pagou o valor de € 2.168,62, que resultou da demonstração de acerto de contas nº 2021... .

 

b.         Factos não provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como não provados os seguintes factos:

  1. A Requerente afetou os imóveis adquiridos com renúncia à isenção de IVA a uma atividade sujeita e não isenta de IVA;
  2. A Requerente explora o campo de golfe no âmbito de uma atividade sujeita e não isenta de IVA.

 

c.         Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

 

Quanto aos factos não provados, o facto constante do ponto 1. (a Requerente afetou os imóveis adquiridos com renúncia à isenção de IVA a uma atividade sujeita e não isenta de IVA) resultou da própria alegação da Requerente, quer no âmbito do processo administrativo, quer no âmbito do processo arbitral.

 

A este propósito, cumpre esclarecer que, se por um lado a Requerente invoca que logrou demonstrar a afetação dos imóveis adquiridos com renúncia à isenção de IVA a uma atividade sujeita e não isenta de IVA (artigos 38º e 40º do pedido), por outro lado alega que os comprou tendo em vista a sua revenda (artigo 17º do pedido); que os mantém registados em inventário, “o que é consentâneo com o objeto social da Requerente e com a intenção de revenda dos referidos prédios” (artigo 18º do pedido) e que nunca destinou os prédios a um destino diferente da revenda (artigo 41º do pedido).

 

Ademais, conforme consta do projeto de decisão da reclamação graciosa, o que é aceite pela Requerente e até invocado como fundamento da sua defesa (cfr. artigo 42º do pedido), “a reclamante não procedeu à passagem contabilística dos imóveis de ativo circulante - inventários para o ativo permanente; figurando os imóveis em Balanço na rubrica de Inventários, corroborando tratarem-se de imóveis para revenda. E o facto de em momento algum ter procedido à liquidação do IMT representa que a reclamante nunca considerou dar outro destino ao bem adquirido que não a revenda”.

 

A tal conclusão se chega igualmente pela análise do contrato de exploração celebrado com a “D..., S.A.”, de onde resulta que a Requerente deu de exploração à referida sociedade o campo de golfe implantado no prédio de sua propriedade.

 

Donde, dúvidas não existem de que não era a Requerente que explorava o referido campo de golfe, mas uma entidade terceira.

 

Ora, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 74º nº 1 da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

Assim, por se tratar de facto constitutivo do seu direito, era sobre a Requerente que impendia o ónus de demonstrar que os imóveis adquiridos com renúncia à isenção de IVA tinham sido efetivamente afetos a uma atividade sujeita e não isenta de IVA.

 

Prova essa que a Requerente não logrou fazer, como se lhe impunha, resultando dos autos justamente a prova do seu contrário, o que justificou a inclusão deste ponto na matéria de facto não provada.

 

Quanto ao ponto 2. da matéria de facto não provada (a Requerente explora o campo de golfe no âmbito de uma atividade sujeita e não isenta de IVA), resultou da análise do contrato de exploração celebrado em 02/04/2020 com a “D..., S.A.”, junto aos autos pela Requerente. 

 

Com efeito, decorre de forma expressa de tal contrato que a Requerente deu de exploração à “D..., S.A.” o campo de golfe que se encontra implantado no prédio de sua propriedade.

 

Ao contrário do alegado pela Requerente, a exploração do dito campo de golfe não era levada a cabo por si através da “D..., S.A.”, antes sendo exercida pela própria “D..., S.A.” a título próprio, conferido pelo referido contrato de exploração.

 

E se a exploração era exercida por esta sociedade, não se poderá julgar demonstrado que a Requerente explora o campo de golfe no âmbito de uma atividade sujeita e não isenta de IVA, o que motivou a inclusão deste facto na matéria de facto não provada.

 

E a tal não obsta, cremos, o facto de no contrato de prestação de serviços celebrado em 03/04/2020 se consignar que “os serviços de manutenção do campo de golfe deverão ser realizados, não com o intuito de o colocar em funcionamento mas sim para evitar a sua degradação, de forma a lhe conferir condições mínimas para que a Segunda Contraente ou o terceiro que vier a adquirir o campo, possam vir a fazê-lo num curto espaço de tempo” (considerando D).

 

Isto porque, este facto, desacompanhado de qualquer outro elemento, ainda que indiciário, de prova, não é apto a demonstrar não ser a exploração do campo de golfe levada a cabo pela sociedade a quem a Requerente cedeu a sua exploração, tanto mais que é a própria Requerente que, ao longo do pedido arbitral, invoca ter cedido a exploração do campo de golfe e junta o contrato relativo a tal cessão.

 

  1. DO DIREITO:

 

Conforme tem vindo a ser defendido[1], o IVA é um imposto indireto, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respetivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental.

 

É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr. artigo 1º do CIVA).

 

O IVA caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto.

 

Além das características apontadas, o IVA apresenta ainda a da neutralidade, dado que, fruto do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico.

 

Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtrativo indireto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artigo 19º do CIVA.

 

Da leitura do artigo 1º do CIVA verifica-se que a regra é de que estão sujeitas a IVA todas as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional a título oneroso.

 

A lei estabelece, no entanto, determinadas isenções de IVA, que, conforme nos ensina CLOTILDE CELORICO PALMA[2], podem ser completas, totais, plenas ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado ou incompletas, simples, parciais, entre as quais se encontram todas as do artigo 9º do CIVA, onde o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações ativas e não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respetiva realização.

 

Ora, o número 30 do artigo 9º prescreve estarem isentas de IVA as operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, como é o caso da aquisição de prédios efetuada pela Requerente, atenta a sua atividade principal - compra e venda de bens imobiliários.

Esta isenção “origina a realização de outputs não tributados por parte dos sujeitos passivos, o que impede a recuperação do IVA incorrido nos inputs, nas suas aquisições (v.g., na compra do próprio edifício, nos materiais de construção ou em custos acessórios de diversa natureza).

Deste modo, num cenário de construção de edifícios, atendendo ao facto de o IVA onerar a grande maioria dos recursos necessários à concretização de tais trabalhos, duas soluções poderão ser implementadas pelas entidades que pretendem vender ou arrendar os imóveis em questão:

- considerar o IVA não recuperável como um custo adicional no âmbito do negócio;

- optar pela tributação das suas operações ativas (venda ou arrendamento de imóveis), conforme se encontra previsto na legislação comunitária aplicável a esta matéria, a qual foi transporta para o Código do IVA português.

A opção pela tributação, que se consubstancia numa renúncia à isenção de imposto consagrada nos números 29 e 30 do artigo 9.º do Código do IVA, constitui assim uma forma de permitir o cumprimento de um princípio basilar em que assenta este imposto, o da neutralidade tributária, no âmbito do desenvolvimento de operações imobiliárias[3].

 

Assim, e conforme defendido no Ac. do TCA Norte de 31JUL2008[4], “enquanto a impugnante exercia a atividade coberta pela isenção positivada pelo artº 9º do CIVA não podia liquidar nem deduzir o imposto relativo a essa atividade que persiste pelo período em que decorrer a isenção, sendo que a partir do momento em que o contribuinte renuncie à isenção, o mesmo torna-se a partir desse momento e jamais retractivamente, um normal sujeito passivo, capaz de liquidar e deduzir imposto, referente aos factos geradores verificados após a data a data em que se toma eficaz a renúncia, nos moldes comuns a todas as pessoas não isentas”.

Parece-nos, pois, incontestável que, quando um contribuinte isento de IVA renuncia à isenção, tudo funciona como se de um contribuinte sujeito se tratasse, passando, assim, a ser aplicáveis as regras gerais do IVA, designadamente o direito à dedução do IVA suportado.

 

Voltando aos autos, verifica-se que a aquisição efetuada pela Requerente, de bens imóveis destinados a revenda, se encontra isenta de IVA, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9º nº 30 do CIVA.

 

Tendo a Requerente renunciado à isenção de IVA relativamente a dois dos cinco prédios adquiridos, liquidando o respetivo imposto, poderia recuperar, através do mecanismo da dedução, o IVA suportado, quer relativo à aquisição dos prédios, quer relativo à sua manutenção/exploração.

 

No entanto, para que tal suceda, parece evidente que a atividade sujeita e não isenta que permite a dedução de IVA tem necessariamente de ser levada a cabo pelo contribuinte que renunciou à isenção, não podendo defender-se a aplicação das regras gerais de IVA quando tal atividade seja exercida por um terceiro, ainda que a coberto de um contrato de cessão de exploração, como sucedeu nos autos.

 

Sendo que, in casu, a Requerente, enquanto sujeito passivo misto, que se dedica à atividade de compra e venda de bens imobiliários (isenta) e à de gestão de instalações desportivas (tributada), poderia exercer diretamente a atividade sujeita e não isenta para, dessa forma, beneficiar do regime normal do IVA, designadamente o direito à dedução.

 

Sucede que, no caso dos autos, conforme veio a resultar da prova produzida, a atividade sujeita e não isenta é exercida, não pela Requerente, mas por uma entidade terceira, a título próprio, justificada pelos contratos de exploração e de prestação de serviços celebrados.

De onde se terá necessariamente de concluir não assistir à Requerente o direito de deduzir o IVA suportado na aquisição dos imóveis nem o incluído nas faturas emitidas pela “D..., S.A.” e relativas a serviços prestados nos mesmos prédios, pois que não afetou os prédios a uma atividade sujeita e não isenta, condição para dedução do IVA.

 

Diga-se, ainda, que as informações vinculativas da AT invocadas pela Requerente, com as quais se concorda, não têm aplicação aos autos pela simples razão de que, como dito, in casu, a atividade sujeita e não isenta não é levada a cabo pela Requerente, mas por uma entidade terceira.

 

Ademais, as ditas informações vinculativas apenas defendem que a exploração, no âmbito de atividade sujeita e não isenta, de um prédio adquirido para revenda, não faz caducar a isenção de IMT, por não determinarem, por si, a alteração do destino do prédio, com o que naturalmente se concorda e não é colocado em causa nos autos.

 

Refira-se, ainda que a concreta impossibilidade de dedução de IVA, que aqui se confirma, não retira qualquer efeito útil à renúncia à isenção por parte da Requerente.

 

Por um lado, porque nada impedia que a Requerente destinasse os prédios adquiridos ao exercício, por si, de atividade sujeita e não isenta (caso em que poderia deduzir o IVA suportado), tendo sido por opção sua e não por qualquer imposição legal ou administrativa que a Requerente decidiu não exercer tal atividade, a ela destinando os prédios adquiridos com renúncia à isenção, mas antes ceder essa atividade a um terceiro.

 

Por outro lado, ainda assim, a Requerente poderá vir a deduzir o IVA suportado com a aquisição, exploração e manutenção dos imóveis, se e quando, na qualidade de transmitente ou de locadora, vender ou der em locação os imóveis em causa, desde que verificados os respetivos requisitos.

Isto mesmo resulta do disposto no artigo 8º nº 2 do DL 21/2007, de 29 de janeiro, nos termos do qual “os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção”.

 

Prescrevendo, por seu turno, o nº 1 do artigo 5º do mesmo diploma que “a renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel.

 

Terá, assim, de soçobrar a pretensão da Requerente, não padecendo as liquidações impugnadas de qualquer ilegalidade ou vício gerador da sua nulidade ou anulabilidade, pelo que se deverão manter na ordem jurídica, assim como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

Da mesma forma, terão necessariamente de improceder os pedidos de restituição do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios, por se tratarem de consequências do deferimento da pretensão de anulação das liquidações impugnadas, que in casu não se verificou.

 

VI.      DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

  1. julgar improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IVA nº 2021 ... e demonstração de acerto de contas nº 2021 ...;
  2. julgar improcedente o pedido de revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os mesmos atos;
  3. julgar improcedente o pedido de restituição à Requerente do imposto pago;
  4. julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
  5. absolver a Requerida de todos os pedidos formulados.

 

***

Fixa-se o valor do processo em € 64.810,36, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º, ambos do RJAT, e do nº 1 do artigo 4º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.

 

Lisboa, 17 de março de 2023.

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão (Presidente)

 

 

 

Alberto Amorim Pereira (relator)

 

 

Raquel Franco

 

 



[1] NUNO DE SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e ss.; SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 8ª edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e ss.; J. L. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e ss. e 411 e ss).

 

 

[2] Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I - 2.ª Edição, Almedina, pág. 122 ss.

[3] Acórdão do TCA Sul de 21MAIO2013, processo nº 05447/12, in www.dgsi.pt.

[4] Proc. nº 00052/02-Porto, in www.dgsi.pt.