Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 357/2022-T
Data da decisão: 2023-03-28  IRC  
Valor do pedido: € 146.775,61
Tema: IRC / IRS / IVA - Gastos dedutíveis fiscalmente em sede de IRC, exercício do direito à dedução em sede de IVA e rendimentos de capitais em sede de IRS.
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Sumário:

I. Quanto à dedutibilidade, em sede de IRC, de despesas relacionadas com obras de construção civil, ajudas de custo e comparticipação de quilómetros em viatura particular do colaborador que é sócio-gerente, o ónus probatório recai sobre o sujeito passivo de IRC, no sentido de provar a conexão entre tais despesas e a atividade desenvolvida pela empresa (sujeito passivo de IRC).

II. Da não verificação dessa conexão resulta (i) a não dedutibilidade dessas despesas em sede de IRC, (ii) a exclusão do direito à dedução do IVA suportado em função das mesmas e, (iii) a tributação do montante das mencionadas despesas em sede de IRS a título de rendimentos de capitais. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. João Taborda da Gama e Prof. Doutor Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17 de agosto de 2022, acordam no seguinte:

 

 

I. RELATÓRIO       

 

1. A..., LDA (“A...”), NIF..., com sede na Rua da ..., ..., n.º ..., ...-... Coimbra, doravante designada por Requerente, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal, em cumulação, relativamente à declaração de ilegalidade relativa às liquidações adicionais em sede de IRC e IRS (retenções na fonte), referente aos anos de 2018 e 2019, e IVA respeitante aos períodos de 2018-03 a 2018-11 e 2019-02 a 2019-12, e dos respetivos juros compensatórios, num montante total de 146.775,61 €, e, consequente anulação dos atos tributários que estiveram na origem das referidas liquidações adicionais assim como o direito a ser indemnizada pela prestação da garantia indevida.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), aqui Requerida.

 

            3. As partes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 28 de julho de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17 de agosto de 2022.

 

5. Como acima referido a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IRC, IVA e IRS e respetivos juros compensatórios, relativos aos anos de 2018 e 2019 infra:

IRC

A Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais:

«… a) IRC – Ano 2018, com o número 2022..., no valor de € 25.202,34 com data limite de pagamento em 11/05/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 2.289,89;

  1. IRC – Ano 2019, com o número 2022..., no valor de € 27.254,42, com data limite de pagamento em 12/05/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 1.450,66;

As liquidações adicionais supra, foram efetuadas pela AT com base na fundamentação constante no ponto III-3 Correções propostas para efeitos de IRC , números 3.1 a 3.7 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e que em síntese, dizem respeito a:

 

  1.  Obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos
  2. Viagem à Disneylândia Paris
  3. Gastos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo
  4. Outras despesas não relativas à atividade a empresa
  5. Contabilização de gastos sem suporte documental emitido na forma legal
  6. Valor contabilizado na conta 6824 - Descontos isentos
  7. Tributações Autónomas

 

A Requerente sustentou no PPA a procedência do seu pedido, tendo em conta os seguintes argumentos, relativamente aos seguintes itens:

 

A - Obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos

  1. O que consta no RIT “ (…) não relata com objectividade nem tem correspondência rigorosa as circunstâncias que envolveram os contactos estabelecidos entre a Senhora IT e o legal representante do SP” , cfr. art. 18º do PPA[1]
  2. Incorreta interpretação e aplicação do n.º 1 do art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC)
  3. Em termos de ónus probatório, constante no art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), incorreta aplicação do mesmo por parte da AT

 

B - Gastos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo

 

  1. Não concorda com a posição da AT de não aceitação e dedução de gastos com quilómetros e ajudas de custo auferidos pelo sócio-gerente da Requerente – Eng. B...– com o fundamento da não observância do disposto na alínea h) do n.º 1 do art. 23.º- A do CIRC 
  2. Entende que tem ao seu alcance outros meios de prova, para além dos previstos na alínea h) do n.º 1 do art. 23.º- A do CIRC, para demonstrar que as deslocações existiram e os correspondentes gastos ocorreram e que foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC por parte da Requerente
  3. A Requerente veio defender que devido às habilitações académicas do seu sócio-gerente – licenciatura em engenharia civil com especialização em mecânica estrutural com inscrição ativa na Ordem dos Engenheiros Portugueses à data dos factos controvertidos – associado à adjudicação por parte da C..., LDA com sede e estabelecimento no ..., ...-...,  ..., Albufeira,  de diversas empreitadas de obras civis,  o seu sócio-gerente tem que efetuar deslocações frequentes aos diversos projetos de obra
  4. Adicionalmente indicou as matrículas de veículos (...;...;...;...) para as suas deslocações profissionais 
  5. Tendo em conta o acima descrito (pontos i. a iv) entende que forneceu à AT toda a informação solicitada por aquela, necessária para o esclarecimento das questões levantadas e, por isso entende haver violação de lei por errada interpretação e aplicação alínea h) n.º1 do art. 23.º do CIRC

 

 

C – Contabilização de Gastos sem Suporte Documental emitido na Forma Legal

 

  1. A Requerente refere que a sua contabilidade esteve sempre ao dispor dos SIT e que ficou com a convicção de que os esclarecimentos e documentos apresentados à AT se revelaram suficientes e adequados às indagações levadas a cabo pela AT. Não percebe o alcance da afirmação da AT quanto à insuficiência em termos de forma legal dos documentos apresentados.
  2. Entende que a omissão por parte da AT no esclarecimento quanto à insuficiência da forma legal dos documentos apresentados, constitui uma violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e cooperação que deve imperar no relacionamento entre sujeito passivo e a AT
  3. Refere que em sede de audição prévia, no exercício do contraditório em termos de projeto de RIT, solicitou à AT que fossem identificados os lançamentos contabilísticos relativamente aos quais havia falta de documentação de suporte, tendo para isso efetuado um pedido de concessão de um período não inferior a 10 dias para proceder à apresentação de tais documentos e/ou prestar os esclarecimentos que se entendessem necessários. O pedido em causa foi ignorado pela AT.
  4. 0 comportamento da AT ao negar a vontade expressa pela Requerente viola os princípios da verdade material e do inquisitório que devem nortear a atuação da AT no âmbito do procedimento tributário, e, por isso pugna pela anulação das liquidações adicionais em sede de IRC.

 

IVA

 

A Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais:

 

  1. IVA – Ano 2018-03, com o número 2022..., no valor de € 243,21, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 35,82;
  2. IVA – Ano 2018-04, com o número 2022..., no valor de € 197,11, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 28,01;
  3. IVA – Ano 2018-05, com o número 2022..., no valor de € 782,54, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 108,07;
  4. IVA – Ano 2018-06, com o número 2022..., no valor de € 1.359,20, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 184,25;
  5. IVA – Ano 2018-07, com o número 2022..., no valor de € 3.300,53, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 436,21;
  6. IVA – Ano 2018-08, com o número 2022..., no valor de € 273,48, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 35,24;
  7. IVA – Ano 2018-09, com o número 2022..., no valor de € 781,02, com data limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 97,83;
  8. IVA – Ano 2018-10, com o número 2022..., no valor de € 223,21, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 27,27;
  9. IVA – Ano 2018-11, com o número 2022..., no valor de € 3.111,56, com data limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 369,63;
  10. IVA – Ano 2019-02, com o número 2022..., no valor de € 1.550,31, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 168,87;
  11. IVA – Ano 2019-03, com o número 2022..., no valor de € 267,17, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022...6, no valor de € 28,22;
  12. IVA – Ano 2019-04, com o número 2022..., no valor de € 836,96, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 85,48;
  13. IVA – Ano 2019-05, com o número 2022..., no valor de € 229,50, com data-limite de pagamento em 09/03/2022;
  14. IVA – Ano 2019-06, com o número 2022..., no valor de € 201,73, com

data-limite de pagamento em 09/03/2022;

  • IVA – Ano 2019-07, com o número 2022..., no valor de € 25,84, com data-

-limite de pagamento em 09/03/2022;

  1. IVA – Ano 2019-08, com o número 2022..., no valor de € 572,35, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 50,55;
  2. IVA – Ano 2019-09, com o número 2022..., no valor de € 1.776,01, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 150,83;
  3. IVA – Ano 2019-10, com o número 2022..., no valor de € 879,78, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 71,73;
  4. IVA – Ano 2019-11, com o número 2022..., no valor de € 107,07, com

data-limite de pagamento em 09/03/2022; e ainda 

  1. IVA – Ano 2019-12, com o número 2022..., no valor de € 258,75, com

data-limite de pagamento em 09/03/2022;

 

As liquidações adicionais supra, foram efetuadas pela AT com base na fundamentação constante no ponto III – 4. Correções propostas para efeitos de IVA, números 4.1 a 4.5 do RIT, e que em síntese, dizem respeito a:

  1.  Obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos
  2. Outras despesas não relativas à atividade da empresa
  3. IVA deduzido sem suporte documental emitido na forma legal
  4. IVA deduzido das despesas com viaturas
  5. IVA deduzido de despesas de refeições e alojamentos

 

 

A Requerente entende que as liquidações de IVA devem anular-se porque se fundam nos mesmos motivos de facto que estão na origem das correções efetuadas pela AT em sede de IRC, isto é, o IVA que foi deduzido é relativo a gastos incorridos e não aceites em IRC, por dizerem respeito a bens imóveis que não estão afetos à atividade da Requerente.

 

IRS

A Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais:

  1. IRS – Retenções na fonte – Ano 2018, com o número 2022..., no valor de

€ 31.316,64, com data-limite de pagamento em 08/03/2022;

  1. IRS – Retenções na fonte – Ano 2019, com o número 2022..., no valor de

€ 40.406,32, com data-limite de pagamento em 08/03/2022;

 

As liquidações adicionais supra foram efetuadas pela AT com base na fundamentação constante no ponto III-5. Adiantamentos por conta de lucros - falta de retenção na fonte de IRS, que em síntese, dizem respeito a despesas do foro privado do sócio-gerente relacionadas com quilómetros, ajudas de custo ficcionados e ausências de documentos relativos a despesas que foram pagas com recurso às disponibilidades da empresa (Requerente) e que foram reconhecidas como gastos do exercício dedutíveis para efeitos de IRC, com vista a diminuir o lucro tributável da Requerente, não se destinando a obter rendimentos sujeitos a IRC, mas sim  uma vantagem económica para o sócio-gerente e que devem ser tributados em sede de IRS pelo mecanismo de retenção na fonte.

A Requerente refere que as liquidações de IRS devem ser anuladas porque estão inquinadas com vícios de erro sobre os pressupostos de facto e direito (violação de lei). Defende que mesmo mantendo as correções propostas para efeitos de IRC, o que não admite, não se encontram verificados os pressupostos legais para se concluir que os montantes corrigidos em IRS devem ser considerados como adiantamentos por conta de lucros do sócio-gerente da Requerente.

Na defesa da procedência do seu pedido de anulação da liquidação de IRS, a Requerente argui que:

  1. O ajustamento efetuado pela AT em sede de IRS, referente aos anos de 2018 e 2019, é efetuado por aplicação da alínea h) do n.º1 do art. 5.º do Código de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares (CIRS):

 

  1. estando as quantias controvertidas sujeitas a retenção na fonte, conforme previsão legal 

 

 

Não concorda com a posição da AT, na medida em que para que tal aconteça, deverão existir lucros e que estes tenham sido postos à disposição dos respetivos titulares, neste caso dos sócios da Requerente, não existindo qualquer presunção ao abrigo da qual, havendo lucros, estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares dos mesmos. Adicionalmente, refere que a única presunção conhecida a nível de IRS nesta matéria, é a que consta no n.º 4 do art. 6.º do CIRS, que não é aplicável ao caso em apreço e que a AT não a invocou. Reforça o seu entendimento com os movimentos contabilísticos relevados na contabilidade que registam pagamentos de gastos incorridos pela Requerente decorrentes do exercício da sua atividade e que não têm nada a ver com disponibilização de lucros ao seu sócio-gerente. Mesmo que haja insuficiência documental a suportar o registo contabilístico dos gastos incorridos, não se pode inferir a imputação subjetiva de lucros ao seu sócio-gerente. Igualmente faz referência a disposições do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) na defesa da sua posição.

 

Conclui peticionando

 

« devem anular-se os actos tributários de liquidação de impostos e respectivos juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

Deve ainda ser reconhecido à impugnante o direito a ser indemnizada pela prestação da garantida indevida....»

 

            6. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta/Contestação e juntou aos autos o Processo Administrativo (“PA”), em 26 de outubro de 2022, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) tendo-se defendido por impugnação e requerido a dispensa de produção de prova testemunhal e da reunião prevista no art. 18.º do RJAT.

            A Requerida começou por defender a ilegalidade da cumulação de pedidos em sede de IRC, IVA e IRS efetuados por parte da Requerente, invocando para o efeito a alínea b) n.º1 do art. 4.º do CPTA[2] e da alínea b) do n.º1 do art. 104.º do CPPT[3], na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro. Defende que os pedidos efetuados pela Requerente têm diferentes causas de pedir, diferentes princípios e regras de direito, o que torna inviável a cumulação de pedidos à luz do disposto no n.º1 do art. 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).  Assim, consequentemente, defende que

 

“                                                                     23.

Em face do exposto, deverá este centro de arbitragem proceder à notificação da Requerente para, nos termos do artigo 4.º, n.º 6, do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, por forma a que estra venha indicar o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos. 

 

24. 

Subsidiariamente, após a indicação pela Requerente indicando o pedido que pretende ver apreciado, deverá o valor dos autos ser corrigido em consonância.”

 

A Requerida defende que se devem considerar como factos assentes os descritos no procedimento inspetivo instruído pelo RIT, os seguintes:

- a Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo devidamente credenciado para o efeito;

- o procedimento inspetivo externo à Requerente foi desencadeado a coberto das ordens de serviço nºs OI2021.../... de 28-06-2021, a Direção de Finanças de Coimbra de âmbito geral - IRC, IVA e IRS - ao SP (ora requerente) A..., LDA., NIPC..., com objetivo de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários (Código PNAITA, 102-28 – Controlo declarativo), relativamente aos anos fiscais de 2018 e 2019;

- Os procedimentos inspetivos tiveram início a 19-07-2021, tendo sido concluídas a 29-12-2021;

- Através do ofício nº ... de 23-11-2021, da DF de Coimbra (registo CTT nº RH ... PT), a ora Requerente, foi notificada através dos seus mandatários (nos termos do nº 1 do art.º 39º do CPPT) do teor do projeto de relatório de RIT elaborado, nos termos previstos nos artºs 60.º da LGT e do RCPITA, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia.

 

- Através dos seus mandatários, veio a Requerente requerer prorrogação extraordinária do referido prazo, por mais 10 dias, o qual foi deferido e comunicado aos mesmos, através do ofício n.º ... de 09-12-2021 (registo CTT nº RO ... PT);

- A 22-12-2021, aproveitando a prorrogação do prazo concedido pelos SIT, a Requerente, através dos seus mandatários, exerceu esse direito mediante apresentação de requerimento que deu entrada na Direção de Finanças de Coimbra;

 

- A Requerente foi notificada do projeto de RIT, tendo pedido prorrogação de prazo, o qual foi concedido, e exerceu o seu direito de audição prévia;

 

- Após terem sido analisados os factos e argumentos trazidos pela Requerente no exercício do direito de audição, concluiu-se que os mesmos não eram suscetíveis de alterar as conclusões que constavam do projeto de RIT, tendo assim sido mantida a posição aí vertida e as respetivas correções no RIT;

 

- Na sequência das conclusões dos procedimentos inspetivos, no dia 19-01-2022, os serviços da AT emitiram as liquidações controvertidas.

 

- Adicionalmente a Requerida relativamente aos impostos controvertidos, defende por impugnação que:

 

IRS

 

53. 

De acordo com o que foi apurado e com relevância fiscal, nomeadamente a análise efetuada aos meios financeiros (Caixa e Depósitos à Ordem) e a contabilidade, nos anos em causa (cf. Anexo XXXI e XXXII dos RIT):

 

“(…) Em termos contabilísticos, no ano 2018, o pagamento de todas as despesas da empresa foram lançadas a crédito da conta caixa, com excepção de alguns pagamentos de impostos ao Estado. 

No final do ano (dezembro), para regularizar o saldo credor da conta caixa foram transferidos num único movimento contabilístico, a débito, valores das contas de clientes, e, por sua vez o excesso de caixa foi transferido para a conta de depósitos à ordem. Na realidade, este movimento não consta no extrato emitido pela entidade bancária.

No ano 2019 o procedimento contabilístico das contas caixa e depósitos à ordem foi alterado.  A conta caixa foi menos movimentada, mas também apresentou sempre saldo credor. No final do ano, foi efetuado um lançamento contabilístico a débito de caixa por crédito da conta de depósitos à ordem, no valor de € 19.000,00, para o saldo da conta caixa apresentar um valor positivo e reduzido. Este movimento também não consta no extrato emitido pela entidade bancária., 

Comparando outros movimentos contabilísticos da conta depósitos à ordem com os extractos da entidade bancária, constatamos não existir concordância nem conciliação possível.  Como se pode ver, a título de exemplo no ano de 2018, a conta bancária na contabilidade apresenta um movimento reduzidíssimo, enquanto que o extrato da entidade bancária, documento credível, evidencia as mais diversas saídas de dinheiro, onde estão incluídas as despesas suportadas e transferências para o sócio gerente.

Em suma, a contabilidade não reflete verdadeiramente os movimentos financeiros da empresa, pelo que, sabendo-se que a empresa suportou financeiramente despesas, cujos pagamentos estão reflectidos a crédito dos extractos da conta bancária (Santander), documentos estes fidedignos, e, que a maior parte dessas despesas não são da empresa, mas sim do foro privado do sócio gerente, iremos apurar os valores em causa, baseando-nos nestes documentos, considerando-os como retiradas do sócio-gerente a título de adiantamentos por conta de lucros. Anexo XXXI - Ano 2018; Anexo XXXII - Ano 2019 

Importa referir que, se essas despesas não tivessem sido contabilizadas como gastos da empresa os resultados teriam sido mais elevados, conforme se pode verificar no mapa de apuramento do Lucro Tributável, apresentado no ponto III-3.8 deste relatório, assim como, se não se tivessem verificado as saídas daqueles fundos da empresa, o saldo da conta bancária da empresa seria muito superior.

Em conclusão os valores em causa constituem uma vantagem económica para o sóciogerente, no caso, pecuniária, procedente diretamente de elementos patrimoniais do sujeito passivo, consubstanciada no recebimento desses montantes para se fazer remunerar ou para suportar despesas pessoais

Os valores apurados apresentam-se em anexo XXXIII (ano 2018) e anexo XXXIV (ano 2019), totalizando € 100.077,18 e € 133.904,16, para os anos de 2018 e 2019 respetivamente.” (ponto III.5, páginas 39 e 40 dos RIT)” Destaques nossos

 

54. 

Quanto ao facto da Requerente alegar que 

“os movimentos contabilísticos correspondentes às despesas objeto de correção não foram lançados na conta corrente de sócios (conta 26); 

Esses movimentos ocorreram por débito na conta de gastos com deslocações e estadas (conta 62517121) e por crédito na conta de depósitos à ordem (conta 12) e consequentemente, não correspondem à distribuição de lucros e nem a adiantamento por conta de lucros a qualquer dos sócios; 

A insuficiência documental é insuscetível de, por si só, preencher critérios de imputação subjetiva que admitam concluir que estamos na presença de lucros distribuídos a um sócio;” 

 

55. 

importa esclarecer que os factos apurados em sede de RIT e constantes nos pontos III-3.1 a III-3.5 dos RIT, desmentem tais alegações porquanto 

“(..) foram reconhecidos, como gastos, determinados valores que não se destinaram a obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, uma vez que respeitam a despesas do foro privado do sócio gerente, a quilómetros e ajudas de custo ficcionados ou simplesmente, ausências de documentos de suporte, valores esses, contabilizados com o propósito de diminuição do Lucro Tributável e, para retirada de fundos da empresa, uma vez que foram suportados e pagos por esta.” (cf página 39 dos RIT) “

 

e

62. 

Neste sentido, concluiu-se corretamente que 

“(..) estamos na presença de operações realizadas, pagamentos de despesas do foro pessoal e retiradas de verbas ficcionadas, a título de ajudas de custo e quilómetros, com recurso às disponibilidades da empresa, constituindo assim uma vantagem económica para o sóciogerente, no caso, pecuniária, procedente diretamente de elementos patrimoniais do sujeito passivo, consubstanciada no recebimento desses montantes, qualificados assim como rendimento de capitais.(..)” página 39 dos RIT

63. 

O que vem ante descrito configura, em termos de incidência real, uma efectiva distribuição de lucros em 2018 e 2019 no valor total de 100.077,18€ e 133.904,16€ respectivamente e sujeitos a tributação como rendimento de capitais (categoria E), previsto no art.º 5.º n.º 2, al. h), conjugado com o art.º 7º nºs 1 e 3, al. a), subal. 2), ambos do CIRS, 

 

64. 

recaindo sobre a sociedade A..., LDA NIPC ... (pelo mecanismo de substituição tributária), a obrigação de efectuar a respectiva retenção na fonte mediante a aplicação da taxa liberatória de 28%, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 71.º, conjugado com o nº 3 do art.º 98º e a al. a) do n.º 2 do art.º 101.º, todos do referido código, nos montantes de 28.021,61€ (100.077,18€x28%) e 37.493,16€ (133.904,16€x28%), respectivamente nos anos fiscais em 2018 e 2019. “.

 

Por outro lado, em termos de ónus da prova, ao abrigo do art. 74.º da LGT, a Requerida entende que incumbia à Requerente provar a regularidade dos movimentos contabilísticos e financeiros, o que não fez, e, como tal, os factos tributários ocorridos em 2018 e 2019 e descritos acima, traduzem vantagens económicas realizadas e auferidas pelo sócio-gerente, e como tal devem ser tributadas em sede de IRS, a título de distribuição de lucros, sujeitos a tributação a título de rendimentos de capitais. Assim sendo, improcedem os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e violação de lei, arguidos pela Requerente.

 

IRC

 

Relativamente ao IRC, a Requerida defende que:

 

A – Dos gastos com obras de construção civil, aquisições de mobiliário e artigos decorativos – correção de 38.583,72 euros (2018) e de 21.097,59 euros (2019)

 

Das diligências efetuadas quer em sede de inspeção tributária quer em sede de direito de audição, a Requerente não conseguiu demonstrar que os gastos aqui em causa foram suportados no interesse da mesma, mas sim, no de outros beneficiários, para além do seu sócio-gerente. Consequentemente, os gastos em causa não poderão ser dedutíveis fiscalmente para efeitos de IRC na esfera da Requerente.

 

B – Dos gastos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo- correção de 58.752,80 euros (2018) e 61.995, 50 euros (2019)

 

Relativamente aos gastos com quilómetros em viatura própria, os mapas apresentados pela Requerente aos SIT, não cumprem os requisitos exigidos pela lei. Adicionalmente, face ao sucedido, os SIT pediram informação adicional à Requerente, tais como, identificação de matrícula e respetivo proprietário, tendo a Requerente apresentado uma lista de três viaturas ligeiras de passageiros e um motociclo, não havendo possibilidade de alocar os mesmos aos mapas suporte apresentados.

Foi solicitado ao IMT (Instituto de Mobilidade e dos Transportes) recolha de informação relativa às três viaturas ligeiras de passageiros de forma a poder comparar-se o número de quilómetros anuais que constam nos mapas registados na contabilidade da Requerente e o número de quilómetros efetuados entre inspeções periódicas, concluindo os SIT existir uma grande disparidade entre o número de quilómetros percorridos entre as inspeções periódicas e o número de quilómetros dos mapas. Assim, a Requerida entende que os deveres da descoberta material e o princípio do inquisitório foram observados pelos SIT, improcedendo a violação dos mesmos conforme é defendido pela Requerente. 

Relativamente aos mapas suporte relativo a ajudas de custo apresentados pela Requerente relativamente a 2018 (13.252,80 euros) e 2019 (12.995,50 euros), os mesmos não permitem o controlo das deslocações nem preenchem os requisitos previstos na alínea h) do n.º1 do art. 23.ºA do CIRC e assim estes encargos suportados pela Requerente não devem ser aceites para efeitos de IRC. Também não houve incidência de tributação autónoma à taxa de 5%, conforme previsto no n.º9 do art. 88.º do CIRC. Posteriormente em sede de direito de audição ao PRIT[4], a Requerente veio defender que as deslocações efetuadas pelo seu sócio-gerente foram efetuadas num motociclo com matricula ... e não nas três viaturas ligeiras de passageiros indicadas numa primeira fase da inspeção pela Requerente, sem ter apresentado provas de utilização do veiculo em causa, como por exemplo extrato da via verde e/ou recibos de portagens referentes ao motociclo em causa.

  Em sede de PPA, a Requerente vem defender que a utilização do seu motociclo particular (...) se deveu a manutenção e consumos menos dispendiosos comparativamente a dois motociclos (...; ...) constantes do ativo da mesma, mas não apresentou qualquer meio de prova para sustentar a sua posição relativa à comparação dos motociclos em termos de conservação e manutenção.

Adicionalmente em termos de mapas de ajudas de custo, apesar de a Requerente ter defendido que a atividade profissional do sócio-gerente se localizava no Alentejo e Algarve durante a semana (de 2ª feira a 6ª feira), os SIT detetaram refeições a meio da semana em restaurantes na zona de Coimbra, não havendo qualquer alteração nos mapas de ajudas de custo, isto é, os referidos mapas para o período compreendido entre janeiro e dezembro foram preenchidos tendo como referência uma ajuda de custo diária de 50,20 euros.

Tendo em conta o acima exposto, os encargos registados na contabilidade a titulo de ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria, não reúnem os requisitos previstos na alínea h) n.º1 do art. 23.ºA do CIRC para serem dedutíveis fiscalmente em sede de IRC.

 

C- Dos gastos sem suporte documental - 671,77 euros (2018) e 25.338,59 euros (2019)

 

A Requerida refere que decorrente da inspeção tributária efetuada a Requerente foi notificada para apresentar suporte documental aos lançamentos contabilísticos efetuados em 2018 e 2019 e que após apresentação dos documentos apresentados pela Requerente, os SIT constataram que ainda havia falta de documentos, propondo correções   de 671,77 euros (2018) e 25.338,59 euros (2019), respetivamente.

Adicionalmente a Requerida refere que em sede de audição prévia a Requerente solicitou que fossem identificados quais os lançamentos contabilísticos em concreto, relativamente aos quais eram necessários documentos adicionais de suporte, tendo pedido um prazo adicional de 10 dias, e que o seu pedido foi ignorado pelos SIT tendo havido violação do princípio da verdade material e do inquisitório por parte dos SIT.

A Requerida entende que na notificação efetuada à Requerente relativamente aos lançamentos contabilísticos tinha sido suficientemente detalhado a informação necessária a prestar aos SIT através da identificação da data do movimento, do número de documento interno e valor. A sócia E... entregou na Direção de Finanças de Coimbra as respostas ao notificado pelos SIT e na sua presença foram verificados os itens entregues relativos à notificação efetuada e respetivos anexos, sendo os mesmos numerados e rubricados pelos SIT e pela sócia da Requerente. Não entende a alegação por parte da Requerente de que estava absolutamente convicta de que os esclarecimentos e documentos apresentados se revelaram suficientes e adequados, uma vez que teve conhecimento do que foi apresentado e não apresentado.

Adicionalmente a Requerida refere que a Requerente teve oportunidade de em sede de audição prévia juntar o que fosse conveniente para confirmar a inexatidão das conclusões plasmadas no RIT[5].

Ainda sobre o pedido de identificação dos documentos em sede de audição prévia ao projeto do RIT e da concessão de um prazo de dez (10) dias para os apresentar, os SIT referem que

“O SP já foi notificado para a sua apresentação e não o fez, foram-lhe concedidos 25 dias para exercer o direito de audição e também não os apresentou, esgotando-se assim os prazos para a sua defesa nesta instância”;

concluindo que

“ a Requerente tem perfeito conhecimento dos lançamentos contabilísticos reconhecidos em contas de gastos que não têm documentos justificativos e, mais uma vez, agora no ppa, não os apresentou optando por alegar que os SIT não procederam às diligências necessárias à descoberta da verdade material”

 

e por isso as correções propostas pela AT se devem manter.

 

IVA

 

A Requerida entende que o IVA deduzido pela Requerente relativamente a gastos não aceites por não se considerarem relativos a bens imóveis afetos à empresa (cf. ponto IIII- 4.1 Obras de construção civil, aquisições de mobiliário e artigos decorativos do RIT e III.4 do PPA) não reúnem os requisitos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 20.º do CIVA (1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;) e por isso o IVA não pode ser deduzido.

 

A Requerida refere igualmente que existem mais correções em sede de IVA, nomeadamente as referidas nos pontos

  1. “III - 4.2. Outras despesas não relativas à atividade da empresa”
  2. “III - 4.3. IVA deduzido sem suporte documental emitido na forma legal”
  3. “III - 4.4. IVA deduzido de despesas com viaturas”
  4. “III - 4.5. IVA deduzido de despesas de refeições e alojamentos”

 

não foram impugnadas, não podendo as mesmas ser anuladas e devendo esse facto constar do dispositivo da decisão a proferir.

 

A Requerida opôs-se à produção de prova sob a forma testemunhal e de declaração de parte defendida pela Requerente com o fundamento de se estar perante questões meramente de direito e arguindo que a única prova admissível é a documental.

 

Direito a Juros Indemnizatórios

 

Conclui pela não existência de qualquer direito a juros indemnizatórios por parte da Requerente, uma vez que os atos tributários praticados são válidos e legais devendo manter-se as liquidações adicionais efetuadas pela AT, não havendo qualquer erro imputável aos serviços que justifique a existência de juros indemnizatórios.

 

Conclui a Resposta, peticionando:

 

- Proceder à notificação da Requerente para nos termos do n.º6 do art. 4.º do CPTA, ex vi alínea c) n.º1 do art. 29.º , do RJAT, por forma a que esta venha indicar qual o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos.

- Ser indeferida a produção de prova testemunhal e depoimento de parte por inútil, caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá a Requerente ser notificada para: 

  • indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição. (art.º 596.º do CPC ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT) e
  • identificar a testemunha em conformidade com a lei, nomeadamente indicar a profissão daquela (cf. Art.º 498.º do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT).

- O presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

 

7. Por despacho arbitral de 21 de outubro de 2022, a Requerente foi notificada para se pronunciar, querendo, num prazo de 10 dias, sobre a exceção: Cumulação Ilegal de Pedidos apresentada pela Requerida e dentro do mesmo prazo indicar quais os factos essenciais de entre os alegados pelas partes que considera ainda eventualmente controvertidos e passiveis de prova testemunhal. Mediante requerimento de 4 de novembro de 2022 apresentado ao Tribunal, a Requerente defende a improcedência da exceção da cumulação ilegal de pedidos e elenca os artigos do PPA sobre os quais vai ser efetuada prova testemunhal.

 

            8. Por despacho arbitral de 8 de novembro de 2022 foi agendada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para o dia 12 de dezembro e 2022, pelas 15:00 horas no CAAD, vindo a mesma a ser transferida, por despacho arbitral de 19 de novembro de 2022, para dia 25 de janeiro de 2023 às 14h 30m. A reunião realizou-se na data indicada, 25 de janeiro de 2023, tendo o Tribunal deliberado que a matéria de exceção da cumulação ilegal de pedidos suscitada pela Requerida, fosse decidida aquando da apreciação do mérito da decisão. Em seguida foi inquirido o Senhor Eng. B... (sócio-gerente da Requerente), a título de declarações de parte, tendo o mandatário da Requerente prescindido da testemunha D... (pai do sócio-gerente da Requerente). As partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, em simultâneo, direito que estas vieram a exercer e no qual sublinharam os argumentos anteriormente aduzidos. O Tribunal determinou, ao abrigo do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, a prorrogação do prazo referido no n.º1 do artigo citado anteriormente, por dois meses, a contar do término daquele (17 de fevereiro de 2023).

 

II. Exceção – Cumulação Ilegal de Pedidos

 

9. A Requerida vem opor-se à cumulação de pedidos peticionados pela Requerente alegando que não estão preenchidos os requisitos cumulativos do n.º1 do art. 3.º do RJAT, uma vez que os pedidos fundam-se em diferentes causas de pedir, e têm por base diferentes princípios e regras de direito.

Convém chamar à colação o que é referido in  “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” de autoria do Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[6] em que se refere que

No artigo 104.º Do CPPT prevêem-se possibilidades de cumulação de pedidos para o processo de impugnação judicial, mas limitadas aos casos em que é idêntico o tributo, para além da identidade de fundamentos de facto e de direito.

No  artigo 3.º n.º1, do RJAT permite-se a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e de interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O facto de no artigo 3.º, n.º1 do RJAT não se fazer referência a identificação de tributos revela que não existe em relação aos tribunais arbitrais a limitação relativa à identidade de tributo que é feita no artigo 104.º do CPPT, pelo que, por exemplo pode ser pedida a um Tribunal Arbitral a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de IVA e IRC que tenham subjacente a mesma materialidade fática detetada em ação de inspeção.

A existência desta regra especial para os tribunais arbitrais afasta também a aplicabilidade das regras do CPTA [em geral de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c, do RJAT] em cujo artigo 47.º  se permite a cumulação de impugnações de atos que se encontrem entre si colocados numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por estarem inseridos no mesmo procedimento ou porque da existência ou validade de um deles depende a validade do outro e de atos cuja validade possa ser verificada com base na apreciação das mesmas circunstâncias de facto e dos mesmos fundamentos de direito.

Isto é, apenas nos casos indicados no artigo 3.º n.º1 do RJAT haverá possibilidade de acumular pedidos.

 

É convicção deste Tribunal Arbitral que o acima exposto tem plena aplicação ao caso controvertido, acompanhando a posição e fundamentação apresentada pela Requerente no despacho de 4 de novembro de 2022 em que defendia a procedência da cumulação de pedidos, pelo que improcede a exceção suscitada pela Requerida quanto à cumulação de pedidos.

 

III. SANEAMENTO

 

            10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do n.º1 art. 2.º e alínea a), n.º1 art.10.º, ambos do RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto no art. 4.º e n.º 2 do art.10.º, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

            A cumulação de pedidos é legítima (artigo 3.º do RJAT).

O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem exceções dilatórias ou perentórias ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

IV. DIREITO

 

IV.1. MATÉRIA DE FACTO

 

IV.1.1. Factos provados

 

            11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, com o NIF..., com sede na Rua ..., n.º ...-..., ...-... Coimbra, é um sujeito passivo que se enquadra no regime geral de tributação de IRC e no regime geral de IVA com periodicidade mensal, por opção, tendo como CAE principal 71120 - Atividades de Engenharia e Técnicas Afins - com início de atividade em 27 de julho de 2016.
  2. Tem como sócios B... com o NIF ..., com uma quota de 50% de valor nominal de 500 euros e E..., com o NIF..., com uma quota de 50% de valor nominal de 500 euros.
  3. O sócio B... é o sócio-gerente da Requerente, licenciado em engenharia civil na especialidade de mecânica estrutural, inscrito na Ordem dos Engenheiros sob o n.º ... assumindo a responsabilidade técnica de diversas empreitadas de obras no Alentejo e Algarve.
  4. Os sócios são irmãos.
  5. O contabilista certificado é D..., com o NIF..., pai de ambos os sócios.
  6. A sócia E... presta alguns trabalhos de contabilidade na Requerente não tendo a mesma funcionários.
  7. Trata-se de uma empresa familiar.
  8. A Requerente do ponto de vista contabilístico está sujeita ao normativo das NCRF-ME, de acordo com informação constante na IES. Para os anos em análise - 2018 e 2019 - a Requerente cumpriu com as obrigações declarativas, nomeadamente, entrega de declarações periódicas de IVA, declaração de rendimentos Mod. 22 e da IES (Informação Empresarial Simplificada).
  9. A Requerente presta serviços de engenharia e tem como cliente a C..., Lda (C...), com sede estabelecimento no ..., ...-..., ..., Albufeira.
  10. O sócio-gerente da Requerente devido à sua formação académica assume a direção técnica de diversas obras, na sequência de projetos que coordenou e elaborou para a C... localizadas no Alentejo e Algarve.
  11.  A Requerente foi sujeita inicialmente a um procedimento de inspeção interno ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2021... com início em 12 de abril de 2021. Posteriormente em 28 de junho de 2021 foi emitida uma Ordem de Serviço externa n.º OI 2021... de âmbito geral, referente ao exercício fiscal de 2018 assim como uma Ordem de Serviço externa n.º OI 2021... de âmbito geral para o exercício fiscal de 2019 tendo sido iniciada em 19 de julho de 2021 e completada em 29 de dezembro de 2021 e as ordens de serviço externas foram assinadas pelo sócio-gerente da Requerente.
  12. Durante o procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada para prestar esclarecimentos e apresentar documentos justificativos dos lançamentos contabilísticos (data do movimento, número do documento interno e valor) dos quais se destacam os referentes a 2018 (671,77 euros: itens 11-14 e a 2019 (25.538,59 euros: itens 16-18 e 20). A Requerente apresentou o solicitado e na presença da sócia E... e dos SIT foram os mesmos verificados e rubricados quer pelos SIT, representado pela inspetora F... quer pela sócia E... . 
  13. A Requerente foi notificada, querendo, para exercer o direito de audição relativamente ao projeto de relatório de inspeção tributária (PRIT), tendo-lhe sido concedido um prazo de 15 dias, ao abrigo do art. 60.º da LGT e art. 60.º do RCPITA. No decurso do direito de audição, a Requerente veio requerer prorrogação extraordinária do prazo concedido para a audiência prévia, por mais 10 (dez) dias, para o limite de 25 (vinte e cinco) dias, o qual foi concedido, e comunicado aos mandatários- Drs. G... e H...- da mesma, cf. Ofício ... datado de 7 de dezembro de 2021 (RO ... PT).  
  14. Em direito de audição prévia a Requerente veio defender que:
    • relativamente às obras de construção civil, a aquisição de artigos de mobiliário e decorativos, durante a inspeção tinham sido prestados todas as informações sob a forma documental (faturas) a justificar que a realização das obras e a aquisição desses artigos destinavam ao edifício sito na Rua ... n.º ... em Coimbra;
    • relativamente às deslocações em viatura própria e ajudas de custo, as mesmas se justificam devido à profissão de engenheiro civil do sócio-gerente, à elaboração e coordenação de projetos de obras, direção de obras relativas aos projetos que elaborou, que obrigavam a deslocações todas as semanas os anos em análise (2018 e 2019) para o Algarve; havendo insuficiência do mapa referente aos quilómetros percorridos pelo sócio-gerente, insuficiência revela-se por não conter a totalidade dos quilómetros percorridos;
    • em termos das viaturas indicadas pela Requerente, a AT omite o motociclo com matrícula ... que é propriedade do sócio-gerente e que foi utilizado pelo mesmo nas deslocações profissionais por ser mais rápido e ágil; não foi apresentado qualquer extrato de via verde respeitante ao motociclo ... nem recibo de portagem respeitantes ao motociclo ... que evidenciasse a utilização pelo sócio-gerente do motociclo em causa;
    • solicitou uma dilação por mais 10 (dez) dias, pedindo que fossem identificados quais os lançamentos contabilísticos relativamente aos quais falta documentação suporte, que será apresentada caso seja notificada para o efeito;
    • pede igualmente a improcedência das correções de IVA e IRS, uma vez que as mesmas se fundam nos mesmos factos e fundamentos das correções em sede de IRC, que devem ser improcedentes, devido aos esclarecimentos e prova prestados.
  15. Não foi apresentado qualquer extrato de via verde respeitante ao motociclo ... nem recibo de portagem respeitantes ao mesmo, que evidenciasse a utilização pelo sócio-gerente do motociclo em causa;
  16. A AT manteve as correções propostas no PRIT tendo convertido o mesmo em definitivo (RIT) e que faz parte do PA[7] constante dos autos e do qual resultaram as liquidações adicionais em sede de IRC, IVA e IRS.
  17. Do procedimento inspetivo externo acima referido, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais, em sede de IRC, IVA e IRS, respetivamente:

 

IRC

«… a) IRC – Ano 2018, com o número 2022..., no valor de € 25.202,34 com data limite de pagamento em 11/05/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 2.289,89;

  1. IRC – Ano 2019, com o número 2022..., no valor de € 27.254,42, com data limite de pagamento em 12/05/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 1.450,66;

 

IVA

  1. IVA – Ano 2018-03, com o número 2022..., no valor de € 243,21, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 35,82;
  2. IVA – Ano 2018-04, com o número 2022..., no valor de € 197,11, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 28,01;
  3. IVA – Ano 2018-05, com o número 2022..., no valor de € 782,54, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 108,07;
  4. IVA – Ano 2018-06, com o número 2022..., no valor de € 1.359,20, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 184,25;
  5. IVA – Ano 2018-07, com o número 2022..., no valor de € 3.300,53, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 436,21;
  6. IVA – Ano 2018-08, com o número 2022..., no valor de € 273,48, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 35,24;
  7. IVA – Ano 2018-09, com o número 2022..., no valor de € 781,02, com data limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 97,83;
  8. IVA – Ano 2018-10, com o número 2022..., no valor de € 223,21, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 27,27;
  9. IVA – Ano 2018-11, com o número 2022..., no valor de € 3.111,56, com data limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 369,63;
  10. IVA – Ano 2019-02, com o número 2022..., no valor de € 1.550,31, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 168,87;
  11. IVA – Ano 2019-03, com o número 2022..., no valor de € 267,17, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 28,22;
  12. IVA – Ano 2019-04, com o número 2022..., no valor de € 836,96, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 85,48;
  13. IVA – Ano 2019-05, com o número 2022..., no valor de € 229,50, com data-limite de pagamento em 09/03/2022;
  14. IVA – Ano 2019-06, com o número 2022..., no valor de € 201,73, com
  15. data-limite de pagamento em 09/03/2022;
  16. IVA – Ano 2019-07, com o número 2022..., no valor de € 25,84, com data-
  17. -limite de pagamento em 09/03/2022;
  18. IVA – Ano 2019-08, com o número 2022..., no valor de € 572,35, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 50,55;
  19. IVA – Ano 2019-09, com o número 2022..., no valor de € 1.776,01, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 150,83;
  20. IVA – Ano 2019-10, com o número 2022..., no valor de € 879,78, com data-limite de pagamento em 09/03/2022; e respectiva liquidação de juros, com o número 2022..., no valor de € 71,73;
  21. IVA – Ano 2019-11, com o número 2022..., no valor de € 107,07, com
  22. data-limite de pagamento em 09/03/2022; e ainda 
  23. IVA – Ano 2019-12, com o número 2022..., no valor de € 258,75, com
  24. data-limite de pagamento em 09/03/2022;

 

IRS

  1. IRS – Retenções na fonte – Ano 2018, com o número 2022..., no  valor de
  2. € 31.316,64, com data-limite de pagamento em 08/03/2022;
  3. IRS – Retenções na fonte – Ano 2019, com o número 2022..., no valor de
  4. € 40.406,32, com data-limite de pagamento em 08/03/2022;

 

            cfr. documentos n.os 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 anexos ao PPA. O montante total das liquidações adicionais acima referidas ascende a 146.775, 61 (cento e quarenta e seis mil setecentos e setenta cinco euros e sessenta e um cêntimos) euros.

  1. As liquidações adicionais, acima referidas, e, respetivo acerto de contas e notas de cobrança vieram a ser pagos pela Requerente, cfr. documentos 25[8], 26, 27, 28,29,30,31,32,33,34,35, 36,37, 38 e 39 anexos ao PPA.
  2. As liquidações adicionais efetuadas pela AT, tiveram origem nas seguintes correções efetuadas pela AT constantes do RIT, relativamente a

- IRC,

- IVA, e

 - IRS.

 

Assim,

 

 

IRC

 

 

 

 

 

Descrição

Ano 2018 €

Ano 2019 €

Lucro Tributável / Matéria Coletável declarada (1)

79.279,71

107.286,08

Correções propostas

 

 

Gastos obras (ponto III-3.1)

38.583,72

21.097,59

Viagem Disneyland  (ponto III-3.2)

3.761,96

 

Km´s (ponto III-3.3.)

45.500,00

49.000,00

Ajudas custo (ponto III-3.3)

13.252,80

12.995,50

Despesas não relativas à atividade (ponto III-3.4.)

3.158,97

616,12

Gastos sem documentos (ponto III-3.5.)

671,77

25.338,59

Valor contabilizado na conta 6824 (ponto III-3.6)

 

1.665,50

Total correções propostas (2)

104.929,22

110.713,30

Lucro Tributável / Matéria Coletável corrigida (1)+(2)

184.208,93

217.999,38

Tributação Autónoma proposta (ponto III-3.7)

851,23

893,28

 

cfr. ponto III- 3.8 do RIT, donde se pode concluir que as correções relativamente aos anos de 2018 e 2019, em IRC ascenderam, respetivamente, a 104.929,22 euros e 110.713,30 euros e em termos de Tributação Autónoma a 851,23 euros e 893,28 euros, respetivamente.

 

 

 

 

IVA

Ano 2018

Período

Campo 22

DP IVA € (1)

Campo 24

DP IVA € (2)

Campo 41

DP IVA € (3)

Correção € 

(1) + (2) - (3)

201802

 

168,05

 

168,05

201803

 

75,16

 

75,16

201804

 

197,11

 

197,11

201805

397,29

978,63

 

1.375,92

201806

 

1.969,80

 

1.969,80

201807

 

2.121,79

25,24

2.096,55

201808

 

275,35

1,87

273,48

201809

 

792,82

11,8

781,02

201810

 

2.274,37

 

2.274,37

201811

 

1.066,57

6,17

1.060,40

201812

 

190,49

 

190,49

Total correções

397,29

10.120,23

45,08

10.462,35

                                     

 

Ano 2019

Período

Campo 24

DP IVA € (1)

Campo 41

DP IVA € (2)

Correção €

(1) - (2)

201901

48,22

 

48,22

201902

1.317,77

6,17

1.311,60

201903

267,17

 

267,17

201904

836,96

 

836,96

201905

229,50

 

229,50

201906

201,73

 

201,73

201907

119,39

93,55

25,84

201908

1.034,62

 

1.034,62

201909

1.313,74

 

1.313,74

201910

879,78

 

879,78

201911

108,00

0,93

107,07

201912

258,75

 

258,75

Total correções

6.615,63

100,65

6.514,98

 

 

cfr. ponto III- 4 do RIT, donde se pode concluir que as correções relativamente aos anos de 2018 e 2019, em IVA ascenderam, respetivamente, a 10.462,35 euros e 6.514,98 euros.

 

 

IRS

 

 

 

 

Em termos de IRS, as correções efetuadas pela AT relativamente aos anos de 2018 e 2019, a título de retenção não efetuada pela Requerente a uma taxa de 28% para efeito de rendimentos de capitais, tiveram como base de cálculo as correções efetuadas em sede de IRC e ascenderam a 28.021,61 euros (100.077,18x28%) e 37.493,16 euros (133.904,16 x28%), respetivamente, cfr. III-5 do RIT.

  1. Os pressupostos de facto e direito relativos às correções efetuadas pela AT que deram origem às liquidações adicionais controvertidas, encontram-se vertidos no RIT e se dá por inteiramente reproduzido no PA.
  2. A Requerente, na qualidade de arrendatária, celebrou um contrato de arrendamento com I..., com o NIF..., na qualidade de senhoria, com início em 1 de janeiro e termo a 31 de dezembro de 2017, havendo renovação automática do contrato por igual período, a não ser que houvesse denúncia por qualquer dos contratantes com uma antecedência de 60 dias. À data dos factos controvertidos, o contrato de arrendamento estava em vigor, havendo evidência de pagamentos efetuados pela Requerente de rendas prediais referentes a alguns meses de 2018.  
  3. Foi celebrado um contrato de arrendamento entre J... (irmã do sócio-gerente) com o NIF ... e o Sindicato K... (K...) com o NIF ... com uma renda mensal de 300 euros com início em 6 de fevereiro de 2018 relativo a um r/c de um prédio sito na Rua ... ...-... Monte Formoso correspondente à matriz predial ...-U-... .
  4. Os SIT, na pessoa da inspetora F..., deslocaram-se à Rua ... n.ºs ...-... ...-... Coimbra no dia 20 de setembro de 2021 às 17h 30m, tendo sido levantado um “AUTO DE OCORRÊNCIA” onde se identificou pelos SIT que os n.ºs 19-21 correspondiam a um prédio onde estava implantado uma moradia com duas entradas, correspondendo ao n.º 19 a um portão para circulação de pessoas e ao n.º 21 a um portão de acesso à garagem da moradia, estando a decorrer obras de colocação ou reparação e caleiras aquando da visita por parte dos SIT. A morada em questão corresponde à residência pessoal do sócio-gerente. Adicionalmente, os SIT identificaram/visualizaram um anexo com acesso a partir de qualquer dos portões anteriormente referidos. O referido anexo tem uma porta frontal envidraçada e no interior do mesmo foram identificados uma casa de banho, uma banheira, uma sauna, uma bancada de cozinha, uma mesa com um tampo de ripas de madeira, algumas cadeiras, um ar condicionado, um barbecue e um divã fechado.
  5. O sócio-gerente recusou assinar o referido “AUTO de OCORRÊNCIA”, tendo o mesmo sido assinado por 2 (duas) testemunhas identificadas no documento em causa para além da inspetora F... .
  6. Existem diversas faturas referentes a aquisições de materiais e prestação de serviços de construção civil, aquisições de mobiliário e artigos decorativos, referentes a 2018 e 2019, nos montantes de 38.583,72 euros (Anexo VIII ao RIT) e 21.097,59 euros (Anexo IX), respetivamente, que indicam como local de descarga a sede da Requerente, isto é, na Rua ..., n.º ...-... º Coimbra.
  7. Viagem à Disneylandia Paris, incluindo alojamento e transporte, em 2018, no montante de 3.761,96 euros no período de 14 de dezembro a 17 de dezembro referente aos passageiros: L..., M..., N... e B... .
  8. Relativamente aos quilómetros percorridos em viatura própria por parte do sócio-gerente ao serviço da Requerente, esta apresentou um mapa chamado “RELAÇÂO DE SUBSÍDIO DE DESLOCAÇÃO- KM’S” onde identificava a própria Requerente, o ano, colaborador e respetivo NIF, mês, o euro/km pago ao colaborador (0,36 euros), semana, deslocação, justificação, Kms e valor. O referido documento era datado e assinado pelo colaborador e representante legal da Requerente, cfr. anexos XII e XIII do RIT. Neste caso, o colaborador e representante legal da Requerente é o mesmo, isto é, o sócio-gerente. A fls. 20 do RIT encontra-se o quadro resumo dos quilómetros pagos, em 2018 e 2019, ao sócio-gerente, não tendo os referidos montantes ficado sujeitos a tributação autónoma, nem declarados ao Estado através das declarações mensais de remuneração (DMR´s) e nem debitados a clientes.
  9. Nos mapas de suporte referidos acima, não se identifica qual a viatura e respetiva matrícula utilizada pelo colaborador (sócio-gerente) relativa à deslocação ao serviço da Requerente. A Requerente foi notificada para identificar a viatura que era utilizada pelo colaborador e a resposta obtida foi a identificação das seguintes viaturas: ... (propriedade do sócio-gerente); ... (propriedade da esposa do sócio-gerente), ...(propriedade da sócia E...) e um motociclo ... (propriedade do sócio-gerente)[9]. Além disso, o destino é sempre igual - Algarve- e a justificação que vem no mapa suporte também é sempre a mesma “Avença C.../direção de obras”. Os valores constantes dos mapa de suporte aos quilómetros percorridos pelo sócio-gerente não cruzam com o valor registado na contabilidade nalguns meses, por exemplo, no mês de junho/2018 em que o mapa indica o montante de 5.250 euros e na contabilidade está registado um montante de 3.500 euros ou se nos reportarmos a 2019 na contabilidade tem-se registado nos meses de junho (3.500 euros), julho (7.000 euros), outubro (3.500 euros) e novembro (7.000 euros) e os mapas de suporte para os meses em causa indicam um montante de 5.250 euros).
  10. A Requerente adquiriu 2 (dois) motociclos com as matrículas: …-…-… e …-…-…, respetivamente, em 2018 e 2019.
  11. Relativamente aos mapas de ajudas de custo apresentadas pela Requerente, para suportar o pagamento de ajudas de custo, referentes a 2018 e 2019, nos montantes de 13.252,80 euros e 12.995,50 euros, respetivamente, cfr. Anexos XV e XVI do RIT respeitantes a 2018 e 2019, o mesmo tipo de considerações efetuadas ao pagamento de quilómetros em viatura própria se levantam aqui com a diferença que o valor diário é de 50,20 euros, cfr. fls 23 a 25 do RIT.
  12. Existem despesas não relativas à atividade da empresa, no montante de 3.158,97 euros, cfr. ponto III-3.4 do RIT.
  13. Existem procedimentos contabilísticos não conformes com o previsto na alínea a) n.º2 do art.123.º do CIRC, descritos nos pontos III-3.5 e III-3.6, que levaram à desconsideração de gastos para efeitos de IRC, relativamente a 2018 e 2019, respetivamente, nos montantes de 671,77 euros e 27.004,09 euros (25.338,59 euros+1.665,50 euros).
  14. Na área de Caixa e Depósitos à Ordem - foi feita uma análise aos procedimentos adotados pela Requerente, conforme descrito a fls. 39 e 40 do RIT. Resultante da análise efetuada, verificou-se que:

  • Em termos contabilísticos, no ano 2018, o pagamento de todas as despesas da empresa foi lançado a crédito da conta caixa, com excepção de alguns pagamentos de impostos ao Estado. No final do ano (dezembro), para regularizar o saldo credor da conta caixa foram transferidos num único movimento contabilístico, a débito, valores das contas de clientes, e, por sua vez o excesso de caixa foi transferido para a conta de depósitos à ordem. Na realidade, este movimento não consta no extrato emitido pela entidade bancária. 
  • No ano 2019 o procedimento contabilístico das contas caixa e depósitos à ordem foi alterado. A conta caixa foi menos movimentada, mas também apresentou sempre saldo credor. No final do ano, foi efetuado um lançamento contabilístico a débito de caixa por crédito da conta de depósitos à ordem, no valor de € 19.000,00, para o saldo da conta caixa apresentar um valor positivo e reduzido. Este movimento também não consta no extrato emitido pela entidade bancária.

 

  • Comparando outros movimentos contabilísticos da conta depósitos à ordem com os extractos da entidade bancária, constatamos não existir concordância nem conciliação possível. Como se pode ver, a título de exemplo no ano de 2018, a conta bancária na contabilidade apresenta um movimento reduzidíssimo, enquanto que o extrato da entidade bancária, documento credível, evidencia as mais diversas saídas de dinheiro, onde estão incluídas as despesas suportadas e transferências para o sócio gerente

 

  • Em suma, a contabilidade não reflete verdadeiramente os movimentos financeiros da empresa, pelo que, sabendo-se que a empresa suportou financeiramente despesas, cujos pagamentos estão reflectidos a crédito dos extractos da conta bancária (Santander), documentos estes fidedignos, e, que a maior parte dessas despesas não são da empresa, mas sim do foro privado do sócio gerente (…) Os valores apurados apresentam-se em anexo XXXIII (ano 2018) e anexo XXXIV (ano 2019), totalizando € 100.077,18 e € 133.904,16, para os anos de 2018 e 2019 respetivamente.

 

 

  1. Aos montantes apurados acima referentes a: 2018 – 100.077, 18 euros e 2019 – 133.904,16 euros foi aplicada uma taxa de retenção de 28% para efeitos de IRS a título de adiantamento por conta de lucros auferidos pelo sócio-gerente. Assim, as correções em sede de IRS ascendem a 28.021,61 (100.077,18@28%) euros, referentes a 2018, cfr. anexo XXXIII do RIT e de 37.493,16 (133.904,16 @28%) euros, cfr. XXXIV do RIT, respetivamente.
  2. A Requerente apresentou PPA tendo o mesmo sido validado e aceite em 9 de junho de 2022 pelo CAAD.

 

III.1.2. Factos não provados

 

            12. Com relevo para a decisão da causa, não se considerou provado:

  1. Pela Requerente, qual o local onde tenham ocorrido obras de construção civil, aquisições de mobiliário e artigos decorativos controvertidos.
  2. Pela Requerente, quais os locais de obra que deram origem ao pagamento de quilómetros em viatura própria e ajudas de custo.
  3.  Pela Requerente, qual a viatura, incluindo motociclos, usados pelo colaborador da Requerente (sócio-gerente) quanto aos quilómetros percorridos.
  4. A Requerente peticiona no PPA o direito a ser indemnizada pelos encargos incorridos com a prestação de garantia a favor do Estado para suster processo de execução fiscal. Não ficou provado que a Requerente tenha prestado garantia e suportado quaisquer encargos com garantia prestada a favor do Estado.

 

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. n.º 2 artigo 123.º, , do CPPT e n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (cf. alínea e) artigo 16.º, do RJAT, e n.º 4 do artigo 607.º,  do CPC, aplicável ex vi alínea e) n.º 1do artigo 29.º, do RJAT).

Consideraram-se, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova por declarações de parte, concretamente o depoimento de B..., engenheiro de estruturas e sócio e gerente da Requerente.

Quanto à concreta motivação subjacente à matéria de facto dada como não provada, cumpre sublinhar que o Tribunal teve presente as regras de distribuição do ónus da prova e a presunção de boa-fé e veracidade das declarações que resultam, respectivamente, dos artigos 74.º e 75.º da LGT. Sucede que a referida presunção não se verifica no presente caso quanto aos mapas de suporte relativos aos quilómetros percorridos pelo sócio-gerente e às ajudas de custo auferidos pelo mesmo, conforme pontos u) e w) dos Factos Provados. Adicionalmente, na área de Caixa e Depósitos à Ordem, conforme ponto z) dos Factos Provados, a contabilidade da Requerente não reflete os movimentos financeiros da mesma. Assim, considera-se preenchida a alínea a), do n.º 2, do artigo 75.º da LGT que afasta a presunção consagrada no n.º 1 daquele mesmo artigo nos casos em que as “[a]s declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

De assinalar que, para além da abundante prova documental, não foi produzido ou apresentado qualquer outro meio de prova para além das mencionadas declarações de parte que, como é sabido, devem ser valoradas pelo Tribunal, livremente e com especial cuidado pela função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova na medida em que não são (as declarações de parte)  meio suficiente para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final. Ou seja: devem sempre ser conjugadas essas declarações com outros elementos de prova. Ao contrário da prova testemunhal, com regime valorativo à luz do direito substantivo (cfr artigo 396º, CC), a prova por declarações de parte tem o seu exclusivo regime no direito processual, salvo no que concerne à confissão de factos (artigos 352º e ss.  e  466º, do CPC)[10].

Não  pode esquecer-se que, embora, tal como no caso da testemunha, está sujeita a dever de verdade, o depoimento da parte é sempre um testemunho de quem é direta e muito especialmente interessada no desfecho, a seu favor, de um litígio. Daí o particular cuidado na relevância desse depoimento como meio de prova.

E se mesmo em sede de prova testemunhal,  “[(...) quando os depoimentos contrariam o conteúdo dos documentos também aí se torna incontornável uma maior exigência na análise crítica da prova, uma vez que se torna imprescindível perceber as razões pelas quais o juiz deu prevalência a um em detrimento de outro, pesando os diversos graus de falibilidade, a credibilidade contextual, a lógica e até mesmo a experiência da vida. (cfr. ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 1534/09.7TBFIG.C1 de 23-06-2015 Relator: HENRIQUE ANTUNES Sumário: f) A apreciação da prova deve ocorrer sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference -, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis) (...)” (cfr Acórdão do TCA Sul de 25.05.2016, processo n.º 00724/04.3BEVIS] esses cuidados e exigências valorativas da prova terão de ser forçosamente muito mais exigentes quando se trata de apreciar o depoimento da própria parte.

            Subsumindo o caso concreto a estas considerações sumárias, as declarações de parte revelaram, no caso, falta de harmonia, divergência ou   mesmo incongruência  com os demais meios de prova, gerando ou conduzindo a  um juízo de não prova dos factos que tais declarações pretendiam provar, designadamente os elencados supra, em III.1.2.12.  No limite, tais declarações conjugadas com os demais elementos probatórios, levariam sempre o Tribunal a uma situação de dúvida quanto à realidade deses factos e, consequentemente, a um juízo de não prova à luz do artigo 414º, do CPC [“a dúvida sobre a realidade dum facto (...) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (...)”]

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1 Delimitação das questões a decidir:

 

            Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC, IVA e IRS impugnadas (2018 e 2019) e respetivos juros compensatórios; e
  2. Direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT
  3. Indemnização relativo a encargos suportados com garantia prestada.  

 

IV.2 Ilegalidade das liquidações de IRC, IVA e IRS impugnadas (2018 e 2019) e respetivos juros compensatórios referidas no ponto IV.1 alínea a)

 

IRC

14. A Requerente fundamenta o pedido de ilegalidade das liquidações adicionais de IRC tendo por base as correções efetuadas pelos SIT referentes a:

- Obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos;

- Gastos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo;

- Gastos sem Suporte documental emitido na Forma Legal.

 

referidas no ponto IV.1 alínea a) arguindo vícios decorrentes de erro nos pressupostos de facto e direito que estão na origem dos atos controvertidos, a saber:

 

- Desconformidade quanto à aplicação do disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, uma vez que os gastos incorridos com as obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos tiveram em vista a obtenção de rendimentos tributáveis em IRC;

- Violação dos princípios do inquisitório e da legalidade na vertente de busca da verdade material por não solicitar informação concreta à Requerente relacionada com os gastos incorridos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo;

 

- Vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação da alínea h) do n.º1 do art. 23.º do CTRC cujos pressupostos de dedutibilidade se encontram totalmente preenchidos relativamente aos incorridos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo;

- Violação dos princípios da cooperação, que deve existir entre a Administração (AT) e o Sujeito Passivo (Requerente), da proporcionalidade, da justiça, através da omissão por parte da AT de informar a Requerente da insuficiência nos documentos apresentados em sede inspetivo, do inquisitório e da procura da verdade material que deve nortear o comportamento da AT em sede de procedimento inspetivo. A AT deve efetuar todas as diligências de prova na procura da verdade material e de aceitar todos os meios de prova que tenha em seu poder e que a Requerente apresentou, o que não aconteceu no caso controvertido, e como tal, as liquidações de IRC devem ser anuladas.

 

Vejamos

 

IRC

 

Obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos (2018-38.583,72 euros; 2019-21.097,59 euros)

 

15. Relativamente à questão da dedutibilidade dos gastos incorridos pela Requerente ao abrigo do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, a Requerente foi questionada pela AT para identificar onde é que do ponto de vista material estavam plasmadas as referidas obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos. Chegados aqui, podia-se pressupor que as obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos se encontravam na sede da Requerente, isto é, na Rua ... n.º ...- ... em Coimbra, uma vez que existia um contrato de arrendamento em vigor à data dos factos controvertidos em que a Requerente era arrendatária, conforme provado. Os SIT dirigiram-se à referida morada para averiguar da existência das referidas obras de construção civil, aquisições de imobiliário e artigos decorativos, não havendo evidência das mesmas. Posteriormente o sócio-gerente foi questionado de tal facto, tendo sido indicado um outro local indicado pelo mesmo - r/c de um prédio sito na Rua ...-... Monte Formoso correspondente à matriz predial ...-U-... e uma garagem, onde tinham ocorrido alegadamente as obras e aquisições de mobiliário e artigos decorativos. De facto, o local existe, só que à data dos factos, o r/c correspondia a uma “loja” arrendada ao Sindicato K... (K...), desde 6 de fevereiro de 2018, conforme provado. Quer a “loja” quer a garagem do mesmo prédio, foram visitados pelos SIT e não se vislumbrou pelos mesmos qualquer evidência quanto a obras e aquisição de imobiliário e artigos decorativos. Mais uma vez, o sócio-gerente foi questionado e desta vez foi indicado o local sito na Rua ... n.º ... em Coimbra. Segundo informação prestada pelo sócio-gerente o n.º 21 corresponde ao portão de acesso à garagem da moradia e nas traseiras da moradia onde se situa um anexo que, segundo o sócio-gerente, é um espaço que é utilizado “para reuniões e local e trabalho durante o fim de semana”. Da visita ao local indicado pelo sócio-gerente foi lavrado um “Auto de Ocorrência” onde se identificou algum mobiliário, mas que não indicia que o local fosse utilizado “para reuniões e local e trabalho durante o fim de semana”, conforme informação prestada pelo sócio-gerente, tendo mesmo negado assinar o referido “Auto de Ocorrência”. A questão que ficou por responder depois da inspeção física efetuada pelos SIT foi “onde é que se efetuaram as obras, aquisição de mobiliário e artigos decorativos”? Nos anexos VIII e IX encontra-se faturas, nomeadamente, de diversos fornecedores de materiais e serviços de construção onde é indicado nalguns casos que o local é a Rua ... n...º Coimbra onde esses serviços e materiais foram entregues e realizados. No entanto os SIT não detetaram evidência disso mesmo. Assim, não colhe o defendido pela Requerente quanto à falta de descrição de quais os serviços e materiais de construção, objeto de correção por parte da AT. Eles constam, como acima referido nos Anexos VIII e IX, não havendo prova por parte da Requerente onde é que as ditas obras, materiais de construção e mobiliário se encontram. Adicionalmente, a Requerente no PPA refere que a morada indicada do n.º ... da Rua ... em Coimbra onde existe um anexo, o mesmo é utilizado como local de trabalho do sócio-gerente e de pernoita de clientes da Requerente quando se deslocam provenientes do Algarve com vista a evitar que façam uma vida de ida e volta entre o Algarve e Coimbra. 

Em termos de ónus probatório ao abrigo do art. 74.º da LGT, a AT através das diligências efetuadas, descritas no ponto III 2. e 3.1 a fls. 8-14 do RIT, fundamentaram devidamente as correções efetuadas através não só de alegações relativas a casos concretos mas provando o porquê dessas alegações. Em concreto, visitaram os locais indicados pelo sócio-gerente onde se localizariam as obras, os materiais de construção e mobiliário, efetuaram inspeções físicas aos mesmos, confirmaram visualmente a não evidência do alegado pelo sócio-gerente, apresentaram prova documental, provando que com as diligências e prova recolhida, não se podia aceitar a elegibilidade dos gastos controvertidos para efeitos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

 

Tendo em conta a factualidade descrita no RIT e das diligências efetuadas pelos SIT descritas no ponto III - 3.1 do referido RIT, é convicção deste tribunal que os gastos suportados nos montantes de 38.583,72 euros (2018) e 21.097,59 euros (2019) não foram efetuados no interesse da Requerente e não devem ser dedutíveis fiscalmente ao abrigo do n.º1 do art. 23.º do CIRC.

 

Gastos com quilómetros em viatura própria e ajudas de custo (2018-58.752,80 euros; 2019- 61.995,50 euros)

 

16. Quanto a este ponto há que chamar à colação o disposto na al. h) n.º1 do art.º 23.ºA do CIRC:

 

“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

…/…

h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário;”

 

em que há uma preocupação do legislador de efetuar o controlo das ajudas de custo e deslocações em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal para que os encargos suportados pelo sujeito passivo de IRC, possam ser deduzidos como gastos dedutíveis fiscalmente para efeitos de IRC. Como é feito esse controlo? Através de um mapa onde se identificam, entre outros, os locais para onde esse colaborador se dirige, tempo de permanência, objetivo, identificação da viatura e respetivo proprietário da viatura usada para o efeito. Diga-se que, tem de haver uma prova clara e objetiva de que quer em termos de ajudas de custo quer em termos de deslocação em carro próprio por parte do colaborador, os encargos suportados pelo sujeito passivo de IRC, no caso dos autos, da Requerente, não havendo margem para dúvidas que as ajudas de custos e compensação em viatura própria existiram e foram efetuadas em beneficio do sujeito passivo de IRC, neste caso da Requerente, porque caso contrário, os encargos suportados pela sujeito passivo de IRC, mesmo reconhecidos como gastos no período de tributação em análise, não são gastos dedutíveis fiscalmente para efeitos de IRC.

  

17. Tendo em conta, todo o material probatório carreado para os autos, quer documental quer por declaração de parte, não se provou, no caso de deslocações em carro próprio, qual a viatura usada nas referidas deslocações através da indicação de matrícula, uma vez que o mapa de suporte utilizado pela Requerente não continha esse elemento. Por outro lado, como foi salientado pelos SIT, o descritivo dos mapas de suporte era sempre o mesmo: “Declaro ter recebido da Entidade Patronal o valor total do mês referente à utilização da minha viatura ao serviço da mesma Entidade”; - Deslocação “Algarve” e a justificação também “Avença C... / Direcção Obras”. A questão que se levanta é: que obras? Aquelas que são referidas nos artigos 107 e 108 do PPA? Ou outras? Da leitura dos referidos mapas de suporte, não há qualquer indicação do porquê da deslocação exclusiva ao Algarve. Todas as obras se situam no Algarve? Se sim, onde? Por outro lado, devido ao défice de informação decorrente dos mapas de suporte, os SIT no exercício dos princípios do inquisitório e da procura da verdade material, foram testar a razoabilidade dos quilómetros apresentados e sintetizados no mapa constante a fls 20 do RIT e 23/41 da Resposta da Requerida para os anos de 2018 e 2019, chegando à conclusão de que não havia razoabilidade quanto aos quilómetros apresentados para o período temporal analisado. Adicionalmente detetou-se a desconformidade de informação contida nos mapas e na contabilidade. A informação contida nos mapas não cruza com a informação contida na contabilidade para 1 mês de 2018 (junho) e 4 meses de 2019 (junho, julho, outubro e novembro), cfr. fls. 21 do RIT. Quer isto dizer que a fiabilidade que deveria existir na contabilidade e na informação de suporte à mesma (contabilidade) foi posta em causa. O mesmo tipo de considerações, que foram efetuadas para efeito dos quilómetros em carro próprio por parte do sócio-gerente, pode ser feito relativamente às ajudas de custo, tendo os SIT a fls. 24 e 25 do RIT concluído que em virtude da factualidade resultante da inspeção levada a cabo que

Face ao demonstrado, só se pode concluir, que os mapas de Km´s e ajudas de custo foram ficcionados pela empresa, para diminuição do Lucro Tributável e para retirada de fundos da empresa, e que deverão ser desconsiderados fiscalmente, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, propondo-se assim, a correção dos valores contabilizados nas contas 62284 (Km´s - ano 2018), 62514 (Km´s - ano 2019) e 6383 (ajudas de custo), no montante de € 58.752,80 (€ 45.500,00 + € 13.252,80) no ano 2018 e de € 61.995,50 (€ 49.000,00 + € 12.995,50) no ano 2019. “

posição que o tribunal acompanha. Assim, improcede o vício de violação de lei relativamente às liquidações adicionais de IRC relativamente às ajudas de custo e de quilómetros percorridos em viatura própria por parte do sócio-gerente com o fundamento em errónea interpretação e aplicação d al. h) do n.º1 do art. 23.º-A do CIRC assim como o não cumprimento do princípio do inquisitório e da procura da verdade material por parte da AT.  

 

Dos Gastos sem Suporte documental emitido na Forma Legal (2018-671,77 euros; 2019-25.338,59 euros)

 

18.  A Requerente entende que as correções efetuadas pela AT em consequência da falta de apresentação de documentos violam o princípio da verdade material e do inquisitório pelo facto dos SIT não terem realizado todas as diligências.

De acordo com a factualidade descrita pormenorizadamente no RIT a fls. 27 e 48, os SIT constataram que havia insuficiência documental relativamente a registos contabilísticos relevados como gastos do exercício. Assim, a AT ao abrigo dos princípios do inquisitório e da procura da verdade material a que está vinculada, efetuou as diligências que entendeu necessárias e em espírito de colaboração com a Requerente, por exemplo, efetuou a conferência conjunta com a sócia E... dos documentos de suporte entregue. Por outro lado, também em sede de audição prévia, também manifestando um espírito de colaboração que deve nortear as relações entre AT e Sujeitos Passivos, a AT concedeu à Requerente um prazo adicional de 10 (dez) dias, a pedido desta, para além dos 15 (quinze) dias inicialmente previstos, para que esta pudesse apresentar a prova documental solicitada previamente em sede inspetiva. A Requerente teve oportunidade de apresentar provas documentais no sentido de colmatar as insuficiências documentais detetadas pelos SIT, mas não fez. A Requerente tinha conhecimento detalhado do tipo de informação a prestar: data de movimento, número de documento interno e valor, e não o fez.

Tendo em conta, todo o material probatório carreado para os autos e o exposto anteriormente, é convicção deste tribunal que a Requerente não cumpriu com o previsto no n.º 2 do art. 123.º do CIRC onde se estabelece que

“2 — Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;”.

Assim, improcede as alegações por parte da Requerente de que as correções propostas pela AT nos montantes de (2018-671,77 euros; 2019-25.338,59 euros) com o fundamento de violação dos princípios da verdade material e do inquisitório devendo manter-se as liquidações adicionais em sede IRC na ordem jurídico-tributária, uma vez que não se apurou qualquer ilegalidade nas mesmas.

19. Embora no PPA, a Requerente não se tenha pronunciado sobre os pontos III - 3.2 Viagem à Dysneylândia Paris (2018-3.761,96 euros), ponto III - 3.4 – Outras despesas não relativas à atividade da empresa (2018-1.982,55 euros; 2019 – 365,63 euros), ponto III- 3.6 Valor contabilizado na conta 6824 - Descontos isentos (2019 – 1.665,50 euros) e ponto III 3.7 – Tributações Autónomas, cfr. quadro abaixo

 

Descrição

Ano 2018

Ano 2019

Valor €

Taxa

Correção €

Valor €

Taxa

Correção €

Despesas com viaturas

4.985,59

10%

498,56

7.880,27

10%

788,03

Despesas de representação

3.526,72

10%

352,67

1.052,46

10%

105,25

Correção Tributação Autónoma

 

 

851,23

 

 

893,28

 

o tribunal vai-se pronunciar sobre as correções constantes acima identificadas e que constam no RIT, uma vez que todas as liquidações adicionais em sede de IRC foram impugnadas pedindo a anulação das mesmas, cfr. art. 219.º do PPA. Ora, as liquidações impugnadas têm por base as correções constantes do PPA e as identificadas no ponto 19.

 

20. Tendo em conta a factualidade descrita no RIT com os fundamentos constantes do mesmo e respetiva prova recolhida, é convicção deste tribunal que se devem manter as correções constantes do RIT relativamente a 2018 e 2019 e as correspondentes liquidações adicionais[11] em sede de IRC e respetivos juros compensatórios. 

Assim tendo em conta o acima exposto, as liquidações adicionais de IRC e respetivos juros compensatórios são legais sendo improcedente o pedido de ilegalidade das mesmas por parte da Requerente.

 

 

 

IVA

21. A Requerente pronuncia-se no PPA no sentido de que as correções de IVA (2018 - 8.841,10 euros; 2019 - 4.882,50 euros) se traduzem na não aceitação do IVA deduzido relativamente aos gastos não aceites para efeitos de IRC relativamente a obras de construção civil, aquisição de mobiliário e artigos decorativos (ponto III-4.1 do RIT)  se fundamentam nos mesmos motivos de facto que estiveram na origem das correções de IRC por se considerar “não serem relativos a bens imóveis afectos à empresa”. Como este tribunal já se pronunciou, em sede de IRC, relativamente à improcedência quanto à dedutibilidade fiscal dos gastos relativos às obras de construção civil, aquisição de imobiliários e artigos decorativos, acompanhando a posição da AT, não pode deixar de acompanhar a AT quanto à não dedução do IVA suportado pela Requente quanto às obras de construção civil, aquisição de imobiliários e artigos decorativos, uma vez que não estão reunidos os pressupostos previstos na alínea a) n.º1 do art. 20.º do CIVA

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;  

 

quanto ao exercício do direito à dedução de IVA por parte da Requerente complementado com o previsto no n.º7 do art.19.º do CIVA

 

 

“Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma.”  

 

Embora no PPA a Requerente não se tenha pronunciado sobre a não dedutibilidade de IVA constante nos pontos III - 4.2 Outras despesas não relativas à atividade da empresa (2018: 330,64 euros; 86 euros; 48,08 euros; 2019: 54,78 euros; 57,61 euros), ponto III - 4.3 - IVA deduzido sem suporte documental emitido na forma legal (2018 - 138, 43 euros; 2019 - 370,50 euros), ponto III - 4.4 IVA deduzido com viaturas (2018 - 568,94 euros; 2019 - 1.086,18 euros) e ponto III 4.5 - IVA deduzido de despesas de refeições e alojamentos (2018 - 459,25 euros; 2019 - 123,41 euros) cfr. fls. 33 a 38 do RIT, o tribunal vai-se pronunciar sobre as correções constantes acima identificadas e que constam no RIT, uma vez que todas as liquidações adicionais em sede de IVA foram impugnadas pedindo a anulação das mesmas, cfr. art. 219.º do PPA. Ora, as liquidações impugnadas têm por base as correções constantes do PPA e as identificadas no ponto 21.

 

22. Tendo em conta a factualidade descrita no RIT com os fundamentos constantes do mesmo e respetiva prova recolhida, é convicção deste tribunal que se devem manter as correções constantes do RIT, relativamente a 2018 e 2019 e as correspondentes liquidações adicionais em sede de IVA e juros compensatórios.

Assim tendo em conta o acima exposto, as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios são legais sendo improcedente o pedido de ilegalidade das mesmas por parte da Requerente.

 

IRS

 

23. Ficou provado que a contabilidade não reflete verdadeiramente os movimentos financeiros da Requerente, conforme auditoria feita à área de Caixa e Depósitos à Ordem, como consta a fls. 39 e 40 do RIT. Por outro lado, ficou provado a existência de despesas do foro privado do sócio-gerente que foram suportadas pela Requerente, a título de exemplo, refira-se o que consta dos pontos III 3.2, 3.4 do RIT. Tendo em atenção a prova recolhida pelos SIT, é convicção deste tribunal que

(…) no caso em concreto estamos na presença de operações realizadas, pagamentos de despesas do foro pessoal e retiradas de verbas ficcionadas, a título de ajudas de custo e quilómetros, com recurso às disponibilidades da empresa, constituindo assim uma vantagem económica para o sócio-gerente, no caso, pecuniária, procedente diretamente de elementos patrimoniais do sujeito passivo, consubstanciada no recebimento desses montantes, qualificados assim como rendimento de capitais nos termos do n.º 1 e alínea h) do n.º 2, ambos do artigo 5.º do CIRS, tributável em sede de IRS pelo mecanismo da retenção na fonte.”

 

24. Assim, a AT efetuou as diligências necessárias e adequadas para provar que houve vantagens económicas auferidas pelo sócio-gerente, as quais são enquadráveis em rendimentos de capitais a título de adiantamento de lucros, sujeitos a uma taxa de retenção na fonte de 28%. Deste modo, é improcedente o pedido da Requerente quanto à ilegalidade das liquidações em sede de IRC, IVA e IRS por erro nos pressupostos de facto e violação de lei.

25. Em face do exposto acima, são improcedentes os vícios invocados pela Requerente, devendo manter-se na ordem jurídico - tributária as liquidações adicionais em sede de IRC, IVA e IRS e respetivos juros compensatórios, relativamente aos períodos de tributação de 2018 e 2019, não havendo qualquer ilegalidade das mesmas.

 

IV.5. Juros indemnizatórios

 

            26. No pedido arbitral peticionou ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios. Sucede que o direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º da LGT tem como antecedente lógico e necessário o pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido. Por conseguinte, ao não se terem julgado ilegais os actos contestados nos presentes autos, não se encontra preenchida a condição de ter ocorrido o pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que improcede o peticionado pela Requerente a este respeito.

 

IV.6. Indemnização pela prestação de garantia indevida

 

27. Não tendo sido determinada a ilegalidade das liquidações impugnadas, não poderia julgar-se a eventual garantia como indevida nem, em consequência, atribuir-se qualquer indemnização em função da prestação da mesma. De todo o modo, na verdade, a Requerente não logrou sequer provar a prestação de garantia nem quaisquer encargos incorridos com uma eventual prestação, pelo que, também por essa razão, improcede o pedido indemnizatório.

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de todos os pedidos; e
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo arbitral.

 

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 146.775,61.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 3.060,00 euros, a cargo da Requerente, conforme ao disposto no n.º 2 do art. 12.º, e n.º 4 do art.22.º, ambos do RJAT, e n.º 5 do art. 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

Lisboa, 28 de março de 2023.

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

Presidente

 

João Taborda da Gama

 

Júlio Tormenta

Relator



[1] PPA – Pedido de Pronúncia Arbitral

[2] CPTA-Código de Processo dos Tribunais Administrativos

[3] CPPT- Código de Procedimento e Processo Tributário

[4] PRIT – Projeto de Relatório de Inspeção Tributária

[5] RIT – Relatório de Inspeção Tributária

[6] Guia da Arbitragem Tributária Revisto e Atualizado, Coordenação: Nuno de Villa Lobos, Tânia Carvalhais Pereira, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária de Jorge Lopes de Sousa com Prefácio de Manuel Fernando dos Santos Serra, pgs. 137 – 138, 3ª edição, Revisto e Atualizado, Almedina, 2017, ISBN 978-972-40-7315-6.

[7] PA-Processo Administrativo

[8] O documento 25 anexo ao PPA diz respeito ao pagamento do montante de 25.176, 26 euros resultante da demonstração do acerto de contas e respetiva nota de cobrança relativa à liquidação adicional de IRC de 2018 no montante de 25.202,34 euros, havendo uma diferença de 26,09 euros.

[9] A propriedade das viaturas indicadas foi obtida pelos SIT junto do IMT – Instituto de Mobilidade e dos Transportes.

[10] Cfr., sobre o regime probatório das declarações de parte e na linha do exposto, v. g., os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 18-1-2018 (Proc nº 294/16) e da Relação de Lisboa, de 26-4-2017 (Proc nº 18.591/15).

[11] Relativamente ao ponto III - 3.2 Viagem à Disneylândia Paris (2018-3.761,96 euros) quer em sede de declaração de parte quer em sede de Alegações escritas, a Requerente reconheceu o lapso cometido atribuível a erro humano (ponto III – Outras Despesas).