Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 491/2022-T
Data da decisão: 2023-03-14  IRS  
Valor do pedido: € 6.787,79
Tema: IRS - inutilidade superveniente – juros indemnizatórios
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SUMÁRIO

 

  1. É admissível a revogação do ato por parte da AT no decurso do processo arbitral, ainda que para lá do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT.
  2. Extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação do ato pela AT, deve ainda assim ser apreciado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que a revogação operada não satisfaz integralmente a pretensão deduzida no processo.
  3. Para os casos de revisão oficiosa, a lei contém a regra especial prevista no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, em que o direito a juros indemnizatórios apenas nasce quando “a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste (…)”.
  4. Considerando que o pedido de revisão oficiosa deu entrada a 01/02/2022 e a revogação do ato pela AT ocorreu a 31/10/2022, ainda que a revogação tenha sido operada já após o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e no decurso do processo arbitral, não se encontra preenchida a condição imposta pela lei para reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., com o NIF ..., residente no ..., ..., ..., Luanda, Angola, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), com referência ao ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021..., relativo ao período de tributação de 2018, o qual apurou imposto a pagar no valor de € 7.334,52, assim como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 13.07.2021 e de juros compensatórios n.º 2021..., bem como do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2022..., proferido em 23/05/2022 e notificado através do Ofício n.º ..., de 24/05/2022.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 16/08/2022, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

O pedido foi comunicado à Requerida no dia 22/08/2022.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário em 04/10/2022, sem oposição das partes.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 24/10/2022.

Em 18/11/2022 o Requerente comunicou ao Tribunal a decisão da Requerida de revogar o ato objeto do presente PPA, juntando a documentação respetiva.

Em 30/11/2022, a Requerida apresentou a Resposta, concluindo pela inutilidade superveniente da lide, por revogação do ato objeto do PPA, bem como pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

Em 12/12/2022, o Requerente apresentou requerimento no sentido de, não obstante a referida decisão de revogação por parte da Requerida, não concordar com a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, na medida em que não chegou a ser decidida a questão relativa ao direito a juros indemnizatórios.

Por Despacho de 25/01/2023 foi dispensada a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, convidou-se as partes para alegações escritas facultativas, pelo prazo sucessivo de dez dias, alegações que Requerida e Requerente apresentaram em 7 e 17 de fevereiro de 2023, respetivamente.

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.

O Requerente foi notificado, através de Ofício datado de 24/05/2022, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Tendo o PPA dado entrada a 16/08/2022, e independentemente da data em que o Requerente se considerou notificado do referido ofício (sempre posterior à data do ofício), o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT foi cumprido, pelo que o presente pedido de constituição de tribunal arbitral tem-se por tempestivo.

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 2018 o Requerente era residente fiscal em Angola, tendo apresentado declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, onde incluiu rendimentos de capitais obtidos em Portugal (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
  2. Na sequência da apresentação da declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, o Requerente foi notificado, através do Ofício n.º..., de 24/06/2021, para o exercício do direito de audição prévia relativamente à proposta da AT para, no seguimento da divergência detetada (rendimentos de capitais declarados inferiores aos conhecidos), efetuar um conjunto de correções relativas a rendimentos de capitais alegadamente obtidos em Portugal (cfr. Documento n.º 4 junto com o PPA).
  3. Em 04/07/2021, o Requerente procedeu à entrega da declaração de substituição n.º ...-... -..., onde declarou a totalidade dos valores indicados pela AT (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
  4. Na sequência da apresentação da declaração Modelo 3 de substituição, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2021..., de 10/07/2021, objeto do presente PPA, a qual apurou imposto a pagar no valor de € 7.334,52, com data-limite de pagamento o dia 31/08/2021 (cfr. Documento n.º 1 junto com o PPA).
  5. Em 08/10/2021, foi o Requerente notificado da instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS de 2018 e 2020, cuja quantia exequenda perfazia o montante de € 18.806,43 (€ 7.334,52 relativo ao IRS de 2018 e de € 11.471,91 relativa ao IRS de 2020), ao qual acresceram juros de mora e custas,  totalizando o montante de € 19.068,67, o qual foi pago pelo Requerente em 22/10/2021 (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida, estando também em consonância com documentação junta no PPA como documento n.º 6).
  6. Em 01/02/2022 o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da identificada liquidação de IRS, alegando que esta incluía IRS sobre rendimentos de obrigações nacionais que não devem ser sujeitos a tributação, uma vez que estão isentos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 193/2015 - Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida (cfr. Documento n.º 9 junto com o PPA).
  7. A AT, no projeto de indeferimento do referido pedido, refere que “no que diz respeito à invocada isenção de tributação de juros de obrigações nacionais pagos pelo Banco Santander Totta SA., no valor de € 24.242,09, é de notar que, tal rendimento resulta das declarações Mod. 30 apresentadas pelo referido Banco, com a indicação de tributação pelo regime geral (código 1) e não, pelo Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida (18)” (cfr. Documento n.º 9 junto com o PPA).
  8. O Requerente exerceu o direito de audição prévia do projeto de indeferimento acima referido, tendo apresentado uma declaração emitida pelo Banco Santander em que o Banco informa que “vai atualizar junto da Autoridade Tributária, a informação anteriormente enviada (em anexo), relativa aos rendimentos pagos durante o ano de 2018. O Banco vai enviar instruções para que os rendimentos do Cliente (A...), contribuinte fiscal n.º ... sejam sujeitos a tributação pelo Regime Especial de Tributação dos Rendimentos Mobiliários Representativos de Dívida (código 18), de modo a que reúnam todos os requisitos necessários para beneficiarem da isenção”. (cfr. Documentos n.ºs 11 e 12 junto com o PPA).
  9. Através de Ofício datado de 24/05/2022, a AT converteu em definitivo o projeto de indeferimento (cfr. Documento n.º 2 junto com o PPA).
  10. Já após a apresentação do PPA e por despacho de 31/10/2022, da Senhora Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, foi revogada a decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, na parte respeitante aos rendimentos contestados e, consequentemente, foi anulada a liquidação de IRS quanto à tributação dos rendimentos ora em causa (cfr. documento junto pelo Requerente e confirmado pela AT em resposta e nas alegações).

 

  1. Factos não Provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

  1. Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal fundou-se unicamente nas alegações das partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

  1. Matéria de Direito

 

  1. Da inutilidade superveniente da lide no que respeita à anulação da liquidação de IRS contestada

O ato tributário objeto do PPA foi revogado pela Requerida para além do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT. A jurisprudência tem sido, contudo, favorável à possibilidade de revogação do ato no decurso do processo arbitral, ainda que para lá do referido prazo de 30 dias, não sendo de considerar que essa revogação constitui uma violação ao princípio consignado no n.º 3 da norma referida de que “findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.

A este respeito citem-se, apenas a título de exemplo, as seguintes decisões do CAAD, bem como algumas passagens relevantes:

  • Processo nº 215/2018-T

“…a anulação administrativa é tempestiva, visto que a Autoridade Tributária praticou o ato anulatório ainda dentro prazo para a apresentação da resposta, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito”.

  • Processo nº 40/2019-T

“…o preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária, relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, exceto com fundamento em factos novos. Porém, afigura-se que esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica”.

 

  • Processo nº 796/2021-T

“…II – Embora ocorrida após o prazo mencionado no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, a verdade é que a revogação, ainda que parcial, dos atos tributários impugnados corresponde à integral satisfação da pretensão dos Requerentes, originando assim a inutilidade superveniente da lide. III – As liquidações corretivas de imposto não devem ser consideradas como atos novos para efeitos do artigo 13.º, n.º 3 do RJAT”.

  • Processo nº 124/2022-T

“Embora ocorrida após o prazo mencionado no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, a verdade é que a revogação, ainda que parcial, dos atos tributários impugnados corresponde à satisfação principal da pretensão dos Requerentes, originando assim a inutilidade superveniente da lide”. 

O Tribunal acompanha o sentido das decisões citadas e, assim sendo, por facto superveniente, deixa de haver objeto do litígio, devendo ser extinta a instância quanto ao pedido feito pelo Requerente de anulação dos atos de liquidação de IRS e de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

Em resultado do pedido de anulação parcial da liquidação de IRS em causa, o Requerente pede que lhe seja reembolsado o montante de imposto e juros indevidamente pago, bem como a atribuição de juros indemnizatórios.

Posição do Requerente

Na revogação operada pela Requerida não é reconhecido ao Requerente o direito a juros indemnizatórios, razão pela qual este, embora concordando com a anulação da liquidação de IRS operada pela AT, considera que, além do reembolso do valor de imposto indevidamente pago, tem igualmente direito a juros indemnizatórios, na medida em que considera ter havido erro imputável aos serviços.

Segundo o Requerente, mesmo após a AT ter sido confrontada com provas expressas da sujeição dos rendimentos em causa ao Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários – através da declaração Modelo 30 de Substituição (apresentada pelo Banco) –, a AT decidiu ignorar todos os factos, mantendo a decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa, bem como a liquidação ora causa, ao invés de, prontamente, diligenciar no sentido de anulação parcial da mesma. Isto é, deliberadamente, a AT decidiu manter uma situação de inequívoca ilegalidade, levando, consequentemente, o Requerente a ver-se confrontado com a necessidade de recurso à via judicial/arbitral para reposição da legalidade.

Posição da Requerida

A Requerida alega, por sua vez, que a questão dos autos só foi suscitada perante a AT a 01/02/2022, mediante a apresentação de um pedido de revisão oficiosa de iniciativa do Requerente, uma vez que já se encontrava esgotado o prazo para reclamação graciosa.

Sustenta a Requerida que a decisão de indeferimento foi objeto de revogação, atendendo a que a declaração modelo 30 de substituição (apresentada pelo Banco) se deve considerar como um documento superveniente que deverá ser tido em consideração tendo presente os princípios da justiça e da verdade material. Atentos estes factos, conclui a Requerida que não houve erro imputável aos serviços para efeitos do nº 1 ou do nº 2 do artigo 43º da LGT.

A Requerida argumenta que, sendo um pedido de revisão da liquidação, apresentado já depois de esgotado o prazo da reclamação graciosa, para efeitos de juros indemnizatórios o enquadramento é o da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT. Uma vez que, de acordo com o previsto naquele dispositivo legal, são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, resulta forçoso concluir que, no caso dos autos, não estão reunidos os pressupostos para o direito a juros indemnizatórios uma vez que ainda não decorreu mais de um ano desde 01/02/2022, data da apresentação daquele pedido.

 

Análise

Importa decidir quanto às seguintes questões:

  1. A extinção da instância quanto à liquidação de IRS implica a sua igual extinção para o pedido de juros indemnizatórios?
  2. Em caso negativo, são devidos juros indemnizatórios ao Requerente?

Quanto à primeira questão, é de notar que a revogação do ato operada pela AT não satisfaz todas as pretensões do Requerente, dado que este, além do reembolso das importâncias indevidamente pagas, pede igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.  

Embora não se trate de uma posição unânime do CAAD, acolhe-se a orientação e a fundamentação tomada, entre outros, no Processo n.º 40/2019-T, citando: “se a remoção dos atos de liquidação (ou da parte inquinada) não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, ou seja da atribuição de juros indemnizatórios (ou de indemnização por prestação de garantia se for o caso), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos”.

Conforme bem fundamenta a decisão no referido processo, um entendimento contrário “não se afigura de harmonia com a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (e, mutatis mutandis, sobre a indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nesta exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional. Jurisprudência com a qual se concorda. A título de exemplo, vide os Acórdãos daquele Supremo Tribunal nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016, e 1101/16, de 3 de maio de 2017”.

Desta forma, uma vez que a revogação operada não satisfaz integralmente a pretensão deduzida no processo, importa responder à segunda questão, que é a de saber se existe direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Assiste razão ao Requerente quando alega que a AT dispunha de todos os dados para decidir de forma favorável no pedido de revisão oficiosa, não colhendo como fundamento do indeferimento a alegada ausência de certificação de residência por parte do Requerente, uma vez que este controlo cabe ao registador direto (o Banco) dos valores mobiliários em questão. Adicionalmente, o lapso cometido pelo Banco nas obrigações de reporte à AT (que erradamente não indicou os rendimentos como estando isentos) não poderia legitimar a recusa do reembolso ao Requerente. Se dúvidas existiam por parte da AT, elas deveriam ter sido esclarecidas com o Banco, enquanto entidade que tem a obrigação de aplicar retenção na fonte ou, no caso de isenção, de controlar a respetiva certificação da residência do titular dos rendimentos.

Não obstante, para os casos de revisão oficiosa, a lei contém a regra especial prevista no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, em que o direito a juros indemnizatórios apenas nasce quando “a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

Esta posição é sustentada por extensa jurisprudência firmada pelo STA. Veja-se, entre outros, o Acórdão do processo n.º 0722/14, de 28/01/2015, do qual se cita a respetiva fundamentação:

“A situação dos autos é enquadrável no nº 3, al. c) do artº 43º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do ato de liquidação praticado em 27/08/2004, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 23/11/2007, apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato tributário.
Entre 2004 e 2007 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão”.

“O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus atos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir”

No caso dos autos, verificou-se o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, decisão essa que veio a ser revogada após o impulso contencioso do Requerente.

Ora, apesar de, como se disse, o referido indeferimento carecer de apoio legal, ainda assim é de aplicar a regra referida no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, estando o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios dependente de a revogação ocorrer após um ano a contar do pedido de revisão oficiosa.

Concretizando, esta regra deve ser aplicada de forma idêntica qualquer que seja a marcha do processo que conduz à revisão do ato. Assim, não haverá direito a juros indemnizatórios se a revisão vier a ocorrer (i) por decisão expressa no pedido de revisão oficiosa antes de ter decorrido um ano; (ii) por revogação antes de decorrido esse período, após processo de impugnação/arbitral interposto na sequência da formação de indeferimento tácito; ou, como é o caso dos autos (iii) por revogação antes de decorrido esse período, após processo de impugnação/arbitral interposto na sequência de indeferimento expresso. De facto, a lei não consagra qualquer regra que determine, nestes casos, que o direito aos juros indemnizatórios nasce após o indeferimento expresso do ato, logo: “o que a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir”.

Considerando que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 01/02/2022 e a revogação do ato pela AT ocorreu em 31/10/2022, não se encontra preenchida a condição imposta pela lei para reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios.

Desta forma, julga-se improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente.   

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, decide o Tribunal Arbitral:

  1. Julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto aos pedidos de anulação parcial da liquidação de IRS em causa e anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao reembolso das importâncias que, em resultado da referida anulação, se devem considerar como indevidamente pagas;
  3. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. Valor do Processo

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo o indicado pelo Requerente, € 6.787,79, o que corresponde ao IRS incidente sobre o rendimento cuja isenção se pugna.

  1. Custas

Custas no montante de € 612 a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Notifique-se.

Lisboa, 14 de março de 2023

O Árbitro,

 

Jorge Belchior de Campos Laires