Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 642/2022-T
Data da decisão: 2023-03-26   
Valor do pedido: € 86.155,03
Tema: IRC - Benefício fiscal; RFAI; Deduções à coleta de IRC; Portaria de regulamentação.
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SUMÁRIO

  1. A indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2 do Código Fiscal de Investimento, não se estando perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.
  2. A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.
  3. Sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do Código Fiscal do Investimento, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Rui Duarte Morais (presidente), Pedro Guerra Alves e Pedro Galego, (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 03-01-2023, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A..., S.A., doravante “Requerente”, titular do NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ...-... ..., veio, em 27-10-2022, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC"), com n.º 2022 ... referente ao período de tributação de 2018, no valor de EUR 86.155,03, e contra o ato de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. No dia 14 de junho de 2019, a ora Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 (“DM22”), por referência ao período de tributação de 2018, declaração a qual constitui o objeto do presente Pedido de Pronuncia Arbitral.
  2. A Requerente deu entrada de uma Reclamação Graciosa por erro na autoliquidação do IRC, relativamente à DM22, respeitante ao período de 2018.
  3. No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, concluiu a Requerente que havia cometido um lapso na autoliquidação do IRC.
  4. No período de tributação de 2018, a Requerente deu início a um projeto de investimento, tendo em vista a modernização da atividade de produção de vinho.
  5. O projeto em causa visava o desenvolvimento dos processos de transformação, com o propósito de otimizar a eficiência dos mesmos e desse modo aumentar a produção, assim como desenvolver novas vinhos.
  6. No âmbito do mesmo projeto de investimento, a Requerente começou a investir no desenvolvimento da atividade de turismo e restauração.
  7. A Requerente verificou que o lucro tributável apurado na respetiva DM22 não teve em consideração o benefício fiscal resultante da aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento ("RFAl"), conforme resulta da consulta do campo 355 do Quadro 10, bem como do Anexo D, da respetiva DM22, nos quais não foi inscrito o valor associado à totalidade dos investimentos realizados em 2018.
  8. A Reclamação Graciosa apresentada visava retificar a (errada) autoliquidação de IRC da Requerente, respeitante ao período de tributação de 2018, uma vez que, no seu entender, a mesma deveria compreender no campo 355 um valor adicional de EUR 148.535,39, relativo ao benefício fiscal do RFAI gerado no período e não considerado, por lapso, no preenchimento da DM22.
  9. Na demonstração do investimento em aplicações relevantes, a Requerente comprovou ter realizado investimentos elegíveis no total de EUR 616.947,28 em 2018, dos quais resultaria um montante de benefício de RFAI de EUR 154.236,82, mas que por via dos limites de auxílios de Estado aplicáveis, se deveria considerar apenas em EUR 148.535,39, respetivamente:

 

  1. A Requerente solicitou, (i) o reembolso do montante global de EUR 46.620,46, referentes a IRC indevidamente suportado no período de tributação de 2018 e (ii) a consideração do montante de EUR 101.871,37 de benefício de RFAI gerado em 2018 e em reporte, devendo este ser incluído nas DM22 de 2019 e 2020, procedendo-se consequentemente aos ajustamentos que se demonstrem necessários nas respetivas DM22.
  2. Sustenta a Requerida, que no entendimento da AT, as atividades de produção de vinho, encontram-se excluídas do âmbito do RFAl, por força do disposto no artigo 1.9 da Portaria n.9 282/2014, de 30 de dezembro, por remissão do artigo 22.9, n.9 1 do CFI, e que o investimento realizado pela Requerente, na parte correspondente à produção de vinhos, não é elegível para RFAI. No entendimento da AT, a Requerente apenas pode aplicar o benefício do RFAI ao valor de EUR 249.519,04 respeitante à atividade de Turismo e Restauração. Desconsiderando a AT o restante montante de EUR 367.428,24, correspondente a investimentos no âmbito da produção de vinho, que entende não ser uma atividade elegível para o benefício do RFAI.
  3. A Requerente considera que o entendimento da AT, que contesta nos documentos apresentados, não pode senão reconhecer-se como viciado por erro sobre os pressupostos de direito, mostrando-se evidente que a atividade de produção de vinho é elegível para RFAI.
  4. Conclui a Requerente, que é evidente que a atividade da Requerente não se encontra excluída do âmbito de aplicação setorial das OAR, nem do RGIC, aplicando-se consequentemente à sua atividade o regime fiscal do RFAI, para efeitos do artigo 22.9° do CFI. Que a atividade da Requerente é elegível para o RFAl, nos termos do artigo 22.º, número 1 do CFI, bem como do artigo 2.9 do mesmo Código. Consequentemente, fundamentando a decisão de deferimento parcial em argumentos infundados e em sentido contrário aquela que tem sido a interpretação corrente da jurisprudência, incorreu a Administração Tributária em erro de direito, ferindo de vicio a decisão proferida, impondo-se a sua anulação e a sua substituição por outra, tendo sido este o seu requerimento.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 27-10-2022, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-12-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 03-01-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 08-02-2023, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A matéria relativamente à qual foi solicitada a apreciação pelo Tribunal Arbitral, prende-se basicamente com o facto de a AT ter considerado que a atividade de Produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021) não é elegível para efeitos do benefício do RFAI, e consequentemente, não terem sido considerados relevantes os investimentos imputáveis a esta atividade para efeitos de cálculo do benefício.
  2. Relativamente aos valores declarados pela requerente a título de benefício fiscal RFAI referentes à atividade de Produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021), a AT não aceitou os mesmos pois considerou que aquela atividade não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação do RFAI.
  3. O RFAI, encontra-se estabelecido no capítulo III do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, e constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).
  4. De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, este regime apenas é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (OAR) para 2014-2020 e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).
  5. A portaria para a qual remete o número 1 do artigo 22.º e o n.º 3 do artigo 2.º do CFI é a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos CAE relativos aos setores de atividade elegíveis para a concessão de benefícios fiscais e, por força desta remissão é, também, aplicável ao RFAI.
  6. O artigo 1.º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado.
  7. E, embora a alínea b) do artigo 2.º da mesma Portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior".
  8. De notar que de acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do TFUE, em matérias de competência exclusiva da UE, como acontece com as normas que disciplinam os auxílios de Estado, só esta pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros apenas legislar quando habilitados pela UE ou a fim de dar execução a atos da União. Isso significa que toda a legislação e regulamentação nacional nestas matérias mais não pode fazer do que executar as normas europeias .
  9. É neste contexto institucional e normativo que devem ser interpretados e aplicados o CFI, o RFAI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.
  10. Assim, apesar de a Requerente afirmar que “a Portaria não pode sobrepor-se ao legislador fiscal, limitando os setores de atividade que este determinou como elegíveis para o RFAI”, a verdade é que a remissão legal expressa tanto no CFI como na Portaria para as OAR e o RGIC permite-nos concluir que o legislador quis, acima de tudo, no exercício das suas competências legislativas e regulamentares, cumprir plenamente todas as obrigações resultantes do espírito e da letra das OAR e do RGIC em consonância com os princípios, intimamente relacionados, da primazia de aplicação do direito da União Europeia e da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia, sob pena de o Estado incorrer em infração ao direito da União Europeia e em responsabilidade.
  11. Mais sustenta a Requerida, que por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só se encontra vedada a concessão de auxílios à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas, se se verificar qualquer das situações mencionadas nas suas subalíneas i) ou ii), o que não parece ocorrer nos presentes autos. Porém, importa salientar que o RGIC não é aplicável apenas aos auxílios com finalidade regional, mas também a outras categorias de auxílios conforme decorre do n.º 1 do seu artigo 1.º.
  12. Defende a Requerida, que a Portaria n.º 282/2014 e o n.º 2 do artigo 2.º do CFI constituem normas de execução e concretização dos princípios e regras da OAR e do RGIC, sempre em conformidade com os artigos 107.º a 109.º do TFUE. Ou seja, para além do RGIC, devem também ser observadas as OAR, uma vez que podem trazer (e trazem na presente situação como adiante se concluirá) restrições a estes auxílios. Ora, é neste contexto que importa ter presente as OAR, onde a Comissão deixa bem claras as diretrizes que devem ser seguidas neste domínio.
  13. Salienta-se que as regras em matéria de auxílios estatais para a agricultura (que conforme vimos abrangem as atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado), estão estreitamente relacionadas com a Política Agrícola Comum (PAC), objetivo, que em nosso entender, determina a necessidade de sujeitar este setor a regras especiais previstas noutros instrumentos jurídicos específicos.
  14. Sustenta a Requerida, que o investimento que tenha por objeto uma atividade económica enquadrada no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, encontra-se, ao contrário do que entende a requerente, explicitamente excluído do âmbito de aplicação das OAR, podendo ser-lhe aplicável as Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola dentro dos pressupostos legais exigidos nessas normas europeias.
  15. Defende a Requerida, que aos auxílios aos investimentos relacionados com a transformação e a comercialização de produtos agrícolas (de que resulte um produto agrícola) são aplicáveis as Orientações Agrícolas, designadamente, a Secção 1.1.1.4 do Capítulo I, da Parte II, mas, também, e com igual relevância, os princípios comuns de apreciação, elencados no Capítulo 3 da Parte I, pelo que tais auxílios caem no âmbito sectorial das Orientações Agrícolas e não das OAR, das quais, estão expressamente excluídas.
  16. Conclui a Requerente que tendo os investimentos realizados, sido destinados à atividade principal da empresa, produção de vinhos comuns e licorosos, não são elegíveis para usufruição do RFAI.
  17. Conclui pela improcedência do pedido arbitral, com as devidas consequências legais.

Por despacho do dia 06-03-2023, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e a produção de alegações, bem como o Tribunal advertiu da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente no prazo de 20 dias.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRC, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2021..., fixada em 31 de Agosto de 2022, tendo a presente ação sido proposta em 27 de outubro de 2022.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que atua no setor vitivinícola, concentrando a sua atividade na produção e comercialização de vinhos do Douro e do Porto. Cf. PPA e RIT.
  2. A Requerente detém o Código de Atividade Económica ("CAE") principal 11021, correspondente à produção de vinhos comuns e licorosos, e os CAE secundários 55202, 46332, 56101, 93293 e 01210, referentes, respetivamente, a turismo no espaço rural, comércio por grosso de azeite, óleos e gorduras alimentares, restaurantes tipo tradicional, organização de atividades de animação turística e viticultura. Cf. documento 4 juntos pela Requerente.
  3. A Requerente encontra-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação, correspondendo o seu período de tributação com o ano civil. Cf. RIT.
  4. No âmbito da atividade exercida, a Requerente compra barricas a outras entidades não relacionadas. Cf. PPA.
  5. A Requerente utiliza as barricas adquiridas no seu processo de produção, cumprindo estas a função de armazenar o vinho por determinado período temporal, consoante o vinho a produzir e o aroma desejado. Cf. PPA e RIT.
  6. No período de tributação de 2018, a Requerente deu início a um projeto de investimento, tendo em vista a modernização da atividade de produção de vinho. O projeto em causa visava o desenvolvimento dos processos de transformação, com o propósito de otimizar a eficiência dos mesmos e desse modo aumentar a produção, assim como desenvolver novos vinhos. No âmbito do mesmo projeto de investimento, a Requerente começou a investir no desenvolvimento da atividade de turismo e restauração. Cf. PPA.
  7. No dia 14 de junho de 2019, a Requerente procedeu à submissão da Declaração Modelo 22 respeitante ao período de tributação de 2018, tendo apurado um lucro tributável de EUR 781.198,59, e uma coleta de EUR 162.776,70. Cf. PPA.
  8. No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, concluiu a Requerente que havia cometido um lapso na autoliquidação do IRC. Cf. PPA.
  9. A Requerente verificou que o lucro tributável apurado na respetiva DM22 não teve em consideração o benefício fiscal resultante da aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento ("RFAl"), conforme resulta da consulta do campo 355 do Quadro 10, bem como Anexo D, da respetiva DM22, nos quais não foi inscrito o valor associado à totalidade dos investimentos realizados em 2018, no valor de EUR 148.535,39.
  10. A Requerente apresentou a sua Reclamação Graciosa sobre o ato de autoliquidação, e atribuído o nº ...2021... à Reclamação Graciosa.
  11. No âmbito da Reclamação Graciosa apresentada, a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva, tendo em vista a analise da situação tributária relativamente ao exercício de 2018, que teve na sua base o Despacho Interno DI2021..., que foi conduzida pelos Serviços de Inspeção Tributária.
  12. Nessa inspeção foi elaborado o projeto de Relatório da Inspeção Tributária, junto nos presentes autos, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

(…)

 

 

Cf. RIT.

  1. Na demonstração do investimento em aplicações relevantes, a Requerente comprovou ter realizado investimentos elegíveis no total de EUR 616.947,28 em 2018, dos quais resultaria um montante de benefício de RFAI de EUR 154.236,82, mas que por via dos limites de auxílios de Estado aplicáveis, se deveria considerar apenas em
    EUR 148.535,39, conforme resulta da seguinte tabela:

Cf. documento 6 juntos pela Requerente.

  1. A Requerente apresentou as seguintes faturas, para comprovar os investimentos elegíveis para efeitos de RFAI, imputáveis às atividades de Produção de Vinho e de Turismo e Restauração, respetivamente:

 

 

 

 

  1. Ficou comprovado que a Requerente realizou os investimentos relativamente
    aos que pretende beneficiar do RFAI, no sector de “Produção de vinhos comuns e Licorosos – CAE 1102”, “Turismo no espaço Rural – CAE 55202”, Restaurantes tipo Tradicional – CAE 56101” e “Organização de atividades de animação turística – CAE 93293”. Cf. RIT.
  2. Ficou comprovado que a Requerente demonstrou que de 2017 para 2018, verificou um aumento no número de trabalhadores, quer por via de novas contratações, quer por via de renovação/reconversão de contratos a termo em contratos sem termo, de 43 efetivos para 51. Cf. RIT.
  3. Inconformada com o ato tributário de IRC e deferimento parcial da Reclamação Graciosa acima identificados, a Requerente apresentou no CAAD, em 27 de outubro de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da referida liquidação – Cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC"), com n.º 2022 ... referente ao período de tributação de 2018, no valor de EUR 86.155,03;
  2.  Neste âmbito importa aferir:
  1. Se valores declarados pela Requerente a título de benefício fiscal RFAI referentes à atividade de Produção de vinhos comuns e licorosos, ao qual corresponde o CAE 11021, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do RFAI.

 

§4.2. Sobre a ilegalidade da liquidação por desconsiderar os benefícios fiscais referentes ao CAE 11021 - Produção de vinhos comuns e licorosos.

Iniciando a nossa análise, verificamos que a Requerente efetuou investimentos em 2018, e que a atividade da Requerente se enquadra na CAE 11021 «produção de vinhos comuns e licorosos».

A Administração Tributária entendeu que os investimentos referidos não podem beneficiar do benefício fiscal pois considerou que aquela atividade não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação do RFAI.

Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal a apreciação da questão se os investimentos efetuados referentes à atividade de produção de vinhos comuns e licorosos, ao qual corresponde o CAE 11021, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do RFAI, uma vez que não é invocada pela AT a falta de qualquer outro requisito para a aplicação do RFAI.

Trata-se de matéria já anteriormente analisada por jurisprudência do CAAD[1], em particular na decisão n.º 220/2020-T do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr. Luís Janeiro e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues, que, atenta a similitude dos factos, aqui acolhemos e seguimos de perto.

Assim sendo, importa analisar a legislação e regulamentação nacional, bem como as normas e regulamentos comunitários aplicáveis a estas matérias.

Para o enquadramento normativo da questão ora em apreço, cumpre começar por salientar que o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, aprovou, no âmbito do novo CFI, um novo RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:

3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:

a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:

i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;

ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;

c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;

e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores;

f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios.

As atividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 2.º

Âmbito objetivo

1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

Vejamos agora, a questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro.

Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da referida lei de autorização legislativa n.º 44/2014, e do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, visou-se «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», designadamente as atividades económicas que podem beneficiar de tais auxílios.

A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 setembro, que refere no seu Preâmbulo o seguinte:

“Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.”

Concretizando este propósito, os artigos 1.º e 2.º desta Portaria estabelecem o seguinte:

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

A questão do enquadramento dos investimentos no âmbito de uma atividade de produção vinhos comuns e licorosos, a que corresponde o CAE 11021, foi objeto da Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo 220/2020-T, entretanto apoiada por vários outros Tribunais Arbitrais constituídos no CAAD que decidiram em sentido similar, como no âmbito do Processo n.º 670/2020, de 16 de setembro de 2021, sendo que, nesta parte, aderimos à fundamentação ali constante, que se passa a reproduzir:

Como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

 Na verdade, «como é natural, não pode uma portaria – independentemente de qualquer qualificação jurídico-pedagógica que se lhe dê – excluir um setor de atividade que o legislador fiscal soberano expressamente decidiu dever ser beneficiado e não alterou a sua decisão através de um procedimento legislativo de igual valor (lei ou decreto-lei autorizado). Ao fazê-lo está a derrogar a lei numa matéria central da tipicidade tributária – o que nem mesmo as posições doutrinárias mais flexíveis sobre a teoria da legalidade tributária admitem». (  )

 Por isso, tendo em mente que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar. Na verdade, «é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação. (  )

 Assim, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às actividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as actividades abrangidas.

 Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.

 Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 3.º do CFI para estabelecer, restringindo o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».

 Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas actividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2 do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas actividades, extravasando a competência objectiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das actividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.

 É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a «necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos» (  ), mas tal habilitação não é admissível quando «seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)»
(  ), o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), da CRP.

 Doutra perspectiva, como defende a Requerente, sendo a delimitação do âmbito dos benefícios fiscais matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 1.º, da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, será «inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.° e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.°, n.º 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar».

 Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.

 No entanto, do vício de que enferma este artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 não decorre necessariamente a anulação das liquidações impugnadas, pois é invocado também como seu fundamento para exclusão do benefício fiscal «o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».

 Com efeito, quando um acto de tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". (  ).

 

 Por isso, é necessário apreciar também este segundo fundamento das liquidações.

 3.2.2. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento por se tratar de actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), visou-se com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».

 O artigo 2.º do CFI elenca as actividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora»[alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC».

 O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».

 A Requerente defende que apenas relevou para a aplicação do RFAI investimentos realizados na sua actividade de transformação e comercialização de produtos vinícolas (investimentos em adegas e máquina para instalação de uma linha de engarrafamento de vinho) o que está em sintonia com o afirmado pela Administração Tributária, que refere no Relatório da Inspecção Tributária que «os investimentos realizados antes referidos destinaram-se à atividade principal da empresa e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado, fruto do elevado crescimento das vendas de vinho».

 A actividade da Requerente, com o código CAE 11021, incluída na Divisão 11, grupo 110, classe 1102 o anexo ao Decreto-Lei n.º 38172007, de 14 de Novembro, é uma das indicadas na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, que abrange «Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33». Há também acordo das Partes quanto a este enquadramento.

 No entanto, a Administração Tributária defende que a actividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as actividades de «transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado» são «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», a que se refere a parte final daquele n.º 1 do artigo 22.º do CFI.

 A questão que se coloca, assim, é a de saber se a actividade da Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013) e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.

3.2.2.1. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação das OAR

 No que concerne às OAR, a Administração Tributária entendeu que a exclusão decorre do seu ponto 10 em que se estabelece o seguinte:

10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.

 

 Na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:

«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

 

 Considerando estas disposições, a Administração Tributária concluiu que, «quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo l do Tratado».

 A Requerente defende, no entanto que aquele ponto 10, ao excluir «agricultura» do âmbito dos sectores de actividade a que se referem estas orientações sobre os auxílios com finalidade regional a económica, faz essa exclusão, porque «estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações».

 E também, como salienta a Requerente, a referida nota de rodapé (11), esclarece que «os auxílios estatais à (..), transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

 Na fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária não se encontra qualquer referência a estas especiais «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola», que, como se diz no ponto 10 das OAR, são susceptíveis de derrogar total o parcialmente estas Orientações.

 Isto significa, desde logo, que as liquidações enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal, pois era primacialmente com base nas específicas «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícolas» que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente as OAR se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.

 Por outro lado, nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:

 

(33)

Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

 

 Como resulta do teor expresso desta segunda parte do ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.

 E, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que (168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;

(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;

(c) As condições estabelecidas na presente secção.

 

 Conclui-se, assim, que a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

 Assim, como bem diz em síntese a Requerente, «à luz do §10 (e da respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento».

 Por isso, não pode, com o fundamento que foi invocado no RIT, (de a actividade da Requerente, por ser de "transformação de produtos agrícolas", pretensamente estar excluída do âmbito das OAR’s), considerar-se que está excluída do benefício fiscal do RFAI.

 

 3.2.2.2. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC

 

 A Administração Tributária entendeu que actividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta actividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta actividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).

 A Administração Tributária ponderou, em suma, que

– o número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que "Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC";

– fazendo uma leitura do Regulamento (UE) n.º 651/2014 (RGIC), acima referido, verificamos no Considerando (11) que "O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para e primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para uma primeira venda devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização".

– portanto, a preparação de um produto agrícola para a primeira venda efetuada nas explorações agrícolas, a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores ou qualquer atividade que prepare o produto agrícola para uma primeira venda, não se inserem no conceito de "Transformação e comercialização de produtos agrícolas". Isto porque, estas atividades integram o próprio conceito de "Produção agrícola primária". E como vimos, a produção agrícola primária é uma das atividades referidas no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, excluída, portanto, do âmbito setorial do RFAI.

– para efeitos do CFI e nos termos do ponto 9) do artigo 2º do RGIC, entende-se por "Produção agrícola primária, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo l do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos".

– de acordo com o ponto 11) do mesmo preceito, "Produto agrícola [é] um produto enumerado no anexo l do Tratado, (...)".

 A Requerente defende, em suma, que o RGIC é aplicável a auxílios previstos no CFI e que a exclusão dos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, apenas se verifica nos casos previstos na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo.

 O RGIC identifica aos auxílios estatais que estão isentos da obrigação de informação atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios, prevista no artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.

 Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável, além do mais, aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º.

 Relativamente aos auxílios concedidos no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o afastamento da aplicação do RGIC é estabelecido nos seguintes termos:

 

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

(...)

3. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou

ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;

 Depreende-se desta limitação dos auxílios excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não está prevista.

 No caso em apreço, as Partes estão de acordo em que a actividade da Requerente é de «transformação de produtos agrícolas», que é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC] (  ); como «transformação de produtos agrícolas», entende-se, para este efeito, «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda». Por outro lado, por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição 11) que consta do artigo 2.º do RGIC].

 Os vinhos de uvas frescas são um dos produtos enumerados no anexo I do TFUE [posição 22.05, a que corresponde a posição 2204 da Nomenclatura Combinada (  ), como se refere no Relatório da Inspecção Tributária], pelo que, à face das definições referidas, aqueles produtos se consideram «produto agrícola» e as operações a ele respeitantes são de «transformação de produtos agrícolas».

 Assim, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».

 Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço, tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.

 O artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas», nestes termos:

 

Artigo 13.º

Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional

 

 A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:

(...)

b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica;

(...)

Pelo exposto, conclui-se que a actividade da Requerente se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela actividade.”

Retomando os autos, atendendo à legislação e jurisprudência exposta, resulta que a indústria transformadora se enquadra no âmbito do disposto no artigo 2.º, n.º 2 do CFI, e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do disposto no artigo 22.º, n.º 1, do CFI, bem como a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.

De qualquer forma, no que diz respeito à Portaria, sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a
concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

Conclui-se, assim, que a liquidação impugnada enferma de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem pressuposto o entendimento de que a atividade principal da Requerente de produção de vinhos comuns não era elegível para usufruição do RFAI.

Pelo exposto, tem de se concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral, em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRC com n.º 2022..., impugnado nesta ação arbitral, no valor de
    EUR 86.155,03.

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 86.155,03, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em
EUR 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, em razão do seu decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de março de 2023

 

Os Árbitros,

 

Rui Duarte Morais (Árbitro-Presidente)

 

Pedro Guerra Alves, Arbitro Vogal (Relator)

 

Pedro Galego, Arbitro Vogal

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Veja-se igualmente as decisões no Processo nº 164/2022-T - Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues, Dr. Francisco Melo e Dr. João Taborda da Gama, e no Processo 98/2021 - Juiz José Poças Falcão, Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira