Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 386/2022-T
Data da decisão: 2023-03-20  IMI  
Valor do pedido: € 271.956,11
Tema: IMI e AIMI – Impugnação do valor patrimonial tributário. Efeitos da intempestividade da impugnação de atos de fixação do valor patrimonial.
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Sumário:

1.     Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

2.     Os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de AIMI e de IMI que os têm como pressupostos.

3.     A não impugnação tempestiva dos referidos atos de avaliação conduz à formação de caso decidido ou resolvido sobre a avaliação do prédio em causa. 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Rui Fernandes Marrana e Martins Alfaro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

I. Relatório

 

a)     Os Requerentes, A..., S.A. (anteriormente designada “B... S.A.”) NIPC ..., C..., S.A. (anteriormente designada “D... S.A.”) NIPC ..., E..., S.A. (anteriormente designada “F... S.A.”), NIPC..., G..., S.A. (anteriormente designada “H... S.A.”), NIPC..., I..., S.A. (anteriormente designada “J... S.A.”), NIPC ..., todas com sede no ..., Paço de Arcos, ...-... Paço de Arcos, (doravante “Requerentes”), na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada perante o Serviço de Finanças de Lisboa ..., relativo às liquidações do IMI dos anos de 2017 a 2020 e das liquidações do AIMI dos anos de 2018 a 2021, que apuraram um valor a pagar no montante global de € 271.956,11 vêm, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.o e no artigo 10.o, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO e alegam, em resumo, o seguinte: 

a.     Foi aplicado pela AT um Coeficiente de localização superior a 1 em todas as avaliações do VPT efetuadas aos terrenos aqui em causa (exceto nas avaliações efetuadas em 26.12.2020 e 31.12.2020 aos terrenos identificados pelos artigos U-..., U-..., U-... e U-... em que já não foi aplicado pela AT qualquer Cl); 

b.     Foi aplicado pela AT um Coeficiente de afectação superior a 1 em todas as avaliações do VPT efetuadas aos terrenos aqui em causa (exceto nas avaliações efetuadas em 26.12.2020 e 31.12.2020 aos terrenos identificados pelos artigos U-..., U-..., U-... e U-... em que já não foi aplicado pela AT qualquer Ca); e que, 

c.     Foi aplicado pela AT um Vc (valor base dos prédios edificados) com a majoração de 25%, ou seja, um Vc de € 603 (em 2017) e de € 615 (em 2008 e 2020) em todas as avaliações do VPT efetuadas aos terrenos aqui em causa, ao invés do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração. 

d.     É, portanto, evidente que encontrando-se o VPT dos terrenos para construção ora identificados incorretamente fixado, são consequentemente ilegais, os atos tributários que lhe sobrevieram, nomeadamente, as liquidações de IMI e AIMI ora sindicadas no presente pedido de pronuncia arbitral, o que se invoca para os devidos efeitos legais. 

 

b)    A AT, na sua resposta, invoca matéria de exceção e, em segundo lugar, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:

a.     Importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária tem vindo a acolher o entendimento 

b.     preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo 

c.     considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto. 

 

DEFESA POR EXCEÇÃO - Da inexistência superveniente dos atos de avaliação cuja fórmula de cálculo é objeto dos presentes autos 

 

a.     Retomando a questão em apreço, importa relembrar que as Requerentes vêm pedir a anulação das liquidações impugnadas com base nos erros na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção. 

b.     Os prédios urbanos inscritos sob os artigos U-..., U-... e o U-... já foram objeto de nova avaliação em dezembro de 2020, vide doc. 1 do ppa e do artigo 9.º da presente resposta. 

c.     Assim, relativamente a estes artigos as avaliações ora impugnadas cuja fórmula de cálculo é contestada e refletidas nas liquidações de 2017, 2018 e 2019 de IMI e 2018, 2019. 2020 de AIMI, foram anuladas pelas avaliações posteriores deixando deste modo de ter existência jurídica. 

d.     Ou seja, foi praticado um novo ato de fixação de valores patrimoniais realizado nos termos do artigo 130.º do CIMI, que substituiu o anteriormente efetuado pelo que o ato de avaliação em crise já cessou a sua eficácia, o que impede a respetiva anulação administrativa, por o ato já não existir na ordem jurídica. 

e.     Assim, e uma vez que os eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados, pelo decurso do prazo de cinco anos ou pela cessação dos respetivos efeitos, e, nessa medida, se encontram consolidados juridicamente, 

f.      No que respeita ao prédio urbano inscrito sob o artigo U-..., foi objeto de avaliação em Dezembro de 2020, pelo que, como se retira do DOC 1 junto com o ppa, já foi avaliado de acordo com o entendimento jurisprudencial em vigor, ou seja, sem a consideração dos coeficientes de afetação e de localização. 

g.     Deste modo as liquidações de IMI 2020 e AIMI de 2021, deste artigo U-..., e dos artigos U-..., U-... e o U-..., já tiveram como base VPT que não tiveram em consideração os coeficientes de afetação e de localização, razão pela qual não sofrem dos vícios que lhes são apontados pelas Requerentes, devendo ser mantidos na ordem jurídica, porque legais. 

h.     Nessa medida, a presente impugnação deve ser considerada extinta nessa parte, pois carece de objeto no que se refere às liquidações de IMI 2020 e AIMI de 2021, deste artigo U-..., e dos artigos U-..., U-... e o U-..., pois não sofrem das ilegalidades apontadas, 

i.      A falta de objeto constitui causa de inutilidade superveniente da lide, o que termina a extinção da instância art.o 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art.o 2.º alínea e) do CPPT aplicável ex vi artigo 29.o do RJAT , o que desde já se requer na parte indicada. 

j.      O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,  

k.     Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. 

l.      E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação, 

m.   Não tendo as Requerentes colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.a avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. 

 

Sem conceder,

DEFESA POR IMPUGNAÇÃO

n.     Considera a Requerida que a pretensão das Requerentes relativamente às liquidações de 2017 a 2019 de IMI e 2018 a 2020 de AIMI, e às liquidações de IMI e AIMI do Prédio U..., não podem proceder porquanto: 

−  O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica; 

−  Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo; 

−  A Administração Tributária não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos. 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 23-06-2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-06-2021. Em 16-08-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 16-08-2021, não sem antes de ter sido removido um lapso processual relacionado com o valor do processo, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 23-09-2022, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou Resposta, em tempo, em 26-10-2022, tendo o requerente respondido às exceções em 10-11-2022.

 

Em 13-03-2023 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e já foi apresentada a resposta às exceções.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.»

 

 

II. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

As partes formulam o pedido em coligação de autores nos termos permitidos pelo n.º 1 do artigo 3.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

 

Em face das questões prévias colocadas (relativas à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral e à competência material do tribunal arbitral), impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas. Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.

 

 

III. Fundamentação

 

III.1. Matéria de facto

 

Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

 

a)     Quanto à A..., S.A. (anterior B... S.A.) 

a.     Para o prédio urbano inscrito sob o artigo U-... sito na freguesia do ..., concelho de Lisboa em 2020.12.08, foi entregue uma declaração modelo 1 do IMI, com o n.º ... e o motivo de pedido de avaliação por alteração de áreas (alínea n) do n.o 3 do artigo 130.º do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2020.12.31 e fixado o VPT de € 1.804.780,00, o qual não foi contestado nos termos do art.º 76.º do CIMI, pelo que o VPT se tornou definitivo e foi registado na matriz em 2021.03.11, com efeitos produzidos a 2020.12.08. 

b.     E foi o VPT de € 1.804.780,00 que serviu de base às liquidações do IMI para o ano de 2020 e à liquidação de AIMI do ano de 2021. 

c.     Verifica-se, que todas as notas de cobrança do IMI e de AIMI se encontram pagas. 

b)    Quanto à C..., S.A. (anterior D... S.A.) 

a.     Para o prédio urbano inscrito sob o artigo U-... sito na freguesia do ..., concelho de Lisboa, em 2017.12.29, foi entregue uma declaração modelo 1 do IMI, com o n.º ... e motivo de pedido de avaliação do VPT desatualizado (alínea a) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2018.02.16 e fixado o VPT de € 2.877.830,00 que, também, não foi contestado nos termos do art.º 76.º do CIMI, pelo que o VPT tornou-se definitivo e foi registado na matriz em 2018.04.11, com produção de efeitos a 2017.12.29. 

b.     E foi o VPT de € 2.877.830,00 que serviu de base às liquidações do IMI para os anos de 2017, 2018 e 2019 e às liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020. 

c.     Verifica-se que todas as notas de cobrança do IMI de 2017, 2018 e 2019 e de AIMI dos anos de 2018 a 2020 encontram-se pagas. 

d.     Em 2020.12.08, foi entregue uma nova declaração modelo 1 do IMI, com o n.º ... e o motivo de pedido de avaliação por alteração de áreas (alínea n) do n.º 3 do artigo 130.o do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2020.12.31 e fixado o VPT de € 1.844.940,00, o qual não foi contestado nos termos do arto 76.º do CIMI, pelo que o VPT se tornou definitivo e foi registado na matriz em 2021.03.11, com efeitos produzidos a 2020.12.08. Tendo servido de base à liquidação de IMI de 2020 e de AIMI de 2021. 

c)     Quanto à E..., S.A. (anterior F... S.A.) 

a.     Para o prédio urbano inscrito sob o artigo U-... sito na freguesia do ..., concelho de Lisboa, em 2017.12.29, foi entregue uma outra declaração modelo 1 do IMI, com o n.º ... e o motivo de pedido de avaliação do VPT desatualizado (alínea a) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2018.02.09 e fixado o VPT de € 2.886.340,00 que, também, não foi contestado nos termos do art.º 76.º do CIMI, pelo que o VPT tornou-se definitivo e foi registado na matriz em 2018.04.06, com efeitos produzidos a 2017.12.29. 

b.     E foi o VPT de € 2.886.340,00 que serviu de base às liquidações do IMI para os anos de 2017 a 2019 e às liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020. 

c.     Verifica-se que as todas as notas de cobrança do IMI de 2017 a 2019 e do AIMI de 2018 a 2020 encontram-se pagas. 

d.     Em 2020.12.08, foi entregue uma nova declaração modelo 1 do IMI, com o n.o ... e o motivo de pedido de avaliação por alteração de áreas (alínea n)do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2020.12.31 e fixado o VPT de € 1.789.320,00, o qual não foi contestado nos termos do artº 76º do CIMI, pelo que o VPT se tornou definitivo e foi registado na matriz em 2021.03.11, com efeitos produzidos a 2020.12.08. Tendo servido de base à liquidação de IMI de 2020 e de AIMI de 2021. 

d)    Quanto à G..., S.A. (anterior H... S.A.) 

a.     Para o prédio urbano inscrito sob o artigo U-... sito na freguesia do ..., concelho de Lisboa, em 2017.12.29, foi entregue uma outra declaração modelo 1 do IMI, com o n.º ... e o motivo de pedido de avaliação do VPT desatualizado (alínea a) do n.º 3 do artigo 130.o do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2018.02.09 e fixado o VPT de € 2.886.340,00 que, também, não foi contestado nos termos do art.º 76.º do CIMI, pelo que o VPT tornou-se definitivo e foi registado na matriz em 2018.04.06, com produção de efeitos a 2017.12.29. 

b.     E foi o VPT de € 2.886.340,00 que serviu de base às liquidações do IMI para os anos de 2017, 2018 e 2019 e às liquidações do AIMI para os anos de 2018 a 2020. 

c.     Verifica-se que todas as notas de cobrança do IMI de 2017 a 2019 e do AIMI de 2018 a 2020 encontram-se pagas. 

d.     Em 2020.12.08, foi entregue uma nova declaração modelo 1 do IMI, com o n.o ...  e o motivo de pedido de avaliação por alteração de áreas (alínea n) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI), tendo sido realizada a avaliação em 2020.12.31 e fixado o VPT de € 1.789.320,00, o qual não foi contestado nos termos do artº 76º do CIMI, pelo que o VPT se tornou definitivo e foi registado na matriz em 2021.03.04, com efeitos produzidos a 2020.12.08. Tendo servido de base à liquidação de IMI de 2020 e de AIMI de 2021. 

e)     Quanto à I..., S.A. (anterior J... S.A.) 

a.     Quanto ao prédio urbano inscrito sob o artigo U-... sito na freguesia do ..., concelho de Lisboa, da consulta do Detalhe de prédio urbano verifica-se que o prédio foi inscrito na matriz com efeitos a 2008.01.15. 

b.     Para tal, o anterior proprietário do imóvel apresentou a declaração modelo 1 do IMI n.º ..., em 2008.01.25, tendo sido desencadeado o procedimento avaliativo que ocorreu em 2009.01.12, e sido fixado o VPT de € 5.343.990,00, o qual se tornou definitivo e foi registado na matriz em 2013.10.22, com a produção de todos os seus efeitos. 

c.     O prédio foi adquirido por escritura pública lavrada em 2009.01.20 pela entidade ... J... S.A., a qual foi igualmente notificada do resultado da mencionada avaliação. 

d.     O sujeito passivo não apresentou qualquer declaração modelo 1 do IMI para efeitos de nova avaliação em sede de IMI para aquele lote de terreno para construção. 

e.     Assim, a liquidação do IMI de 2020 e do AIMI de 2021 tiveram por base o atual VPT de € 5.670.982,57, que igualmente resultou do fator de atualização consagrado no artigo 138.o do CIMI. 

f.      Verifica-se que todas as notas de cobrança do IMI de 2020 e de AIMI de 2021 encontram- se pagas. 

f)     As liquidações foram integralmente pagas pelos Requerente.

 

Factos provados e fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes.

 

A AT não apresentou processo administrativo.

 

 

III. 2. Matéria de Direito

 

A)   Quanto às exceções invocadas – inutilidade superveniente da lide (parcial)

 

Como decorre da posição da Requerida supra explanada, veio esta, em sede de Resposta, pugnar pela existência de inutilidade superveniente da lide relativamente:

·      No que respeita ao prédio urbano inscrito sob o artigo U-..., foi objeto de avaliação em Dezembro de 2020, pelo que, como se retira do DOC 1 junto com o ppa, já foi avaliado de acordo com o entendimento jurisprudencial em vigor, ou seja, sem a consideração dos coeficientes de afetação e de localização. 

·      Deste modo as liquidações de IMI 2020 e AIMI de 2021, deste artigo U-..., e dos artigos U-..., U-... e o U-..., já tiveram como base VPT que não tiveram em consideração os coeficientes de afetação e de localização, razão pela qual não sofrem dos vícios que lhes são apontados pelas Requerentes, devendo ser mantidos na ordem jurídica, porque legais. 

·      Nessa medida, a presente impugnação deve ser considerada extinta nessa parte, pois carece de objeto no que se refere às as liquidações de IMI 2020 e AIMI de 2021, deste artigo U-..., e dos artigos U-..., U-... e o U-..., pois não sofrem das ilegalidades apontadas, 

·      A falta de objeto constitui causa de inutilidade superveniente da lide, o que termina a extinção da instância art.o 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art.o 2.º alínea e) do CPPT aplicável ex vi artigo 29.o do RJAT , o que desde já se requer na parte indicada. 

Vejamos, pois, se assiste razão à Requerida.

 

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil ou impossível o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção.

 

A inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual ocorre quando, «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014.

 

No que concerne as liquidações de IMI 2020 e AIMI de 2021, deste artigo U-..., e dos artigos U- ..., U-... e o U-..., já tiveram como base VPT que não tiveram em consideração os coeficientes de afetação e de localização.

 

No entanto, a questão da inutilidade superveniente da lide é carecida de fundamento porquanto, pese embora, a invocação da anulação do ato autónomo e destacável referente à avaliação do prédio em causa, tal circunstância não teve por consequência a anulação de todos os demais atos tributários que aplicaram esse mesmo VPT administrativamente anulado.

 

Como refere, em bem, a Requerente, na resposta à exceção:

9.     «O facto de as avaliações aos artigos U-..., U-... e U-... que serviram de base a parte das liquidações ora impugnadas terem sido substituídas por outras (com efeitos a 31.12.2020, note- se) não poderá, contudo, determinar que a presente ação fique sem objeto, pois esta substituição não teve qualquer efeito nas liquidações impugnadas nos autos. 

10.  Aliás, a questão da falta de objeto só se colocaria caso as liquidações de IMI e AIMI ilegalmente emitidas (nomeadamente, as aqui sindicadas) tivessem sido oficiosamente anuladas e o montante de imposto tivesse sido reembolsado às Requerentes, o que não sucedeu.»

 

Não tendo, como não têm estes autos como objeto impugnatório o ato autónomo referente à fixação do VPT invocado como objeto de anulação, mas sim os atos tributários de liquidação de IMI e AIMI já supra melhor identificados na matéria de facto dada por provada e mantendo-se estes atos tributários vigentes na ordem jurídica, resulta insuscetível de provimento também neste particular a invocada existência de inutilidade superveniente da lide no que respeita às liquidações sobre os prédios com os artigos U-..., U-..., U-... e U-..., dado a AT não ter procedido a qualquer anulação, parcial ou total, que pudesse decorrer dessa eventual anulação do ato de fixação do VPT.

 

Deste modo, teremos de concluir que a pretensão do Requerente, a qual, recorde-se, se consubstancia na anulação relativo às liquidações do IMI dos anos de 2017 a 2020 e das liquidações do AIMI dos anos de 2018 a 2021, que apuraram um valor a pagar no montante global de € 271.956,11, com consequente restituição do imposto pago em excesso, não está, de todo, satisfeita, pelo que subsiste a utilidade ou interesse na manutenção da pronúncia arbitral, ou seja, por outras palavras, não se verifica a inutilidade superveniente da lide.

 

 

B)   Questão de fundo

 

Os Requerentes vêm impugnar atos de liquidação de IMI dos anos de 2017 a 2020 e das liquidações do AIMI dos anos de 2018 a 2021, que apuraram um valor a pagar no montante global de € 271.956,11, com fundamento em erros dos atos de fixação dos VPTS dos prédios sobre que incidiu o imposto, pelo que é necessário esclarecer se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de IMI e de AIMI que os têm como pressupostos.

 

A AT defende globalmente o seguinte: “não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação” (ponto 46.º da Resposta).

 

Afigura-se correto este entendimento da AT.

 

Na verdade, podemos até acrescentar, e seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro[1], por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

 

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

 

Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT em que se estabelece que:

 

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI ou de AIMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

 

No âmbito do IMI e do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

 

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial, nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

 

Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

Assim, o sujeito passivo de IMI e de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[2], desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI, quer de IMT.

 

Podemos até citar a decisão proferida no Processo 540/2020-T, deste Centro[3]:

 

«Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, atos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.»

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de IMI e de AIMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral quanto atos de liquidação de IMI dos anos de 2017 a 2020 e das liquidações do AIMI dos anos de 2018 a 2021, que apuraram um valor a pagar no montante global de € 271.956,11.

 

Por isso, as liquidações de IMI e de AIMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2017 a 2020 e das liquidações do AIMI dos anos de 2018 a 2021;

b)    Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia de € 271.956,11 com as demais consequências legais.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 271.956,11 (duzentos e setenta e um mil novecentos e cinquenta e seis euros e onze cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 4.896,00 (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de março de 2023.

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 

(Rui Marrana)

 

 

 

 

(Martins Alfaro, com declaração de voto)

Declaração de voto

Tenho entendido que, para efeitos de sindicabilidade da legalidade dos pressupostos legais dos actos tributários impugnados, seria possível ao Tribunal Arbitral apreciar os vícios atinentes à determinação da matéria colectável, vícios esses a conhecer a título incidental, enquanto vícios que se projectam nos actos tributários impugnados.

Porém, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 23-02-2023, no processo n.º 0102/22.2BALSB - Consultável em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/306ae99cff84424080258963004820a1?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 -, decidiu uniformizar a jurisprudência no sentido de que «deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável», pelo que, em consonância com a decisão vinda de citar, votei favoravelmente a presente decisão arbitral.

 

 

 

 

 

 



[1] Disponível em: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=540%2F2020&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=5428.

[2] Conforme podemos consultar nos seguintes processos:  de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-2-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

[3] Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=540%2F2020&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=5428.