SUMÁRIO: O abate das mercadorias no inventário deve ter como base critérios que permitam aferir da comprovação da sua concreta “destruição ou inutilização” e a “destruição de resíduos” deve ser efetuada por entidade devidamente licenciada para tal. A Requerente tem de demonstrar e provar a necessidade de manutenção da imparidade criada, e apresentar, os elementos de suporte à mesma para que esta possa ser considerada como custo nos termos do artigo 28.º do IRC.
***
Decisão Arbitral
I - Relatório
A... SA. com o NIPC..., e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Carnaxide, adiante a Requerente, tendo sido notificada da liquidação adicional de IRC n.° 2021..., no montante de € 109.346,48, relativa ao período de 2017, com data limite de pagamento em 10.01.2022 formulando o pedido que:
“a) Declare a ilegalidade da liquidação adicional de IRC, e, consequentemente, determine a sua anulação com todos os efeitos legais;
b) Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, pelo pagamento do imposto que, entretanto, vem efetuando em regime prestacional”.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-04-2022.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 27-05-2022, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os Signatários como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável tendo na mesma data sido notificadas as partes dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 15-06-2022.
Em 05-09-2022 a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação e juntou o PA.
Por despacho de 08-09-2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do mencionado despacho.
A 26-09-2022 a Requerente apresentou as alegações escritas.
Em 03-10-2022 a Requerida apresentou as suas alegações escritas em que defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 15 de dezembro de 2022, considerando a complexidade da matéria, foi prorrogado o prazo da prolação da decisão arbitral por 2 meses ao abrigo do art. 21.º, n.º 2 do RJAT.
Por despacho de 15 de fevereiro foi prorrogado o prazo da prolação da decisão arbitral por 2 meses ao abrigo do art. 21.º, n.º 2 do RJAT.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
III – Matéria de facto
III.1. Factos provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade anónima que exercia no exercício de 2017 a atividade principal de “Comércio Retalho de Mobiliário e Artigos Iluminação, Estab. Espec.”, a que corresponde o CAE 47591, encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável. (cfr. pág. 6 do PA)
B. A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção externa de âmbito parcial ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019... com o objetivo de controlo dos inventários.
C. Esta Inspeção externa de âmbito parcial ao IRC e IVA do exercício de 2017 teve como objetivo o controlo dos inventários. (cfr. pág. 5 do RIT)
D. No decurso da ação inspetiva, foram efetuadas correções aritméticas ao lucro tributável da Requerente, por esta não ter apresentado documentos de suporte às imparidades consideradas na contabilidade que permitissem validar os valores declarados, no valor de 425.046,85 € (cfr. pág. 9 do RIT).
E. Relativamente a 31-12-2017 a Requerente apresentava na conta 32 – Mercadorias um saldo de 398.735,26 €, “o qual resulta sobretudo do saldo a débito da conta 321 – Mercadorias – existências, com o total de 740.217,20 € e de perdas por imparidades acumuladas, no valor de 425.046,85 €, constantes a crédito da conta 329 (anexo 2, pág. 3)” (cfr. art.º 4 do PPA e pág. 8 do RIT).
F.A Requerente declarou na IES o valor de inventário, a 31 de dezembro de 2017, de 398.735,26 €, no quadro 04-A - Balanço, Campo A5113 e no quadro 0519-A - Inventários, Campo 4 (cfr. pág. 8 do RIT).
G. A Requerente não declarou, no campo 7, do quadro 0519-A - Inventários, qualquer montante referente a “Ajustamentos/perdas por imparidade acumuladas em inventários” (cfr. pág. 8 do RIT).
H. A Requerente apresentou, no decurso da ação inspetiva, o detalhe do inventário de 2017, no total de €398.735,26, (Cfr. doc. Junto ao RIT como anexo 3).
I. No dia 22/09/2021, os SIT notificaram a Requerente, com o intuito de verificar o valor das imparidades consideradas na conta 329, para identificar as mercadorias consideradas nas imparidades e respetivo valor (cfr. pág. 8 do RIT e pág. 3 do anexo 5).
J. A Requerente em resposta informou que "o montante de € 392711,05 refere-se aos anos de 2008, 2009, e 2010, de mercadorias da A... e que o montante de € 32 118,53, é referente à sociedade B... Lda, NIPC..., objeto de incorporação por fusão na A... em 2016".
J. E acrescentou que "dada a antiguidade e considerando que o software contabilístico utilizado nos anos de 2008, 2009 e 2010 era diferente do atual, ainda não nos foi possível obter informação adicional, com exceção do print doslançamentos contabilísticos". E referiu ainda que: “conforme indicado em reunião anterior, diligenciou junto da C.M. ... com o objetivo de obter o comprovativo de recolha dos bens abatidos pelos serviços municipais. Contudo, a resposta da C.M.... indica que não conseguem localizar o registo da recolha destes bens. Como referimos na reunião, foi pedida uma auditoria externa à área dos inventários. (cfr. pág. 5 do anexo 5 do RIT”).
K. Os SIT concluíram, face às informações e aos elementos fornecidos, que a Requerente não havia apresentado“documentos de suporte às imparidades consideradas na contabilidade, que possam validar efetivamente a mesma, o valor de 425.046,85 €, o mesmo será acrescido ao lucro tributável, conforme o disposto no n.o 3, do art.o 28.o, do CIRC”, decidindo acrescer tal valor ao lucro tributável declarado, no montante de 68.607,97 €, o que resultou no apuramento do lucro tributável corrigido no valor de 493.654,82 € (cfr. pág. 9 do RIT).
L. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto do RIT, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, através do ofício n.º..., de 15/10/2021 (cfr. pág. 12 do RIT e notificação junta ao PA).
N. No âmbito do direito de audição a Requerente reafirmou que as perdas por imparidade foram constituídas nos anos de 2008, 2009 e 2010 e que estas perdas revestem mais a natureza de abates, e a apresentou três autos de abate, assinados por administradores, mas não comprovou o efetivo abate das mercadorias, tendo afirmado no requerimento respeitante ao exercício do direito de audição que “Relativamente aos autos de abate, a Exponente ainda não conseguiu obter qualquer comprovativo de recolha dos bens abatidos junto da Câmara Municipal de ....” (cfr. pág. 13 do RIT e requerimento junto ao PA).
O. A Requerente, no decurso da ação inspetiva, apresentou o detalhe do inventário de 2017, no total de 398.735,26 €, explicando que as imparidades no montante de 425.046,85 € se decompõem no montante de 392.711,05 € referente aos anos de 2008, 2009 e 2010 e no montante de 32.118,53 € referente à sociedade B..., Lda., objeto de incorporação por fusão na A... em 2016.
P. A Requerente informou os SIT que tentou obter o comprovativo de recolha dos bens abatidos mas que em resposta a Câmara Municipal de ... indicou que não era possível localizar o registo da recolha dos bens.
Q. A Requerente não juntou aos autos prova do pedido efetuado à Câmara Municipal de ..., nem da resposta ao pedido da Requerente.
R. A Requerente invocou em sede de audição prévia que pediu uma auditoria externa à área dos inventários, mas não juntou qualquer relatório dessa alegada auditoria.
S. Por comunicações de Maio e Junho de 2021 via e-mail a Requerida solicitou à Requerente guias de acompanhamento para resíduos, respectivos certificados de destruição, e comprovativos de recolha, e a Requerente pelo seu contabilista informou que não os tinha. (cfr. Anexo 4 ao RIT)
T. A Requerida apreciou o alegado pela Requerente na audição prévia como consta de pp. 14-16 do RIT.
III.2. Factos não provados
Não resultou provado o abate das mercadorias.
Não existem outros factos essenciais não provados, uma vez que os demais factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.
III. 3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).
No que se refere à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e o PA junto pela Requerida.
Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica.
IV – Matéria de direito
O thema decidendum refere-se à apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação adicional do IRC referente ao exercício de 2017, que resulta da desconsideração dos gastos contabilizados e declarados para efeitos fiscais em sede de imparidades em inventários na sequência do procedimento inspetivo realizado pela AT em que a Requerente entende que a Requerida não fundamentou a liquidação efetuada e violou do princípio do inquisitório.
Vejamos:
A Requerente sustenta que:
“A fundamentação do relatório é confusa, não permitindo alcançar se “faz a correção porque considera que o montante em causa não foi reposto, como resulta da norma a que faz referência (n.º 3 do artigo 28.º do CIRC) ou se considera que não foi apresentada a listagem dos bens para os quais em 2008/2010 foram reconhecidas perdas por imparidade, no montante acumulado de 425 046,85 €, sem que a conta tenha registado qualquer movimento após aquele período”.
As perdas por imparidade foram constituídas nos anos de 2008 a 2010 e pela prova documental que conseguiu carrear para o processo, é inequívoco que as perdas por imparidade foram constituídas nos referidos anos, que não foi respeitado o critério fiscal na sua quantificação e que foram incorretamente reconhecidas”.
E refere ainda que: “Não obstante, a Requerente contratou serviços externos que fizeram uma auditoria aos stocks, tendo conseguido recuperar elementos contabilísticos da gestão de stocks que permitem demonstrar para cada uma das referências (mercadorias) que foram objeto de reconhecimento de perda por imparidade na A..., se tais bens ainda existiam em 31.12.2016 e, no caso de existirem, se o valor por que se encontravam registados (preço médio) era superior ao valor realizável líquido que serviu de base ao reconhecimento da perda por imparidade.
E a auditoria concluiu que já não existiam em stock na referida data mercadorias para as quais foram constituídas perdas por imparidade no montante de € 367 647,49, como aliás foi demonstrado na folha de excel remetida à inspeçãotributária, no âmbito do direito de audição, e que, ao que tudo indica, não terá sido sequer analisada. Com efeito, a ora Requerente listou as referências de todos os artigos para os quais foi constituída perda por imparidade nos anos de 2009 a 2010, e cruzou com as referências dos artigos em inventário em 31.12.2016.
Desse cruzamento é, obviamente, possível confirmar se as referências em causa ainda existiam em 31.12.2016, isto é, se tais mercadorias ainda estavam em stock nesta data.
Ora, a inspeção não anexou ao Relatório o direito de audição nem os respetivos anexos e não emitiu qualquer juízo valorativo sobre os elementos constantes do referido ficheiro, podendo concluir-se que não terá sequer aberto tal ficheiro, tanto mais que não lhe faz qualquer menção na Resposta ao direito de audição”.
Com efeito, para demonstrar que tais bens foram alienados ou abatidos e já não existem, não é necessário especificar a data em que cada um deles foi transmitido ou abatido como, aparentemente, considera a inspeção tributária: É de salientar que compete à A... comprovar o detalhe das referidas imparidades, contudo se os bens foram vendidos ou objecto de abate, não podemos olvidar que o ónus da prova de tais factos pertence ao sujeito passivo Com efeito, essa prova não foi efetuada no âmbito do direito de audição. Basta-lhe provar que tais bens já não existiam no início do exercício de 2017.
O que a Requerente fez no âmbito do procedimento de inspeção. Já a inspeção não pode ficar numa atitude passiva, como se, nos termos do artigo 6.º do RCPITA não recaísse sobre ela o dever de descoberta da verdade material, como referem Joaquim de Freitas Rocha e João Damião Caldeira em Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, Coimbra Editora, a págs.47, "a Administração Fiscal não pode em circunstância alguma fazer valer-se das regras do ónus de prova para não realizar as diligências que se afigurem necessárias ao apuramento da verdade material.
E, neste caso, a inspeção tributária não realizou quaisquer diligências: não fez qualquer contagem física dos inventários, não visitou os armazéns da Requerente, não analisou a folha de excel que foi apresentada com o cruzamento dos bens em imparidade com os inventários em 31.12.2016, para confirmar se tais bens existiam ou não, e não solicitou quaisqueresclarecimentos. Limitou-se a proferir uma afirmação de natureza conclusiva sem qualquer apreciação da matéria de facto”.
A AT considera que não assiste razão à Requerente porque “vem aduzir na presente ação arbitral a mesma argumentação que já havia invocado no âmbito do exercício do direito de audição sobre o projeto de RIT, argumentação que, ao contrário do que sustenta a Requerente, foi devidamente analisada e rebatida pelos SIT”.
Sendo ainda de referir que, tal como resulta da factualidade supra exposta, a Requerente informou os SIT que tentou obter o comprovativo de recolha dos bens abatidos, mas em resposta a Câmara Municipal de ... indicou que não era possível localizar o registo da recolha dos bens;
Não obstante, não foi junta aos autos prova do pedido efetuado à Câmara Municipal de ..., nem da resposta ao pedido da Requerente.
Salienta-se, também, que já em sede inspetiva a Requerente invocou, tal como invoca agora, que pediu uma auditoria externa à área dos inventários, contudo não foi junto aos autos nenhum relatório dessa alegada auditoria, que necessariamente teria que ser elaborado.
Afirma ainda a AT que “a Requerente continua a sustentar, tal como sustentou em sede inspetiva, que as imparidades se referem a bens descontinuados, vendidos ou abatidos em exercícios passados.
Ora, de acordo com o disposto no parágrafo 29 da NCRF 18 e na NCRF-PE, «os inventários são geralmente reduzidos para o seu valor realizável líquido item a item. Nalgumas circunstâncias, porém, pode ser apropriado agrupar unidades semelhantes ou relacionadas. Pode ser o caso dos itens de inventário relacionados com a mesma linha de produtos que tenham finalidades ou usos finais semelhantes, que sejam produzidos e comercializados na mesma área geográfica e não possam ser avaliados separadamente de outros itens dessa linha de produtos”.
Nestes termos, como bem esclarece o RIT, «de forma a suportar os valores dos registos contabilísticos, das perdas por imparidade do inventário, independentemente do ano em que tenham sido constituídas, o sujeito passivo deve ter em sua posse uma listagem, com a comprovação da redução de preços de cada item ou grupos de itens semelhantes”.
(...)
“Assim, se os bens objeto das imparidades criadas em 2008, 2009 e 2010 já não existissem à data de 31/12/2016, teria a Requerente que apresentar prova de que tais mercadorias haviam sido transmitidas ou abatidas em exercício anterior ao de 2017, o que não aconteceu”.
E a AT acrescenta que “Certo é que o valor referente às perdas por imparidade se encontrava a afetar negativamente o Ativo da Requerente, pelo que esta devia manter em sua posse os documentos de validação da evidência contabilística, enquanto esta perdurar, de forma a mesma possa ser devidamente validada.
Deste modo, a Requerente não demonstrou, no âmbito da ação inspetiva, a necessidade de manutenção da imparidade criada, pois não apresentou, os elementos de suporte à mesma”.
E considera também: “É que na ausência de qualquer prova produzida nesse sentido, não é possível confirmar o destino dado aos inventários, nem o critério utilizado pela Requerente para efeitos de valorização/contabilização da perda resultante, alegadamente, da destruição/abate dos bens”.
Vejamos:
A regra geral do ónus da prova recai sobre quem os invoque, nos termos dos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do CC.
Dispõe o artigo 74.º, n.º 1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”, em consonância com o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil: 1. “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
A AT provou, como demonstra no RIT, que estão verificados os pressupostos legais que legitimam as correções aos elementos declarados pela Requerente, pelo que passa a incumbir-lhe (à Requerente) a prova que ponha em causa os montantes corrigidos, de acordo com o referido artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
A AT, no RIT prova a inexistência de documentos de suporte das imparidades mantidas na contabilidade da Requerente e esta não carreou para os autos prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, tal como determina o artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
Relativamente à apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação adicional do IRC referente ao exercício de 2017, que resulta da desconsideração dos gastos contabilizados e declarados para efeitos fiscais em sede de imparidades em inventários a posição das partes (cfr. também supra) é a seguinte:
A Requerente sustenta a sua pretensão nos seguintes argumentos:
As perdas por imparidade revestem a natureza de "abates" por se referirem a bens que “deixaram então de constar dos seus inventários», sendo que “a reversão de uma perda por imparidade deve ocorrer quando os bens para os quais foi constituída tiverem sido alienados ou abatidos, o que no caso teria acontecido em anos anteriores”.
De acordo com o disposto nos artigos 18.º e 28.º n.º 3 do CIRC e com normativo contabilístico (NCFR 18) “a perda por imparidade é anulada no período em que os correspondentes bens forem transmitidos ou abatidos”, pelo que “é ilegal a imputação ao período de 2017 da reposição da perda por imparidade».
O documento de suporte do lançamento efetuado em 30/06/2009, apresentado no âmbito do procedimento de inspeção, prova que a Requerente “devia ter feito era um abate em vez de ter constituído uma provisão para depreciação de mercadorias”.
Do documento apresentado resulta que “havendo uma diferença em quantidades, apurada na contagem do inventário, (...) estamos perante uma perda que devia ter tido como contrapartida a conta 38 — Regularização de existências em vez da conta 39 - Ajustamentos de existências”.
Caso “o lançamento contabilístico tivesse sido feito corretamente, o saldo da conta 392 não existiria e os efeitos contabilísticos e fiscais do abate ter-se-iam consolidado na ordem jurídica em 2009”. Assim, “em consequência de tal erro (...) tem na sua contabilidade um saldo credor na conta 329 de 425.047,00 €, que não corresponde a qualquer diferença entre o custo de aquisição de mercadorias e o valor realizável líquido, e tem igualmente, um valor bruto na conta 321 de 740.217,20 € que não corresponde à realidade”.
No âmbito de uma auditoria externa realizada aos stocks, foi possível concluir que, relativamente ao montante de € 367 647,48 de perdas por imparidade, os correspondentes bens já não existiam “como aliás foi demonstrado na folha de excel remetida à inspeção tributária, no âmbito do direito de audição, e que, ao que tudo indica, não terá sido sequer analisada”.
Ocorreu a violação do ao princípio do inquisitório, porquanto “a inspeção tributária não realizou quaisquer diligências: não fez qualquer contagem física dos inventários, não visitou os armazéns da Requerente, não analisou a folha de excel que foi apresentada com o cruzamento dos bens em imparidade com os inventários em 31.12.2016, para confirmar se tais bens existiam ou não, e não solicitou quaisquer esclarecimentos”.
Posição da Requerida
Entende a AT que não assiste razão à Requerente porque “vem aduzir na presente ação arbitral a mesma argumentação que já havia invocado no âmbito do exercício do direito de audição sobre o projeto de RIT, argumentação que, ao contrário do que sustenta a Requerente, foi devidamente analisada e rebatida pelos SIT”.
Com efeito, os SIT constataram (cfr. pág. 14 do RIT), mediante a análise à contabilidade da Requerente, que consta na conta 32 – Mercadorias, um saldo de 398.735,26 €, o qual resulta do saldo a débito da conta 321 – Mercadorias – existências, no total de 823.782,11 € e de perdas por imparidades acumuladas, no valor de 425.046,85 €, refletidas a crédito da conta 329, conforme extrato do Balancete infra:
Do RIT consta, ainda que, a Requerente declarou na IES, o valor de inventário a 31 de dezembro de 2017, de 398.735,26 €, no quadro 04-A - Balanço, Campo A5113 e no quadro 0519-A - Inventários, Campo 4;
Refere também o RIT que a Requerente não mencionou no campo 7, do quadro 0519-A - Inventários, qualquer montante referente a “Ajustamentos/perdas por imparidade acumuladas em inventários”.
Ora, a Requerente, no decurso da ação inspetiva, apresentou o detalhe do inventário de 2017, no total de 398.735, 26 €, explicando que as imparidades no montante de 425.046,85 € se decompõem no montante de 392.711,05 € referente aos anos de 2008, 2009 e 2010 e no montante de 32.118,53 € referente à sociedade. B..., Lda., objeto de incorporação por fusão na A... em 2016.
Sendo ainda de referir que, tal como resulta da factualidade supra exposta, a Requerente informou os SIT que tentou obter o comprovativo de recolha dos bens abatidos, mas em resposta a Câmara Municipal de ... indicou que não era possível localizar o registo da recolha dos bens;
Não obstante, não foi junta aos autos prova do pedido efetuado à Câmara Municipal de ..., nem da resposta ao pedido da Requerente.
Salienta-se, também, que já em sede inspetiva a Requerente invocou, tal como invoca agora, que pediu uma auditoria externa à área dos inventários, contudo não foi junto aos autos nenhum relatório dessa alegada auditoria, que necessariamente teria que ser elaborado”.
Afirma a AT que “a Requerente continua a sustentar, tal como sustentou em sede inspetiva, que as imparidades se referem a bens descontinuados, vendidos ou abatidos em exercícios passados”.
Ora, de acordo com o disposto no parágrafo 29 da NCRF 18 e na NCRF-PE, “os inventários são geralmente reduzidos para o seu valor realizável líquido item a item. Nalgumas circunstâncias, porém, pode ser apropriado agrupar unidades semelhantes ou relacionadas. Pode ser o caso dos itens de inventário relacionados com a mesma linha de produtos que tenham finalidades ou usos finais semelhantes, que sejam produzidos e comercializados na mesma área geográfica e não possam ser avaliados separadamente de outros itens dessa linha de produtos”.
Nestes termos, como bem esclarece o RIT, “de forma a suportar os valores dos registos contabilísticos, das perdas por imparidade do inventário, independentemente do ano em que tenham sido constituídas, o sujeito passivo deve ter em sua posse uma listagem, com a comprovação da redução de preços de cada item ou grupos de itens semelhantes”.
Determina também a NCRF 18 que, caso uma entidade efetue registos de perdas por imparidade num período contabilístico tem por obrigação, em cada um dos períodos seguintes, efetuar testes de imparidade para confirmar ou infirmar a sua manutenção;
E, se em resultado desses testes, se vier a verificar que a perda por imparidade já não se verifica, deve a entidade reverter essa mesma perda, a qual, caso tenha sido constituída em conformidade com os preceitos fiscais, releva positivamente para efeitos da determinação da matéria coletável no período, isto é, a reversão de uma perda por imparidade que tenha sido dedutível é tributada.
Sendo que, nas situações em que a perda anormal não permita a comunicação para a sua verificação, como é o caso do abate, a entidade deve manter em arquivo as provas que a justifiquem. Continuando,
O abate das mercadorias do inventário tem que assentar em critérios que permitam aferir da comprovação da sua concreta” destruição “ou inutilização” e que a “destruição de resíduos” deve ser efetuada por entidade devidamente licenciada para tal.
Assim, se os bens objeto das imparidades criadas em 2008, 2009 e 2010 já não existissem à data de 31/12/2016, teria a Requerente que apresentar prova de que tais mercadorias haviam sido transmitidas ou abatidas em exercício anterior ao de 2017, o que não aconteceu.
Certo é que o valor referente às perdas por imparidade se encontrava a afetar negativamente o Ativo da Requerente, pelo que esta devia manter em sua posse os documentos de validação da evidência contabilística, enquanto esta perdurar, de forma a mesma possa ser devidamente validada.
Deste modo, a Requerente não demonstrou, no âmbito da ação inspetiva, a necessidade de manutenção da imparidade criada, pois não apresentou, os elementos de suporte à mesma.
Omissão probatória que se mantém na presente ação arbitral, incumprindo a Requerente o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, tal como determina o artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
Com efeito, não bastaria apenas provar que tais bens já não existiam no início de 2017, sendo necessário que a Requerente prove o destino dado aos mesmo e em que momento.
É que na ausência de qualquer prova produzida nesse sentido, não é possível confirmar o destino dado aos inventários, nem o critério utilizado pela Requerente para efeitos de valorização/contabilização da perda resultante, alegadamente, da destruição/abate dos bens.
Assim, não tendo sido apresentados documentos de suporte às imparidades consideradas na contabilidade e nas declarações fiscais, não foi possível aos SIT validarem o procedimento adotado pela Requerente.
Pelo que, bem entenderam os SIT que o valor de 425.046,85 € de imparidades terá que ser acrescido nos termos do nº 3 do artigo 28.º do CIRC, normativo que dispõe que a reversão das perdas por imparidade previstas no n.o 1 concorre para a formação do lucro tributável.
Vejamos:
Com efeito, resulta do RIT que a Requerente declarou imparidades resultantes de abates relativamente a anos anteriores mas não possui documentos que permitam comprovar esses registos contabilísticos, e a AT cumpriu integralmente o ónus da prova que sobre si impende.
O valor do pedido de pronúncia arbitral é de 109.346,48€, o qual tem subjacente uma correção ao lucro tributável em sede de IRC de 425.046,85€ e decompõe-se em:
· 392.711,05€ relativos a mercadorias da A...;
· 32.118,53€ relativos à sociedade B..., objeto de incorporação por fusão na A... em 2016.
Apesar do processo se referir aos dois pontos acima referidos, toda a argumentação de ambas as partes é sobre o valor das mercadorias. Assim, é sobre este valor de 392.711,05€ que incidirá a análise abaixo.
Quanto ao que refere a Requerente, as imparidades foram registadas entre 2008 e 2010, tendo registado o abate contabilisticamente em 2017.
Neste seguimento, e apesar de solicitado pela AT, a Requerente não apresentou o auto de abate dos bens, indicando que continuam a aguardar a informação por parte da Câmara Municipal de .... No entanto, a Requerente concorda que não deveria ter registado em imparidades entre os anos de 2008 e 2010, devendo ter registado imediatamente como abates.
Do ponto de vista contabilístico e fiscal, uma vez que a Requerente confirma que se tratou de abates e não de registos de imparidades, o lançamento foi incorretamente efetuado.
Por um lado, o registo contabilístico das imparidades, implica que o valor bruto do inventário continue registado na classe 3, estando deduzido das imparidades registadas na conta 329 (reconhecidas anualmente como gastos na conta 652).
Por outro lado, a contabilização dos abates é efetuada através da redução do valor bruto do inventário, por contrapartida da conta 684. No caso em concreto, a Requerente registou as imparidades na conta 329, reduzindo o valor líquido das mercadorias.
Conforme indicado na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 18 – Inventários, “Os inventários são geralmente reduzidos para o seu valor realizável líquido item a item. Em algumas circunstâncias, porém, pode ser apropriado agrupar unidades semelhantes ou relacionadas. Pode ser o caso dos itens de inventário relacionados com a mesma linha de produtos que tenham finalidades ou usos finais semelhantes, que sejam produzidos e comercializados na mesma área geográfica e não possam ser avaliados separadamente de outros itens dessa linha de produtos”.
Apesar de serem situações similares em termos de gasto contabilístico, o impacto no apuramento da matéria coletável é diferente, uma vez que o abate exige que a empresa tenha em sua posse o auto de abate como documento de suporte. De igual modo, o Ofício-Circulado n.º 35 264 – SIVA, de 24 de outubro de 1986 indica que “os sujeitos passivos, no seu próprio interesse, poderão elaborar e conservar um auto de destruição ou inutilização dos bens objeto de abate, testemunhado pelas pessoas estranhas ou não à empresa que presenciaram aquele ato”.
Não tendo este auto de abate, em 2017, o gasto associado ao abate não poderá ser aceite fiscalmente, existindo um rendimento (reversão da imparidade) a ser considerado, por outro lado, como matéria coletável.
Mesmo se a Requerente tivesse registado em abates nos exercícios de 2008 a 2010, conforme indica que teria sido o procedimento mais correto, o gasto também não seria aceite, uma vez que o mesmo não se encontra suportado documentalmente, isto é, não existe qualquer documento associado e de prova do abate.
O CIRC refere no seu artigo 23.º nº 3 que “os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para o efeito”. No caso em apreço não existe qualquer suporte documental.
O CIRC refere também no seu artigo 17.º que “….. a determinação do lucro tributável seja efetuada com base na contabilidade (nº 1)…… e a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística (nº3)….”.No caso em apreço não foi efetuado o adequado registo das imparidades nos exercícios de 2008 a 2010 (que deveriam ter sido abates), nem o registo do abate no exercício de 2017 por falta de suporte documental.
Pelo exposto, entende este Tribunal Arbitral que os documentos de suporte apresentados pela Requerente são insuficientes para comprovar as imparidades registadas.
Assim, a desconsideração para efeitos fiscais dos gastos incorridos pela Requerente com o ajustamento em inventários, no montante de €109.346,48 que a AT realizou, foi legal e encontra-se devidamente justificada no PA.
Quanto à alegada violação do Princípio do Inquisitório
A Requerente defende que a Requerida não cumpriu com o seu dever de apreciação dos documentos apresentados durante o Processo de Inspeção e elementos factuais ou jurídicos, e
não terá sequer analisado tais listagens e nem procurou verificar se tais mercadorias ainda constavam ou não do inventário de 2016 ou de 2017 e não “terá sequer analisado a folha de excel que lhe foi apresentada, já que não lhe faz qualquer menção no Relatório”.
A Requerida na Resposta afirma que (...) tendo os SIT solicitado à Requerente o esclarecimento de dúvidas sobre os registos contabilísticos em causa, nomeadamente tendo-a notificado para apresentar documentos justificativos dos valores das imparidades, a sua atuação cumpriu integralmente as normas legais a que se encontra adstrita, mormente o princípio do inquisitório”.
Vejamos.
O artigo 58.º da Lei Geral Tributária consagra o princípio do inquisitório, segundo o qual a AT deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.
E, contrapartida, os sujeitos passivos têm o dever de colaboração consagrado no artigo 59.º da Lei Geral Tributária.
Consultando o PA, podemos verificar que a AT fez a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a alterações aos rendimentos declarados. Assim, passou a incumbir à Requerente suscetível de pôr em causa os montantes corrigidos, de acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, prova que, reitera-se, não foi efetuada nem em sede de procedimento administrativo de inspeção nem na presente ação arbitral.
A AT durante o processo de inspeção solicitou esclarecimentos à Requerente.
Como consta do RIT os esclarecimentos prestados e os documentos recolhidos foram devidamente analisados pela AT. (Cfr. págs. 12 a 16 do RIT)
A Requerente não forneceu a documentação suficiente para comprovar a existência das imparidades no exercício em causa, nem logrou apresentar documentos para comprovar o abate efetivo das mercadorias. (Cfr. págs. 9 e seguintes do RIT)
A Requerente em sede de audiência prévia e em resposta aos pedidos de esclarecimentos feitos pela AT não apresentou os documentos necessários a provar o destino e as datas dos abate das mercadorias que alega já não existirem no início de 2017.
A consagração do princípio do inquisitório não significa a desvalorização da participação e colaboração dos contribuintes no procedimento, para apuramento dos factos. Se o sujeito passivo não esclarece cabalmente as questões que lhe são solicitadas e não apresenta os documentos solicitados, a AT não pode substituir-se ao contribuinte na procura de documentos que este afirma não terem sido emitidos relativamente ao abate das mercadorias.
O contribuinte tem o dever jurídico de informar a AT de todos os documentos que possam provar os factos por si alegados.
E, como é mencionado no Processo 752/2019-T, de 03-10-2020, quando se pronuncia no sentido de que, “tendo sido a Requerente notificada para apresentar elementos contabilísticos e prestar esclarecimentos”, teve a oportunidade de juntar documentos de suporte de despesas a justificar a divergência.
Conclui-se que a AT cumpriu com o princípio do inquisitório a que está obrigada face à patente falta de suporte probatório por parte da Requerente.
Nestes termos considera-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
V. Decisão
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de IRC e respetivos juros, relativo ao período de tributação de 2017;
b) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios
c) Condenar a Requerente nas custas do processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 109.346,48 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º 2 do artigo 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se
Lisboa, 23 de março de 2023
Os Árbitros
___________________
(Regina de Almeida Monteiro -Árbitro Presidente e relator)
______________________
(Rui Manuel Correia de Pinho - Árbitro Adjunto)
____________________
(Sofia Ricardo Borges - Árbitro Adjunto)