Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 592/2022-T
Data da decisão: 2023-03-31  IRS  
Valor do pedido: € 15.390,34
Tema: IRS – Tributação conjunta; Regime de comunicabilidade das perdas entre cônjuges.
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SUMÁRIO:

 

I - O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, a comunicabilidade horizontal mitigada. 

II – Instituindo-se um regime regra de tributação separada, o CIRS prevê a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo, não se comunicando perdas horizontalmente. 

IIII - O resultado negativo apurado em sede de rendimentos resultantes da alienação de valores mobiliários por um dos cônjuges não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO:

 

1.     A..., contribuinte fiscal n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º..., residentes na Rua ..., n.º..., no Porto, apresentaram, em 6.10.2022, 17:42 horas, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o regime previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) e considerando a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à sua jurisdição por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira. 

2.     No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.

3.     Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

4.     Em 30.11.2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

5.     Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20.12.2022 para apreciar e decidir o objecto do processo.

6.     Em 24.1.2023, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação, refutando os vícios imputados pelos Requerentes à liquidação de IRS, de 2021, n.º 2022..., que se cifrava em 15.390,34 € (por via da aplicação da taxa especial de tributação autónoma de 28%) e ora colocada em crise.

7.     A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021 e que totaliza o montante de 15.390,34 € por violação de lei e por inconstitucionalidade, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 55º do CIRS quando interpretado nos termos em que a AT o faz por violação dos princípios constitucionais da Consideração Fiscal da Família e da Segurança Jurídica e ainda por verificação da excepção do caso julgado; ii) Em consequência da eventual anulação da liquidação do IRS de 2021 na parte respeitante à tributação autónoma dos rendimentos de mais-valias seja substituída tal liquidação por outra que considere, conjuntamente, o saldo de mais e menos-valias mobiliárias realizadas pelos impugnantes em termos do que resulte o reembolso do imposto pago pelos sujeitos passivos, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos. 

8.     Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações do Requerente:

 

A)   No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começam os Requerentes por aduzir no sentido de que foram A. “(...) no Processo que correu os seus termos no CAAD sob o n.º 739/2016-T, e que foi decidido através de decisão arbitral de 21 de Novembro de 2017, anulando a liquidação de IRS de 2015, cumprindo, desde já evidenciar que o objecto da presente impugnação - a anulação da liquidação de IRS de 2021 -, apresenta uma identidade de conteúdo factual e de direito, que o Tribunal Arbitral considerará e apreciará.”

B)   Prosseguem dizendo que “[N]o essencial, os factos relevantes referem-se à obtenção, em 2021, de um saldo anual de mais-valias realizadas por um dos SP (o SP.A) e a obtenção de um saldo anual de menos-valias realizadas pelo outro SP (o SP.B) - no âmbito do exercício pela opção legalmente conferida de tributação conjunta do casal, in casu, por opção dos SP que se encontram em situação de união-de-facto, tendo o acto de liquidação de IRS de 2021 desconsiderado a tributação conjunta das mencionadas mais-valias, i.e., tendo desconsiderado o resultado da diferença entre as mais e as menos-valias de dois SP, sendo liquidado imposto no valor de 15.390,34€, por aplicação da taxa de tributação especial de 28% às mais-valias realizadas pelo SP.A, desconsiderando as menos-valias realizadas pelo SP.B.”

C)   E não se detendo aduzem os Requerentes como segue: “[S]em prejuízo de o ordenamento jurídico nacional não consagrar o princípio ou regra do precedente das decisões judiciais, desde a decisão proferida no processo que anulou a liquidação de IRS de 2015, os SP conformaram o desenvolvimento da sua vida no que se refere à realização de actos e operações relevantes para efeitos da tributação de mais-valias mobiliárias no IRS, confiando na realização e declaração do Direito nos termos da decisão que julgou ilegal a liquidação de IRS de 2015, tendo constituído forte surpresa e sensação de incerteza, insegurança, a notificação da liquidação de IRS de 2021, dado que a factualidade relativa às mais e menos valias imobiliárias é a mesma e é o mesmo o direito aplicável.

D)   Aduzindo ainda no ponto 39. do PPA no sentido de que Preliminarmente, e independentemente da consagração constitucional da tutela da tributação da família, em particular no âmbito do imposto sobre o rendimento, cumpre repetir o que foi já declarado: desde a decisão proferida no Processo n.º 739/2016-T, os SP, aqui Requerentes, têm conformado a sua vida, no que releva para efeito de IRS, de acordo com o Direito interpretado e aplicado do mencionado processo, não se concebendo que, mantendo-se vigente as mesmas normas jurídicas, não tendo havido qualquer alteração por parte do legislador ou prolação de qualquer acórdão com força de uniformização de jurisprudência, sejam as regras de tributação das mais e menos-valias mobiliárias realizadas pelos SP no ano de 2021 objecto de interpretação e aplicação em sentido diverso, inverso.

E)   Intuindo-se daqui que para os A. a decisão prolatada em 21.11.2017, no Processo Arbitral n.º 739/2016-T, deveria simplesmente ser decalcada nos presentes autos, levando, ipso facto, o Tribunal Arbitral Singular a julgar procedentes as pretensões daqueles.

F)    Mais: mesmo não o tendo feito no PPA, em sede de alegações finais, suscitam, partindo da especificidade decorrente do que dizem ser uma repetição do julgamento, a questão da excepção do caso julgado. 

G)   Advogando os A. que a aludida repetição “ (...) decorre de a presente acção se tratar de uma acção idêntica à do dito processo, n.º 739/2016-T, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao pedido e à causa de pedir, portanto, subsumindo na previsão dos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil (ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e n.º 1 do artigo 97.º da LGT).

H)   E ainda: “[O]ra, do trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.º 739/2016-T, decorre o caso julgado da decisão proferida nesse processo, “que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu” - cfr. ponto V) do sumário do Acórdão do TRL de 24-03-2022 (Proc. N.º 7960/14.2T8LSB-A.L1-2), que aqui se invoca e cita, não pela sua posição inovadora, mas pela sua actualidade (...).

I)     Adequado se mostrando repristinar aqui a síntese conclusiva enunciada a fls. 28 a 30 do PPA, nos pontos I) a IV) e onde se refere: “(...) I) Através da liquidação aqui impugnada, que desconsiderou a tributação conjunta das mais e menos-valias mobiliárias realizadas pelos SP-IMPUGNANTES, com fundamento no disposto no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS na redacção dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira não interpretou correctamente a mencionada norma, desconsiderando o estabelecido nas normas de incidência pessoal, em particular no n.º 2 do artigo 13.º do Código do IRS, que estabelece a opção pela tributação conjunta do rendimento do casal (tributação conjunta que, repete-se, foi imperativa para os “casados” desde 1989 a 2014), de onde decorrem, necessariamente efeitos para determinação do rendimento tributável do casal, incluindo a consideração da família como uma “unidade tributária, a consideração de um único rendimento líquido global (sem prejuízo das excepções ao englobamento previstas no n.º 3 do artigo 22.º do mesmo Código do IRS), que constitui a base de um único rendimento colectável sobre que incide a operação de liquidação do imposto em sentido estrito, i.e. do apuramento do montante da obrigação solidária de imposto do casal; II) Sem conceder, para lá do plano legal, há violação da “Constituição Fiscal” se aceitar os fundamentos da mencionada interpretação e aplicação pela AT da norma contida no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS, na medida em que daí retira como tratamento a dar às perdas de cada membro do casal é o reporte de perdas por cada titular, desconsiderando a comunicabilidade ou consolidação de um saldo único de mais/menos-valias no regime da tributação conjunta, viola a o Princípio da Consideração ou Protecção Fiscal da Família, decorrente da alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º, e do n.º do artigo 104.º da CRP, na medida em que esvazia o núcleo essencial do princípio constitucional da consideração ou protecção fiscal da família, na medida em que a evolução da concreta situação patrimonial da família dirigida pelos SP-IMPUGNANTES no que se refere aos investimentos em causa, nos termos acima descritos, evoluiu desfavoravelmente, tendo no ano de 2021 gerado menos-valias mobiliária de cerca de 15.000,00€, e não uma mais-valias de cerca de 55.000,00€ geradora de mais de 15.000,00€ de imposto que foi liquidado pela AT. III) Acresce a violação da Constituição quanto ao Princípio da Segurança Jurídica, seja por, mais do que revogar uma solução fiscal favorável, aprovar uma solução inaceitavelmente desfavorável no âmbito a tributação a família, agravado no presente caso por os SP, aqui impugnantes, terem tido provimento do seu pedido de anulação da liquidação de IRS de 2015 em que a AT, perante análoga situação de tributação de mais e menos-valias mobiliárias, se estribou nos mesmos fundamentados que agora vieram a ser repetidos na liquidação de IRS de 2021, surpreendendo de modo brutal os SP, os quais acreditaram numa unidade de sentido do ordenamento jurídico como um todo que lhes permitiria conformar a sua vida de acordo com a interpretação, declaração e aplicação, então feita, por quem legitimamente exercer a função de julgar, controlando a conformidade legal dos termos da actuação de quem exerce a função de administrar, no caso concreto, pela decisão arbitral proferida no Processo n.º 739/2016-T que anulou a liquidação realizada pela AT de IRS de 2015, a qual vem contrariar com a liquidação de IRS de 2021, que aqui se impugna – a manutenção dessa liquidação resulta numa situação absolutamente inaceitável de violação da segurança jurídica. Sem conceder, IV) É inconstitucional a interpretação realizada pela AT, subjacente à liquidação aqui impugnada, do disposto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, de o regime de reporte de perdas consagrado pela mesma lei no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS, no que se refere ao reporte de perdas por cada titular de rendimentos no caso de tributação conjunta, se aplicar às menos-valias realizadas a partir de 1.1.2015, com a alienação onerosa de valores mobiliários adquiridos pelo SP.B em 2013, na medida em que faz aplicar de modo abrupto, instantâneo, o dito regime de “reporte individual”, revogando o regime de comunicabilidade das perdas entre o casal que vigorou desde 1.1.1989 até 31.12.2014 – inconstitucionalidade que decorre da violação dos Princípios da Segurança Jurídica (artigo 2.º da CRP), seja enquanto proibição da livre revogabilidade de normas fiscais favoráveis seja do autonomizado Princípio da Proibição da Lei Fiscal Retroactiva desfavorável (artigo 103.º, n.º 3, da CRP), violando, de modo directo e ostensivo, a segurança jurídica dos contribuintes, in casu, de uma família que conformou as suas decisões de investimento e desinvestimento durante alguns anos com base no regime desde sempre em vigor e que lhes permitia gerir os seus interesses patrimoniais de acordo com um princípio de estabilidade desse mesmo regime ou, pelo menos, de não serem abruptamente surpreendidos com rupturas legislativas.”

J)    Em 2.3.2023, o Requerente apresentou alegações escritas e, de novo, levantou a questão da verificação da já referida excepção do caso julgado.

K)   O Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios legalmente aplicáveis, a apurar à taxa legal.

9.     A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

A)   Na Resposta começa a Requerida por trazer à colação a circunstância de, não obstante haver sido prolatada a decisão arbitral no Processo 739/2019-T de procedência das pretensões dos aqui Requerentes, terem também sido proferidas pelo CAAD decisões distintas e em sentido oposto (de improcedência), como seja a proferida no Processo n.º 789/2021-T que transcrevem abundantemente.

B)   Da aludida transcrição retira a Requerida que  actuação da AT na formação do acto de liquidação é totalmente regular e conforme à lei, assim como o é, aduzem, à Constituição da República.

C)   Dizendo a Requerida ter actuado no estrito cumprimento do princípio da legalidade a que se mostra vinculada.

D)   Sustentando-se que à Administração é totalmente vedado optar pela desaplicação de uma norma, o que a ocorrer será necessariamente precedido “(...) de declaração de ilegalidade (por vícios no seu procedimento de aprovação), nos termos do n.º 1 do art.º 72.º do CPTA, ou de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral proferida pelo tribunal Constitucional, nos termos do art.º 281.º da CRP.

E)   Isto dito, defende a Requerida que é quanto basta para ser julgado totalmente improcedente o pedido dos A.. Ainda assim prosseguem a sua argumentação como segue: “(...) 16º - Sem olvidar que esta não é a sede para se discutirem opções legislativas, que é na verdade o cerne da fundamentação dos R. sempre se dirá que, 17º - Não decorre dos argumentos aduzidos - que se percebem na exacta medida em que espelham o desagrado dos R. por este aspecto concreto do Orçamento de Estado para 2015, que lhes é aplicado como o é a todos os demais contribuintes na mesma situação - em que medida a liquidação de IRS em apreço viola o princípio ínsito no nº 1 do art.º 104º da CRP, porquanto o que ali se preconiza é “a diminuição das desigualdades” determinando que o imposto “será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.”, 18º - Ou o principio constante da alínea f), do nº 2, do art.º 67º da CRP, que assim versa “Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.” 19º - Posto que, a aplicação do art.º 55º do CIRS ao caso dos autos, em nada contende com os supra referidos princípios constitucionais. 20º - O mesmo se dizendo quanto ao Principio da Segurança Jurídica, na vertente indiciada pelos R. 21º - É que, não se compreende como é que uma disposição que assim determina: “O artigo 55.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, apenas é aplicável a perdas verificadas depois de 1 de janeiro de 2015.” 22º - E que visa, portanto, efeitos para o futuro 23º - Pode contender com o nº 3 do art.º 103º da CRP: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” 24º - Pois que, pese embora o raciocínio exposto pelos requerentes, e pese embora os requerentes tenham deixado de beneficiar do regime de reporte de perdas anterior, tal circunstância não se traduz na aplicação de algum imposto com aplicação retroactiva, ou cuja criação e cobrança haja sido feita à margem da lei. 25º -  O caso dos autos, como outros, e como seja, por exemplo, o da revogação de isenções ou benefícios fiscais constitui, como bem reconhecem a final os R., não mais do que uma decisão legislativa, que por contendendo com os interesses fiscais dos contribuintes, constituem sempre rupturas com o status anterior. 26º - Mas que não pode, nem constitui, violação da Tutela da Confiança, nem da Segurança Jurídica, nem da Protecção da Confiança dos Cidadãos. 27º - A situação com que os R. se confrontam resulta não mais do que de uma evolução legislativa fiscal. 28º - A entender-se como o fazem os A., estaria o Estado impedido de legislar, de conformar o sistema fiscal, e de o fazer, sim, em benefício dos princípios constitucionais da igualdade e da prossecução do interesse público, que sempre devem prevalecer sobre os interesses dos R. 29º - Com efeito, com a reforma da tributação das pessoas singulares, concretizada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 01/01/2015, passou a prever-se que, relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos termos do estabelecido nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS. 30º - O artigo 55.º do Código do IRS, sob a epígrafe “dedução de perdas”, começa justamente por enunciar o princípio de que, relativamente a cada titular, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, regulando-se depois nas várias alíneas do n.º 1 daquele normativo os termos em que pode ser efetuado o reporte de perdas para os anos seguintes. 31º - Ora, no que concerne aos rendimentos qualificados como mais-valias, o resultado líquido é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, de acordo com as regras de determinação previstas nos artigos 43.º e ss. do Código do IRS, pelo que a dedução de perdas do próprio ano faz-se na própria operação de apuramento do resultado liquido, ao considerar como rendimento a tributar o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias, ou seja, o “resultado liquido” já engloba as perdas desse ano. 32º - E determinando o legislador que o resultado líquido negativo apurado numa categoria só possa ser dedutível aos resultados líquidos positivos da mesma categoria, relativamente a cada titular, decorre deste princípio que o apuramento do resultado líquido se faça por referência a cada titular dos bens geradores de rendimentos dessa categoria. 33º - Se dúvidas houvesse quanto à interpretação dada ao n.º 1 do artigo 55.º do CIRS, estas seriam dissipadas pela consideração do espírito do legislador que esteve subjacente à alteração legislativa deste normativo – bem elucidada na supra citada decisão arbitral. 34º - A redação do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS resulta inequívoca da proposta de alteração legislativa apresentada pela comissão para a reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, podendo extrair-se do projeto da reforma apresentado a ratio legis daquela proposta de alteração legislativa: “5. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS, (…) 5.3. No âmbito das questões associadas à família,(…) 5.3.4 Comunicabilidade de perdas entre cônjuges O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe também que de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta.” 35º - Donde a imputação à AT de violação da Legalidade e da Boa-Fé, só pode ter-se por mero lapso de leitura da letra da lei, e de entendimento da sua ratio, inequivocamente explicada na proposta de lei. 36º - Coligindo, e retomando quanto supra se disse, o acto de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade, porquanto se mostra conforme ao direito positivo, a cuja aplicação estrita a administração se mostra vinculada, dele não resulta qualquer esvaziamento do princípio da tributação conjunta, nem dos princípios constitucionais. 37º - Devendo, em conformidade, ser mantido na ordem jurídica."

F)    Peticionando seja declarada a incompetência material do tribunal para proferir declaração de ilegalidade da norma constante do n.º 1 do art.º 55.º do CIRS na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro e a improcedência do PPA quanto ao pedido consubstanciado na anulação da liquidação sindicada, devendo manter-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado de IRS de 2021, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

G)   Em 3.3.2023, a Requerida apresentou alegações escritas, remetendo ali, basicamente, para a hermenêutica sustentada na Resposta e vinda de explicitar, mas não deixando de aduzir como segue: Sublinhando adicionalmente que a original invocação dos A, da “excepção do caso julgado, a qual se deve considerar aplicável no presente processo considerando que este se trata de uma repetição de julgamento” configura não só um manifesto erro na interpretação do direito como, até, um abuso das formas processuais.”

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

10.  thema decidendum reporta-se à questão da impossibilidade de comunicabilidade das perdas apuradas entre cônjuges que integrem o mesmo agregado familiar mesmo nos casos de tributação autónoma, ou seja, à questão de saber se o valor que está na notificação da demonstração da liquidação sindicada, n.º 2022..., concretamente na linha 17 reportada a “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, na quantia de 15.390,34 €, está enfermado de errónea quantificação, na medida em que os montantes apontados no Quadro 9 do Anexo G da declaração modelo 3 do IRS, ascenderam a 563.893,49 € e a 570.446,40 €, a título, respectivamente, de valores de realização e aquisição, explicitando-se ali ainda despesas e encargos de 983,20 €, resultando daí uma menos-valia (e já não uma mais-valia) do agregado familiar de 7.536,11 € e donde resultará tributação autónoma nula (daí a errónea quantificação) que claramente difere da que está na liquidação junta ao PA, a fls. 45/49, de 15.390,34 €, resultando IRS a pagar de 7.832,90 €; e ainda à questão de saber se aquela liquidação enferma de violação de lei por inconstitucionalidade, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 55º do CIRS quando interpretado nos termos em que a AT o faz, por violação dos princípios constitucionais da Consideração Fiscal da Família e da Segurança Jurídica e ainda por verificação da “excepção do caso julgado”. 

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO:

 

11.  Os Requerentes entendem que se formou “caso julgado” sobre a decisão arbitral proferida no Processo n.º 739/2016-T, invocando para tanto e em suma o que deixámos em E)F) e G) do ponto I.A reportado às alegações dos Requerentes que aqui se devem considerar reiterados.

12.  A Requerida dissente veementemente do defendido pelos A., advogando mesmo o seguinte: Sublinhando adicionalmente que a original invocação dos A. da “excepção do caso julgado”, a qual se deve considerar aplicável no presente processo considerando que este se trata de uma repetição de julgamento” configura não só um manifesto erro na interpretação do direito como, até, um abuso das formas processuais.”

13.  Como posição de princípio e meramente conclusiva, diga-se desde já que o Tribunal Arbitral considera que a razão está do lado da Requerida. Vejamos,

14.  A excepção do caso julgado ocorre quando se repete uma causa (idêntica a outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir), depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (Cf. artigos 580.º, n.º 1, e 581.º do CPC). 

15.  No processo arbitral que correu termos sob o n.º 739/2016-T, a Requerente pediu que fosse determinada a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2016..., datada de 4.8.2016, enquanto que no presente processo, pede que seja determinada a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2022..., datada de 2022.5.22, pelo que, não se verifica identidade quanto aos pedidos formulados em ambos os processos.

16.  O efeito jurídico pretendido com uma e outra acção não é o mesmo.

17.  Nem mesmo há identidade da causa de pedir entre o processo n.º 739/2016-T e o presente processo, já que, não obstante os vícios aqui invocados e quiçá determinantes da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021 e que totaliza o montante de 15.390,34 €, poderem estar relacionados com os termos, a fundamentação e a decisão do Acórdão Arbitral proferida naqueloutro processo, tendo essa decisão arbitral tomado posição sobre as questões igualmente aqui suscitadas, o que é facto é que, incontornavelmente, a pretensão deduzida nas duas acções não procede do mesmo facto jurídico.

18.  Torna-se, assim, notório e evidente para o Tribunal Arbitral Singular que, in casu, não se mostram verificados pelo menos dois dos pressupostos do “caso julgado”, a saber: i) a identidade de pedido; ii) a identidade da causa de pedir (arts. 580.º, n.º 1, e 581.º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Proc. Civil).

19.  O que basta para, sem necessidade de outras considerações, se julgar improcedente a “excepção de caso julgado”.

 

III. SANEAMENTO:

 

20.  O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRS ora impugnada, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

21.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

22.  A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

23.  O processo não enferma de nulidades. 

24.  Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

25.  Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

A)   Os Requerentes procederam à entrega conjunta da Declaração Modelo 3 do IRS, respeitante ao ano de 2021 em 23.4.2022 (Cf. fls.34 a 44 do PA);

B)   Tal acto declarativo tomou o n.º de Identificação ... (Cf. fls.34 a 44 do PA).

C)   Tratada a referida declaração anual de rendimentos, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2022..., de 16.5.2022, da qual resultava IRS a pagar que se cifrava em 7.832,90 € (Cf. fls. 45/49 do PA);

D)    Os Requerentes na declaração de rendimentos identificada no ponto A) do probatório, mais concretamente no seu Quadro 5, optaram expressamente por se sujeitar à tributação conjunta dos seus rendimentos (Cf. fls. 34/49 do PA);

E)   Subsequentemente à apresentação da declaração referida nos pontos A) D) do probatório, foram os Requerentes notificados da liquidação de IRS n.º 2022..., de 16.5.2022, mediante carta registada, sob registo n.º ...PT, datado de 15.6.2022. (Cf. fls. 46/49 do PA);

F)    Da liquidação identificada no ponto C) do probatório, mais concretamente da linha 17 da demonstração da liquidação que tem por descrição “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, resulta inscrita a quantia de 15.390,34 € (Cf. fls. 45/49 do PA);

G)   No ano de 2021, os Requerentes declararam conjuntamente rendimentos decorrentes da alienação valores mobiliários (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA); 

H)   Os montantes inscritos no Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 de IRS, de 2021, ascenderam 563.893,49 € €, a título de valores de realização e a 570.446,40 €, a título de valores de aquisição. (Cf. Quadro 9 do Anexo G da declaração Modelo 3 do IRS de 2021 constante do Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA);

I)     No Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 de IRS, de 2021,os Requerentes inscreveram despesas e encargos de 983,20 €, sendo que 952,00 €, respeitavam ao sujeito passivo A e 31,20 €, ao sujeito passivo B. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA); 

J)    saldo positivo das mais e menos-valias associado às alienações onerosas de valores mobiliários realizadas pelo sujeito passivo A resulta de diversas operações dispostas nas linhas 9001, 9002 e 9004, do Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 do IRS, de 2021 e eleva-se a 7.536,11 €, que traduz a realização de uma mais-valia que se cifra em 61.597,49 € (558.397,49 VR -  496.800,00 VA), à qual deve ser deduzida a quantia referida no ponto I) do probatório de 952,00 €, donde resulta uma mais-valia líquida de 60.645,49 €. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA); 

K)    O saldo negativo das mais e menos-valias associado às alienações onerosas de valores mobiliários realizadas pelo sujeito passivo B, resulta da operação disposta na linha 9003, do Quadro 9, do Anexo G, da declaração Modelo 3 do IRS, de 2021 e eleva-se a 68.150,40 €, que traduz a realização de uma menos-valia correspondente àquele valor, acrescido da quantia referida no ponto I) do probatório de 31,20 €, donde resulta uma menos-valia líquida de -68.181,60 €. (Cf. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 40/49 do PA); 

L)   O resultado apurado na liquidação de IRS sindicada e melhor identificada no ponto C) do probatório e que se cifrava em 7.832,90 €, decorreu da aplicação da taxa autónoma de 28% ao saldo de mais-valias apurado em relação à alienação de valores mobiliários concretizada pelo sujeito passivo A, do qual resultou a tributação autónoma de 15.390,34 € (Cf. fls. 45/49 do PA); 

M)  A liquidação de IRS sindicada foi paga em 2.8.2022. (Cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA);

N)   Em 6.10.2022, 17:42 horas, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);

O)   O pedido foi aceite em 10.10.2022, 12:58 horas (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

 

IV.B) Factos não provados:

 

26.  Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

27.  Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

28.  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

29.  A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pelos Requerentes e Requerida. 

 

IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):

 

IV.D1) Da (I)legalidade dos actos tributários sindicados:

30.  A questão fundamental a decidir reporta-se, como dito, à questão da impossibilidade de comunicabilidade das perdas apuradas entre cônjuges que integrem o mesmo agregado familiar mesmo nos casos de tributação autónoma, ou seja, à questão de saber se o valor que está na notificação da demonstração da liquidação sindicada, concretamente na linha 17 reportada a “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, na quantia de 15.390,34, está enfermado de errónea quantificação, na medida em que os montantes apontados no Quadro 9 do Anexo G da declaração modelo 3 do IRS, ascenderam a 563.893,49 € e a 570.446,40 €, a título, respectivamente, de valores de realização e aquisição, explicitando-se ali ainda despesas e encargos de 983,20 €, resultando daí uma menos-valia (e já não uma mais-valia) do agregado familiar de 7.536,11 € e donde resultará tributação autónoma nula (daí a errónea quantificação) que claramente difere da que está na liquidação junta ao PA, a fls. 45/49, de 15.390,34 €, resultando IRS a pagar de 7.832,90 €; e ainda à questão de saber se aquela liquidação enferma de violação de lei por inconstitucionalidade, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 55º do CIRS quando interpretado nos termos em que a AT o faz, por violação dos princípios constitucionais como sejam, entre outros invocados, o da Consideração Fiscal da Família e da Segurança Jurídica. 

31.  Ora, os Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD já se pronunciaram por diversas vezes sobre esta questão. Faz-se notar que as correspondentes decisões arbitrais não advêm sempre no mesmo sentido. Nos processos infra identificados foram proferidas decisões de improcedência dos respectivos pedidos de pronúncia arbitral; no Processo n.º 739/2016-T e no Processo n.º 528/2020-T, foram, ao invés, tiradas decisões de procedência.    

32.  Fizeram-no, v.g., na decisão arbitral prolatada no Processo n.º 801/2019-T, de 13.7.2020, que aqui se mostra adequado trazer à colação.

33.  Na fundamentação daquela decisão arbitral, foi consignado o seguinte: “[A] questão da incomunicabilidade das perdas entre sujeitos passivos que apresentam a declaração de rendimentos IRS conjunta, optando pela tributação conjunta, tem hoje, também, um entendimento pacífico, na jurisprudência. Conforme resulta da decisão arbitral proferida no Processo n.º 327/2017-T, de 11 de Janeiro de 2019, “(...)Como já se disse estamos em presença de um imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e não de um imposto sobre sociedades conjugais, daí resulta que o saldo a que alude: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”, respeita ao saldo apurado a cada sujeito passivo. Repare-se que no caso concreto os sujeitos passivos cumpriram toda a mecânica do IRS, preenchendo, o quadro 9 do anexo G, com os valores respeitantes a cada um , não tendo havido qualquer correcção técnica operada pela ATA, sendo a liquidação aqui posta em crise suportada por todos os elementos declarados pelos sujeitos passivos e respeitado o apuramento levado a efeito em cada categoria de rendimentos e a cada cônjuge.” [sublinhado nosso]. Também a decisão arbitral proferida no Processo n.º 268/2018-T, de 31 de Outubro de 2018, analisou esta problemática, concluindo que: “(...) Esta redação do artigo 55.º do Código do IRS, em vigor desde 1 de Janeiro de 2015, foi dada pela Lei no 82-E/2014, de 31 de Dezembro (Lei da Reforma do IRS), que teve, na sua génese, as propostas consagradas no “Anteprojecto da Reforma do IRS” (Julho de 2014) e no “Projecto de Reforma do IRS” (Setembro de 2014), depois da discussão pública a que aquele documento foi sujeito, em cujos relatórios se pode ler, respectivamente, nos pontos 4.3.4. e 5.3.4. (“Regime de comunicabilidade de perdas entre cônjuges” que “o Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe (...) de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”.  “(...) Quanto a este ponto, citam os Requerentes (para reforço da sua posição), o teor da Decisão Arbitral n.º 739/2016-T, de 30 de Novembro de 2017, nos termos da qual, por referência ao ponto da Reforma do IRS transcrito no no anterior, é entendido que o que “(...) o legislador pretendeu (...) foi alterar de certa forma o paradigma fiscal, sobretudo no que respeita ao regime regra da tributação das famílias, fazendo com que a tributação separada seja a regra (...), na tentativa de combater a discriminação negativa de que as pessoas casadas eram alvo, ao não terem essa (...) opção”, aí se defendendo que “nunca esteve subjacente a esta Reforma a penalização dos contribuintes casados, seja por efeitos da alteração de normas de incidência ou das normas de apuramento do imposto”. “(...) Entendem os Requerentes que “a alteração do regime-regra para a tributação separada não teve (...)nem podia ter como consequência a penalização da instituição família” porquanto “o que se pretendeu alcançar foi a igualdade entre os contribuintes casados e os restantes, e nunca penalizar aqueles”. “(...) Contudo, não segue este Tribunal Arbitral a posição defendida na já citada decisão arbitral de que “tendo os contribuintes optado por um regime de tributação agregada (...), nenhuma outra hipótese se coloca, que não seja a da tributação conjunta dos rendimentos apurados pelo casal e isso pressupõe a comunicação dos saldos, negativos e positivos, apurados num determinado ano por qualquer um ou por ambos os membros do agregado familiar”, pelos motivos que a seguir se apresentam.” “(...) Com efeito, face à legislação à data aplicável, concorda-se com a posição defendida pela Requerida de que “(...) o apuramento é feito por titular e que no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e titular”, aliás de acordo com o que é referido, expressamente, no texto da própria lei. “(...) Na verdade, no ano de 2014, houve intenção de proceder a alterações em sede de IRS, tendo esta intenção sido concretizada, desde logo com a publicação, a 19 de Março de 2014, do Despacho no 4168- A/2014, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao nomear “a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – 2014”, no qual se assumia como objetivos primordiais “(...) promover a simplificação do imposto, a mobilidade social e a proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade”. “(...) De acordo com as notas introdutórias do próprio “Anteprojecto da Reforma”, o contexto da nomeação é extraordinariamente exigente tendo em atenção a necessidade de concretizar as propostas de alteração do regime do imposto num contexto único de “(...) consolidação orçamental, respeitando os objetivos com que Portugal se comprometeu com os seus parceiros internacionais, nomeadamente, através da redução estrutural da despesa pública e do reforço da nova estratégia de combate à fraude e evasão fiscais, com o correspondente alargamento das bases tributáveis”. “(...) No referido despacho entendia-se ainda que “(...) a Comissão de Reforma deverá proceder a uma avaliação aprofundada do IRS (...) considerando neste exercício o trabalho realizado por grupos de trabalho anteriormente constituídos com o mesmo desiderato, e propondo as alterações legislativas consideradas necessárias, ainda que no âmbito de um calendário faseado: a) Revisão e simplificação do IRS e demais regimes fiscais aplicáveis ao rendimento das pessoas singulares, de forma a simplificar o regime das respetivas obrigações declarativas e a facilitar o cumprimento das obrigações inerentes a este imposto, de acordo com as melhores práticas internacionais; b) Promoção da mobilidade social através, designadamente, da avaliação da tributação que incide sobre os rendimentos do trabalho, com o objetivo de reconhecer e valorizar o mérito e o esforço; c) Proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade, através da avaliação das bases gerais da tributação da família em sede de IRS e do reforço das politicas fiscais familiares, de forma a contribuir para a inversão do atual défice demográfico na sociedade portuguesa”. “(...) Ainda nas notas introdutórias do próprio “Anteprojecto da Reforma” escreve-se que “dentro destes parâmetros, a Comissão produziu um trabalho de natureza eminentemente técnica, que se consubstancia num alargado conjunto de propostas de alterações legislativas e de recomendações” sendo que “(...) o trabalho da Comissão passou apenas por sugerir alterações de natureza técnica que possam servir como guião para o legislador decidir o que entender por conveniente” e, “com este desiderato, fica sugerida a introdução de novas normas, capazes de darem melhor resposta aos grandes problemas que o imposto hoje suscita, tornadas necessárias em razão da desatualização, por força do decurso do tempo, de soluções pensadas na década de oitenta do século passado. O objetivo foi o de produzir um trabalho em que resultem equilibrados a necessária estabilidade, o acompanhamento das novas realidades e a praticabilidade das soluções propostas”. “(...) Assim, neste âmbito, a Comissão de Revisão do IRS propôs diversas alterações a este imposto, orientadas pelos objetivos apresentados, entre elas a enunciada (...) supra, no que diz respeito à “Comunicabilidade de perdas entre cônjuges”, no sentido de “(...) viabilizar um regime regra de tributação separada (...)” também proposto, sendo que para tal era necessário estabelecer que “(...) relativamente a cada sujeito passivo (...)” não se comunicassem “(...) perdas horizontalmente” e, em consequência, “o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”. “(...) E, reitere-se, tendo sido esta a proposta da Comissão de Reforma, a mesma foi acolhida pelo Legislador, no texto da Lei da Reforma Fiscal, diploma que introduziu no Código do IRS as referidas propostas de alteração e de aditamento a este imposto. “(...) Em face do acima exposto, entende este Tribunal Arbitral, que o acto de liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral não padece de qualquer vício de violação de lei, sendo por isso legal, face à legislação à data aplicável.” [sublinhado nosso].”

34.  Esta jurisprudência, tal como se pode inferir do trecho acima transcrito, já antes havia sido afirmada noutros pronunciamentos e dos quais referimos, sem pretensões de exaustividade e a título meramente exemplificativo, a decisão arbitral tirada no Processo n.º 268/2018-T, de 31 de Outubro de 2018 e a decisão arbitral prolatada no processo n.º 327/2017-T, de 11 de Janeiro de 2019.

35.  Mais recentemente foi igualmente proferida decisão arbitral no processo n.º 789/2021-T, de 1 de Agosto de 2022 (invocada e sobejamente transcrita na Resposta apresentada pela Requerida) e que ia também no sentido da improcedência do respectivo pedido de pronúncia arbitral apresentado. 

36.  Reitera-se aqui o julgamento prolatado no Processo Arbitral n.º  801/2019-T, de 13.7.2020 e acima sobejamente transcrito e ainda os julgamentos acabados de referir (que julgaram improcedentes os respectivos pedidos de pronúncia arbitral), onde se louva este Tribunal Arbitral Singular para julgar o presente PPA também no sentido da improcedência, pois, no caso dos presentes autos, igualmente se discute a questão da incomunicabilidade das perdas entre sujeitos passivos que apresentem a declaração anual de rendimentos em sede de IRS, optando pela tributação conjunta. 

37.  Quanto à invocada violação do Princípio da Segurança e da Protecção da confiança, previsto no art.º 2º da CRP e ainda do princípio da Proibição da Lei Fiscal Retroactiva Desfavorável (n.º 3 do art.º 103.ºº da CRP) e, também, da Consideração ou Proteção da Família, acolhe-se, sem reserva, tudo quanto a tal propósito foi aduzido pela Requerida na sua resposta e que está plasmado na alínea E) do ponto I.B dedicado às alegações daquela; reiterando-se igualmente aqui o que foi dito a tal propósito na decisão arbitral tirada no processo n.º 789/2021-T que a dado passo diz: Não assiste qualquer razão aos Requerentes, entendendo o presente Tribunal Arbitral que, tendo a AT procedido de forma convergente com o legalmente previsto no Código do IRS, não se mostra fundamentada a violação do princípio da capacidade contributiva, ou de qualquer outro princípio aplicável, contrariamente ao invocado pelos Requerentes. Efetivamente, no âmbito da reforma fiscal de 2014, foram consagrados instrumentos que favorecem a personalização do IRS, respeitando-se a capacidade contributiva através, por exemplo, da possibilidade de opção pela tributação conjunta de casados, do regime do quociente conjugal, das deduções à coleta relacionadas com despesas de natureza pessoal ou familiar. Em conformidade, o impedimento à comunicabilidade de menos-valias entre cônjuges, no âmbito da tributação conjunta do agregado familiar, não constitui violação dos princípios constitucionais e jurídico-fiscais vigentes no ordenamento português.”

38.  Termos em que entende o Tribunal não proceder a pretensão anulatória dos Requerentes, no que respeita ao acto de liquidação de IRS, de 2021, n.º 2022..., restando concluir que ele não enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua manutenção na ordem jurídica, sendo que, nessa decorrência, o acto tributário de liquidação aqui em causa não está eivado de qualquer ilegalidade, devendo improceder o presente pedido de pronúncia arbitral e devendo a Requerida ser absolvida de todos os pedidos formulados pelos Requerentes.

 

IV.D2) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

39.  Julgando-se improcedente o pedido principal, tal como já se deixou antever, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão do pagamento dos juros indemnizatórios.

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide julgar improcedente a excepção do caso julgado suscitada pelos Requerentes e ainda improcedente os demais pedidos formulados na presente acção arbitral com fundamento na inverificada ilegalidade do acto de liquidação de IRS, n.º 2022..., relativo ao período de tributação de 2021, nem mesmo por inconstitucionalidade, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 55º do CIRS, quando interpretado nos termos em que a AT o faz, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação sindicado, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixo o valor do processo em 15.390,34 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 918,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pelos Requerentes no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação sindicada), a cargo do Requerente,  nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Março de 2023.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

O Árbitro,

 

(Fernando Marques Simões)