Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 586/2022-T
Data da decisão: 2023-03-15  IMT  
Valor do pedido: € 46.856,07
Tema: IMT - Isenção de IMT (artigo 8.º, n.º 1 do CIMT e artigo 270.º, n.º 2 do CIRE).
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Sumário 

      I.         Não existe princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos, o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto ou a “convolação” de isenções;

    II.         A caducidade da isenção prevista no artigo 8.º do CIMT, não extingue ou preclude o direito ao benefício fiscal constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição imobiliária;

  III.         A isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, traduz-se num benefício fiscal automático, resultante direta e imediatamente da lei, devendo ser verificado pelo sujeito ativo da relação jurídico-tributária antes da prolação da liquidação de IMT que seria de efetuar.

 IV.         A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Paulo Ferreira Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 14 de dezembro de 2022, decide o seguinte:

            I.         Relatório

A..., S.A., doravante designado por “Requerente”, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em Rua ..., ...‐... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente. 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) referentes ao ano 2021, no montante total de € 46.856,07, com a consequente restituição do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

Em 6 de Outubro de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT. 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 14 de dezembro  de 2022. 

Em 31-01-2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”). 

Por despacho de 01-02-2023, a Requerente foi notificada para apresentação de resposta às exceções suscitadas e as partes foram notificadas para apresentarem as alegações escritas facultativas, concedendo-se um prazo sucessivo de 15 dias nos termos dos artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, iniciando-se pela apresentação por parte da Requerente, seguindo-se a apresentação pela Requerida, bem como se fixou o prazo para a prolação da decisão. 

A Requerente foi notificada do despacho em 06/02/2023 e presentou as suas alegações. A Requerida devidamente notificada apresentou as suas alegações 09-03-2023. 

1.1 Posição da Requerente

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

(a)  A Requerente, não se conformando com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, tacitamente presumido e, por conseguinte, com os atos de liquidação de IMT que lhe estão subjacentes, vem suscitar, a título imediato, a apreciação da legalidade daquele indeferimento e, a título mediato, a apreciação da legalidade subjacente aos próprios atos de liquidação junto deste Tribunal, requerendo a respetiva anulação. 

(b)  A Requerente peticiona igualmente a restituição do IMT indevidamente pago, como consequência natural do deferimento do presente pedido. 

(c)  A Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei. 

(d)  No âmbito da sua atividade, a Requerente adquiriu, no âmbito de processos de insolvência de diversas entidades, agindo na qualidade de credor dos mesmos. 

(e)  As aquisições em análise beneficiaram da isenção (provisória ou condicionada) de IMT prevista no artigo 8.º do Código deste imposto, i.e., isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito

(f)   Contudo, verificou‐se, entretanto, a caducidade da isenção de IMT aplicada. 

(g)  Pelo que, durante o ano 2021, foram emitidas, pela AT, as liquidações de IMT associadas àquelas operações de aquisição de imóveis, no montante total de € 46.856,07

(h)  Não obstante, nos termos que se demonstram infra, entende a Requerente que os mencionados atos de liquidação de IMT – objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral – são ilegais, porque emitidos pela AT com base em manifesto erro na interpretação e aplicação in casu das regras de Direito aplicáveis.

(i)   De facto, as operações de aquisição dos imóveis em análise deveriam ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), uma isenção definitiva – e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 8.º do Código deste imposto. E, como tal, nunca estas operações deveriam ter gerado qualquer liquidação de IMT. 

(j)   Por entender que os atos tributários de liquidação de IMT em análise padecem de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser declarados ilegais, a Requerente apresentou, no dia 3 de Maio de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, Pedido de Revisão Oficiosa destes atos tributários. 

(k)  O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT. 

(l)   Assim, e no âmbito daquela competência, por não se conformar com o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa por si apresentado, e por conseguinte com a legalidade dos atos de liquidação de IMT que lhe estão subjacentes, a ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação, requerendo a respetiva anulação, e a correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 46.856,07, o que faz nos termos e fundamentos que seguidamente se expõem. 

 

1.2. Posição da Requerida

A Requerida apresentou a sua defesa por exceção e impugnação, na qual em suma sustentou:

(a)   A falta de objeto da presente ação, verifica-se que no caso concreto, antes mesmo da formação de presunção de indeferimento tácito do procedimento de revisão nº ...2022..., ocorrido em 05-09-2022, foi proferida decisão final expressa de rejeição, por intempestividade, no referido procedimento, validamente notificada aa Requerente.

(b)  Nestas situações, reiteradamente vem entendendo o STA, a partir do momento em que o ato expresso de indeferimento é notificado ao destinatário, é este ato expresso que passa a vigorar na ordem jurídica como definidor da situação concreta do particular.

(c)   Contudo, a Requerente formulou o pedido de pronuncia arbitral em curso desconsiderando por completo a decisão expressa proferida no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que precedeu o presente meio impugnatório.

(d)  Assim sendo, dado que a prolação de ato expresso de indeferimento implica a revogação do ficcionado indeferimento tácito, sendo a posição assumida naquele ato expresso que fica a prevalecer na ordem jurídica.

(e)   Pelo que, não subsistindo já na ordem jurídica o indeferimento tácito impugnado, somos de opinião que se deverá concluir pela impossibilidade da lide, o que justifica a extinção da instância, de harmonia com o preceituado na alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância - artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

(f)   Defende a requerida a caducidade do direito de ação, sustentando, o pedido de revisão oficiosa, subjacente ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral, foi formulado em 03-05-2022 pela Requerente, i.e., para além do prazo previsto no art.º 78.º da LGT, sendo como tal intempestivo.

(g)  Consequentemente, o presente pedido de pronúncia arbitral é, também ele, intempestivo, uma vez que a tempestividade deste depende da tempestividade do pedido de revisão.

(h)  Na presente situação, tendo as liquidações, sido efetuadas no seguimento das declarações Modelo 1 de IMT apresentadas aquando da realização das aquisições em causa pela Requerente, no âmbito das quais declarou tratarem-se de “Aquisições por Instituições de Crédito – Processo de Execução, Falência ou Insolvência”, beneficiando da isenção de IMT, prevista do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, e não tendo procedido à alienação dos referidos imóveis no prazo de 5 anos, caducou a isenção usufruída, por força do disposto no n.º 6 do artigo 11.º do CIMT, tendo sido emitidas as liquidações do IMT ora em crise, a pedido da Requerente.

(i)    Ora, as referidas declarações que fizeram com que as aquisições em causa usufruíssem da isenção do artigo 8.º do CIMT são da responsabilidade do contribuinte e, atuando a AT de acordo com os normativos legais aplicáveis ao caso concreto, não poderão as mesmas serem revistas com fundamento num pretenso erro imputável aos serviços.

(j)    Assim, não podendo a Requerente, pedir a revisão oficiosa dos atos tributários em causa, dentro do prazo em que a AT a poderia efetuar (4 anos), por inexistência de pretenso erro imputável aos serviços, a sua revisão só se poderia efetivar, nos termos e no prazo previsto na primeira parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, ou seja, no prazo da reclamação administrativa (120 dias, contados do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação) e com fundamento em ilegalidade. (cf. art.º 78.º, n.º 1, da LGT, conjugado com os artigos n.ºs. 70.º, n.º 1, do CPPT e 102.º, n.º 1, a) do CPPT)

(k)  Destarte, tendo presente que as notas de cobrança referentes às liquidações em apreço, emitidas em 2021, têm como data limite para pagamento voluntário mais recente, 31-08-2021, o pedido de revisão efetuado pela Requerente, apenas em 03-05-2022, é, efetivamente, intempestivo, na medida em que foi exercido quando já se encontrava amplamente ultrapassado o prazo da reclamação administrativa.

(l)    Assim sendo, tendo o presente pedido sido deduzido em consequência da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão e sendo este intempestivo, igualmente se mostra o presente pedido de pronúncia arbitral intempestivo, verificando-se a caducidade do direito de ação, que constitui exceção perentória, que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente e, sendo de conhecimento oficioso, leva à absolvição da AT da instância. (art.ºs 576.º n.ºs 1 e 3 e 579.º, ambos do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT).

(m) A Requerida defende-se por impugnação, sustentando, que a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT que, contudo, esta última está condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos, nos termos do n.º 6 do artigo 11.º do CIMT.

(n)  Pelo que decorrido o prazo de 5 anos sem que se tenha verificado a alienação dos referidos imóveis, a Requerente solicitou a liquidação de IMT, apresentando para o efeito novas declarações Modelo 1, que geraram as liquidações de IMT, pelos presentes autos contestadas, melhor identificadas no ponto 1.º desta informação.

(o)  Defende a Requerida, que quanto às isenções previstas no art.º 270.º n.º 2 do CIRE e art.º 8.º do CIMT, e aos factos descritos, verifica-se que a Requerente pretende agora, decorridos que foram mais de cinco anos contados a partir da data do facto tributário, (período durante o qual a Requerente beneficiou da isenção prevista no art.º 8.º do CIMT), a anulação da liquidação de IMT, através da troca dos benefícios com efeitos retroativos, relativamente aos imóveis que não vendeu no prazo legal, o que se afigura inaceitável.

(p)  Ora, a obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão.

(q)  A usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

(r)   No caso concreto, verificando-se que o contribuinte optou, no ato translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção ora requerida, ao abrigo artigo 270º, n.º 2 do CIRE, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada.

(s)   Tendo sido a isenção, prevista no artigo 8.º do CIMT, requerida e usufruída pelo contribuinte no ato de aquisição, não existe possibilidade de troca ou atribuição posterior de outra isenção, por a lei não prever essa troca, nem a sucessão ou acumulação destas isenções.

(t)    Ora, não tendo optado por exercer o direito subjetivo à isenção prevista no art.º 270.º, n.º 2 do CIRE à data do ato translativo do imóvel, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente.

(u)  Sustenta a Requerida que pelo menos seis (6) imóveis, de um total de treze (13) imóveis transacionados, nunca beneficiariam da isenção prevista no art.º 270.º n.º 2 do CIRE.

(v)  Considerando que, nestes casos, a Requerente adquiriu, por adjudicação, no âmbito dos processos de execução e insolvência já identificados, imóveis propriedade de pessoas singulares, facto que não é contestado pela Requerente, o qual não alega nem prova que os casos ora identificados consubstanciam a venda de bem integrado no ativo de uma “empresa”, nem que tenha estado destinado ao exercício de uma “atividade económica”, deverá concluir-se que as referidas situações não são subsumíveis à previsão do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que se refere exclusivamente à venda de “elementos do ativo da empresa”.

(w) Quanto à parte do pedido, relativa a juros indemnizatórios, e sem conceder quanto ao facto de os mesmos não serem devidos, caso a pretensão da Requerente venha a obter provimento, os juros apenas deverão ser considerados nos termos do disposto no art.º 43.º nº 3 alínea c) da LGT, dado que não houve erro imputável aos serviços, tendo em conta que o imposto foi declarado e pago pelo sujeito passivo, e as respetivas liquidações efetuadas de acordo com as normas vigentes.

 

II.            Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de IMT (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da notificação do indeferimento expresso do ato de revisão oficiosa deduzida contra os atos tributários impugnados. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

A prova documental junta aos autos referente à questão decidenda mostra-se suficientemente provada, pelo que cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão e proceder previamente à apreciação das exceções invocadas, dilatória e perentória, previamente à impugnação.

 

III.          Fundamentação de Facto

1.              Factos Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A.            A Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da atividade bancária, incluindo  todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei.

B.             A Requerente, adquiriu no âmbito de processos de insolvência e liquidações os seguintes imóveis:

½ do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Oliveira de Azeméis, adquirido a B..., em 22-11-2013, no processo de insolvência n.º .../06...TBOAZ.

A fração autónoma “E”, destinada a habitação, do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Paredes, adquirida a C..., em 07-10-2013, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBVRL.

½ da fração autónoma “F”, destinada a habitação, do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Leiria, adquirido a D..., em 14-01-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º ...13...TBACB-C.

Os prédios urbanos, destinado a terreno para construção, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Figueira da Foz, adquirido a E... Lda, em 10-02-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBPBL-A.

O prédio urbano, destinado a armazém e atividade industrial, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., e o prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., e o prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., todos da freguesia de ... .../14...T8STS.

As frações autónomas “AS”, “BA” e “BG”, destinadas a habitação, do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Esposende, adquiridas, em 30-12-2015, à sociedade F..., SA., em liquidação.

O prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ... (...), concelho de Ponta Delgada, adquirido a G... . 

Os prédios rústicos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Sintra, adquiridos à sociedade H..., Lda. Cf. PA.

C.            Estas aquisições beneficiaram da isenção de IMT prevista no artigo 8.º do CIMT, pelo prazo de 5 anos, que decorrido esse período caducou.

D.            No seguimento da caducidade da Isenção, durante o ano de 2021, foram emitidas pela AT as liquidações associadas às aquisições supra identificadas, e notificada a Requerente:

Liquidação n.º ..., de 10-08-2021, no valor de € 4.493,44 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 31-08-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 .º 2021/..., relativa à aquisição de ½ do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de..., concelho de Oliveira de Azeméis.

Liquidação n.º..., de 24-02-2021, no valor de € 599,21 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 25-02-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição da fração autónoma “E” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Paredes.

Liquidação n.º..., de 05-01-2021, no valor de € 249,25 (DUC ...), com data limite de pagamento voluntário em 06-01-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição de ½ da fração autónoma “F” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Leiria.

Liquidação n.º..., de 29-01-2021, no valor de € 3.640,00 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 01-02-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição dos prédios urbanos (terrenos para construção), inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Figueira da Foz.

Liquidação n.º ..., de 21-04-2021, no valor de € 29.852,37 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 22-04-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição dos seguintes prédios: - os prédios urbanos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da freguesia do ..., concelho da Maia. - o prédio rústico, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia do ..., concelho da Maia. 

Liquidação n.º ..., de 04-06-2021, no valor de € 3.827,79 (DUC...), com data-limite de pagamento voluntário em 07-06-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição das frações autónomas “AS”, “BA” e “BG” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Esposende.

Liquidação n.º ..., de 08-01-2021, no valor de € 734,01 (DUC...), com data-limite de pagamento voluntário em 11-01-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ... (...), concelho de Ponta Delgada.

Liquidação n.º..., de 19-01-2021, no valor de € 3.460,00 (DUC...), com data-limite de pagamento voluntário em 20-01-2021, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2021/..., relativa à aquisição dos prédios rústicos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ... - IE, da união de freguesias de ... e ..., concelho de Sintra. Cf P.A.

E.             A Requerente submeteu um pedido de revisão oficiosa sobre os atos de liquidação supra indicados, em 03-05-2022, ao qual foi atribuído o n.º ...2022... . Cf. PA.

F.             Por despacho datado de 02/06/2022, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, junto da UGC, exarado na informação elaborada por aquele Serviço, foi determinada a rejeição liminar do pedido, por intempestividade, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

“A situação em apreço não comporta qualquer “erro imputável aos serviços” e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa NÃO SE ENCONTRA TEMPESTIVO, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT.

Escrutinando todo o regime, designadamente os vários prazos e respetivos fundamentos, verificamos que a bondade do legislador fiscal não foi a ponto de conceder tempestividade ao pedido ora formulado pela aqui Requerente- 

Assim sendo, o pedido em análise é intempestivo, atendendo o disposto do artigo 78.º da LGT, uma vez que o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa dos atos tributários quando foi remetido e apresentado nos Serviços da AT, já haviam sido ultrapassados os prazos legais.” Cf. PA

G.            A decisão final expressa foi notificada à Requerente, através da Via CTT, com data de disponibilização de 30-06-2022, considerando-se a notificação perfeita em 18-07-2022. cf. PA

H.            A Requerente apresentou o PPA no CAAD, em 5 de outubro de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação, com base no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações supra identificadas. – cf. registo de entrada no SGP do CAAD. 

2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão. 

Não ficou provado que os imoveis, (infra discriminados), adquiridos pela Requerente no âmbito de processos de insolvência de pessoas singulares, dizem respeito a pessoas singulares que atuavam na qualidade de comerciantes ou que os imoveis adquiridos eram utilizadas para a atividade de comerciante em nome individual da pessoa insolvente, respetivamente os seguintes imoveis:

1.     à aquisição de ½ do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Oliveira de Azeméis, adquirido, em 22-11-2013, a B..., no processo de insolvência n.º .../06...TBOAZ.

2.     à aquisição da fração autónoma “E” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Paredes,  adquirida, em 07-10-2013, a C..., no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBVRL

3.     à aquisição de ½ da fração autónoma “F” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Leiria, adquirido a D..., em 14-01-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBACB-C.

4.     à aquisição dos prédios urbanos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da freguesia do ..., concelho da Maia. - o prédio rústico, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia do ..., concelho da Maia, adquiridos a I..., em 10-02-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º .../14...T8STS.

5.     à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ... (...), concelho de Ponta Delgada, adquirido a G... .

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na posição consensual assumida e na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes. 

IV.          Do Mérito 

Atenta a posição das partes, assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

a.     A alegada pela Requerente: 

(i)   declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) referentes ao ano 2021

(ii)  Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

b.     A alegada pela Requerida:

(i)   Por Exceção, falta de objeto, e, da caducidade do direito de ação.

4.1 Da exceção por falta de objeto 

É suscitado pela Requerida a falta de objeto da presente ação, porquanto, antes mesmo da formação de presunção de indeferimento tácito do procedimento de revisão nº ...2022..., ocorrido em 05-09-2022, foi proferida decisão final expressa de rejeição, por intempestividade, no referido procedimento, validamente notificada aa Requerente. Pelo que, alega que não subsistindo já na ordem jurídica o indeferimento tácito impugnado, entende que se deverá concluir pela extinção da instância por impossibilidade da lide, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, de harmonia com o preceituado na alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT, artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

Constitui jurisprudência firmada que a competência dos tribunais arbitrais tal como enunciada na al. a) do nº 1 do art.º 2º do RJAT compreende a apreciação da legalidade de atos secundários praticados sobre atos de liquidação, como a decisão de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico e também de pedido de revisão oficiosa ou por iniciativa do contribuinte.

Em concreto, estamos perante um indeferimento por “intempestividade”, que, na realidade, constitui um indeferimento por inadmissibilidade legal do pedido, o que ocorre sempre que a AT considera que o pedido não é admissível face à inexistência de um erro imputável aos serviços (o que envolve uma apreciação dos fundamentos que suportam o pedido de revisão) e que, por consequência, é inaplicável o prazo fixado na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, sindicada através de impugnação judicial.

Neste sentido, veja-se o acórdão do STA n.º 01958/13, de 14 de Maio de 2015: A decisão sindicada considerou que do indeferimento do pedido de revisão dos atos tributário com base na sua intempestividade cabia acção administrativa especial.

(…) Sucede que a informação que precede o referido despacho de indeferimento, exarado como se disse em concordância com tal fundamentação, não faz apenas referência ao decurso de prazos para concluir pelo indeferimento do pedido.

Tal informação alicerça a proposta de indeferimento do pedido de revisão na seguinte fundamentação: por um lado considerou-se que o pedido de revisão apresentado com fundamento em ilegalidade não foi apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa referido na 1ª parte do n° 1 do artigo 78° da LGT; por outro lado entendeu-se não ter havido erro imputável aos serviços na medida em que as liquidações de IRC foram emitidas em tempo oportuno com origem nos documentos de correcção elaborados - DC 22.

Mais se ponderou que a liquidação teve por base o relatório da inspecção tributária em que se concluiu que a não consideração como custos do conjunto de facturas nele elencadas resulta do facto de se ter apurado que as mesmas não correspondiam a serviços prestados ao sujeito passivo e, por isso, não podiam ser considerados como custos para efeitos de IRC nos termos do artigo 23° do Código de IRC.

E, com base nesta argumentação, a proposta de indeferimento do pedido de revisão concluiu que não se verificou qualquer ilegalidade nem a existência de qualquer erro imputável aos Serviços.

Em suma no caso vertente estava em causa a legalidade do acto tributário de liquidação, sendo que a decisão do director distrital de finanças ao indeferir o pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

Assim, é de concluir que no presente caso, ao atacar contenciosamente aquele despacho pela via da impugnação judicial, e não por via de acção administrativa especial, a recorrente utilizou o meio processual adequado.

Retomando os autos, e na mesma senda do decidido pelo STA supratranscrito, está em causa o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, por intempestividade, então o meio processual adequado para o impugnar contenciosamente, por não verificação dos respetivos pressupostos, não se verificar erro imputável aos serviços, é o processo de impugnação.

Os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar atos de liquidação de IMT precedidos quer de uma decisão de indeferimento expresso quer do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa.

Invoca a AT que dado que a prolação de ato expresso de indeferimento implica a revogação do ficcionado indeferimento tácito, sendo a posição assumida naquele ato expresso que fica a prevalecer na ordem jurídica. (cf. decisão proferida no CAAD 727/2021-T). 

Sucede que nos presentes autos, não se coloca, uma vez que não se chegou a constituir o indeferimento tácito, porquanto a decisão de indeferimento expresso foi notificada à Requerente, em 30-06-2022, e a data de constituição do indeferimento tácito seria formada apenas em 05-09-2022, ou seja, após a data de notificação.

Nesta situação, o presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto imediato o ato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra as liquidações de IMT impugnadas; e tem como objeto mediato a própria liquidação impugnada.

Nos presentes autos, e perante a factualidade assente, existindo uma decisão de indeferimento expresso, será essa que o presente tribunal terá em consideração, pese embora, tenha sido alegado pela Requerida que o PPA vem no seguimento de um indeferimento tácito.

Ora, conforme resulta da factualidade, o PPA foi apresentado em 5 de Outubro de 2022, e a decisão de indeferimento foi notificada à Requerente, através da Via CTT, com data de disponibilização de 30-06-2022, considerando-se a notificação feita em 18-07-2022, e tendo sido o PPA apresentado dentro do prazo de três meses previsto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, inexiste intempestividade.

Perante o exposto não se verifica a falta de objeto alegado pela AT, com a consequente improcedência da exceção dilatória suscitada. 

4.1.2. –Da exceção de caducidade do direito de ação.

Conforme se supra se referiu, o presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto imediato o ato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra as liquidações de IMT impugnadas; e tem como objeto mediato as liquidações impugnadas.

Alega a AT, que o pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação subjacente ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral, foi apresentado para além do prazo de 120 dias previsto no art.º 78º da LGT, sendo como tal intempestivo, verificando-se a caducidade do direito de ação, que constitui exceção perentória que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela recorrente, com a consequente absolvição da AT da instância.

Cumpre apreciar, se estamos perante a caducidade do direito de ação motivada pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

Tratando-se de uma exceção perentória, importa a absolvição total ou parcial do pedido e consiste na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo Impugnante, conforme noção constante nos nº 1 e 3 do art.º 576.º do Código de Processo Civil, há que apreciar da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do nº 1 do art.º 78.º da LGT.

Deste modo, deste preceito legal, nº 1 do art.º 78.º da LGT, resultam previstas duas modalidades de impulso ao procedimento de revisão do ato tributário.

Na primeira parte, prevê-se a revisão dos atos tributários por iniciativa do sujeito passivo, efetuado no mesmo prazo que seja aplicável em cada caso para efeitos de reclamação graciosa, ou seja, 120 dias a contar dos factos constantes do nº 1 do art.º 102º do CPPT.

Na segunda parte, prevê-se a revisão oficiosa por iniciativa da administração tributária e pode ter lugar no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento adicional em “erro imputável aos serviços”.

Deste modo, para poderemos de forma efetiva apreciar a exceção aqui invocada, em primeiro lugar cabe apreciar a questão de direito, pois a mesma tem influência sobre a invocada exceção, e em segundo lugar apreciar se a factualidade aqui em analise é subsumível ao “erro imputável aos serviços”.

Por outras palavras, para podermos apreciar a questão da “caducidade do direito à ação”, compete, primeiramente apreciar se a Requerente pode beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 270.º do CIRE, mesmo que tenha beneficiado previamente da isenção do n.º 1 do artigo 8.º do CIMT. E podendo a Requerente beneficiar, quando e por quem é que pode ser feito e se não for feito, se esse erro subsume se a um “erro imputável aos serviços”. 

Uma vez que o tribunal, infra, conclui, que o pedido de revisão oficiosa foi tempestivo, nomeadamente por estarmos perante a existência de um erro imputável aos serviços, então não se verifica a “caducidade do direito à ação”.

Improcede assim esta exceção.

4.2. Do Mérito da Causa – da ilegalidade da liquidação de IMT

Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal a apreciação de várias questões, as quais competira analise, pela seguinte ordem, se é legalmente admissível a cumulação de isenções de IMT, se a Requerente cumpre e pode beneficiar da isenção IMT prevista no artigo 270.º do CIRE, e por ultimo se estamos perante uma situação de erro imputável aos serviços, passível de ser aplicado o prazo de 4 anos previsto no n.º 1.º do artigo 78.º da LGT, com a consequente tempestividade do pedido de revisão oficiosa e a resultante ilegalidade das liquidações de IMT. 

Iniciemos a nossa análise pela questão de saber se é legalmente admissível a cumulação de isenções de IMT e se a Requerente pode beneficiar da isenção IMT prevista no artigo 270.º do CIRE. 

Comecemos por apreciar o enquadramento legal relevante: 

Dispõe o artigo 8.º do CIMT:

1 - São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por
sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado,
em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como
as efetuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso,
se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças
prestadas.

2 - A isenção prevista no número anterior é ainda aplicável às aquisições de imóveis por
entidades nele referidas, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de
créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas, nos termos seguintes:
a) Nas aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas destes
exclusivamente destinados a habitação, que derivem de atos de dação em
cumprimento;
b) Nas aquisições de prédios ou de frações autónomas destes não abrangidos no
número anterior, que derivem de atos de dação em cumprimento, desde que
tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso
à dação em cumprimento e não existam relações especiais entre credor e
devedor, nos termos do n.o 4 do artigo 63.o do Código do IRC.

3 - No caso de serem adquirentes sociedades direta ou indiretamente dominadas pelas
instituições de crédito, só há lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão
do crédito ou da fiança efetuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades
comerciais e desde que estas sociedades sejam qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras.

Por seu turno, dispõe o artigo 11.º, n.º 6 do CIMT: 

Deixam de beneficiar de isenção as aquisições a que se refere o artigo 8.º, se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição ou o adquirente seja uma entidade com relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.

O n.º 1 e 2 do artigo 5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) prevê que:

1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

Mais resulta do artigo 12.º do EBF:

O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.

Estabelece o artigo 270.º do CIRE:

“1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões  onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência,  de pagamentos ou de recuperação:  

a) As que se destinam à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital; 

b) As que se destinam à realização do aumento do capital da sociedade devedora; 

c)  As  que  decorram  da  dação  em  cumprimento  de  bens  da  empresa  e  da  cessão  de  bens  aos  credores”

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Perante o supra o exposto, compete a análise da questão se é possível a cumulação de benefícios fiscais distintos ou o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto, resultando na possibilidade de convolação da isenção de IMT, prevista no artigo 8.º, n.º 1 do CIMT e do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

Da legislação exposta, retém-se, que as isenções vertidas nos artigos 8.º, n.º 1 do CIMT e 270.º, n.º 2 do CIRE revestem uma natureza automática, não se exigindo, por isso, qualquer ato de reconhecimento.

Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objeto de qualquer ato autónomo de reconhecimento, sendo no momento de decidir se deve ser praticado o ato de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal. 

No termos do artigo 270.º do CIRE, na qualidade de legislação extravagante, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio, em nenhuma das normas elencadas, está-se perante uma isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto no artigo 10.º, n.º 8, alínea d).

Não se deixando de referir, que a convolação de isenções é, até, admitida por parte da AT na doutrina administrativa – Circular 18, de 11/10/1995 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património – do seguinte modo: “[a] convolação da isenção é requerível em qualquer altura, mantendo-se em pleno vigor os restantes condicionalismos e procedimentos evidenciados naquela circular 16/88”

Em igual sentido, já se pronunciou o STA no acórdão 01044/17 de 14-03-2018, do qual citamos o seu sumário: 

I - Quer o art.º 269 quer o art.º 270º do CIRE fazem um elenco detalhado dos atos que beneficiam de isenção de imposto de selo, quando devido, e, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis indicando que tais atos, para beneficiarem das ditas isenções têm que cumprir um único requisito: estarem previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (atos) ou integrados (transmissões)em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação.

II - Trata-se de atos e transacções profundamente escrutinados pelo Tribunal onde corre termos o processo de insolvência, pelos administradores de insolvência, pelos credores da insolvência, pelo Magistrado do Ministério Público afecto ao processo, e, mais tarde pelos notários onde serão celebradas as escrituras públicas correspondentes. A prova de que as operações em questão se desenrolam num processo de insolvência é, diríamos, esmagadora.

III - O legislador não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário relativamente à concessão desta isenção.

IV - O artigo 10.º n.º 8, al. d) prevê que são de reconhecimento automático as isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código, como é o CIRE.

No que respeita aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este é feito através de ato administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.

Veja-se igualmente as decisões do CAAD 318/2022-T, 181/2021-T, 457/2022-T, 613/2021-T (entre outros), que partilham o mesmo entendimento.

Realçamos a decisão do 457/2022-T (e 613/2021-T) de 19 de janeiro de 2023, que decidiu sobre o tema da “cumulação de isenções”, a qual transcrevemos.

“Em primeiro lugar, há que salientar não estarmos perante um caso em que o legislador conferiu um direito de opção aos interessados.

Estaremos sim perante um concurso aparente de normas, pois a factualidade em causa (as aquisições de imóveis) é subsumível às hipóteses de dois tipos legais de isenção, as quais tutelam interesses extrafiscais diferentes (não originar uma cascata de tributações em IMT, no caso do art. 8º do CIMT; facilitar, não onerando com a incidência de imposto, a aquisição de bens integrantes de massas insolventes, de modo a permitir uma mais cabal satisfação dos credores, no caso do artº 270º do CIRE).

Num concurso aparente de normas só uma, a apurar em sede interpretativa atentos os objetivos prosseguidos por cada uma delas, resultará aplicável.

Temos assim uma primeira conclusão: em abstrato, as aquisições de imóveis que deram origem às liquidações impugnadas, ou parte delas, estavam isentas de IMT quer ao abrigo do disposto no art. 270º do CIRE, quer ao abrigo do disposto no 8º do CIMT.

A invocação de uma não inviabiliza a possibilidade de, posteriormente, se invocar a exclui a outra, até porque o direito aos benefícios fiscais automáticos é irrenunciável (art. 8º, n.º 14 EBF).”

In casu, foi declarado o benefício fiscal vertido no artigo 8.º do CIMT, tendo a liquidação sido realizada com tal pressuposto, pelo que, o sujeito passivo beneficiou da isenção durante cinco anos. Volvidos esses anos sem que os prédios tenham sido revendidos, a caducidade opera automaticamente e com efeitos ex tunc, sendo da responsabilidade do sujeito passivo a liquidação do imposto.

A Requerente, quando solicita a liquidação, a AT efetua o pedido com base na extinção do benefício fiscal consagrado no artigo 8.º, n.º 1 do CIMT, não estando impedida de vir exercer o seu direito a beneficiar da Isenção do artigo 270.º do CIRE, após a caducidade da primeira isenção.

Encontrando-se respondida a primeira questão elencada, pode a Requerente cumular ou convolar as isenções descritas, compete agora apreciar a segunda questão, concretamente, se a Requerente pode beneficiar da isenção do artigo 270.º do CIRE.

Sobre esta questão, atualmente não há grandes dúvidas, existe hoje jurisprudência uniformizada (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01521/15, de 29-03-2017), sobre a interpretação a conferir ao n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, no sentido de que a isenção não depende da transmissão da universalidade da empresa ou do estabelecimento desta, aplicando-se igualmente aos elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. (em igual sentido veja-se Acórdão do STA n.º 0234/17 de 04-10-2017). 

Como decorre do teor literal desta norma e do próprio enquadramento sistemático destas normas no CIRE, e não em qualquer outro diploma, a sua aplicação restringe-se a atos praticados na sequência de decisões tomadas em processos de insolvência ou de recuperação de empresas. 

Atendendo a jurisprudência elencada, compete analisar a factualidade, em concreto se aa Requerente adquiriu os imoveis em questão no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, de empresas.

A este propósito, veja-se o sumário do aresto que perfilhamos proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01044/17, de 14-03-2018:

"I - Quer o art.º 269.º quer o art.º 270.º do CIRE fazem um elenco detalhado dos atos que beneficiam de isenção de imposto de selo, quando devido, e, de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis indicando que tais atos, para beneficiarem das ditas isenções têm que cumprir um único requisito: estarem previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (atos) ou integrados (transmissões)em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação.

II - Trata-se de atos e transacções profundamente escrutinados pelo Tribunal onde corre termos o processo de insolvência, pelos administradores de insolvência, pelos credores da insolvência, pelo Magistrado do Ministério Público afecto ao processo, e, mais tarde pelos notários onde serão celebradas as escrituras públicas correspondentes. A prova de que as operações em questão se desenrolam num processo de insolvência é, diríamos, esmagadora.

III - O legislador não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário relativamente à concessão desta isenção. 

IV - O artigo 10.º n.º 8, al. d) prevê que são de reconhecimento automático as isenções constantes de legislação extravagante ao presente código, como é o CIRE.

Em linha com o Sumário, diz-se que “A interpretação e aplicação do disposto no referido art.º 10.º não prescinde de um momento prévio de indagação sobre se a isenção em causa é ou não de reconhecimento automático. Só depois de definida esta questão se pode o intérprete lançar a correr o referido artigo para descortinar em que concreta situação é enquadrável o caso concreto, para ver definido qual o procedimento legal a seguir para obtenção da isenção.

(...) Mas, para além disso, permitir, ou impor, que a concessão da isenção dependesse de requerimento apresentado perante a Administração Tributária ou seria mero acto de inútil burocracia, ou, permitiria conferir à Administração Tributária o poder de considerar que a isenção se aplicava numas circunstâncias e não em outras, o que cremos que o legislador não deu o menor sinal de achar adequado que ocorresse, e, por isso, não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário nesta matéria.”

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA 30/05/2012 rec. 0949/11 «o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade. (…) Como tal, deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Aplicando a legislação e jurisprudência exposta à factualidade descrita, verificamos que a Requerente adquiriu os imoveis em questão no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, encontrando-se assim preenchidos um dos critérios para beneficiar da isenção. 

Continuando a nossa análise dos critérios do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o teor literal desta norma é muito claro, e determina que a isenção de IMT pressupõe que as transmissões ocorram no âmbito de um processo de insolvência e incidam apenas sobre os imóveis da empresa ou de estabelecimentos. Neste contexto, não se pode, por via interpretativa, incluir no âmbito da norma as vendas de bens imóveis de pessoas singulares. 

Verificamos que Requerente adquiriu vários desses imóveis a pessoas singulares e não a empresas, nestas, a isenção de IMT, prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, conforme jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-07-2013, proc. 0765/13, entendendo que “terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”, não é aplicável.

Ainda  este respeito, o entendimento jurisprudencial tem sido uniforme no sentido de que “(…)a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de atos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial)” (vd., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-07-2013, proferido no processo n.º 0765/13).

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do CAAD, designadamente nas decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 649/2015-T, 512/2016-T, 514/2016-T e 518/2016-T, 343/2020T.

Poder-se-ia hipoteticamente colocar em analise a questão, que parte dos imoveis aqui adquiridos, foram-no a pessoas singulares que atuavam na qualidade de comerciantes ou que os imoveis adquiridos eram utilizadas para a atividade de comerciante em nome individual, e assim, poderiam estar incluídos no conceito de “empresa” do n.º 2 do 270.º do CIRC, contudo no caso em apreço, não resulta da prova produzida, que as pessoas atuaram nessa qualidade ou que os imoveis tinham essa finalidade. 

Assim, não se demonstra a verificação dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE.

Em consequência, as transmissões a pessoas singulares, nas quais foi liquidado o IMT, respetivamente:

1.     Liquidação n.º ..., de 10-08-2021, no valor de € 4.493,44 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 31-08-2021, relativa à aquisição de ½ do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Oliveira de Azeméis, adquirido, em 22-11-2013, a B..., no processo de insolvência n.º .../06...TBOAZ.

2.     Liquidação n.º ..., de 24-02-2021, no valor de € 599,21 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 25-02-2021, relativa à aquisição da fração autónoma “E” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Paredes, adquirida, em 07-10-2013, a C..., no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBVRL

3.     Liquidação n.º..., de 05-01-2021, no valor de € 249,25 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 06-01-2021, relativa à aquisição de ½ da fração autónoma “F” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Leiria, adquirido a D..., em 14-01-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBACB-C.

4.     Liquidação n.º ..., de 21-04-2021, no valor de € 29.852,37 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 22-04-2021, a os prédios urbanos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da freguesia do ..., concelho da Maia. - o prédio rústico, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia do ..., concelho da Maia, adquiridos a I..., em 10-02-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º .../14...T8STS.

5.     Liquidação n.º ..., de 08-01-2021, no valor de € 734,01 (DUC ...), com data-limite de pagamento voluntário em 11-01-2021, , relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ... (...), concelho de Ponta Delgada, adquirido a G... .

Oras estas liquidações no valor total de € 35.928,28, não são assim subsumíveis à previsão do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, concluindo assim pela sua legalidade, improcedendo o pedido da Requerente quanto a estas liquidações.

 Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido formulado a título principal, quanto às liquidações descritas.

Nestes termos, apenas quanto aos imóveis adquiridos a Empresas, foram-no em conformidade com os pressupostos exigidos pelo n.º 2, do artigo 270.º do CIRE, respetivamente as liquidações: 

1.     Liquidação n.º..., de 29-01-2021, no valor de € 3.640,00 (DUC...), com data-limite de pagamento voluntário em 01-02-2021, relativa à aquisição dos prédios urbanos (terrenos para construção), inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Figueira da Foz, adquiridos à sociedade E... Lda, em 10-02-2015, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBPBL-A.

2.     Liquidação n.º ..., de 04-06-2021, no valor de € 3.827,79 (DUC...), com data-limite de pagamento voluntário em 07-06-2021, relativa à aquisição das frações autónomas “AS”, “BA” e “BG” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Esposende, adquiridas, em 30-12-2015, à sociedade F..., SA., em liquidação.

3.     Liquidação n.º..., de 19-01-2021, no valor de € 3.460,00 (DUC...), com data-limite de pagamento voluntário em 20-01-2021, relativa à aquisição dos prédios rústicos, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Sintra, adquiridos à sociedade H..., Lda. 

Quanto a estas liquidações, e tendo-se concluído que a Requerente tem direito à isenção de IMT prevista no artigo 270.º do CIRE (apenas quanto aos imoveis já descritos), compete apreciar qual o prazo para o sujeito passivo solicitar a isenção do artigo 270.º por via do mecanismo de revisão oficiosa.

Por outras palavras, consiste em determinar face à factualidade assente, à legislação e jurisprudência supra elencada, se estamos perante um erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 78 da LGT, para se poder aplicar o prazo de quatro anos para a revisão oficiosa do ato tributário.

Conforme factualidade demonstrada, a Requerente adquiriu vários imoveis nos anos de 2013 a 2015, tendo solicitado no momento da sua aquisição a isenção de IMT ao abrigo do n.º 1 do artigo 8º do CIMT, que conferia uma isenção de 5 anos para a revenda. Não tendo a Requerente procedido à revenda nesse prazo, solicitou decorridos esses 5 anos a emissão da liquidação de IMT.

Face ao exposto e conforme já supra decidido, permite-se a cumulação das duas isenções de IMT e tratando-se da isenção do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE de caracter automático reportada à data da verificação dos respetivos pressupostos (artigo 12.º do EBF).

Liquidações essas que são agora alvo de apreciação, e sobre as quais a requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, sobre o qual a AT se pronunciou e indeferiu expressamente com base na intempestividade do pedido, por entender, que já tinha decorrido mais de 120 dias desde a data limite do pagamento da liquidação, e não se aplicaria o prazo de 4 anos previsto no nº 1 do artigo 78.º por não se verificar um erro imputável aos serviços.

Sucede que a AT, deveria ter verificado a existência de isenção antes da liquidação de IMT, porquanto a AT ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a existência da isenção, comete um erro subsumível a erro imputável aos serviços nos termos do  n.º 1 do artigo 78 da LGT, aplicando-se assim o prazo de 4 anos.

Ora, estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição do regime regra fica condicionada pela ausência de revenda dos imóveis, como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar.

No benefício fiscal descrito no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE a AT desenvolve uma atividade vinculada; caso se verifiquem os pressupostos, os seus efeitos reportam-se à data de aquisição do prédio.

Revertendo a referida interpretação para o caso concreto: a Requerente, no momento da aquisição, já beneficiava da isenção de IMT; a AT, ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a existência da isenção, pratica um ato ilegal – violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

A AT teve oportunidade de analisar o pedido da Requerente, tendo em sua posse toda informação necessária para aplicar a isenção do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, não o fez, pese embora tenha havido intervenção direta da AT.

Estamos perante uma situação que pode ser enquadrada no conceito de “erro imputável aos serviços” e desse modo a Requerente  beneficiar do prazo de quatro anos (após a liquidação) conforme o disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Perante o exposto, no caso presente o prazo de 4 anos não foi ultrapassado, o prazo da última liquidação terminou em 07/06/2021 e a Requerente apresentou o seu pedido de revisão oficiosa em 03/05/2022.

Termos em que procede parcialmente o pedido arbitral e em consequência devem ser anuladas as liquidações de IMT com os n.ºs ..., ... e ..., com todas as consequências legais.

 

4.3 Questões De Conhecimento Prejudicado

Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do Tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pela Requerente ou pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação as restantes questões submetidas a pedido de pronúncia.

 

4.4  Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios

Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Sobre esta questão o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa exprimiu, em anotação ao artigo 61.º do CPPT, uma posição que merece o nosso total acordo, segundo a qual “... a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto, por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 531 e 532).

Esta é também a posição dominante da jurisprudência do STA (vd., Ac. STA, de 07-09-2011, recurso n.º 0416/11, disponível em www.dgsi.pt/jsta).

Perante o exposto, a liquidação do IMT, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que a Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foi por aquela cometido e não poderia a mesma desconhecer entendimento diferente.

Na verdade, estando demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.º a 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT. 

Pelo exposto, dá-se provimento ao pedido da Requerente.

V.            Decisão

De harmonia com o supra exposto, decide este Tribunal Arbitral em julgar:

a)    Julgar improcedente a exceções suscitadas pela Requerida;

b)    Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência, anular as liquidações n.º..., ..., ..., no valor de € 10.927,79, e condenar a AT no reembolso do imposto liquidado;

c)    Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral; quanto as liquidações n.º ..., ..., ..., ..., ..., no valor de € 35.928,28€;

a)    Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, quanto as liquidações anuladas, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT. 

VI.      Valor do Processo 

Fixa-se ao processo o valor de 46.856,07 € (quarenta e seis mil oitocentos e cinquenta e seis euros e sete cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações de IMT cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

VII.     Custas

Custas no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cabendo à Requerida suportar 499,56 € (23,3%) e à Requerente 1.642,44€ (76.7%), na razão do respetivo decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

Lisboa, 15 de março de 2023

O árbitro

 

 

Paulo Ferreira Alves