SUMÁRIO
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a Organismos de Investimento Coletivo constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro, ao mesmo tempo que permite aos Organismos de Investimento Coletivo equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Rita Correia da Cunha (Árbitro Presidente), Paulo Ferreira Alves e Sílvia Oliveira (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 3 de outubro de 2022, acordam no seguinte:
I. Relatório
A... (doravante designado por “Requerente”), Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituído de acordo com o direito Francês e a operar em França, com o número de identificação fiscal português..., com sede social em ..., ..., em França, representado por B..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, requereu ao CAAD a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, no valor de €123.777,88, referente a dividendos distribuídos nos anos 2019 e 2020, com a consequente restituição do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Em 25 de julho de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Autoridade Tributaria.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, as quais nada disseram, foram designados árbitros os signatários que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 3 de outubro 2022.
Em 7 de novembro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 8 de novembro de 2022, foram as partes notificadas de que ficou dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, atento o facto de não terem arrolado testemunhas nem requererem produção de prova adicional. Mais foram notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas no prazo (simultâneo) de 10 dias, de que a decisão arbitral seria proferida até ao final do prazo estabelecido no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT e notificado o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente no prazo para alegações.
Em 15 de novembro de 2022, o Requerente apresentou as suas alegações. A Requerida apresentou as suas alegações em 16 de novembro de 2022.
Posição do Requerente
Os fundamentos apresentados pelo Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
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O Requerente possui residência fiscal em França e é uma pessoa coletiva de direito francês, concretamente um OICVM para efeitos da aplicação da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado de fundo de investimento, supervisionado pela Authorité des Marchés Financieres (AMF).
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O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente em Portugal e sem estabelecimento estável no território nacional.
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No período entre 1 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2020, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, o Requerente auferiu dividendos sujeitos a tributação em Portugal no montante total (bruto) de €495.111,53 (€208.099,39 [2019] + €287.012,14 [2020]), tendo sofrido retenções na fonte, a título definitivo, no montante total de €123.777,88 (€52.024,85 [2019] + €71.753,04 [2020]), em virtude da aplicação da taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC.
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As retenções na fonte foram efetuadas pelo Banco J... enquanto entidade registadora dos títulos.
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O Requerente peticiona que as retenções na fonte de IRC sofridas violam os artigos 63.° e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e por consequente violam o disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
Posição da Requerida
Chamada a pronunciar-se, a Requerida defendeu-se alegando, em síntese, o seguinte:
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Existem dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo.
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Um tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS), conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, estando ainda prevista a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.
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Com efeito, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 29, da qual resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025%, sobre o valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
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Ora, a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
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O outro aspeto de grande relevância para a definição do quadro fiscal dos OIC prende-se com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cf. n.º 10 do artigo 22.º do EBF).
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Por conseguinte, os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.
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Os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso do Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos.
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A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não pode aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, ainda mais quando não estão em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
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O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em sede de Imposto do Selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos.
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Assim, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram os OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e os OIC constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros da UE que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. Em consequência, não se pode concluir que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em desconformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.
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Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos ao Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica
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Relativamente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, não se vislumbrando qualquer ilegalidade que acometa a liquidação contestada, encontra-se prejudicada a possibilidade de pagamento dos mesmos.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de retenção na fonte de IRC (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, a contar da data da presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto (distribuição de dividendos de fonte portuguesa a OIC não residente), e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Matéria de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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O Requerente é um fundo de investimento, constituído em 19 de maio de 2015, ao abrigo do direito francês, sob a forma contratual e não societária– cf. Documento 1.
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O Requerente obedece à estrutura de investimento coletivo (OIC) prevista na Diretiva 2009/65/CE e está sujeito à supervisão da Authorité des Marchés Financieres (AMF) – cf. Documento 3.
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O Requerente tem residência fiscal em Franca, onde é isento de tributação sobre o rendimento das pessoas coletivas – cf. Documentos 1 e 3.
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Entre 2019 e 2020, o Requerente era administrado por uma sociedade gestora de fundos de investimento – B... – também com sede em França, e tem como banco depositário o C... Bank – cf. Documentos 4 e 5.
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Em 2019, o Requerente era detentor de participações conforme o quadro infra, tendo recebido, na qualidade de acionista, dividendos no valor de €208.099,39 que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte em Portugal, pelo agente pagador (Banco J...), à taxa de 25%, resultando no imposto (IRC) pago de €52.024,85, conforme detalhado no quadro seguinte – cf. Documentos 4 e 5:
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Em 2020, o Requerente era detentor de participações conforme o quadro infra, tendo recebido, na qualidade de acionista, dividendos no valor de €287.012,14 que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte em Portugal, pelo agente pagador (Banco J...), à taxa de 25%, resultando no imposto (IRC) pago de €71.753,04, conforme detalhado no quadro seguinte – cf. Documentos 4 e 5:
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Em discordância com as retenções na fonte acima identificadas, por entender que essa tributação consubstancia uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, em consequência, do primado do direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, o Requerente apresentou reclamação graciosa em 23 de dezembro de 2021 – cf. Documento 2.
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A AT não decidiu a dita reclamação graciosa no prazo de 4 meses referido no artigo 57.º da LGT – cf. PA.
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Em 25 de julho de 2022, o Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, do CPC (aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, que é consensual.
Igualmente, na resposta apresentada no presente processo, a Requerida apenas manifestou desacordo com o Requerente relativamente à matéria de direito.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
IV. Matéria de Direito
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Retenção na Fonte de IRC aos OIC não Residentes – Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TFUE
A questão de direito a decidir respeita à compatibilidade com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC constituídos noutro Estado-Membro, no caso em França, com observância dos requisitos da Diretiva 2009/65/CE.
Os dividendos recebidos por OIC residentes não são tributados em sede de IRC. Já os dividendos recebidos por OIC não residentes, constituídos num outro Estado-Membro da União Europeia nos termos da Diretiva 2009/65/CE, são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC.
O problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia do Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.
Nesse processo de reenvio estava em causa um OIC constituído ao abrigo da legislação alemã (de acordo com os requisitos da Diretiva 2009/65/CE), que estava isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas na Alemanha, o que o impedia de recuperar o imposto suportado (por retenção na fonte) em Portugal sobre os dividendos recebidos de fonte portuguesa, sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desse imposto, ao abrigo de convenção para evitar a dupla tributação ou da legislação doméstica alemã.
Verifica-se, assim, o total paralelismo com o caso sob exame, o que justifica a aplicação da conclusão interpretativa alcançada pelo Tribunal de Justiça no processo assinalado, no sentido de que o artigo 63.° do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro [como a portuguesa], por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Segundo a interpretação do Tribunal de Justiça no Acórdão em referência, tal caso é abrangido pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – cf. pontos 33 e 36 do Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C-545/19.
Prossegue o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes, com plena aplicabilidade à situação em análise:
“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].”
É, pois, nos termos expostos, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OIC não residentes face aos OIC residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal (cf. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7, e 87.º, n.º 4, do Código do IRC). Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, é desconforme ao direito da União Europeia exceto se, de duas uma: (i) respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis; ou (ii) for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
Importa, assim, aquilatar sobre estes dois motivos de exclusão, continuando o Tribunal Arbitral a acompanhar o Acórdão do Tribunal de Justiça em referência, que se transcreve:
“Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis
44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral
75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Resulta, em síntese, da apreciação do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não é admissível por se verificar, por um lado, a comparabilidade dos OIC residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.
Neste âmbito, sublinha-se que, tal como refere a decisão arbitral no processo n.º 99/2019-T, o Tribunal de Justiça ponderou “(i) quer o facto de os OICs Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e o de, assim, os dividendos serem tributados na esfera dos Participantes”.
Acresce que, como salienta a decisão no processo arbitral n.º 370/2021-T:
“Por outro lado, o Estado português não compensa aos titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros residentes em território português ao imposto português retido a estes em Portugal, o que é suficiente para que se considere a tributação desses residentes não estar salvaguardada pela doutrina do Acórdão [do Tribunal de Justiça] C-282/07.
Segundo o nº 23 daquele Acórdão, a possibilidade de reservar a isenção da retenção na fonte aos OICVMs residentes, como fez o legislador nacional, não pode ir além do necessário para garantir a coerência do regime fiscal em causa, o que deve ser determinado caso a caso, o que não acontece no presente caso: a coerência do sistema fiscal não justifica a abdicação pelo Estado português do poder de tributação dos não residentes titulares de unidades de participação em OICVMs nacionais, nem o não reconhecimento aos residentes titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros de crédito do imposto retido em Portugal .
Tendo o legislador optado por isentar os rendimentos redistribuídos por OICVMs nacionais a não residentes, a retenção aos OICVMs estrangeiros mas que respeitem as exigências impostas pela lei nacional aos OICVMs violaria o princípio da equivalência de tratamento, já que a sua única justificação seria a garantia da cobrança de um imposto à qual, em situações equiparadas, renunciou.
Com efeito, de acordo com o nº 28 do Acórdão do TJUE C-338/11 a 347/11[3], apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação nacional da tributação dos OICVMs devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva.
Quando um Estado-Membro escolha exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVMs beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações dos OICMVs seria desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação: a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório ou não da referida regulamentação deve ser realizada apenas ao nível do veículo de investimento, o OICVM, e não ao nível do investidor.”
À face do exposto, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, que versa sobre uma situação idêntica à dos presentes autos, regida pelo mesmo quadro legislativo, impõe-se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pelo Requerente, na qualidade de OIC não residente, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), e n.º 5, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC, uma vez que os OIC residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF.
Como salienta a decisão do processo arbitral n.º 131/2021-T, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º TFUE que a jurisprudência do Tribunal de Justiça “tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».”
Termos em que é procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, com a consequente restituição do imposto retido (cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
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Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios
O Requerente peticiona juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, que dependem da verificação da condição de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Para tanto, propugna o entendimento de que o facto de a retenção ter sido realizada por uma entidade privada não obsta a que a mesma não esteja a exercer um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do Código do IRC, pelo que o erro na liquidação terá de ser necessariamente “imputável aos serviços”.
Afigura-se, contudo, que a subsunção (ou dito de outro modo, equiparação) do comportamento declarativo de um substituto tributário ou do próprio contribuinte a “erro imputável aos serviços”, não é direta e terá de fazer-se com o subsídio do n.º 2 do artigo 43.º da LGT. Esta norma considera existir tal erro quando, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte (no caso concreto, deve ler-se, numa interpretação extensiva, com base na declaração do “substituto”), este tenha seguido as orientações genéricas da Autoridade Tributária, devidamente publicadas. Tal circunstancialismo não foi, porém, alegado, nem demonstrado pelo Requerente, pelo que o enquadramento dos juros indemnizatórios só tem cabimento na alínea d) do n.º 3 do citado artigo 43.º da LGT que postula o respetivo pagamento “[e]m caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. Segundo entendemos a violação do direito da União Europeia também deve considerar-se abrangida pela previsão desta alínea d), quer por força do princípio da equivalência e do primado, quer do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da nossa Constituição.
Assim, assiste ao Requerente o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, a partir da data do trânsito em julgado da decisão arbitral.
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Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação e, em consequência:
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Declarar ilegais e anular as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, referentes a 2019 e 2020, no valor de €123.777,88, declarando-se ilegal e anulando-se também a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente em 23 de dezembro de 2021.
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Condenar a AT a restituir as importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de €123.777,88.
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Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.
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Condenar a AT nas custas do processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de €123.777,88, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de €3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 4.º do RCPAT.
* * *
Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP, e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
* * *
Lisboa, 10 de março de 2023
Os Árbitros,
Rita Correia da Cunha
(Árbitro Presidente, com voto de vencido em anexo)
Paulo Ferreira Alves
(Árbitro Adjunto e Relator)
Sílvia Oliveira
(Árbitro Adjunto)
VOTO DE VENCIDO
Não obstante acompanhar o sentido decisório da opinião maioritária deste Tribunal Arbitral relativamente à questão decidenda, entendo que, no caso sub judice, os juros indemnizatórios não são devidos ao Requerente nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT. Em bom rigor, a ilegalidade julgada procedente nos presentes autos não teve como fundamento uma anterior decisão judicial que, com carácter geral e abstrato, julgasse inconstitucionais ou ilegais as normas em juízo. Tal como se decidiu na Decisão Arbitral proferida a 10-11-2021, no processo n.º 189/2021-T:
“Ao referir como fundamento do direito a juros indemnizatórios decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, o legislador da Lei nº 9/2019, reportou-se diretamente ao mecanismo de fiscalização abstrata da inconstitucionalidade ou ilegalidade regulado no art. 281º da CRP e não à recusa de aplicação em casos concretos por qualquer tribunal de normas legislativas ou regulamentares com fundamento na sua ilegalidade ou inconstitucionalidade que, aliás, está sempre sujeita ao controlo do Tribunal Constitucional, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 280º da CRP.
Ora, como se referiu, a incompatibilidade de norma de direito nacional com norma de direito internacional, incluindo o TFUE e o próprio direito derivado da União Europeia, vinculativa do Estado português, não está sujeita à fiscalização abstrata do TC, sendo apenas a recusa da sua aplicação pelos tribunais nacionais – e não a sua aplicação por estes- passível de recurso para o TC.
Tal Lei nº 9/2019, como explica o referido Acórdão do STA de 23/10/2019, segue-se à prolação do Acórdão n.º 848/2017, do Tribunal Constitucional, de 13/12/2017 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas do Município de Lisboa, ao abrigo das quais foram efetuadas as liquidações impugnadas, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 103.° e na alínea i) do n.º 1 do art.º 165º, da CRP, bem como do nº 1 do art.º 43.º da LGT.
Tal possibilidade de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral não é aplicável, porque o não prevê, o nº 1 do art.º 281º da CRP, às normas de direito nacional incompatíveis com o TFUE e o direito derivado, apenas passíveis da fiscalização concreta, em caso de recusa da sua aplicação, prevista na alínea i) do nº 1 do art.º 70º da LOTC.
As referidas decisões do CAAD, da autoria de tribunais arbitrais e não de tribunais judiciais, não têm caráter geral e o respetivo caso julgado limita‑se ao processo em que foram proferidas, não podendo ser consideradas para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Do mesmo modo, o Acórdão do TJUE no proc. C-169/2020 limita-se à verificação do incumprimento pelo Estado português das obrigações previstas no art.º 110º do TFUE, não contendo qualquer declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do art.º 217º da Lei nº 42/2016, reservada aos tribunais nacionais”.
O mesmo entendimento foi também acolhido na Decisão Arbitral proferida a 28-07-2022 no processo n.º 816/2021-T (entre outros).
A ilegalidade decorrente da violação do Direito da União Europeia não obsta a que se considere verificado um erro que confira o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, bastando para o efeito que tal erro seja imputável aos serviços. No caso em análise, os erros que afetam as retenções na fonte contestadas não são imputáveis aos serviços para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT (juros indemnizatórios), visto que as retenções na fonte não foram praticadas pelos serviços. No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente. Na verdade, não estando exonerada do dever de aplicação do Direito da União Europeia, a AT deveria ter deferido a pretensão do Requerente em sede de reclamação graciosa. Não o tendo feito, a AT manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18-01-2017: “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”. Nestes termos, conclui-se que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços (no mesmo sentido: Decisão Arbitral de 14-05-2019, processo n.º 637/2018-T, Decisão Arbitral de 27-05-2019, processo n.º 678/2018-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28-07-2022, processo n.º 816/2021-T).
Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07-04-2021:
“(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando‑se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.
Neste ponto, apenas, resta problematizar se, na situação versada (ou equiparáveis), o dies a quo deve corresponder ao da data da apresentação da impugnação administrativa (reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico) ou ao do momento em que os competentes serviços da AT se pronunciam/comunicam o resultado da pronúncia ao contribuinte.
(…) julgamos, justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar o disputado dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa (...), isto é, o período, atualmente, de 4 meses”.
O mesmo entendimento foi acolhido na Decisão Arbitral de 01-02-2022, processo n.º 345/2020-T; Decisão Arbitral de 23-05-2022, processo n.º 558/2020-T; Decisão Arbitral de 13-07-2022, processo n.º 115/2022-T; Decisão Arbitral de 28-07-2022, processo n.º 816/2021-T; Decisão Arbitral de 25-11-2022, processo n.º 114/2022-T.
No caso em apreço, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade das retenções na fonte contestadas em 23-12-2021. A AT deveria ter-se pronunciado sobre a mesma no prazo de quatro meses (cf. artigo 57.º, n.º 1, da LGT), ou seja, até 23-04-2022. Assim sendo, entendo que o Tribunal deveria ter determinado que os juros indemnizatórios sobre o montante de €123.777,88 começaram a contar desde o dia 24-04-2022 até ao integral reembolso do referido montante ao Requerente.
Rita Correia da Cunha