SUMÁRIO:
1. Revogando a Requerida, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT o ato tributário de liquidação, dando satisfação parcial à pretensão que o Requerente formulara nestes autos, a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, afigura-se destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, tanto mais que o prosseguimento dos autos com vista à apreciação do pedido acessório com ele relacionado, alusivo ao direito a juros indemnizatórios, não ocorreu por vontade do Requerente.
2. Notificado o tribunal arbitral da revogação do ato, após constituição do tribunal arbitral, e não prosseguindo o processo por vontade do Requerente, ficam as custas a cargo da Requerida.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), com vista a anular o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2121..., referente ao período de tributação de 2017, que apurou um valor total a pagar de € 59.402,14 € (cinquenta e nove mil, quatrocentos e dois euros e catorze cêntimos).
O presente pedido de pronúncia arbitral tem ainda por objeto imediato a declaração de ilegalidade e correspondente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., deduzida contra a liquidação de IRS n.º 2121 ..., a qual teve a sua origem na reliquidação da declaração modelo 3 n.º ...-2017-...-..., entregue pelo Requerente, a 31-05-2018.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído, em 28-10-2022, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 31-10-2022.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
Em 16-12-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Síntese da posição das Partes:
1. Do Requerente
O Requerente pede a anulação da liquidação adicional de IRS, em análise, invocando erro da AT quanto aos pressupostos de facto e de direito, invocando, em suma, o seguinte:
De acordo com o que foi transmitido em sede de audição prévia, «(...) à data da aquisição do imóvel, este não se encontrava em condições para ser habitado.
(…) Sendo que resulta do projeto de reabilitação que o imóvel se encontrava em "fim do ciclo de vida", por ter mais de 70 anos, e que padecia de "desconformidade funcional" e "insalubridade geral e mau estado estrutural".
Deste modo, seria inviável que o Requerente passasse a residir no imóvel, quer de imediato, quer antes do término do prazo de 12 meses.
Mais ainda, por força de deferimento de alteração da data de produção de efeitos da alteração de morada, considerou a AT, com efeitos retroativos, que o Requerente tem como morada de residência a do imóvel alvo de reinvestimento, com efeitos desde 31-08-2017.
Como tal, erra a AT nos pressupostos de facto que sustentam a aplicação do direito. Uma vez que o Requerente, por força do deferimento do requerimento referido supra, tem morada de residência no imóvel alvo de reinvestimento desde 31-08-2017.
O que significa que o Requerente afetou o imóvel à sua habitação própria e permanente dentro do prazo de 12 meses após a aquisição do mesmo.
Pelo exposto, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como a liquidação de IRS aqui em crise padecem de erro sob os pressupostos de facto, o qual deve ser declarado e importa a anulação dos referidos atos aqui impugnados.
(...)
Entendeu a AT que estavam verificados os pressupostos para a aplicação do artigo 10.º, n.º 6, do Código do IRS, devido ao facto de o sujeito passivo não ter afetado o imóvel alvo de reinvestimento a habitação própria e permanente nos 12 meses posteriores à sua aquisição.
Erra aqui a AT na aplicação dos pressupostos de direito, pois foi declarado, com efeitos retroativos, que o imóvel alvo de reinvestimento é o domicílio fiscal do Requerente desde 31-08-2017.
Tal significa que, para todos os efeitos, o imóvel foi afeto à habitação própria e permanente do ora Requerente dentro dos 12 meses posteriores à aquisição do imóvel.
Logo, não pode a AT aplicar o disposto no artigo 10.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS.
E não pode impedir a justa exclusão de tributação de mais-valias decorrente do regime previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.
Em face do supra exposto, é manifesto que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, o ato de liquidação de IRS, devem ser anulados, porquanto padecem de vício de violação de lei, nomeadamente por violação do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS».
Invoca, ainda a Requerente, a violação dos princípios que regem a conduta da administração tributária.
Mais, peticiona, a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
2. Da Requerida
Segundo a Requerida, findos os três anos previstos na lei para o reinvestimento, os quais terminaram em 2020, e cuja entrega da respetiva modelo 3 terminou em 2021, sem que o Requerente tivesse declarado o seu reinvestimento, foi oficiosamente emitida uma nova liquidação de imposto referente a IRS de 2017, tributando a mais valia obtida, tendo por base, a declaração modelo 3 ...-2017-...-..., entregue pelo Requerente a 31/05/2018, a qual é assim reliquidada.
De acordo com a Requerida, «sucede que esta reliquidação de IRS para 2017, se deve a erro do contribuinte no preenchimento da respectiva declaração modelo 3, pois conforme se pode verificar pela análise à mesma, não é referido no anexo G que o reinvestimento tivera lugar nesse mesmo ano de 2017, através do preenchimento do campo 5007 do quadro 05, uma vez que o imóvel foi alienado a 20-03-2017, e o reinvestimento ocorreu a 17-03-2017 (o campo 5007 destina-se a declarar o reinvestimento no próprio ano mas depois da alienação)».
Deste modo, entende a Requerida que não existe qualquer erro imputável à AT para efeitos do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, uma vez que a reliquidação do imposto se deveu a erro de preenchimento da declaração modelo 3 imputável ao Requerente.
E repete a informação prestada no âmbito da reclamação graciosa e que serviu de fundamento ao seu indeferimento, conforme se transcreve: «No presente caso, a pretensão do reclamante é ver aceite na totalidade o reinvestimento da mais valia apurada pela alienação de imóvel de habitação própria e permanente em outra habitação com o mesmo destino. De acordo com os factos apurados, é de referir o seguinte:
V.5.1- De acordo com os pontos IV.4.2 e IV.4.3 (Factos apurados), estamos perante um valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação (imóvel objeto de reinvestimento adquirido em 2017/03/17 e a alienação do imóvel de HPP ocorreu em 2017/03/20). Neste sentido, na declaração de rendimentos Modelo 3, deve figurar no campo 5007 do quadro 5.A, o valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação (sem recurso ao crédito). V.5.2- Considerando o ponto IV.3 (Factos apurados), e a redação dada pela alínea a) do n.º 6 do art.º 10.º do CIRS, o imóvel objeto de reinvestimento, foi afeto à habitação própria e permanente do reclamante depois de decorridos doze meses após o reinvestimento, pois de acordo com o Sistema de Gestão do Registo dos Contribuintes-SGRC, com data de produção de efeitos a 2019/09/23, a Rua ..., ..., freguesia de ..., ...-... LISBOA (artigo ...), passou a ser a residência fiscal do contribuinte. Da análise à declaração de rendimentos do ano de 2017 (n.º ...-2017-...-...), constata-se no âmbito do reinvestimento (quadro 5A), não foi indicada a identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento. Em suma, pelo facto da afetação do imóvel objeto de reinvestimento à habitação própria e permanente do reclamante ou do seu agregado familiar, ter ocorrido fora do prazo estipulado na alínea a) do n.º 6 do art.º 10.º do CIRS, fica afastado o benefício exclusão da tributação da mais-valia. Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1, do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios».
Concluindo a Requerida que, a decisão da reclamação graciosa, face aos dados existentes ao tempo da sua prolação, não merece qualquer crítica.
E que de todo o modo, a revisão do ato tributário não se efetuou mais de um ano após o pedido do Requerente uma vez que, em face da produção de efeitos retroativos da alteração do domicílio fiscal, a Requerida por despacho de 31-12-2022 (antes de decorrido um ano sobre a entrega da reclamação graciosa), revogou a liquidação controvertida.
***
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular, foi constituído em 03-01-2023, notificando-se ambas as partes, na mesma data.
Em 04-01-2023, a AT veio ao abrigo do artigo 13.º do RJAT informar o tribunal arbitral que o ato de liquidação impugnado foi anulado, por despacho de 31-12-2022, dando ainda nota de ter diligenciado pela notificação do Requerente, no mesmo sentido.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, o tribunal arbitral notificou, em 09-01-2023, o dirigente máximo da Administração Tributária para no prazo de 30 dias apresentar resposta, acrescentando que deveria ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo, dentro do mesmo prazo, de onde constasse, designadamente, documentação alusiva à notificação do despacho de revogação do ato proferido, em 31-12-2022.
Em aplicação do princípio do contraditório previsto no artigo 16.º, do RJAT, e face à anulação do ato de liquidação, proferida, em 31-12-2022, notificada a este Tribunal, em 04-01-2023, o tribunal arbitral convidou o Requerente, em 22-02-2023, a pronunciar- -se relativamente ao prosseguimento, ou não, dos presentes autos, vindo o Requerente a responder que em face da anulação da liquidação, não pretendia a prossecução dos autos.
Em 08-03-2023, foram notificadas as partes do despacho de 07-03-2023, proferido pelo tribunal arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, tal como a produção de alegações a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, considerando que o Requerente veio informar não pretender a prossecução dos presentes autos em face da anulação da liquidação em crise.
No mesmo despacho o tribunal arbitral estimava ainda que, a prolação de decisão arbitral ocorresse dentro do prazo máximo previsto no n.º 1, do artigo 21.º, do RJAT, convidando o Requerente, a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, no prazo de 7 dias.
II. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo é o próprio, e não enferma de nulidades.
Suscitando-se a inutilidade superveniente da lide, será esta apreciada previamente, com vista a saber se ocorre a referida exceção.
III. MATÉRIA DE FACTO
1. Factos provados:
Em 12-04-2011, o Requerente adquiriu, através escritura de compra e venda, prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., sito no ..., Rua ..., Lisboa, com destino a habitação própria e permanente, pelo montante de 450.000,00 €, conforme documento que se junta e dá por reproduzido.
Em 20-03-2017, o Requerente alienou o supra referido imóvel, pelo montante de € 700.000,00.
Em 17-03-2017, o Requerente adquiriu, através de escritura de compra e venda, o prédio urbano inscrito na matriz predial da respetiva freguesia sob o artigo ..., sito em..., Rua..., nº... e..., pelo montante de € 1.050.000,00, com destino a habitação própria e permanente.
Sendo que, na aquisição deste imóvel, foi contratualizado um empréstimo no montante de € 350.000,00, sendo devedor o Requerente.
Em 31-05-2018, o Requerente submeteu a declaração de Rendimentos Modelo 3 do exercício de 2017, com o nº ...-...-..., incluindo o anexo G.
Na declaração, foi declarada a alienação do imóvel com o artigo ..., com os valores supra indicados.
Em sede de reinvestimento, foi declarada a intenção de reinvestimento com o valor de € 338.760,40 a imputar como valor em dívida do empréstimo à data da alienação do imóvel (campo 5005), e o montante de € 700.000,00 imputado como sendo o valor de realização que pretendia reinvestir sem recurso ao crédito (campo 5006).
A declaração de rendimentos Modelo 3 em causa deu origem à liquidação n.º 2018..., no montante de € 2.009,94, a reembolsar ao Requerente.
Em 10-11-2021, a declaração de rendimentos Modelo 3, de 2017, em causa, foi objeto de correção por parte da Autoridade Tributária, tendo dado origem à liquidação n.º 2021..., com o montante a pagar de € 57.392,20.
Considerando que o Requerente havia sido reembolsado, na sequência da primeira liquidação, do montante de € 2.009,94, esta nova liquidação deu origem ao acerto de contas n.º 2021..., da qual consta o montante a pagar de € 59.402,14.
De acordo com a informação constante do Sistema de Gestão do Registo dos Contribuintes – SGRC, apenas a partir de 23-09-2019, é que o imóvel adquirido, sito na Rua ..., passou a ser a residência fiscal do ora Requerente.
O sujeito passivo apresentou a sua reclamação graciosa por requerimento, entregue a 07-02-2022.
Na reclamação, foi requerida a anulação da liquidação, tendo sido invocado o reinvestimento da totalidade do valor de realização obtido com a alienação do imóvel inscrito sob o artigo 1554.
A reclamação graciosa foi instaurada sob n.º ...2022... .
A Autoridade Tributária notificou o Requerente do projeto de decisão da reclamação graciosa, afirmando que o imóvel não foi afeto a habitação própria e permanente do ora Requerente nos 12 meses posteriores à sua aquisição, conforme documento que se junta e dá por reproduzido.
Em sede de audição prévia, o Requerente afirmou que a afetação do imóvel a habitação própria e permanente não ocorreu dentro do prazo legal, pois o imóvel não se encontrava em condições de ser habitado.
Foi afirmado que o imóvel, de acordo com alvará (que se protesta juntar), estava a sofrer obras, por força das más condições em que este se encontrava.
Por fim, foi indicado pelo Requerente que iria ser apresentado requerimento de alteração cadastral de morada com efeitos retroativos.
No âmbito da reclamação graciosa, foi proferido despacho em 22-07-2022 (por subdelegação de competências) pela Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, a indeferir a sua pretensão.
Com fundamento de que não constava demonstrada a afetação do imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente no prazo de 12 meses após a aquisição, uma vez que a alteração de domicílio fiscal para a nova morada, apenas ocorreu a 23-09-2019.
O Requerente apresentou em 01-09-2022 junto de Serviço de Finanças de Lisboa ... Modelo B (pedido de alteração de data de produção de efeitos da alteração de morada).
Com data de 14-09-2022, foi conferida eficácia retroativa à alteração de morada efetuada pelo contribuinte, passando aquela a produzir efeitos, desde 31-08-2017.
A AT anulou a liquidação controvertida por despacho de 31-12-2022 da Ex.ma Senhora Subdiretora Geral para a Área da Gestão Tributária – IR, não reconhecendo contudo o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
2. Factos não provados:
No caso de revogação do ato impugnado, deverá a AT notificar o contribuinte para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo a instância se este nada disser ou se vier declarar que pretende mantê-la (artigos 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e 13.º, n.º 2, do RJAT).
Recordamos que face ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, o tribunal arbitral notificou, em 09-01-2023, o dirigente máximo da Administração Tributária para no prazo de 30 dias apresentar resposta, acrescentando que deveria ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo, dentro do mesmo prazo, de onde constasse, designadamente, documentação alusiva à notificação do despacho de revogação do ato proferido, em 31-12-2022.
Assim, e não obstante expressamente solicitado através de despacho arbitral supra referido, nenhuma informação atinente àquela documentação acompanhou o PA remetido, em 13-02-2023, nem foi remetida ao tribunal arbitral posteriormente, não resultando provado nos autos a notificação por parte da AT do despacho de revogação do ato proferido, em 31-12-2022, ao Requerente.
Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.
IV. DO DIREITO
1. A questão a decidir:
Por parte da Requerida foi expresso o entendimento de que se verifica a inutilidade superveniente da lide, no caso em apreço «em face da inexistência do acto tributário impugnado».
O Requerente pedia, ainda, a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
A questão a decidir previamente é, pois, a da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Cumpre apreciar e decidir.
2. A Impossibilidade/Inutilidade da Lide:
Dispõe o artigo 277.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), que são causas de extinção da instância:
a) O julgamento;
b) O compromisso arbitral;
c) A deserção;
d) A desistência, confissão ou transação;
e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide
Nos termos do disposto na alínea e), do artigo 277.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, por conseguinte, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. Se o objeto da lide deixou de existir, a instância deve ser extinta.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
Segundo Lebre de Freitas, «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” — Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 633. No mesmo sentido, “Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381».
Como é sabido, «A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria do CAAD, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral (artigo 259.º, n.º 1, do CPC, adaptado ao processo arbitral)» (Cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª Edição, pág. 155).
De acordo com os factos concretos em análise, não estamos apenas perante a inutilidade superveniente da lide, mas também face a uma impossibilidade da própria lide. Com efeito, a anulação do ato tributário, cuja legalidade constituía o objeto mediato do processo, torna esta lide impossível de prosseguir.
À data da constituição do tribunal arbitral, em 03-01-2023, a lide já se revelava impossível porquanto o ato tributário tinha sido revogado previamente, em 31-12-2022, tendo-se eliminado os seus efeitos da ordem jurídica (cfr. o artigo 171.º, n.º 3, do CPA).
De outra perspetiva, a anulação do ato de liquidação controvertida do imposto, proveio de um ato da AT, praticado em 31-12-2022, na pendência da presente instância – e notificado ao tribunal arbitral, em 04-01-2023, após a constituição do mesmo, como vimos, em 03-01-2023 – , o qual determinou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação.
A impossibilidade e/ou inutilidade da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Contudo, acompanhamos o douto acórdão do CAAD referente ao processo 119/2021-T, de 5 de agosto de 20121, quando conclui que, «A revogação do ato tributário que é objeto de pronuncia arbitral apenas constitui inutilidade superveniente da lide quanto ao mesmo, podendo os autos prosseguir para apreciação dos pedidos acessório com ele relacionados, como seja, o direito aos juros indemnizatórios».
In casu, porém, notificado pelo tribunal arbitral o contribuinte, em 22-02-2023, para se pronunciar relativamente ao prosseguimento, ou não, do presente processo, veio o Requerente a responder que em face da anulação da liquidação, não pretendia a prossecução dos autos, extinguindo-se o seu interesse.
V. DAS CUSTAS
Colocada a questão das Custas, atendamos ao disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT:
Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (fora das situações expressas no n.º 2 da mencionada norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável à Requerida, caso em que é esta a responsável pela totalidade das custas.
Como vimos já, no caso de revogação do ato impugnado, deverá a AT notificar o contribuinte para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo a instância se este nada disser ou se vier declarar que pretende mantê-la (artigos 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e 13.º, n.º 2, do RJAT).
Ora, não resultou provado, como vimos, a notificação por parte da AT do despacho de anulação do ato proferido, em 31-12-2022, ao Requerente, afigurando-se impraticável face ao calendário que, mesmo que a notificação tivesse ocorrido, em tão curto espaço temporal o Requerente se pudesse manifestar nos autos a tempo de evitar a constituição do tribunal arbitral, em 03-01-2023.
Vindo, contudo, a pronunciar-se negativamente quanto ao prosseguimento do processo, quando notificado pelo tribunal arbitral, em 22-02-2023.
Por seu turno, ficou claro que anulação do ato de liquidação controvertida do imposto, proveio de um ato da AT, praticado na pendência da presente instância –, e notificado ao tribunal arbitral após a constituição do mesmo.
Por tudo o que vem exposto, as custas deste processo devem ser imputáveis à Requerida.
VI. DECISÃO
a. Termos em que o presente Tribunal Arbitral declara verificada a causa de extinção da instância arbitral, prevista no artigo 277.º, alínea e), do CPC, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
b. De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 59.402,14 (cinquenta e nove mil, quatrocentos e dois euros e catorze cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada.
c. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas, em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis à Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de março de 2023
A Árbitra
/Alexandra Iglésias/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.