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SUMÁRIO
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Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção, impondo, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.
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A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida, através do arrendamento de vivenda em Espanha, onde exerce a profissão e fixa com a família, que sempre o acompanha na sua vida profissional, indiciando que o seu centro de interesses vitais, quer em termos económicos, quer pessoais, por efeito do agregado familiar, se situava em Espanha e não em Portugal.
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As Convenções para Evitar a Dupla Tributação não contêm uma qualquer definição de residente fiscal num dos estados contratantes, limitando-se a remeter essa definição para a respetiva lei interna, e apenas instituem regras de desempate, que visam determinar em qual dos estados contratantes alguém será havido como residente fiscal, nos casos em que à luz da lei interna de ambos os estados, deva ser havido como seu residente .
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Prof. Doutor Carlos Lobo e Prof. Doutor Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 3 de outubro de 2022, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
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A..., pessoa singular com domicílio fiscal em ..., ..., ..., ... Veneza, Itália, com o NIF..., doravante designado por Requerente, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPP T"), 140.º, n.º1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("CIRS") e 2.º, n.º1, alínea a), 5.º, n.º3, alínea a), 6.º, n.º2, alínea a), 10.º, n. os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), com vista à pronúncia deste Tribunal, relativamente à apreciação da ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") n.º 2020... e da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., ambas referentes ao ano de 2016, das quais resultou o montante total a pagar de 119.525,67 euros e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada no âmbito do procedimento identificado em epígrafe.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), aqui Requerida.
3. As Requerentes (Requerente e Requerida) não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 13 de setembro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 3 de outubro de 2022.
5. Como acima referido o Requerente foi notificado da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") n.º 2020 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., ambas referentes ao ano de 2016, das quais resultou o montante total a pagar de 119.525,67 euros, e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, arguindo que os atos administrativos anteriormente referidos praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) enfermam de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, e consequentemente estão inquinados de vícios de diversa ordem, razão pela qual requer a anulação dos mesmos, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
6. Na defesa da procedência do seu pedido de anulação da liquidação de IRS, o Requerente argui que:
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O pedido de pronúncia arbitral (PPA) é tempestivo, uma vez que o prazo destinado à apresentação do PPA termina a 21 de julho de 2022, tendo em conta o disposto na alínea a), n.º1 artigo 10.º do RJAT conjugado com a alínea e) n.º1 artigo 102.º e n.º3 do artigo 39.º, ambos do CPPT;
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É um jogador internacional de futebol profissional, sendo publicamente conhecido por “B...”; entre 2008 e 2014 jogava no clube inglês C... CLUB ("C...") tendo sido cedido pelo clube inglês, em 2014, ao clube português D... (D...”) durante a época de 2014-2016; no ano de 2016, o Requerente foi contratado por dois clubes internacionais: o E... A.S. ("E...") e o F..., S.A.D. ("F..."). O E... contratou o Requerente para as épocas de futebol de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018, tendo o contrato iniciado a sua vigência em 7 de julho de 2015. No ano de 2016, esteve 63 dias ausente de Portugal ao serviço do E... . No início de junho de 2016, viajou para Portugal para se juntar à Seleção Portuguesa de Futebol ("Seleção Nacional") com vista à preparação do Campeonato Europeu de Futebol de 2016 ("EUROSO 2016"), competição europeia de futebol profissional promovida pela UEFA e, nesse ano, disputada em França. No dia 10 de julho de 2016, em Paris, disputou-se a final do EUROSO 2016 e Portugal sagrou-se campeão europeu de futebol. Neste contexto, durante o período em que esteve ao serviço da Seleção Nacional a competir no EUROSO 2016, o Requerente esteve 32 dias ausente do território português. Entre 12 e 13 de julho de 2016, o Requerente viajou para Espanha para oficializar a sua transferência do E... para o F... . A 14 de julho de 2016, na cidade de ..., em Espanha, o Requerente assinou pelo clube espanhol, tendo sido contratado para jogar nas épocas 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019;
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No ano de 2016, permaneceu largos períodos no estrangeiro, designadamente:
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Na Turquia, ao serviço do E..., durante, pelo menos, 63 dias;
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Em França, ao serviço da Seleção Nacional no EUROSO 2016, durante 32 dias;
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Em Espanha, ao serviço do F... e em contexto pessoal durante, pelo menos, 135 dias;
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Dos 366 dias do ano de 2016, esteve pelo menos 230 dias ausente do território português
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O Requerente é proprietário de três imóveis localizados em Portugal, a saber:
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Prédio urbano sito em Rua ..., n.s ..., ..., ...-... ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Almada, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... ("Imóvel 1"), onde reside habitualmente o irmão;
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Prédio urbano sito em Rua..., n.º..., ..., ...-... Seixal, da união das freguesias do ..., ... e ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... ("Imóvel 2"), onde reside habitualmente a mãe;
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Prédio urbano sito em Rua ..., n.ºs ... e..., ..., ...-... ..., da freguesia de ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... ("Imóvel 3"), onde pernoita nas breves passagens por Portugal, tendo o mesmo sido adquirido em 2014 por força do empréstimo ao D... durante a época 2014/2015.
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A 17 de abril 2017, o Requerente entregou a sua declaração Modelo 3 de IRS n.º ... relativa ao ano de 2016, na qualidade de não residente em Portugal. Na sequência da entrega da referida declaração Modelo 3 de IRS, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRS n.º 2017..., na qual foi apurado o montante total a reembolsar ao Requerente de 45.836,26 euros, resultado da tributação dos rendimentos de trabalho dependente de fonte portuguesa à taxa de 25% aplicável a não residentes.
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Em novembro de 2020, através do Ofício n.º ..., de 18 de novembro de 2020, da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado do despacho de 9 de novembro de 2020, proferido pela Diretora de Finanças Adjunta daquele serviço, e, bem assim, da decisão final de correção oficiosa da declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, que o considerou residente fiscal em Portugal no ano de 2016 para efeitos de IRS.
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Resultante da correção oficiosa levada a cabo pela AT pelo facto de a mesma considerar o Requerente como residente fiscal em Portugal no ano de 2016, foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2020 ..., no montante total a pagar de 73.689,41 euros tendo originado a demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., da qual resultou o montante total a pagar de 119.525,67 euros (73.689,41 euros + 45.836,26 euros), tendo sido pago o montante liquidado.
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Em 3 de maio de 2021, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS n.º 2020 ..., tendo solicitado a respetiva anulação e a restituição do imposto indevidamente pago no montante de 119.525,67 euros. Foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Não exerceu o contraditório em sede de audição prévia, tendo sido notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Autoridade Tributária convertido em definitivo o entendimento anteriormente projetado, isto é, o Requerente ser considerado residente fiscal no ano de 2016 em Portugal para efeitos de IRS.
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Entende que a análise da sua situação fiscal relativa a 2016, deve ter por base o que está previsto no n.º1 do artigo 13.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º e n,º1 do artigo 16.º, todos do IRS. Assim, para ser considerado residente fiscal em Portugal no ano de 2016 para efeitos de IRS, a factualidade controvertida tem de se subsumir a pelo menos um dos critérios plasmados numa das alíneas do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.
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As alíneas c) e d) do referido n.º 1 do artigo 16.º do CIRS excluem-se por uma questão lógica atendendo à atividade profissional desenvolvida. Assim, restam as alíneas a) e b) do referido n.º 1 do artigo 16.º do CIRS. Relativamente à al. a) do n.º1 do artigo 16.º do CIRS, entende que a previsão da mesma não está preenchida, uma vez que só poderia ter permanecido em Portugal no máximo 136 dias, não cumprindo com o critério dos 183 dias. Quanto à alínea b) do n.º1 do artigo 16.º do CIRS os pressupostos de verificação cumulativa aí mencionados (permanência em Portugal, disposição de uma habitação, verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual), não se encontram preenchidos uma vez que não residiu nem tenciona residir nos (três) imóveis de que é proprietário porque:
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dois estarem ocupados por familiares – mãe e irmão;
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por motivos profissionais tem de viver no estrangeiro;
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a sua família nuclear (a namorada, atualmente cônjuge, e o filho) acompanham-no nas deslocações ao estrangeiro;
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Nas estadias prolongadas no estrangeiro devido a compromissos profissionais nem o Requerente nem qualquer membro da sua família habitou ou residiu no imóvel 3 em 2016, sendo o mesmo utilizado nas deslocações pontuais e episódicas a Portugal.
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Atendendo ao exposto acima, entende que não pode ser considerado residente para efeitos fiscais em 2016 para efeitos de IRS.
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Não concorda com o entendimento da AT resultante da qualificação levada a cabo pela mesma de considerar o Requerente como residente fiscal, ao abrigo do artigo 4.º das Convenções para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e Turquia e entre Portugal e Espanha, porque a aplicabilidade das normas de conflito das Convenções depende da consideração de um sujeito passivo como residente em dois Estados Contratantes. Quem define a residência fiscal é a lei interna de cada País e só no caso de haver conflito de residência pelo facto do sujeito passivo ser considerado residente fiscal nos dois Estados Contratantes, é que se aplica os critérios definidos nas Convenções, para se saber em qual dos dois Estados Contratantes é que o sujeito passivo deve ser considerado residente fiscal.
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No caso em apreço, a AT não indagou se, ao abrigo do n.º1 artigo 16.º do CIRS o Requerente em 2016 era residente fiscal em Portugal ou não, aplicando diretamente as normas de conflito das Convenções para Evitar a Dupla Tributação para concluir que o Requerente era residente fiscal em 2016 em Portugal. Caso a AT tivesse aplicado os critérios do n.º1 do artigo 16.º do CIRS, teria concluído que o Requerente em 2016, não era residente fiscal em Portugal, tendo havido por isso um erro sobre os pressupostos de facto e direito por parte da AT.
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Peticiona no PPA a anulação da liquidação de juros compensatórios, que foram liquidados pela AT ao abrigo do n.º1 do artigo 35.º da LGT, no montante global de 12.635,33 euros, com fundamento na falta de preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 35.0 da LGT e nos termos do artigo 163. 0 do CPA.
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Peticiona igualmente no PPA o direito ao reembolso do montante por si indevidamente pago - 119.525,67 euros - o direito à perceção de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos do artigo 43. 0, n.0 1, da LGT. Entende que a sua conduta não é merecedora de censura, não havendo culpa a imputar á mesma, uma vez que se está perante uma situação de interpretação diferente levada a cabo pela AT e aquela que defende quanto ao conceito de residência fiscal. O que existe são erros de facto e direito imputável à AT quanto à factualidade descrita, estando os atos praticados pela AT - liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios e indeferimento da reclamação graciosa - inquinados com o vicio de violação de lei e como tal verificando-se o direito à perceção de juros indemnizatórios por parte do Requerente com o fundamento em erro imputável à AT.
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Conclui peticionando a procedência do PPA, nos seguintes termos:
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Anulação dos referidos atos tributários e decisórios, nos termos do artigo 163.0 do CPA praticados pela AT
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Na medida da procedência do pedido anterior, condene a entidade Requerida no reembolso ao Requerente do imposto indevidamente pago no montante total de 119.525,67 EUROS, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos do n.º1 do artigo 43.º da LGT e n.º5 do artigo 61.º do CPPT, e, bem assim, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
7. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta/Contestação e juntou aos autos o Processo Administrativo (“PA”), em 9 de novembro de 2022, peticionando a improcedência do PPA tendo-se defendido por impugnação e requerido a dispensa de produção de prova testemunhal por esta ser um ato processualmente inútil e inadmissível nos termos do artigo 130.º do CPC, e, consequentemente da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
A Requerida, em síntese, defende que:
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A matéria em discussão nos autos refere-se à determinação de residência fiscal do Requerente no ano de 2016;
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Segundo o Sistema de gestão e Registo dos Contribuintes, o Requerente a 31/12/2016 constava como não residente em território nacional tendo refletido essa situação na declaração de IRS referente a 2016 por si entregue e sido liquidado IRS na situação e não residente;
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Resultante da troca de informações com outros países, verificou-se que quer a informação constante da declaração entregue pelo Requerente quer a constante no cadastro, não correspondia à realidade; o Requerente não apresentou qualquer documento probatório de residência fiscal nos países onde exercia a sua atividade profissional, dando origem a uma correção oficiosa por parte da AT, considerando o mesmo, residente para efeitos fiscais em Portugal;
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Entende que verificando-se que o Requerente esteve em território nacional menos de 183 dias, para efeitos de qualificação como residente para efeitos fiscais em Portugal, terá que se analisar a aplicabilidade da al. b) n.º1 do artigo 16.º do CIRS, uma vez qua a al. a) do referido n.º1 do artigo 16.º do CIRS não é aplicável;
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Consultando o Sistema Informativo dos serviços da AT, nomeadamente as relativas ao Património, verifica-se a existência de uma declaração Modelo 1 de IMT, de 2014-05-20, em que foi declarado ter sido adquirida a fração autónoma “A” do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho do Seixal, para habitação própria e permanente, habitação essa que o Requerente ainda possui e mantém, o que não se verificando o critério dos 183 dias, terão que se ter em conta outros elementos para aferir da residência fiscal do Requente, conforme previsto na al. b) n.º1 do artigo 16.º do CIRS; assim, o facto de possuir uma habitação em Portugal pode supor a intenção de a ocupar como habitação habitual quando não se encontra deslocado no estrangeiro por motivos profissionais, podendo ser considerado residente para efeitos fiscais em Portugal;
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Adicionalmente o próprio Requerente no ponto 92 do PPA alegou que manteve o epicentro da sua vida pessoal e profissional na Turquia e em Espanha, deslocando-se pontual e esporadicamente a Portugal, assim como da impossibilidade de juntar certificados de residência fiscal emitidos pelas autoridades fiscais da Turquia ou de Espanha, países onde exerceu a sua atividade profissional à data dos factos controvertidos;
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Por outro lado, por força do artigo 8.º da CRP prevê-se a supremacia do direito interno sobre o direito interno ordinário, devendo chamar-se à colação o previsto no artigo 4.º nas Convenções celebradas entre Portugal e Turquia e Portugal e Espanha quanto ao conceito de residência;
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Em ambas as Convenções celebradas por Portugal (Turquia e Espanha), por força quer da al. a) do n.º2 do artigo 4.º onde se prevê que uma pessoa singular seja residente para efeitos fiscais no Estado Contratante onde tenha uma habitação permanente à sua disposição ou no caso de possuir esta à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais) quer na al. c) do n.º 2 do mesmo artigo onde se prevê que se a pessoa singular permanecer habitualmente em ambos os Estados, ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente do Estado de que for nacional. Assim também por força das normas convencionais – al. a) e c) do n.º2 do artigo 4.º das Convenções celebradas por Portugal com a Turquia e Espanha – o Requerente deve ser considerado residente para efeitos fiscais em Portugal;
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Em termos de ónus da prova ao abrigo do artigo 74.º da LGT, relativo aos juros compensatórios liquidados pela AT, competia ao Requerente e não à AT ter efetuado a prova de que não era residente para efeitos fiscais em Portugal e não o fez; por outro lado defende que havendo uma discordância quanto à interpretação da lei aos factos controvertidos entre a AT e o Requerente, a mesma seja razão suficiente para afastar liquidação de juros compensatórios, uma vez que a liquidação adicional de imposto efetuada pela AT (heteroliquidação) se deve manter na ordem jurídica;
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Em conclusão, tendo em conta o acima exposto, pugna pela improcedência do PPA e absolvição de instância com as devidas e legais consequências.
8. Por despacho arbitral de 8 de novembro de 2022 foi agendada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para o dia 16 de dezembro de 2022, pelas 10 horas no CAAD, vindo a mesma a ser transferida, sucessivamente, por despacho arbitral de 30 de novembro de 2022 para dia 13 de janeiro de 2023 às 10 horas e despacho arbitral de 31 de dezembro de 2022 para 20 de janeiro de 2023 às 10 horas. A reunião realizou-se na data indicada, 20 de janeiro de 2023 às 10 horas. Foram inquiridas as testemunhas: Senhor G... e H... tendo as mesmo respondido às questões levantadas pela Representante do Requerente, Requerida e Tribunal. As partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, de modo sucessivo, no prazo de 10 dias, direito que estas vieram a exercer e nas quais sublinharam os argumentos anteriormente aduzidos. O Tribunal designou, ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, a data de 03 de abril de 2023 (03-04-2023 para a prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do n.º1 artigo 2.º e alínea a), n.º1 artigo10.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo10.º, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem exceções dilatórias ou perentórias ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. DIREITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente, com o NIF..., pessoa singular com domicílio fiscal em ..., ..., ..., ... ..., Itália, é um sujeito passivo de IRS, foi objeto de uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") n.º 2020 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., ambas referentes ao ano de 2016, das quais resultou o montante total a pagar de 119.525,67 EUROS, cfr. Doc.1 e 2 anexos ao PPA.
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O Requerente é um jogador internacional de futebol, sendo publicamente conhecido no meio futebolístico por “B...” (depoimento da testemunha G...).
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O Requerente celebrou um contrato de trabalho com o clube turco E... A.S. ("E...") com início em 7/7/2015 e termo em 31/5/2018 referente às épocas de futebol do campeonato turco de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018, cfr. Doc.4 anexo ao PPA cujo teor se dá como reproduzido. Resultante do contrato celebrado com o "E...", em 2016, o Requerente efetuou jogos do campeonato turco na época 2015/2016 onde era uma das opções mais recorrentes do treinador do "E...", cfr. Doc.6 anexo ao PPA e depoimento da testemunha G....
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É publico que a seleção nacional de futebol participou no Campeonato europeu de Futebol de 2016, em França, cfr. Doc.7 e 8 anexos ao PPA, tendo-se sagrado campeão europeu. O Requerente fez parte dos convocados que disputaram o referido Campeonato Europeu de Futebol de 2016, cfr. https://maisfutebol.iol.pt/selecao-nacional/selecao/ultima-hora-estes-sao-os-23-de-portugal-para-o-euroso [consulta em 4-03-2023] e depoimento da testemunha G... .
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O Requerente celebrou um contrato de trabalho com o clube espanhol F... (“F...”) em 14/7/20116 com termo a 30/6/2019 para as temporadas futebolísticas de 2016/2017,2017/2018 e 2018/2019, cfr. Doc.5 e Anexos I e II anexo ao PPA cujo teor se dá como reproduzido.
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Resultante do contrato celebrado com o (“F...”), em 2016, o Requerente exerceu a sua atividade profissional em Espanha na época futebolística 2016/2017, cfr. Docs. 9 e 10 anexos ao PPA e depoimento da testemunha G... .
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Celebrou um contrato de arrendamento, em 17 de agosto de 2016, como arrendatário de uma vivenda sita em ... n.º1 Espanha para viver acompanhado da sua família (namorada, atual cônjuge, e seu filho) durante a sua estadia em Espanha decorrente dos seus deveres profissionais, cfr. Doc. 11 anexo ao PPA cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha G... .
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Tendo em conta, a prova carreada para os autos, Docs 4 a 11 anexos ao PPA e depoimento da testemunha G..., é verosímil e convicção deste tribunal que durante o ano de 2016, o Requerente tenha estado ausente do território português pelo menos 230 dias acompanhado da sua família, conforme é referido no ponto 28 do PPA.
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O Requerente é proprietário de três imóveis localizados em Portugal:
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Prédio urbano sito em Rua ..., n. 0S ...-..., ..., ...-... ..., da União das Freguesias de ... e S..., concelho de Almada, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.0 ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... ("Imóvel 1");
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Prédio urbano sito em Rua de..., ..., ...-... Seixal, da união das freguesias do ... e ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n. 0 ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... ("Imóvel 2");
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Prédio urbano sito em Rua ..., n.os ... e..., ..., ...-6... ..., da freguesia de ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... ("Imóvel 3"),
cfr. Docs. 12, 13 e 14 anexos ao PPA e depoimento da testemunha G... .
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Em cada um dos dois dos três imóveis propriedade do Requerente, à data dos factos controvertidos, viviam respetivamente, a mãe e o irmão do Requerente, sendo o terceiro imóvel usado pelo Requerente aquando das suas esporádicas estadias em Portugal, cfr. depoimento da testemunha G....
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Em 17 de abril de 2017, o Requerente entregou a sua declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, na qualidade de não residente em Portugal, cfr. Doc. n.0 15 anexo ao PPA.
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À declaração Modelo 3 de IRS entregue em 17 de abril de 2017 foi atribuído o n.º..., tendo o Requerente declarado os rendimentos do trabalho dependente de fonte portuguesa por si auferidos naquele ano, cfr. Doc. n.º 15 anexo ao PPA.
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Na sequência da entrega da referida declaração Modelo 3 de IRS, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRS n.º 2017..., na qual foi apurado o montante total a reembolsar ao Requerente de 45.836,26 euros, resultado da tributação dos rendimentos de trabalho dependente de fonte portuguesa à taxa de 25% aplicável a não residentes, Doc. n.º 16 anexo ao PPA.
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Em novembro de 2020, através do Ofício n.º ..., de 18 de novembro de 2020, da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado do despacho de 9 de novembro de 2020, proferido pela Diretora de Finanças Adjunta daquele serviço, e, bem assim, da decisão final de correção oficiosa da declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, cf. Doc. N.º 16 anexo ao PPA.
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Da decisão de correção oficiosa da declaração Modelo 3 de IRS relativa a 2016 consta, designadamente, o seguinte:
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Verificou-se que o contribuinte supra referido submeteu, como não residente, em 17/04/2017, declaração modelo 3 para o ano de 2016 (...2016-...), obviamente sem anexo J, não declarando desta forma os rendimentos obtidos no estrangeiro, ao qual estaria em princípio obrigado, de acordo com o disposto nos arts. 13 e 15, n. 0 1, ambos do Código do IRS, desde que considerado residente em território nacional.
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Para cumprimento dessa obrigação declarativa (no fundo para provar a sua residência fiscal fora de Portugal), ou justificação da causa para não ter submetido declaração com anexo J, foi o contribuinte notificado, nos termos do n.0 3 do artigo 76.0 do Código do IRS, para proceder à submissão de declaração modelo 3 de IRS.
(…)
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Em 28/10/2020, através de email enviado a esta divisão, veio o advogado, Dr. I... com procuração constante dos autos), justificar a não entrega de anexo J na declaração de IRS para o ano de 2016, alegando, resumidamente, não ter o seu constituinte que declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro. Por aquele não ser. Em 2016. Residente em Portugal.
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Afirma ainda que o seu cliente é um futebolista profissional. o qual teve diversas residências em diversos países ao longo da sua carreira. residindo [à data] nos EUA (como aliás é de conhecimento público). Não junta, no entanto, o elemento probatório mais relevante para determinação da residência para efeitos fiscais, i.e., certidão/declaração emitida por país estrangeiro, na qual constasse que o contribuinte ali seria residente (...).
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Julgo, desta forma. não ter ficado provado o estatuto de não residente para efeitos fiscais (a tributação como residente tem que ocorrer em algum país). prevalecendo antes o estatuto de residente em Portugal. com as consequências previstas no n. 0 1 do artigo 15. 0 do Código do IRS» (sublinhados nossos).
cfr. Doc. n.º 17 anexo ao PPA.
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Decorrente da correção oficiosa da Modelo 3 de IRS, referente a 2016, a AT determinou que o Requerente era residente fiscal em Portugal no ano de 2016, cfr. Doc. n.º 18 anexo ao PPA.
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O Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2020 ..., no montante total a pagar de 73.689,41 euros, cfr. Doc. n.º 1 anexo ao PPA.
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A referida liquidação oficiosa originou a demonstração de acerto de contas n.º 2020..., da qual resultou o montante total a pagar de 119.525,67 euros (73.689,41 euros+ 45.836,26 euros), cfr, Doc. n.0 2 anexo ao PPA.
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Foi emitida uma certidão de não dívida por parte do Serviço de Finanças de Cascais-... que à data de 19 de julho de 2022, o Requerente tinha a sua situação tributária regularizada, cfr. Doc. n.º 19 anexo ao PPA.
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A 3 de maio de 2021, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS n.º 2020..., tendo solicitado a respetiva anulação e a restituição do imposto indevidamente pago no montante de 119. 525,67 euros, cfr. Doc. n.º 20 anexo ao PPA cujo teor se dá por inteiramente reproduzido. Na referida reclamação graciosa, o Requerente entende que:
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Deve ser considerado como não residente para efeitos fiscais em Portugal por não cumprir os critérios de residência fiscal plasmados no artigo 16.º do CIRS tendo entregado uma declaração de IRS Modelo 3 referente a 2017 na situação de não residente;
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Como não residente apenas está sujeito à tributação dos rendimentos obtidos em Portugal, ao abrigo do disposto no n.º2 do artigo 15.º do CIRS, tendo sido declarado rendimentos de trabalho dependente de fonte portuguesa;
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da entrega da referida declaração Modelo 3 relativa a 2016 na situação de não residente resultou um montante de imposto a reembolsar de 45.836,26 EUROS resultante da aplicação aos rendimentos declarados pelo Requerente de uma taxa de retenção na fonte de 25%, aplicável aos não residentes para efeitos fiscais em Portugal, tendo cumprido com as suas obrigações declarativas;
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Não entende como pode ser considerado residente fiscal em Portugal pela AT, com base na informação obtida do Reino Unido, resultante do mecanismo de troca de informações, ao abrigo do qual se apurou que o Requerente, em 2016, obteve no Reino Unido rendimentos prediais (17.519,68 euros) na qualidade de não residente e, como tal, o mesmo devia ser considerado residente para efeitos fiscais em Portugal;
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Assim a AT efetuou uma Correção Oficiosa de IRS relativa a 2016, tendo considerado o Requerente residente para efeitos fiscais em Portugal, ficando os rendimentos prediais obtidos no Reino Unido sujeitos a uma taxa de tributação de 28% e os rendimentos de trabalho de fonte portuguesa, todos referentes a 2016, sujeitos às taxas gerais de IRS previstas no artigo 68.º do CIRS; adicionalmente foi acrescentado o anexo J à Modelo 3, da qual (Correção Oficiosa) resultou uma liquidação adicional de ORS no montante de 61.054,08 euros acrescidos de juros compensatórios no montante de 12.635,33 euros totalizando um montante de 119.525, 67 euros (45.836,26 euros+ 61.054,08 euros+ 12.635,33 euros ), tendo o Requerente pago o montante liquidado.
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Entende que de acordo com os critérios definidos no artigo 16.º do CIRS, não pode ser considerado residente fiscal em Portugal, tendo em conta a profissão que exerce - futebolista profissional internacional - que no ano de 2016 desenvolveu, principalmente, na Turquia e Espanha;
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Tendo em conta o acima exposto, pugna pela:
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improcedência da reclamação graciosa;
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anulação da liquidação oficiosa de IRS n.º 2020...;
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reembolso do imposto indevidamente pago no montante de 11.525,67 euros.
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A 23 de março de 2022 às 12h 11m (RH ... PT), o Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para exercer o contraditório através de audição prévia ao abrigo do previsto no artigo 60.º da LGT, cfr. Doc. n.º 21 anexo ao PPA. Não exerceu o direito de audição.
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A 22 de abril de 2022 às 13h 30m (RH ... PT), o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Autoridade Tributária convertido em definitivo o entendimento anteriormente projetado, cfr. Doc. n.º 3 anexo ao PPA.
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O Requerente apresentou PPA tendo o mesmo sido validado e aceite em 25 de julho de 2022 pelo CAAD.
III.1.2. Factos não provados
11. Com relevo para a decisão da causa, não se considerou provado:
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Que o Requerente, em 2016, tivesse permanecido em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses, com início ou fim no ano em causa, devido ao tipo de atividade profissional que exerceu em 2016, tendo a mesma sido desenvolvida em 3 países diferentes, a saber, Turquia, Portugal e Espanha, como ficou provado.
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Que o Requerente a ter permanecido em território português menos de 183 dias, dispusesse de uma habitação que fizesse supor uma intenção de a manter e ocupar como residência habitual. Pelo contrário, face ao exposto acima como ficou provado, o seu núcleo familiar (namorada e mais mulher e filho) mais próximo, acompanhavam-no na sua vida profissional. Além disso, como ficou provado aquando da sua estadia em Espanha, ao serviço do clube F..., o arrendamento de uma vivenda indiciava que o seu centro de interesses vitais quer em termos económicos quer pessoais por efeito de agrupamento familiar, se situavam em Espanha e não em Portugal.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
12. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. n.º 2 artigo 123.º do CPPT e n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (cf. alínea e) artigo 16.º, do RJAT, e n.º 4 do artigo 607.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e) n.º 1do artigo 29.º, do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.
A testemunha G... trabalhou no D... durante sete anos e meio, tendo aí exercido a função de relações públicas, sendo uma das suas funções o acompanhamento dos jogadores. Acompanhou a carreira do Requerente, em especial em 2014, ano em que o Requerente foi cedido pelo C... ao D..., tendo estabelecido uma relação de confiança com o Requerente. A testemunha aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados.
Quanto à concreta motivação subjacente à matéria de facto dada como não provada, cumpre sublinhar que o Tribunal teve presente as regras de distribuição do ónus da prova e a presunção de boa-fé e veracidade das declarações que resultam, respectivamente, dos artigos 74.º e 75.º da LGT.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1 Da ilegalidade da liquidação adicional impugnada
O presente Pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, cujos termos correram sob o procedimento n.º ...2021..., junto da Direção de Finanças de Lisboa e por objeto mediato o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao período de tributação de 2016.
A Autoridade Tributária determinou a liquidação adicional de IRS, na sequência de uma Correção Oficiosa relativa a 2016, pelo facto de a mesma considerar o Requerente como residente fiscal em Portugal no ano de 2016, por, no essencial, não ter junto aos autos elemento probatório mais relevante para determinação da residência para efeitos fiscais, ou seja, Certidão/Declaração emitidas por País estrangeiro, na qual constasse que o contribuinte ali seria residente, nos termos do artigo 4.º da Convenção celebrada entre Portugal e esse País estrangeiro .
A decisão de indeferimento da reclamação termina concluindo que “Julgo, desta forma não ter ficado provado o estatuto de não residente para efeitos fiscais (a tributação como residente tem que ocorrer em algum país). prevalecendo antes o estatuto de residente em Portugal. com as consequências previstas no n. 0 1 do artigo 15. 0 do Código do IRS».”
Apesar de a Requerida reconhecer que, no ano de 2016, o Sujeito Passivo permaneceu em território português menos de 183 dias, considera-o ainda assim residente em território português, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, nomeadamente, por possuir habitação em Portugal em condições de façam supor a sua intenção de a ocupar como habitação habitual, o que o faz quando não se encontra deslocado no estrangeiro por motivos profissionais. Com efeito, segundo a fundamentação que presidiu ao ato tributário em análise resulta do Processo instrutor que, por “consulta ao sistema informativo dos serviços da AT, nomeadamente às aplicações do património, pode-se aferir da existência de uma declaração Modelo 1 de IMT, de 2014-05-20, em que foi declarado ter sido adquirida a fração autónoma “A” do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho do Seixal, para habitação própria e permanente, habitação essa que o Requerente ainda possui e mantém”.
O Requerente discute a legalidade do ato tributário por, no essencial, no caso em apreço, a AT não ter indagado se, ao abrigo do n.º1 artigo 16.º do CIRS, o Requerente em 2016 era residente fiscal em Portugal ou não, aplicando diretamente as normas de conflito das Convenções para Evitar a Dupla Tributação para concluir que o Requerente era residente fiscal em 2016 em Portugal. Caso a AT tivesse aplicado os critérios do n.º1 do artigo 16.º do CIRS, teria concluído que o Requerente em 2016, não era residente fiscal em Portugal, tendo havido por isso um erro sobre os pressupostos de facto e direito por parte da AT.
A questão a decidir gira, assim, em torno do sentido e alcance do artigo 16.º, n.º1, do IRS.
De acordo com o disposto no artigo 16.º, n.º 1, do CIRS, sob a epígrafe «Residência»:
«1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português».
Assim, para que o sujeito passivo seja considerado residente em território nacional, terá de verificar-se o preenchimento de, pelo menos, uma das alíneas do artigo 16.º, n.º 1, do CIRS. Com efeito, o Código do IRS adotou dois conceitos alternativos de residência, um traduzido na permanência em território português em mais de 183 dias do respetivo ano, outro consistente na existência de habitação permanente no território nacional, o que permite associar ao conceito de residente um elemento subjetivo, a vontade do sujeito passivo de residir em determinado Estado.
Como consignado na Decisão Arbitral, proferida no Processo n.º 579/2017 -T “Segundo aquele primeiro critério, o elemento determinante do conceito de residente é a presença física no território nacional durante a maior parte do período em causa, sendo esse elemento de conexão que expressa a ligação económica entre uma pessoa e Estado e legitima a tributação dos rendimentos independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos (RUI MORAIS, Sobre o IRS, 2ª edição, Coimbra, págs. 17 e 18.)”
Em relação a este primeiro critério, como resulta do probatório, o Requerente comprovou que, atenta a atividade profissional de jogador internacional de futebol, o mesmo não permaneceu mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em território português, o que tanto basta para impedir a sua qualificação como residente para efeitos fiscais em Portugal, no ano de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º1, alínea a), do CIRS.
No entanto, como vimos, tendo o Requerente permanecido em território português por menos tempo do que os referidos 183 dias, poderia, ainda assim, ser considerado residente em Portugal se aqui dispusesse em 31 de Dezembro de 2016 “habitação em condições de supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, segundo a alínea b) do artigo 16.º do Código do IRS.
Vejamos.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 332/2016-T, “Verifica-se, assim, que o critério previsto na alínea a) se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam 183 dias no território nacional. A al. b), por outro lado, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados. Repare-se que a existência de critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (Cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação dos ADTs (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer: Kluwer Law International, 1997, pp. 232-233).
“Assim, a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, de forma a que já não seja possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência (Cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206-207).
“Centrando-nos agora na al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS, com maior relevância para o caso concreto – já que não é controvertida a presença do Requerente em Portugal por menos de 183 dias – refere-se usualmente que a referida norma impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: (i) a permanência em Portugal; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.
“(…)”
No caso em apreço no que respeita à permanência em Portugal, não será necessário discorrer sobre a verificação desde requisito, já que tanto o Requerente como a Requerida consideram que aquele permaneceu em Portugal durante uma parte do ano de 2016, mas menos de 183 dias.
Relativamente à disposição de uma habitação em Portugal, também se verifica este requisito, porquanto ficou provado que, no caso dos autos, o Requerente dispõe de habitação própria em Portugal.
Importa agora analisar a verificação do terceiro requisito, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.
Como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 332/2016-T, “(…) o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.
“Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo.
“Nas palavras de Alberto Xavier “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).
“Uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual, para que seja claro que deve resultar da intenção do indivíduo. Ora, o conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art. 16.º deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território português. Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.
“A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida. Como já sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/23/2011, proferido no processo 0590/11), bem como o Tribunal Central Administrativo Sul, referindo que “[o] conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil).” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/11/2012, proferido no processo 05810/12).
“Como sustenta Manuel Faustino, o referido critério legal “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…” op. cit., pp. 124-125 e, no /mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10).
“Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).”
Transpondo o exposto para o caso em apreço importa realçar, desde logo, que não basta como argumenta a Requerida o facto de o Requerente ter adquirido a habitação mencionada para habitação. Tornava-se necessário demonstrar que o Requerente dispusesse de uma habitação que fizesse supor uma intenção de manter e ocupar como residência habitual, ónus que a Requerida não cumpriu.
Pelo contrário, ficou provado, nas alíneas b) a g) do probatório que:
O Requerente é um jogador internacional de futebol, tendo celebrado um contrato de trabalho com o clube turco E...A.S. ("E...") com início em 7/7/2015 e termo em 31/5/2018 referente às épocas de futebol do campeonato turco de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018;
Resultante do contrato celebrado com o "E...", em 2016, o Requerente efetuou jogos do campeonato turco na época 2015/2016 onde era uma das opções mais recorrentes do treinador do "E...";
Participou no Campeonato europeu de Futebol de 2016, em França, tendo-se sagrado campeão europeu. O Requerente fez parte dos convocados que disputaram o referido Campeonato Europeu de Futebol de 2016;
O Requerente celebrou um contrato de trabalho com o clube espanhol F... (“F...”) em 14/7/2016 com termo a 30/6/2019 para as temporadas futebolísticas de 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019;
Resultante do contrato celebrado com o (“F...”), em 2016, o Requerente exerceu a sua atividade profissional em Espanha na época futebolística 2016/2017;
Celebrou um contrato de arrendamento, em 17 de agosto de 2016, como arrendatário de uma vivenda sita em ... n.º1 Espanha para viver acompanhado da sua família (namorada, atual cônjuge, e seu filho) durante a sua estadia em Espanha decorrente dos seus deveres profissionais.
Em suma, do exposto resulta provado que o Requerente, durante o ano de 2016, por motivos profissionais (contrato celebrado com o clube espanhol F..., a que permaneceu ligado até 2019), fixou residência em Espanha. E que aqui viveu com família, que sempre o acompanhou na sua vida profissional, indiciando que o seu centro de interesses vitais, quer em termos económicos, quer pessoais, por efeito do agregado familiar, se situava em Espanha e não em Portugal.
Finalmente, também não procede o argumento baseado nas convenções para evitar a dupla tributação invocadas pela Requerida.
No caso, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Turquia e a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de Impostos sobre o Rendimento, nomeadamente, o seu art.º 4, n.º 2, estabelece-se neste número na sua alínea a) que, quando uma pessoa singular for residente de ambos os estados Contratantes, será considerada residente do Estado Contratante em que tenha uma habitação permanente à sua disposição ou, no caso de possuir esta à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais ).
Por sua vez, resulta da alínea c) do mesmo artigo 4º das CDT’s, que se a pessoa singular permanecer habitualmente em ambos os Estados, ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente do Estado de que for nacional.
Cabe assim referir que as convenções sobre dupla tributação não contêm uma qualquer definição de residente fiscal num dos estados contratantes, limitando-se a remeter essa definição para a respetiva lei interna, e apenas instituem regras de desempate, que visam determinar em qual dos estados contratantes alguém será havido como residente fiscal, nos casos em que à luz da lei interna de ambos os estados, deva ser havido como seu residente (cfr. artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do MOCDE).
Ora, tendo ficado provado que o Requerente não preencheu, no ano em causa, nenhum dos elementos de conexão, consagrados no Código do IRS, definidores da condição de residente em Portugal, não têm aplicação ao caso, ao contrário do que pretende a Requerida, as Convenções para evitar a dupla tributação entre Portugal e Turquia e entre Portugal e Espanha, pelo que o Requerente não pode ser considerado residente fiscal em Portugal ao abrigo dessas convenções.
Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, se impõe a este tribunal concluir que, no ano de 2016, o Requerente deve ser considerado não residente em Portugal, e, consequentemente, a sua obrigação tributária em IRS apenas poderia incidir sobre os rendimentos obtidos em território português.
Deve assim proceder o pedido de anulação da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2016, incluindo a referente aos juros compensatórios, porque tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência, requisitos previstos no artigo 35.º da LGT, que não estão preenchidos no caso em apreço.
IV.2. Direito a juros indemnizatórios
O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
V. DECISÃO
Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento expresso da reclamação graciosa e, nesta sequência,
-
Anular a liquidação adicional de IRS n.º 2020... e da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., ambas referentes ao ano de 2016;
-
Condenar a Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 119.525,67 euros.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 3.060,00 euros, a cargo da Requerida, conforme ao disposto no n.º 2 artigo 12.º, e n.º 4 artigo 22.º, ambos do RJAT, e n.º 5 artigo 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de março de 2023.
Os Árbitros
Fernanda Maçãs
Presidente
Carlos Lobo
Júlio Tormenta
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