SUMÁRIO:
I – Não é possível invocar, na impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação, vícios inerentes ao ato de fixação do valor patrimonial do imóvel que lhe serviu de base tributável.
II - Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO:
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal..., e com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Lisboa, vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral na sequência da formação da presunção do indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), em 4 de Abril de 2022, com vista à anulação (parcial) do ato tributário do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.o 2018... com referência ao ano de 2018, no montante global de € 75.784,06. A Requerente pede a anulação parcial do ato tributário atrás mencionado por padecer de erro nos pressupostos de facto e de direito, pedindo, ainda, que a AT seja condenada a reembolsar o valor do AIMI pago em excesso, no montante global de € 75.784,06, e, bem assim, ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido. A título subsidiário, pede ainda que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, que seja declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação de AIMI sub judice, porque assente em normas inconstitucionais, com consequente anulação e demais consequências legais.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese, o seguinte:
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No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, sobre os quais incidiu, relativamente ao ano de 2018, o ato tributário de liquidação de AIMI com o n.o 2018..., no montante total de € 1.429.879,00.
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Em parte, essa liquidação de AIMI teve por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de Adicional a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto. Recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes. Deste modo, no ano sub judice, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de AIMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente àquele ano.
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Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente e que foram igualmente objeto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não retificou as respetivas coletas de AIMI, mantendo-se assim na ordem jurídica a existência de um montante de AIMI superior ao montante legal e efetivamente devido, conforme melhor detalha na Tabela que junta como Documento 8, de onde decorre a redução significativa dos valores patrimoniais tributários destes terrenos, e, consequentemente, da coleta de AIMI sobre os mesmos.
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Consequentemente, entende que estamos perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou uma ilegal liquidação (parcial) de AIMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma coleta ilegal de tributo.
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Acrescenta, por fim, que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). Com efeito, a determinação do VPT de terrenos para construção deverá ser efetuada (exclusivamente) com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários), pelo que a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP. Nestes termos, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.
A Requerente juntou 8 documentos e não arrolou testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 8 de novembro de 2022.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese:
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Que a Requerente vem impugnar, não os atos de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), mas os vícios de atos de fixação do valor patrimonial tributário (“VPT”) que são destacáveis e autonomamente impugnáveis (cf. artigos 3.º a 7.º da sua Resposta);
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Que existe falta de enquadramento legal de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais (cf. artigos 15.º a 20.º da sua Resposta);
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Que os atos em matéria tributária que determinaram o VPT, por serem destacáveis e autonomamente impugnáveis, se encontram consolidados na ordem jurídica (cf. artigos 21.º a 30.º da sua Resposta);
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Que os atos de liquidação nos autos impugnados não podem ser anulados com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do VPT (cf. artigos 31.º a 50.º da sua Resposta);
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Que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente é intempestivo (cf. artigos 51.º a 55.º da sua Resposta);
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Que a norma extraída do artigo 45.º do Código do IMI não se encontra a violar o princípio da igualdade tributária (cf. artigos 65.º a 73.º da sua Resposta);
Conclui, pugnando pela legalidade da liquidação efetuada e peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Não arrolou testemunhas.
Tendo sido alegada matéria de exceção, foi concedido prazo à Requerente para exercer o contraditório, o que fez no seguinte sentido:
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Não se pode confundir o meio de impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário – que corresponde ao meio de impugnação autónoma deste ato destacável per se – com o meio de impugnação do ato tributário de liquidação de IMI ou AIMI com fundamento em ilegalidade na determinação do valor patrimonial / base tributável do tributo efetuado pela AT – impugnação última esta para o qual o Tribunal Arbitral é competente.
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Com efeito, (a) a impugnação autónoma do ato de fixação do VPT e (b) a impugnação do ato tributário de liquidação com o fundamento em ilegalidade na determinação do valor patrimonial / base tributável do tributo efetuado pela AT, tem efeitos jurídicos distintos: (i) a impugnação autónoma referida produz efeitos para o futuro / para os períodos de tributação seguintes à avaliação (ou, nos casos de pedido de avaliação por reclamação da matriz, para os períodos de tributação seguintes à data da entrega deste pedido), determinando um novo VPT que é relevante, não só para efeitos de IMI ou AIMI, como igualmente para efeitos de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), Imposto do Selo ou para outros tributos em que o VPT seja relevante juridicamente; enquanto que (ii) a impugnação do ato tributário de liquidação de IMI ou AIMI só produz efeitos limitados ao ato tributário objeto de tal contestação.
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Sendo que, os tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de IMI ou AIMI, quer dos atos de fixação de valores patrimoniais que lhes estão subjacentes.
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Mais, entende a Requerente que os atos tributários de liquidação de IMI ou AIMI podem ser impugnados com fundamento em errónea fixação dos valores patrimoniais tributários, e que a suscetibilidade de impugnação autónoma dos atos instrumentais / destacáveis de fixação destes valores não obsta à possibilidade de impugnação do ato conclusivo do procedimento (i.e. ato de liquidação).
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Nada na lei determina que as ilegalidades dos atos interlocutórios só podem ser exclusivamente contestadas através dos meios específicos de impugnação autónoma previstos na lei (no caso da fixação dos valores patrimoniais tributários, através de promoção de segunda avaliação e, após se esgotarem os meios graciosos do procedimento de avaliação, através de impugnação judicial), estando vedado a invocação de tais ilegalidades mesmo que as mesmas afetem direta e imediatamente o próprio ato final do procedimento tributário [por exemplo, constituindo os valores patrimoniais tributários a matéria tributável para efeitos de determinação da coleta de IMI (e de AIMI), a ilegal fixação destes valores afeta diretamente o próprio tributo em apreço].
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Só assim se compreende que a “errónea (…) quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais, e outros factos tributários” constitui, por força expressa da lei, fundamento de impugnação judicial (e, subsequentemente, de apresentação de pedido de pronúncia arbitral nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT), conforme o disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT.
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Ora, se a errónea quantificação dos valores patrimoniais (bem como de demais valores / matérias coletáveis de tributos) constitui ilegalidade que fundamenta a apresentação de impugnações judiciais de atos tributários de liquidação de tributo, não tem razão de ser (nem base legal como acima referido) que tal fundamento seja afastado pelo mero facto de o ato de quantificação desses valores patrimoniais ser suscetível de impugnação prévia e autónoma pelo contribuinte.
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Em suma, o que se encontra em causa no presente processo é a apreciação do conteúdo do acto tributário de liquidação de AIMI, concretamente, de um dos elementos necessários à liquidação deste imposto (e que faz parte inerente do mesmo) – a base tributável / matéria colectável – os valores patrimoniais tributários – utilizados pela AT para efeitos destas liquidações.
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A argumentação da Requerida assenta, única e exclusivamente, no pressuposto de que o que se pretende sindicar nos autos são os atos de avaliação dos terrenos para construção cujos valores apurados foram considerados no ato tributário de liquidação de AIMI sub judice. Contudo, o que a Requerente visa ‘atacar’ é a ilegalidade subjacente ao ato tributário de liquidação de AIMI controvertido, ilegalidade essa que resultou da errónea quantificação dos valores patrimoniais tributários daqueles terrenos para construção.
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Ora, resultando assim demonstrada, nos termos da legislação e da jurisprudência acima expendida, a competência da jurisdição arbitral para a apreciação do presente pedido e que, ainda que os atos (destacáveis) de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção possam ser objeto de impugnação autónoma, tal não impede que a legalidade dos atos de liquidação de IMI ou AIMI venha a ser sindicada, com fundamento no erróneo apuramento da coleta, tão somente em sede de reclamação administrativa (reclamação graciosa ou revisão oficiosa) ou de impugnação judicial (ou de pedido de pronúncia arbitral).
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
Notificadas para apresentação de alegações escritas simultâneas, apenas a Requerente entendeu apresentá-las.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
III. QUESTÃO A DECIDIR:
A principal questão a decidir nos presentes autos é a de saber se, deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT de um imóvel, poderá, ainda assim, arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI que lhe sejam subsequentes, com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações.
IV. MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
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No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
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A Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação de AIMI com o n.º 2018..., referente ao ano 2018, no montante total de € 1.429.879,00.
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Posteriormente, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.
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Relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente e que foram objeto da reavaliação acima mencionada, com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários, a AT não retificou as respetivas coletas de AIMI.
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A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, da liquidação de AIMI sub judice.
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A Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, um Pedido de Revisão Oficiosa, submetido junto da AT no dia 4 de Abril de 2022, com referência às coletas de AIMI referentes aos imóveis melhor detalhados na Tabela do Documento 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
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O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir as respetivas decisões dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
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A 29/08/2022, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo dos valores patrimonial tributários que estiveram na base do cálculo das liquidações impugnadas.
b. Factos não provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, não existem factos que sejam de considerar não provados.
c. Fundamentação da matéria de facto
A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.
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DO DIREITO
O objeto destes autos reconduz-se à apreciação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e eventual anulação parcial da liquidação de AIMI do ano de 2018, à qual se referia aquele pedido, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que o mesmo assentou, por ter sido, entretanto, alterado o modo de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em questão, com consequente redução dos respetivos VPTs.
Mais especificamente, a Requerente pretende ver repercutidos, na liquidação de AIMI de 2018, os novos valores patrimoniais tributários dos imóveis em causa, determinados após a reavaliação ocorrida na sequência da jurisprudência do STA que decidiu no sentido da não aplicação dos coeficientes de afetação, localização, qualidade, conforto e vetustez, previstos nos artigos 41.º a 44.º do CIMI, aos terrenos para construção.
Ora, para que o pedido da Requerente pudesse ser procedente, teria que se admitir, neste momento, ser ainda impugnável o ato de liquidação de AIMI em causa, com fundamento na circunstância de terem sido corrigidos ulteriormente os VPTs que, à data da liquidação, constavam das matrizes e não tinham sido contestados pela Requerente. Por conseguinte, a questão que compete a este Tribunal decidir, antes de mais, é a de saber se, deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT nos termos atrás enunciados, poderá, ainda assim, arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPTs que serviram de base às liquidações.
Ora, sobre este tema tem havido alguma divergência nas posições assumidas pelos tribunais arbitrais formados sob a égide do CAAD [vide, a título meramente exemplificativo, os acórdãos 467/2022-T e 466/2022-T].
Contudo, foi, recentemente, proferido um acórdão pelo STA, no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência, de que aqui cumpre, naturalmente, dar nota. Trata-se do acórdão de 23.02.2023, proferido no processo 0102/22.2BALSB, em que o Tribunal decidiu, no mesmo sentido em que já se tinha pronunciado anteriormente, que não é possível invocar, na impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação, vícios inerentes ao ato de fixação do valor patrimonial do imóvel que lhe serviu de base tributável (cf. entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/07/2016, proferido no processo 0173/16, consultável em www.dgsi.pt). Resumidamente, a posição do STA é a seguinte:
- vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária, segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento (cf. artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT).
- o princípio da impugnação unitária tem duas exceções, referentes a casos em que é admitida a impugnação imediata dos atos interlocutórios. Tal sucede (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório;
- a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação;
- no que respeita, em particular, aos atos de fixação de valores patrimoniais, rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7);
- o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigos 37.º a 46.º e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação: quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da primeira avaliação, pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como prevê o artigo 77.º do mesmo Código.
- o disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI deve ser interpretado em conjugação com o disposto no artigo 134.º do CPPT e no artigo 86.º, n.º 2, da LGT: a necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.
- prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
- o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
- o mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).
É também essa a decisão deste Tribunal. Assim, estando consolidado na ordem jurídica o valor patrimonial tributário sobre o qual foi emitida a liquidação de AIMI aqui impugnada, não pode o sujeito passivo vir impugnar aquela liquidação com fundamentos que se relacionam com a avaliação e posterior fixação do VPT. Esse valor, por não ter sido impugnado diretamente, não pode ser novamente analisado em sede de impugnação do ato de liquidação – que era o que a Requerente pretendia neste caso, tendo, para o efeito, recorrido ao pedido de revisão oficiosa e, agora, à impugnação do seu indeferimento, bem como do ato de liquidação nele visado.
Improcede, perante o supra exposto, o pedido de reembolso do AIMI, bem como o de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se:
a) Manter na ordem jurídica os atos de indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa e o ato de liquidação de AIMI objeto destes autos;
c) Julgar totalmente improcedentes os pedidos, principal e subsidiário, formulados pela Requerente; e
d) Condenar a Requerente a suportar integralmente as custas do processo.
***
Fixa-se o valor do processo em € 75.784,06, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
***
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º, ambos do RJAT, e do nº 1 do artigo 4º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.
Lisboa, 30 de março de 2023.
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão (Presidente)
Francisco Nicolau Domingos
(Árbitro Adjunto)
Raquel Franco
(Árbitra Adjunta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendi clarificar as razões que subjazem ao meu sentido de voto por este ser diferente daquele que adotei em decisões anteriores proferidas sobre em processos em que a discussão de direito era, substancialmente, a mesma.
Não alterei a minha posição de fundo sobre o pedido de revisão oficiosa dever ser configurado como uma “válvula de escape” do sistema processual tributário, nomeadamente em casos de injustiça grave e notória ou de erro imputável aos serviços, devendo, a meu ver, as normas sobre o qual o mesmo se ergue interpretadas nesse sentido. Entendo que tal se justifica em razão da especial natureza do procedimento e do processo tributário, por razões que se prendem com as garantias patrimoniais de que se deve revestir e com a necessidade de garantir o equilíbrio entre a posição do sujeito passivo e a da entidade que liquida tributos em nome e a favor do Estado – a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Parece-me que, de acordo com uma interpretação pragmatista do sistema procedimental e processual tributário[1], casos como o presente, em que, já depois de consolidado na ordem jurídica o ato de fixação do valor patrimonial tributário, e, consequentemente, o valor patrimonial tributário a ter em conta na liquidação, factos novos vêm demonstrar que o valor, anteriormente consolidado, era errado, são casos em que se justifica admitir a impugnação indireta através do mecanismo da revisão oficiosa. De outro modo, estaremos a admitir que o cálculo do imposto seja efetuado sobre uma base tributária equivocada (no caso, esse reconhecimento é, aliás, secundado pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira, que adotou e implementou a jurisprudência do STA para o futuro), o que nos parece ser de evitar a todo o custo.
Esta posição não é, contudo, a seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no passado dia 23.02.2023, o qual foi proferido num recurso para uniformização de jurisprudência. Por esse motivo, parece-nos que aquela mesma orientação pragmatista deve ditar aqui a adesão a essa jurisprudência, porque adotada neste contexto e porque, de outro modo, se estará apenas a conduzir o processo arbitral para delongas e ineficiências que não o devem caraterizar. Foi neste espírito que se votou a decisão agora proferida.
Lisboa, 30 de março de 2023
Raquel Franco
[1] Sobre o pragmatismo na atividade de adjudicação, cf., por todos, POSNER, R. A., 1998, Pragmatic Adjudication, in The Revival of Pragmatism. New Essays on Social Thought, Law and Culture, Durham/London: Duke University Press, pp. 235-253.